A governância urbana pode ser apreendida a vários níveis [S. GONZÁLEZ et al., 2001]:
No entanto, o vocábulo ‘governância’ é caracterizado mais pela sua ampla utilização do que pela clareza ou singularidade de sentido. Uma das formulações mais pertinentes neste campo foi fornecida por O. YOUNG [1994: 15]:
"A governância aparece como uma preocupação social onde os membros de um grupo descobrem que são interdependentes no sentido de que as acções de cada um afectam o bem estar dos outros (…) A governância envolve a criação e actuação de instituições sociais (i.e. regras do jogo que definam as práticas sociais, atribuam papéis e conduzam as interacções entre os possuidores desses papéis) capazes de resolver os conflitos"
.
Tal conceito de governância surge ao reconhecer que existem outras formas de lidar com os interesses divergentes e problemas de acção colectiva além do estado e seus organismos, permitindo comprovar a perda de importância do seu papel em proveito de formas mais diversificadas de intervenção, nomeadamente através das relações contratuais entre diversos actores tais como o estado, as colectividades territoriais, as empresas privadas, os diversos tipos de expressão dos interesses locais, etc.
Caminhando um pouco a montante, pode-se afirmar que, durante os últimos anos, a concepção ‘westfaliana’ tradicional de estado soberano tem sido pressionada de forma crescente não só em teoria, mas também na prática, como tem sido evidenciado pela crescente importância atribuída à participação dos actores ‘não-governamentais’ ou ‘quase-governamentais’ na tomada de decisões em questões políticas internas e internacionais [SAMPFORD, 2002: 79].
De facto, segundo este autor, desde o Tratado de Westfália, em 1648, o estado era visto como a resposta à maioria dos problemas de governo. Num mundo condicionado por recursos escassos, altruísmo limitado e capacidade limitada de os próprios indivíduos se defenderem contra os ataques de outros, necessitava-se de uma fonte de poder opressivo que impusesse a ordem, criasse regras e se necessário distribuísse os recursos.
Actualmente, os sinais indicam que se caminha para um mundo onde as instituições atravessarão as actuais fronteiras nacionais e, ao contrário dos estados soberanos, não reclamarão jurisdição sobre todas as áreas da vida quotidiana (embora a construção da União Europeia pareça ir mais além, caminhando para uma união de estados federais). Deste modo, a governância eficaz na era da globalização não será alcançada através de uma única regra, instituição ou política económica, mas requer uma abordagem multifacetada, multidisciplinar e interdisciplinar.
Embora o governo seja visto como tendo um papel mediador e determinante, considera que valores devem ser aplicados, toma as decisões, usa o poder para implementar as políticas – incluindo os incentivos económicos e a elaboração das regras normativas (i.e. a lei). Na governância moderna o estado não é o único actor relevante. Outros grupos são envolvidos – públicos, privados, ONG, aos níveis local, nacional e internacional. Estes grupos procuram ter e aplicar o poder, fornecer diferentes sugestões científicas e práticas (frequentemente parciais), fornecer incentivos, discutir valores e procurar formular regras normativas.
O conceito de governância permite ultrapassar, então, as concepções centradas exclusivamente nos políticos locais e as abordagens estritamente institucionais dos organismos públicos locais e encarar novos mecanismos de negociação entre diferentes grupos cujas relações se definem ou pela cooperação ou pela competição. Opera-se, assim, sobre uma concepção alargada do governo das cidades: não se pode encarar mais o poder local como sendo exclusivo da autarquia. De facto, os governos urbanos já não são mais capazes, ou não tão capazes como pensavam que eram anteriormente, para conduzirem os eventos [KEARNS e PADDISON, 2000], por isso "a gestão urbana não pode ser compreendida actualmente em termos de modelos de governo ‘top-down’ ou de ‘comando e controlo’" [HEALEY et al., 1995: 18]. Tal mudança deveu-se a vários factores, como oportunamente salientámos: a globalização da economia e a perda do controlo por parte dos governos urbanos sobre a sua economia.
Por outro lado, a competição interurbana tornou-se muito intensa, com as cidades a tentarem ‘vender-se’ a elas próprias, fenómeno que foi designado por "guerra dos lugares" [HAIDER, 1992, cit. em KEARNS e PADDISON, 2000]. Assim, num mundo crescentemente competitivo, os governos urbanos têm-se tornado mais empreendedores, um papel que potencialmente está em conflito com o estado-providência tradicional.
Acrescente-se que as cidades consideram os governos nacionais menos capazes para as ajudarem e menos relevantes para o seu futuro, reflectindo a justificação de OHMAE [1995, cit. em KEARNS e PADDISON, 2000] da mudança das inter-relações urbano-regional num mundo global. Assim, as cidades tentaram ‘desligar-se’ das suas economias nacionais, por vezes superando o estado nacional, orientando-se mais para a arena internacional através da cooperação transfronteiriça e transnacional.
Ao mesmo tempo que a globalização invade as cidades, outras mudanças nas esferas política, social e territorial também envolvem, ou têm implicações no papel e actividades dos governos locais. O estado-providência universalista tem sido sucessivamente erodido pelas reformas neoliberais de forma que as atribuições são mais limitadas e os benefícios e serviços prestados menos adequados e menos abrangentes na sua cobertura.
A descentralização política tem sido defendida devido à necessidade de responder aos desafios locais e às diferenças entre os territórios, resultados que fomentaram a diversificação e a inovação. Por isso, a mudança para envolver primeiro o sector privado e mais recentemente o sector associativo, na gestão das actividades e tomada de decisões, e a expansão, em finais da década de 1990, das iniciativas políticas territoriais que visaram a regeneração urbana, pode ser explicada à luz destas considerações.
Governar as cidades também se tornou mais difícil pela crescente complexidade da vida social. A relação entre pessoas e lugares é mais difusa do que em períodos anteriores [HEALEY, 1997c], desta forma, a cidade pode ser vista como "um lugar de redes de relações sobrepostas a diversas escalas territoriais" [HEALEY et al., 1995: 4]. De novo, reflectindo a percepção de perda de controlo do governo, argumenta-se que as políticas públicas não mais poderão ser do que ensaios inseridos no "conjunto relacional" da cidade. Existe maior diferenciação social dentro da cidade e novos estilos de vida são experimentados e adoptados [HEALEY, 1997c].
Estes elementos de diversidade social e diferenciação activa são acompanhados pela polarização e exclusão sócio-territorial. Assim, a celebrada cidade da diferença, espaço partilhado e interacção social [WIRTH, 1938, cit. em KEARNS e PADDISON, 2000] deu lugar à cidade da indiferença e da intolerância, contendo espaços de exclusão.
Estas mudanças nas cidades podem ser representadas como o triunfo do caos e da desordem. A cidade ordenada degenerou num "pântano de relações fragmentadas e recombinadas" [HEALEY et al., 1995: 6]; em vez de uma economia e sociedade urbana coesas, existe a cidade de "peças e remendos" [AMIN e THRIFT, 1995]. Embora isto signifique que as cidades estejam ‘desreguladas’ e então impermeáveis às forças da governância, a complexidade urbana está sempre sujeita à intervenção humana. Tal requer um entendimento de que as cidades compreendem diferentes formas que colidem e que existem relações de poder que são retratadas nas relações territoriais que reflectem e reproduzem tais relações sociais subjacentes.
Assim, a governância urbana não é uma tentativa para reganhar o controlo, mas em vez disso, para tentar gerir e regular a diferença e ser criativo nas arenas urbanas. A maioria das mudanças que foram descritas em termos negativos também têm possibilidades positivas, nomeadamente, a fragmentação institucional pode induzir processos inovadores e as incertezas económicas podem resultar na reivindicação e utilização das culturas, valores e imagens locais. A lógica da governância pode, então, ser entendida como um mecanismo de coordenação com capacidade para inovar e aprender num ambiente em mudança, especialmente em situações de complexa interdependência recíproca entre organizações autónomas operacionalmente com interesses partilhados. Desta forma, os mecanismos de ‘governância’ fomentaram a mudança das hierarquias e burocracia para as redes auto-organizadas ou ‘heterarquia’ [KEARNS e PADDISON, 2000], valorizando as mudanças macro-sociais, nomeadamente a intensificação da complexidade da sociedade e as crescentes interdependências na e entre a economia e a política que acompanham a globalização/continentalização. Estas mudanças significam que as novas condições sociais e económicas e os novos problemas não podem ser geridos ou resolvidos em exclusividade quer através do planeamento público, quer através do liberalismo puro.
STOKER [1996] segue esta linha de argumentação ao constatar que a ‘governância’ refere-se ao governo com fronteiras permeáveis entre as organizações do sector público e do sector privado, baseia-se na interdependência, mas também envolve responsabilidades partilhadas ou imprecisas entre tais organizações, não só nas questões económicas como nas sociais.
Em suma, a governância é a capacidade de operar perante a complexidade, conflito e mudança social: as organizações e os governos combinam os seus recursos, competências e finalidades. Deste modo, uma das suas exigências essenciais é a do envolvimento da sociedade civil nas questões da condução da mudança social.
2.1.1.4 - A exigência por um maior envolvimento da sociedade civil nos processos de planeamento: o papel da democracia participativa
Na Europa, o desenvolvimento urbano implica uma nova qualidade no processo de regulação social que considera a pluralidade da sociedade urbana como um ponto de partida, considerando importante ter uma troca de pensamentos e de opiniões ampla e aberta de forma a obter transparência [FASSBINDER, 1997, cit. em WIGMANS, 2001]. Por isso, a estrutura da sociedade deve basear-se num conjunto de actores económicos, sociais e institucionais interligados, de entre os quais nenhum tenha a exclusividade sobre o seu desenvolvimento, uma vez que as responsabilidades são cada vez mais descentralizadas e partilhadas. Assim, uma sociedade baseada em redes é uma sociedade dinâmica, aberta, permanentemente inovadora, capaz de estender-se sem limites, integrando novos nós sempre que possam comunicar-se entre si. No entanto esta sociedade em rede é conduzida e depende de fluxos de informação [CASTELLS, 1996]. O planeamento estratégico deve ser um primeiro passo da gestão estratégica entendida como ‘gestão relacional’ entre os actores urbanos.
A pluralidade das condições sociais é afinal de contas tão imprevisível, complexa e volátil, que um só actor é incapaz de a dirigir. Este facto requer que os actores se direccionem para o respeito e confiança no ‘outro conhecimento’ existente no ambiente social. O desenvolvimento e o planeamento são tão complexos que nenhuma organização pode abarcar todas as suas consequências. De facto, ninguém pode pretender ter o conhecimento completo de todos os pensamentos, pontos de vista e percepções.
O desenvolvimento eficaz e equilibrado de qualquer cidade passa pela construção voluntarista de um projecto estratégico pondo em coerência e sinergia as iniciativas que possam nascer. Esta abordagem deve permitir uma melhor territorialização das políticas sectoriais, numa abordagem mais concertada e pluridisciplinar. É propícia à inovação, que se tornou o verdadeiro motor do desenvolvimento, fomentando a capacidade de aproveitar oportunidades e mobilizar iniciativas. De facto, segundo BOOHER e INNES [2002: 225], à medida que os participantes e intervenientes constróem as suas interdependências, criam um novo potencial, podendo surgir inovações de forma a responderem aos desafios. Tais inovações tornam possível a mudança de forma adaptativa e fomentam a acção conjunta de forma construtiva.
A criação de uma cultura de confiança e de cooperação entre os actores urbanos é, assim, uma condição necessária para conseguir o desenvolvimento económico e social. Desta forma, um plano estratégico deve dinamizar a cidade implicando os recursos de todos os actores públicos e privados, criando sinergias entre eles a partir da partilha dos mesmos critérios de actuação consolidando formas democráticas de planeamento.
2.1.1.4.1 - Diversas acepções de democracia
A democracia deve ser concebida como um processo em perpétuo movimento, sempre em busca de uma melhoria constante, nunca sendo considerada como um estádio final. Por isso requer: que os cidadãos, quer de forma directa, quer através de representantes, escolham e controlem o processo e os resultados da governação (o primado do interesse público sobre os interesses privados e a exigência pelo cumprimento das leis); que a oportunidade para a participação directa nas estruturas de governo seja aberta a quase todos, com muito poucas exclusões [WALLACK, 1999]; e que de alguma forma, os cidadãos sejam equitativamente considerados no processo de tomada de decisões. Neste sentido, para LONDON [1995], o traço distintivo da democracia é a liberdade de expressão quer nas conversações políticas, quer na discussão das questões públicas.
Segundo BAINBRIDGE e DODDRELL [1999], podem-se apresentar três definições fundamentais de democracia, segundo as expressões "governo pelo povo", "governo para o povo", "governo do povo". Nas duas primeiras expressões as referências-chave são as instituições e os procedimentos de governo; na primeira definição de democracia, o governo expressa a vontade da população governada, onde esta pode periodicamente votar em eleições e escolher os eleitos; a segunda significa que o governo é escolhido com base nos interesses do povo que representa. Na terceira refere-se a um conceito lato de equidade social, sendo, por isso, a de maior alcance: sugere que a democracia favorece a equidade, a participação e a tolerância.
De acordo com VOOGD e WOLTJER [1999: 837], na democracia directa (participativa ou deliberativa) os cidadãos tomam eles próprios as decisões, enquanto que na democracia indirecta (ou representativa) são os seus representantes que decidem. A democracia representativa implica a realização de eleições livres e justas, assembleias representativas, executivos responsáveis e uma administração pública politicamente neutra ("governo para o povo") [OCDE, 2001], enquanto que a democracia participativa implica o "governo pelo povo". No entanto, a introdução de elementos da democracia participativa não visa substituir, mas completar, a democracia representativa, por forma a aumentar a aceitabilidade e a eficácia das decisões [CCE, 2001b].
Por isso, se tradicionalmente a democracia é entendida na sua asserção restritiva de democracia representativa, contudo, e como foi salientado em secção precedente, a necessidade de fortalecer a confiança pública nas instituições e inverter a erosão provocada pelo abstencionismo eleitorial, bem como a crise de militância nos partidos políticos, a que podemos acrescentar a exigência por melhorar a qualidade das políticas e enfrentar eficazmente os desafios actuais e responder às exigências de uma administração mais transparente e responsável, tem obrigado a administração pública a envolver grupos de cidadãos na concepção de políticas. Além disso, têm procedido à realização de outras medidas: descentralização por forma a reduzir o fosso entre a administração e os cidadãos; novas formas de consulta pública (em adição às eleições e referendos) e novas ferramentas (as NTIC). Fazendo isto, a administração reconhece que os cidadãos não podem ser tratados como um grupo homogéneo, que podem rejeitar as propostas formuladas se forem consultados tardiamente no processo de planeamento e que envolver os cidadãos de forma eficaz requer compromisso, recursos e tempo [OCDE, 2001]. Assim, as relações entre a administração e os cidadãos são o elemento central da boa governância.
O envolvimento dos cidadãos é especialmente importante quando [INSTITUTE ON GOVERNANCE, 1998]: o conflito é prolongado e a existência de um impasse dificulta as posições no campo oficial conduzindo a frustrações; a comunicação é difícil ou distorcida entre as partes envolvidas; os custos desse impasse são evidentes e têm tendência para aumentar; as partes sentem que é perigoso ignorar um problema, mas pensam que as abordagens formais não estão a ser bem sucedidas. Deste modo, a dinamização urbana pode ser feita através de formas de concertação entre agentes económicos e sociais (dando lugar à criação de parcerias) e de participação pública (da sociedade civil em sentido lato).
Restringindo mais o campo de análise, a participação é entendida como o papel activo que todos os cidadãos devem ter nos processos de planeamento e gestão, passando pela consciencialização e envolvimento da população nestes processos. Desta forma podem-se distinguir quatro formas de implicação da população na condução dos projectos de desenvolvimento: a informação, a consulta, a concertação e a cooperação. Cada uma delas constituem mecanismos com finalidades distintas.
Durante um processo de informação, os habitantes são simplesmente informados dos projectos e não participam na sua elaboração e no processo de tomada de decisões. É uma relação unidireccional e cobre tanto o acesso ‘passivo’ à informação da parte dos cidadãos, como medidas ‘activas’ para disseminar informação aos cidadãos [OCDE, 2001], exigindo que os cidadãos conheçam e compreendam os seus direitos – e estejam dispostos e capazes de agir segundo estes.
A consulta é vista como uma relação bidireccional na qual os cidadãos fornecem feedback à administração [Ibid.]. Baseia-se na definição prévia pelo governo ou administração pública do problema ao qual os pontos de vista dos cidadãos são desejados e requer o fornecimento de informação.
Os governos definem os assuntos a consulta, formulam as questões e gerem o processo, enquanto os cidadãos são convidados a contribuir com os seus pontos de vista e opiniões. Neste sentido, as opiniões ou pareceres dos habitantes poderão ser tidos em conta, mas este processo não implica uma negociação.
Os habitantes e os stakeholders podem ser consultados antes da elaboração de um projecto para conhecer as suas aspirações, ou pode-se pedir a sua opinião sobre um anteprojecto, por forma a tê-los em conta na realização do projecto definitivo. As consultas a posteriori para conhecer a opinião dos habitantes sobre projectos já completamente definidos, geralmente, só visam ratificar as decisões já tomadas. Desta forma, são percebidas como manipulações e fazem perder toda a credibilidade dos responsáveis.
Tanto na participação através de processos informativos como de consulta, quem inicia o processo de colaboração mantém o poder de decisão, como tal, normalmente não se cria um grande envolvimento entre os intervenientes ao contrário da concertação e cooperação.
A participação activa ou concertação pode ser entendida, em sentido lato, como a capacidade de entendimento e de interacção entre diferentes entidades com jurisdição ou poder interventivo numa determinada área, sendo, então, uma forma específica de participação, onde se dá lugar à concertação de interesses através da realização de parcerias, funcionando ao nível da tomada de decisões e acções conjuntas [BALSAS, 2002: 27].
É, assim, uma relação baseada no partenariado, supondo que os decisores se comprometem a negociar com os actores envolvendo-os activamente na definição do processo e conteúdo das políticas. Reconhece posição igual aos actores na definição da agenda, na proposta das opções políticas e na modelação do diálogo político – embora a responsabilidade pela decisão final ou formulação da política seja do governo.
A participação activa reconhece a capacidade dos cidadãos e outros agentes discutirem e gerarem opções políticas de forma independente. No entanto, importa, desde logo, precisar o objecto da concertação, o que é negociável e o que não o é, as modalidades de negociação, os entraves e os limites da negociação.
O compromisso de uma cooperação (ou co-gestão) com grupos de cidadãos supõe que estes são estreitamente associados, do início ao fim, na elaboração de um projecto. Os agentes implicados participam então no trabalho técnico de definição do projecto e na tomada de decisões [BONETTI e SECHET, 2001].
O acesso à informação é uma pré-condição básica para envolver os cidadãos [OCDE, 2001: 13]. O primeiro passo para conceber processos eficazes de envolvimento dos agentes na concepção de políticas é definir claramente o objectivo do exercício e identificar o grupo-alvo, bem como a adopção de uma metodologia apropriada adaptada às práticas e tradições locais. Deste modo, por forma a fortalecer as relações com os cidadãos, os governos devem assegurar-se que:
Assim, a colaboração é preferível ao conflito, onde os cidadãos necessitam de um canal para o diálogo e a discussão, e onde o dissentimento deve ser aceite como parte deste processo. Deste modo, é inevitavelmente um processo lento – o processo de procurar um campo comum que permita aos participantes fomentar a empatia (ou seja, a compreensão intuitiva) e a compreensão mútua. Contudo, para manter vivo o interesse é necessário criar sucessos ou apresentar resultados visíveis a curto prazo.
Desta forma, nos últimos anos tem dominado um paradigma de planeamento que se baseia no debate e na construção do consenso, pressupondo "um processo interactivo de construção do consenso e de implementação utilizando o partenariado e o envolvimento da sociedade" [MARGERUM, 2002], a "transferência de conhecimento crítico para a acção" [FRIEDMAN, 1987], "permitindo aos indivíduos relacionarem o seu conhecimento com as suas capacidades de comunicação" [CASTELLS, 1998], "a mobilização de potencialidades colectivas", "deixando revelar e confrontar o conhecimento de diferentes comunidades" [HILLIER, 1993], sendo então um "planeamento através do debate" e "inventado através de processos reflexivos de comunicação inter-subjectiva" [HEALEY, 1993].
É dada atenção "à construção de arenas nas quais os programas são formulados e os conflitos são identificados e mediados" [CASTELLS, 1998: 29]. O plano torna-se uma referência para a interacção contínua com a qual os discursos devem evoluir [HEALEY, 1993]. Um dos objectivos é oferecer estratégias retóricas de forma a criar e sustentar um discurso público e democrático. BORJA e CASTELLS [1997: 117] promovem, de acordo com esta ideia, o plano estratégico como um tipo de solução para uma abordagem integrada da cidade: "um plano estratégico é o resultado de um projecto de cidade que unifica diagnósticos, medidas específicas públicas e privadas e estabelece um quadro coerente de mobilização e cooperação entre os agentes sociais urbanos".
Segundo FORESTER [1989], o debate deve estar no centro de qualquer exercício de planeamento, pois este é um processo interactivo onde a formulação de planos pode utilizar debates como um processo de aprendizagem social. Por outro lado, qualquer processo de planeamento estratégico não deve pretender limitar-se somente à formulação de um plano, mas também, e acima de tudo, à criação ou reforço das dinâmicas de construção da "capacidade institucional" [AMIN e THRIFT, 1995]. Este conceito combina o "capital social" com o "capital intelectual" e o "capital político" [HEALEY, 1997a].
A despeito das pequenas variações em várias abordagens, todas elas propõem o planeamento comunicativo (interpretativo e interactivo). Este conceito de planeamento é baseado na ‘teoria crítica de planeamento’ de Jürgen Habermas [MÄNTYSALO, 2002; PLØGER, 2001]. Habermas, reconstruindo os ideais do Iluminismo (a emancipação do cidadão e a democratização da sociedade baseadas nos três pilares fundamentais: igualdade, fraternidade e liberdade), e criticando os do Marxismo (na medida em que este não considera o elemento humano, limitando-se a explicar a evolução humana através do progresso económico), apresenta uma nova corrente de pensamento.
Para Habermas o processo de aprendizagem é um elemento dinâmico e imprevisível. Elimina as noções de revolução e de luta de classes e introduz o conceito de crise. Esta crise consiste em que a sociedade moderna não satisfaz as necessidades individuais e que as instituições na sociedade são manipuladas por alguns indíviduos. As pessoas interagem para responder a esta crise (Habermas designa esta interacção por "acção comunicativa").
A teoria da acção comunicativa é entendida como um projecto inter-subjectivo, em termos de uma "pragmática transcendental" de emancipação do fundamentalismo, totalitarismo e nihilismo. É uma teoria que retém o compromisso para com os valores de compreensão mútua, justiça, crítica, autenticidade ou seriedade, razoabilidade e consenso racional, mas que coloca a fé no princípio regulador da "situação ideal do discurso", através da livre participação e da adopção de um "discurso ético", onde aqueles valores devem ser alcançados em toda a sua expressão. Especialmente, quando se argumenta, quando se procura levar os outros a aceitarem os nossos pontos de vista em questões fundamentais – nós tacitamente assumimos que essas normas são válidas para todos: os nossos argumentos são concebidos para persuadir os outros que devem concordar connosco respeitando tais normas. No discurso a força natural do melhor argumento prevalece, embora este ideal seja muito difícil de alcançar nas discussões quotidianas devido a outras forças: poder, ameaça, intimidação, etc.
Por forma a "imunizar" o discurso contra a força, repressão e desigualdade, Habermas defende um conjunto de regras e condições que devem fomentar a igualdade discursiva, a liberdade e o "jogo limpo":
Neste sentido, esta troca de opiniões requer solidariedade, atitude crítica, uma perspectiva compreensiva ou solidária – que não se procure somente compreender intelectualmente o argumento do outro – mas também procurar sentir solidariamente como o outro será afectado pelas normas em discussão. Tomadas em conjunto, estas condições circunscrevem uma "situação ideal de discurso", na qual, argumenta Habermas, os membros de uma dada comunidade chegam a um consenso sobre normas importantes para essa comunidade. Este consenso significa, por outras palavras, que as normas com as quais vivem são normas escolhidas pelos próprios – e assim, são expressões da sua liberdade, em vez de restrições à sua liberdade. Por isso, o discurso ético e a situação ideal de discurso são, ao mesmo tempo, segundo Habermas, condições necessárias quer para as formas democráticas de discurso, quer para as formas democráticas de governo.
De acordo com John Stuart MILL, a participação é uma condição absoluta para a democracia, simbolizando este autor uma visão ‘ética’ da participação: "(…) o único governo que possa satisfazer plenamente todas as exigências da condição social é aquele em que o conjunto da população participa; que qualquer participação (…) é útil; que quanto maior for a participação maior será o grau de melhoria geral da comunidade" [MILL, 1910: 3, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999]. Ao contrário, DAHL defende uma visão mais ‘realista’ da participação: "(…) penso que devemos concluir que os pressupostos clássicos da necessidade da participação total dos cidadãos na democracia são inadequados. O que chamamos ‘democracia’ – ou seja, um sistema de tomada de decisões no qual os líderes são mais ou menos sensíveis às preferências dos não-líderes – parece funcionar com um nível relativamente baixo de participação dos cidadãos. Por isso, é inapropriado dizer que uma das condições necessárias para a democracia é a participação alargada dos cidadãos. Seria mais razoável simplesmente insistir que é necessária alguma participação mínima, mesmo que não especifiquemos com alguma precisão o seu limite" [DAHL, 1961: 60, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999].
Em suma, consideramos que a participação dos membros da sociedade civil deverá ser desobstruída de prejuízos ideológicos, de limitações temporais e de dominação externa – seja ela cultural, social, política ou económica.
2.1.1.4.2 - Objectivos e condições dos exercícios de participação
Uma concepção estrita da democracia representativa exclui qualquer necessidade de participação. Um sistema representativo corresponde a uma delegação de poder e autoridade em outrém. Neste quadro, o poder de decisão, que é o dos cidadãos, exprime-se, com efeito, na escolha que eles fazem dos seus representantes, os quais encontram de seguida no seu mandato uma legitimidade suficiente para orientar e agir. Não se trata de contestar a democracia representativa, mas de se interrogar sobre o que a democracia participativa lhe pode fornecer, enriquecendo-a.
A participação pública não foi concebida como um instrumento de poder dos cidadãos, para estes lutarem pelos seus direitos individuais (embora frequentemente tenha funcionado dessa forma) [PLØGER, 2001], pois, mesmo nos processos participativos mais ambiciosos, cada um mantém o seu papel e é aos eleitos que incumbe fazer as escolhas, como tal, o papel dos cidadãos nestes processos é de participarem e aceitarem a sua posição.
Ou seja, a participação não visa suplantar a responsabilidade dos órgãos eleitos na condução dos processos de planeamento, mas sim, melhorar a qualidade das decisões, torná-las mais eficientes, transparentes e justas [PLØGER, 2001], melhorando assim a racionalidade do planeamento.
Desta forma, a introdução de métodos participativos no planeamento permite:
Assegurar um elevado nível de consciencialização pública é uma das estratégias fundamentais para garantir que as necessidades da comunidade e as soluções possíveis são completamente consideradas. Esta estratégia pode ajudar os líderes locais a melhor identificarem e apoiarem o desenvolvimento que resolve aquelas necessidades, podendo visar os cidadãos individualmente, ou enquanto grupos sociais organizados, quer seja para ajudar os eleitos a tomarem decisões fundamentadas, quer seja para democratizar efectivamente a sociedade, envolvendo a sociedade civil na tomada de decisões. Além disso, a participação deve ser encarada como um processo de aprendizagem dos seus participantes.
Para os participantes serem efectivamente incluídos no processo de planeamento deve haver um ambiente propício onde os planeadores e os ‘stakeholders’ chave sejam receptivos a práticas inclusivas. Os mediadores devem também compreender a capacidade que os participantes têm para avaliar a sua situação e fazerem sugestões programáticas.
Os participantes e outros membros do grupo de planeamento devem obter formação em algumas áreas da gestão não-lucrativa, liderança e capacidades de comunicação eficazes [NICHOLS, 2002: 4]. Aprender uma variedade de competências não só ajuda no processo de planeamento, como também serve como instrumento de qualificação e capacitação dos participantes que poderá ser útil para as suas vidas futuras.
Um dos aspectos mais importantes do planeamento participativo é definir quem serão os potenciais participantes. Existem numerosas formas de incluir os participantes no processo de planeamento: reunir um pequeno grupo de futuros participantes para servirem como membros do grupo de planeamento; conversar com grupos de potenciais participantes que têm uma condição ou característica particular; inquirir o conjunto da população ou uma amostra de participantes (através de grupos alvo, entrevistas, levantamentos, etc.).
Todos os membros do grupo devem concordar em tratarem os outros membros como iguais e devem seguir regras de discussão e de tomada de decisão acordadas.
Para que um programa tenha um impacte prático e positivo é necessário que os planeadores e os futuros participantes trabalhem em conjunto para conceberem um programa que servirá a maioria das necessidades dos participantes. Os stakeholders e os participantes devem ser considerados conjuntamente para chegarem a um consenso enquanto grupo; se os participantes e os stakeholders não tiverem contacto durante o processo de planeamento pode-se desenvolver uma dinâmica de ‘nós’ versus ‘eles’ que pode ameaçar severamente o processo de planeamento e o futuro sucesso do projecto.
O consenso verdadeiro ou colaborativo entre todos os stakeholders e participantes tem sido criticado por ser idealístico e impossível de alcançar, onde grandes diferenças entre todos os envolvidos no processo podem impedir a implementação. Como tal, a concepção de estratégias que forneçam oportunidades a todos os participantes pode ajudar a construir um quadro através do qual o consenso colaborativo pode ocorrer. Através da participação equilibrada e pró-activa, e com a ajuda de mediadores experimentados em envolverem as pessoas com interesses diversificados, este processo permite que mais recursos e ideias sejam adicionados aos programas, deste modo, resultarão no desenvolvimento de melhores intervenções.
Segundo o INSTITUTE ON GOVERNANCE [1998], existem dois processos de envolvimento cívico com vista a mediar o conflito: o primeiro envolve os cidadãos influentes e os líderes da comunidade com raízes fortes nessa comunidade e com acesso às instituições políticas (embora sem participação directa nestas); o segundo processo envolve os cidadãos comuns, tanto individualmente, como através das suas associações. Para tal, é necessário informação de elevada qualidade, a presença de mediadores neutros, uma agenda aberta, processos deliberativos que sejam inclusivos, justos e respeitadores, e ligações que permitam a comunicação dos resultados à liderança política e à vasta sociedade. Por isso, o envolvimento dos cidadãos é um processo de aprendizagem activa e os participantes deverão aderir desejando aprender.
NICHOLS [2002: 2], propõe algumas condições para resolver as diferenças entre participantes e fazer com que o processo participativo tenha eficácia: os cidadãos não podem participar somente no início e no final do projecto, devendo, em vez disso, participar durante todo o processo; os participantes devem estabelecer contacto permanentemente; devem relacionar-se uns com os outros com base em condições iguais, e; todos os membros devem concordar seguir as mesmas regras de interacção. Numa situação destas cabe ao organizador ou promotor do processo (por exemplo, um grupo constituído por participantes ou outros ‘stakeholders’) assegurar-se que estas condições são atingidas e mantidas durante todo o processo.
Contudo, a metodologia baseada na participação apresenta além das vantagens apresentadas, alguns inconvenientes e limitações.
2.1.1.4.3 - Insucessos e limitações dos exercícios de planeamento baseados na participação e no diálogo
Os processos de participação podem ser morosos e dispendiosos. Tendo em conta várias experiências realizadas em vários países europeus e na Austrália analisadas por diversos autores, pode-se dizer que, em muitos casos, envolver a sociedade civil é um processo controverso devido às diversas ideias e prioridades entre os parceiros.
As diferenças de poder podem dificultar qualquer abordagem colaborativa conduzindo à mudança: "um dos obstáculos mais sérios para realizar (a mudança social) é que a realidade opressiva absorve aqueles dentro dela e, assim, faz abafar a consciência dos seres humanos" [FREIRE, 1970: 33, cit. em NICHOLS, 2002: 4].
Muitas das vezes, querer que todos participem em todas as decisões a todos os estádios, conduz não a um alargamento, mas a uma limitação da democracia [De CARLO, 1996]. Por outro lado, uma sociedade com fraco consenso civil, onde a relação de confiança não existe, que se exprime pela violência, na incivilidade ou na recusa de participar no esforço público colectivo, dificilmente enfrentará o futuro com sucesso [RUANO, 2001], pois dificilmente pode conter projectos colectivos. As melhores soluções técnicas num clima social de insolidariedade e desintegração social tornam-se insustentáveis, porque a natureza multidimensional e complexa dos problemas urbanos requer estratégias integradas, coordenadas e multifacetadas envolvendo um leque alargado de actores.
Normalmente, aos cidadãos só é solicitada a sua participação em assuntos referentes às temáticas ambientais e sociais, que afectem directamente o seu quadro de vida. De facto, é impossível executar medidas de protecção ambiental se os actores não as assumirem pessoalmente. Ao programar a participação da população supõe estar-se disposto a transferir parte da tomada de decisões [REMESAR, 2000]. Em assuntos muito específicos caracterizados por uma elevada complexidade técnica, só profissionais qualificados têm capacidade e competências para decidir, negando ao cidadão comum a capacidade e oportunidade em decidir sobre aquilo que o vai afectar na sua vida quotidiana [Ibid.].
Além disso, os promotores urbanos podem estar dispostos a negociar as ideias, mas não as formas de execução dessas ideias, pois corriam o risco de terem prejuízos ao negociarem com os cidadãos. Acrescente-se ainda o carácter intransponível entre os vários campos disciplinares, ao serem criadas ‘barreiras de entrada’ àqueles que não têm formação ou prática nesse domínio com os consequentes recursos de linguagem necessários para operar nesse campo.
Frequentemente, as decisões de grupo baseiam-se mais na conformidade do que na unanimidade genuína [LONDON, 1995], pois, os grupos frequentemente deslocam-se numa direcção relacionada, reforçando um conjunto monolítico de valores colectivos e restringindo os pontos de vista alternativos ou as questões minoritárias. Segundo JANIS [1982, cit. em LONDON, 1995] os grupos que deliberam em conjunto "tendem a manter um espírito de corpo, desenvolvendo inconscientemente numerosas ilusões partilhadas e normas relacionadas que interferem com o pensamento crítico e as dificuldades reais". Uma vez que o consenso genuíno é praticamente impossível de alcançar entre os indivíduos que deliberam, são necessários alguns mecanismos de conciliação, por isso, os processos deliberativos são irreais na sociedade actual.
Ao considerar o cidadão como ‘cliente’, este ao ser ‘leigo’ na matéria, restringe-se a decidir sobre a pertinência, ou não, do resultado, defendendo determinados aspectos ou criticando o projecto, mas não tomar parte aquando da tomada das decisões reais. Assim, ao associar os participantes, se os seus contributos forem ignorados ou não tiverem impacte real nas decisões tomadas podem ter um efeito perverso.
De facto, muitas vezes, o envolvimento dos cidadãos tem interesses ocultos, nomeadamente [OCDE, 2001]: atrasar as decisões difíceis através de discussões e debates alargados; evitar protestos e desviar críticas, realizando a consulta sem qualquer intenção real de atender aos seus resultados; responder a pressões internacionais introduzindo medidas de "cosmética" para melhorar o interface com os cidadãos sem mudanças fundamentais nos processos de planeamento tradicionais; partilhar responsabilidades (ou deslocar a culpa) nas decisões difíceis e impopulares.
Os processos participativos poderão falhar quando os seus elementos concordam sem discutir e quando utilizam posições pré-determinadas na negociação, ou seja, os participantes podem actuar ‘teleologicamente’, pois podem empregar intencionalmente estratégias e tácticas no discurso para atingirem os seus fins, onde a informação é apresentada de formas muito diferentes e com um grau variado de distorção (a "real politik"). Por outro lado, corre-se o risco de haver membros ou grupos com interesses comuns e que assegurem que os seus pontos de vista tenham sucesso, mesmo que a priori tenham concordado serem abertos e honestos no debate, conduzindo então à falsidade das posições tomadas e da imagem criada que escondem interesses ocultos.
Assim, são selectivos na informação prestada, manipulam os assuntos tratados e agem para se desviarem dos argumentos através de testemunhos selectivos e cuidadoso conhecimento das circunstâncias [TEWDWR-JONES e ALLMENDINGER, 1998]. Ou seja, pode reinar um certo secretismo quando se discutem as estratégias e os actores não terem uma visão global da cidade nem ideias muito claras, até porque a estratégia urbana é um tema de acesso muito restrito, além de que muitas das vezes prosseguem os seus próprios interesses em detrimento dos do grupo.
Por isso, a qualidade do processo de planeamento comunicativo depende bastante da qualidade dos participantes, ou da forma como estão dispostos a satisfazer a ‘ética do discurso’ de acordo com HABERMAS [1990, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999] (baseada na inteligibilidade, integridade, legitimidade e autenticidade, como anteriormente se aludiu), onde o melhor argumento prevalece, requerendo que os participantes "ouçam a diferença, não somente nos seus próprios interesses mas em valores e referências culturais" [HEALEY, 1997: 266], necessitando-se de uma concepção institucional que seja radicalmente aberta à discussão, à crítica e à revisão, aceitando que a diferença de opiniões e valores é uma condição sine qua non do planeamento [PLØGER, 2001]. No entanto, tal ideal é muito difícil de alcançar durante as discussões. Ou seja, a informação obtida em processos de participação pode ser mantida em segredo e utilizada para benefício próprio [PLØGER, 2001].
Um processo de participação aberta permite um leque maior de resultados potenciais mas também dificulta aos participantes avaliarem sobre o que devem ou não participar [MARGERUM, 2002]. Além disso, a longa duração dos esforços de planeamento participativo exige um compromisso contínuo de recursos para facilitar e participar no processo.
O diferente domínio da língua e da linguagem condiciona a participação pública. Segundo VOOGD e WOLTJER [1999] estudos revelam que, frequentemente, só as pessoas bem informadas com níveis elevados de educação e elevados rendimentos aproveitam a oportunidade em participar, ocorrendo, pois, uma participação selectiva.
Por outro lado, também se participa mais ao nível local do que ao nível nacional, e dá-se preferência ao território da freguesia ou do bairro, espaços por excelência das referências cívicas [ROSA PIRES, 2001]. Pois, a maioria dos participantes (os cidadãos em geral) tem falta de conhecimento e tem uma visão fragmentada da cidade, levando à sua frustração e afastamento. Assim, a participação ao dar maior ênfase ou preferência às preocupações locais do que às nacionais tem os seus limites na formulação das estratégias de desenvolvimento [TEWDWR-JONES e ALLMENDINGER, 1998].
Por vezes é impossível envolver todos os parceiros relevantes, pois muitos deles são externos à cidade e a sua implicação é difícil [De FORN, 2002]. Mas, mesmo que tenha havido esforços dos organismos governamentais (ou da equipa de planeadores) em convidarem um grupo de parceiros que seja tão representativo quanto possível dos interesses visados, a representação total, numa sociedade complexa, é impossível. É evidente que convidando as partes a participarem num processo de planeamento, activa aquelas que têm um interesse particular no assunto, estão dispostas e são capazes em participar.
Assim, os exercícios de planeamento comunicativo frequentemente servem somente o interesse comum de uma selecção de participantes e não o interesse público: "(…) sob a cobertura do planeamento colaborativo e da construção do consenso, um acordo é alcançado entre um número limitado de actores mais poderosos, diminuindo assim a possibilidade de este acordo ser desafiado" [VOOGD e WOLTJER, 1999: 849-850]. Ou seja, a supressão do conflito e a busca do consenso tende a reflectir os interesses dos participantes mais poderosos em desvantagem para os participantes com menos poder e menor influência.
Deste modo, qualquer exercício de planeamento não pode descurar as relações de poder existentes num dado território [FLYVBJERG, 2002] e, por isso, convém reconhecer a máxima maquiavélica acerca da racionalidade real do poder político, nomeadamente, reconhecer a distinção entre ‘la piazza’ (onde têm lugar as expressões políticas triviais) e ‘il palazzo’ (onde são tomadas as reais decisões políticas) [MARTINOTTI, cit. em PLØGER, 2001: 239]. Ou seja, há que atender ao poder político e a situações de manipulação, pois, na realidade os actores tomam parte em jogos estratégicos e as relações de poder são desiguais não permitindo que os cidadãos participem de forma equilibrada nas decisões que os afectam dificultando a ocorrência de ‘situações ideais de discurso’. Essas dificuldades na participação vão desde restringir a argumentação ao excluir participantes até à manipulação das opiniões.
Por tudo isto, se o objectivo das práticas de participação nos assuntos locais é aumentar a confiança nas instituições, as realidades políticas do sistema de planeamento servem para reproduzir as estruturas de poder existentes limitando a entrada de novos participantes [BEDFORD et al., 2002]. De facto, nos processos de participação pública aos cidadãos não é assegurada delegação de poder e influência, mas sim o direito a terem voz, por isso, as suas queixas e sugestões só serão tidas em conta se aqueles que detêm o poder concordarem ou se sintam obrigados a respeitar essas queixas, por isso, dificilmente é um processo baseado na transparência e na inteligibilidade como Habermas pressupunha. DAY [1997, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999] salienta que os resultados dos processos de participação não reflectem verdadeiramente todos os interesses dos cidadãos porque um número restrito de indivíduos são beneficiados com as oportunidades da participação existente. GRANT [1994: 426, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999] afirma que: "a participação é um luxo nas sociedades modernas porque requer competências, recursos, dinheiro e tempo que muitos cidadãos não possuem". Claramente, a motivação das pessoas em participarem não pode ser assumida como natural e universal.
Desta forma, mesmo que voluntariamente os responsáveis pela formulação de planos queiram envolver a sociedade civil nos processos de planeamento, nem sempre é tarefa fácil, pois as ideias dominantes estão baseados na competitividade, no individualismo e no materialismo, relegando cada vez mais as ideias baseadas na cooperação, na dependência e na solidariedade.
Mas esta participação não funciona, ou quase nunca, porque os planeadores e a população não usam a mesma linguagem e o seu raciocínio é baseado em diferentes experiências e maneiras de pensar [PLØGER, 2001]. Os poderes públicos querem ver os habitantes participar mas a partir de projectos e prioridades que tenham sido formulados previamente, adoptando a linguagem e os conceitos que lhe são próprios.
Ora, os habitantes estariam dispostos a envolver-se a partir da sua própria visão da realidade, dos seus próprios objectos, das suas próprias prioridades. Perante visões tão distintas da realidade é quase impossível haver um acordo.
Por isso, a participação pública pode, em muitos casos, ser um foco de conflitos, porque a população local frequentemente conta com interesses individuais da sua vida quotidiana em vez de argumentos lógicos e políticos (p.e. o síndroma NIMBY). Trata-se não só de falarem diferentes linguagens (abstracto / vida quotidiana), mas de falarem e pensarem a partir de diferentes contextos (experiências e interesses). O maior problema é, então, que "os planeadores frequentemente não compreendem as necessidades e anseios dos grupos em diferentes contextos culturais (grupos que partilham convenções, normas e valores)" [HOLSEN e SWENSEN, 1998: 14, cit. em PLØGER, 2001: 237].
Além disso, há que distinguir entre o ‘consenso estratégico’ e o ‘consenso operacional’. Os casos estudados por WOLTJER [1998, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999: 846] fornecem a evidência das diferenças fundamentais entre, por um lado, um acordo nos resultados gerais a um nível elevado de abstracção e, por outro, um acordo acerca dos detalhes dos projectos concretos a um baixo nível de abstracção. Ou seja, existem maiores dificuldades na construção de um consenso operacional em aspectos específicos, do que com o consenso estratégico em resultados gerais. Por isso, só quando os planos ou projectos se tornam tangíveis ou imagináveis, as partes se tornam activas e se comprometem. Geralmente, os indivíduos isolados estão inclinados a envolverem-se nas questões do planeamento somente quando pensam que a questão é do seu interesse imediato.
Normalmente são os grupos de pressão mais organizados que aproveitam a oportunidade em influenciarem as decisões estratégicas. Por isso, os acordos alcançados só funcionam para uma dada estratégia. Como tal, não significa que em exercícios futuros as mesmas partes concordarão em outras decisões. Mesmo assim, o sucesso desses acordos depende do grau de persuasão e do exercício do poder que algumas partes particulares possam impor aos outros membros da arena de discussão [TEWDWR-JONES e ALLMENDINGER, 1998].
A ideologia comunicativa rejeita a ideia que o planeamento é uma actividade instrumental, mas sim que os parceiros devem ser envolvidos e estimulados a partilharem pontos de vista e conhecimento para alcançarem as decisões consensualmente. Tal facto implica transparência no processo. Mas esta transparência só é obtida se o próprio processo for conduzido através de uma estrutura relativamente simples, no entanto, este quadro idealista raramente existe na prática. Pois, o processo de tomada de decisões é muito mais complexo.
São situações nas quais, frequentemente, tomam parte vários actores (individuais e organizações), cada um com preferências, opiniões e problemas específicos, os quais mudam ao longo do tempo e incluem a incerteza. Neste caso o processo de planeamento ao seguir uma abordagem comunicativa, arrisca transformar-se num processo de tomada de decisões oneroso, complexo, longo ou incontrolável. Além disso, vários autores sugerem que muita participação dos cidadãos pode acentuar o conflito em vez de ajudar a alcançar um consenso. No entanto, cada processo de construção do consenso será sempre único na sua estrutura organizacional e nas suas características [VOOGD e WOLTJER, 1999].
A ideologia comunicativa defende a interacção entre actores de forma que eles possam integrar as suas opiniões e pontos de vista. Mas porque os actores frequentemente tentam atingir os seus objectivos particulares, devem basear essa interacção no seu próprio interesse [FLYVBJERG, 1996, cit. em VOOGD e WOLTJER, 1999]. Isto levanta a questão da contradição entre a racionalidade comunicativa ideal e a acção estratégica real [ALEXANDER, 1998: 674]. Contudo, é frequentemente assumido que o planeamento comunicativo conduz a actos de solidariedade entre os participantes. No entanto, um problema inerente em decisões conduzidas pela solidariedade é que tais decisões podem facilmente levar a situações de injustiça e desonestidade, principalmente para aqueles que não tomam parte na arena na qual o discurso teve lugar.
Pois, por vezes, os participantes na arena institucional chegaram a um consenso enquanto que o acordo era inaceitável para os que ficaram de fora dessa mesma arena. De acordo com a ideologia comunicativa, uma solução para esse problema é incluir os não participantes. No entanto, isso pressupõe que a maioria dos actores mais poderosos permite a inclusão desses actores adicionais. Uma razão importante para manter a ‘arena do discurso’ limitada aos actores mais importantes é evidente: quanto menos actores forem envolvidos, mais fácil é chegar ao consenso. Além disso, um plano que pode ser promovido como resultado de um ‘processo de construção do consenso’ entre ‘todos os principais actores’ tem bases políticas mais fortes do que um plano que tem só o apoio do município.
Assim, sob a cobertura do planeamento comunicativo ou construção do consenso, um acordo é alcançado entre um número restrito dos actores mais poderosos, diminuindo a possibilidade de estranhos desafiarem esse acordo. Os ausentes das arenas terão de desafiar não só o acordo mas também o peso adicional que suporta devido ao facto que é um consenso daqueles que estão no poder e daqueles que apoiam os poderosos.
É extremamente importante não só reconhecer os actores relevantes no processo de planeamento, mas também conduzir esse processo apropriadamente. Aqueles que estão encarregues da condução do processo podem influenciar o resultado da selecção dos agentes convidados: quem pode participar e quem não pode. Este facto encoraja a manipulação, fazendo com que os participantes menos poderosos tenham menores possibilidades de influenciarem uma decisão do que quando era o caso de os planos serem somente apresentados como produtos de um dado governo. Por isso, um processo de planeamento baseado na construção do consenso pode também impedir processos democráticos apropriados de tomada de decisões.
Por tudo isto, o papel dos planeadores deve continuar concentrado nos objectivos de longo prazo e talvez mesmo na concepção de soluções inovadoras e, se necessário, dissidentes. Pois, "a invenção faz-se sempre na divergência" [LYOTARD, 1989: 13], por isso, os processos inovadores surgem do dissentimento e não do consenso, pois este tanto pode ser o resultado do acordo entre "homens enquanto inteligências conhecedoras e vontades livres, obtido através do diálogo", ou ser manipulado pelo sistema como uma das suas componentes, visando manter e melhorar o seu desempenho. De tal forma, que para este autor, "o consenso é um horizonte que nunca se alcança". Por isso, existe o perigo, senão a inevitabilidade, de ao procurar o consenso nos exercícios de planeamento se silenciarem os participantes em vez de se lhes dar voz [TEWDWR-JONES e ALLMENDINGER, 1998].
A busca do consenso apaga a diferença como ideal político a favor da homogeneidade social, desencorajando a diversidade cultural. A possibilidade de fazer conexões só pode ocorrer mediante a condição de pluralidade, por isso, esta é sempre melhor à uniformidade e ao consenso [WIGMANS, 2001]. Desta forma, o consenso é completamente utópico – haverá sempre ganhadores e perdedores – e nunca é possível que todos os indivíduos abandonem as suas posições e actuem com neutralidade, pois nenhum agente está interessado numa contribuição igual para a construção do consenso. Os interesses económicos e a busca do lucro são na maioria das vezes as motivações que constituem o comportamento dos agentes urbanos.
Com a busca de consensos e eliminação de conflitos, os acordos alcançados podem materializar-se mais sobre grandes princípios do que sobre projectos concretos de transformação da cidade, adiando desta forma o debate [De FORN, 2002], e conduzindo a um pensamento fragmentado em projectos autónomos em vez de um pensamento estratégico integrado, onde se negligenciam as inter-relações entre projectos, especialmente se a maioria dos parceiros mais importantes não tem interesses partilhados ou se faz falta um quadro global de planeamento estratégico adequado. Por isso, esse consenso pode levar a ‘não fazer nada’ para evitar conflitos.
Nas situações de dilema social (ou seja, nas situações onde, embora tenha havido consenso, não existem alterações no comportamento individual dos agentes), como são as situações de NIMBY (‘Not in my backyard’) ou LULU (‘Locally unwanted land use’), os processos de construção de consenso nem sempre funcionam. De facto, a construção do consenso não é uma panaceia para todas as situações. Assim quando há que proteger o interesse público colectivo, devem ser os governos representativos a intervirem, sendo necessária, então, alguma autoridade.
A resposta aos conflitos não é a tolerância, mas tentar resolver as diferenças através da argumentação. Nas situações onde não seja possível alcançar compromissos é necessário regressar aos direitos institucionais legais [PLØGER, 2001]. Assim, a comunicação baseada no consenso poderá ser boa mas não é única. Os desacordos, tais como as objecções às decisões políticas têm que ser resolvidos fora da esfera da comunicação pública, nomeadamente pelas autoridades de planeamento, que tomarão a decisão final.
Todavia, mesmo que nos primeiros exercícios de participação não ocorram resultados visíveis, é um processo que se melhora com a frequência e aprendizagem cumulativa dos seus participantes, desta forma, as resistências e o cepticismo no início do processo são tidas como normais [ROSA PIRES, 2001].
Por tudo isto, existe evidência suficiente para sugerir que os exercícios comunicativos isoladamente não alcançarão os objectivos do desenvolvimento sustentável, por isso, recentemente, muitos autores defendem que o planeamento colaborativo deve funcionar em conjunto com o planeamento racional ‘adaptativo’ baseado em informações, que consiste em reunir, organizar, analisar e disseminar informação às partes envolvidas: "as informações alertam os decisores para as condições, tendências e projecções bem como para os impactes sociais, económicos e ambientais dessas projecções e propor decisões alternativas (i.e. avaliações de impactes) (…) A presunção é que melhor informação conduzirá à melhoria do discurso público, políticas mais equitativas e eficazes e melhores decisões" [KAISER et al., 1995: 60-61].
Neste processo, os planeadores devem continuar a desempenhar um papel central nos processos de planeamento, nomeadamente, defendendo os princípios do desenvolvimento sustentável, limitando a ‘avidez’ e o ‘egoísmo’ de pessoas e organizações [VOOGD e WOLTJER, 1999], porque muitos indivíduos ganham em ser interesseiros, e garantindo que os resultados do planeamento tenham utilidade: os recursos devem ser utilizados de forma eficiente.
Além disso, ALEXANDER [1998] defende a existência de diferentes pontos de vista no planeamento como complementares em vez de substitutos.
Por outras palavras, o planeamento convencional e o planeamento comunicativo não são mutuamente exclusivos. Afinal, o planeamento territorial deve ir para além do curto prazo, seleccionar projectos, superar dilemas sociais ou a activação selectiva dos participantes. Num dado contexto específico, a ideologia convencional de planeamento pode ser pelo menos tão ética como a ideologia comunicativa, pois ambas se podem complementar em combinações variadas num contexto particular de tempo, espaço e população [Ibid.].
"Nas situações em que predomina a fraude e o ludíbrio qualquer pretensão de aderência a algum código moral sairá frustrada. Deste modo, há que agir estrategicamente" [Sun Tzu].
2.1.2 - Da estratégia militar ao planeamento estratégico urbano
Com esta secção visa-se clarificar melhor a origem e desenvolvimento conceptual do planeamento estratégico, bem como a explicitação das várias metodologias do processo e ainda a sua aplicação ao âmbito urbano.
Existem divergências quanto às origens do planeamento estratégico. É um conceito de origens bastante remotas. Sendo oriundo das ciências militares, o mundo empresarial extraiu daí as suas especificidades durante as décadas de 1960 e 1970, tendo sido posteriormente aplicado ao sector público e, nomeadamente, à gestão do território.
Quadro II.2 – Súmula do pensamento estratégico de Sun Tzu