Esta investigação tem como objectivo geral reflectir sobre o papel do planeamento estratégico como instrumento capaz de fomentar o desenvolvimento de cidades de média dimensão.
Atendendo aos principais desafios que se apresentam a estas cidades (nomeada-mente, o desafio da globalização e das novas formas de organização produtiva com a consequente reestruturação territorial, o desafio da sustentabilidade à escala urbana e o seu contributo para a sustentabilidade global, o desafio da inclusão social e das novas formas de governância urbana como contributos para uma democracia mais participada), tenta-se compreender, por um lado, a situação específica deste tipo de cidades no que respeita ao seu papel no desenvolvimento regional e local. Para remediarem o handicap da dimensão apostam na criação e consolidação de redes interurbanas; para enfrentarem o handicap da competitividade e para promo-verem o desenvolvimento sustentável implementam processos de planeamento estratégico, onde as vertentes do partenariado e da participação originam um urbanismo mais estratégico e colaborativo. Por outro lado, analisam-se as questões teóricas e metodológicas desta ferramenta de planeamento.
Na segunda parte, procede-se a uma avaliação dos processos de planeamento estratégico implementados com a finalidade de se alcançar um desenvolvimento mais sustentável em algumas cidades da Região Centro de Portugal.
No entanto, conclui-se que, de um modo geral, os processos tradicionais de planea-mento continuam a dominar as práticas e as ideias de planear e promover as cida-des, sendo pois as inovações muito ténues.
De facto, as experiências demonstram a reprodução das relações de poder existen-tes, com a participação selectiva e restritiva de alguns actores considerados repre-sentativos do meio local, mas onde os habitantes, em geral, não foram envolvidos em todo o processo. Deste modo, nem todos os interesses foram representados pe-los participantes, uma vez que estes não representam a variedade de interesses e valores dos agentes locais, correspondendo, antes, aos valores e interesses dominantes, faltando, pois, pluralismo ao processo.
Além disso, continua a ser dada primazia ao planeador como agente único na for-mulação dos documentos de planeamento. Deste modo, muitos destes planos não passam de simples listas de intenções, com uma abrangência muito ampla e de difícil execução por não se considerarem as fontes e meios financeiros para a sua execução, bem como a selecção e priorização das medidas essenciais e estratégicas relativamente às acessórias ou complementares.
Neste sentido, argumenta-se que qualquer política de desenvolvimento em regiões menos favorecidas, deve apostar numa abordagem estratégica e na participação local na definição de acções e tomada de decisões. É importante que as políticas de desenvolvimento urbano respondam aos desafios emergentes e que inovem nas abordagens, só assim poderão fomentar um desenvolvimento participativo e durável das cidades.
De igual forma, as estruturas institucionais e os mecanismos de desenvolvimento devem também adaptar-se às diferentes circunstâncias, nomeadamente através da criação de parcerias com outros agentes públicos e privados e considerando as aspirações e anseios da sociedade civil.
Abstract
The aim of the study is to reveal upon about the role of the strategic planning in the development of medium sized cities.
The theoretical approach draws, on the one hand, the specific situation of this type of cities related to his own role in the local and regional development, and on the other hand, the theoretical and methodological concerns about the strategic and participative planning.
However, there are contradictions between the assumptions of the new land-use planning and the planning process implemented in some medium sized cities of Região Centro of Portugal in the last years. So that, otherwise the denomination, we concluded that the traditional and normative planning processes are, nowadays, inscribed in the practice and theoretical manners of planning and development.
There are some difficulties on implementing a culture of strategic and collaborative planning in Portugal. First, the role of the public sector is very interventionist, namely the central government, and the local government is weak. Second, there are structural reasons, specifically, the socio-cultural reasons, namely the suspicion and atomism among the actors, institutions and individuals.
In order to resolve this situation the exercises on planning and development ought to create and improve the institutional and social capital as a consequence to make these cities a better place to live and work
AMAE Associação de Municípios da Alta Estremadura
ASEAN Associação das Nações do Sudeste Asiático
CCE Comissão das Comunidades Europeias
CCRC Comissão de Coordenação da Região Centro
CE Comissão Europeia
CMA Câmara Municipal de Aveiro
CMG Câmara Municipal da Guarda
CMRE Concelho dos Municípios e Regiões da Europa
CMV Câmara Municipal de Viseu
CPEG Conselho do Planeamento Estratégico da Guarda
DAFO Debilidades, Ameaças, Forças e Oportunidades
DGOTDU Direcção Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano
DR Diário da República
EDEC Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário
G.C.PROSIURB Gabinete Coordenador do PROSIURB
INE Instituto Nacional de Estatística
MA Ministério do Ambiente
MAOT Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território
MEPAT Ministério do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território
MPAT Ministério do Planeamento e da Administração do Território
NAFTA Associação de Livre Comércio da América do Norte
NTIC Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação
OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico
OMC Organização Mundial do Comércio
ONG Organização não Governamental
PDM Plano Director Municipal
PECA Plano Estratégico da cidade de Aveiro
PEC-CB Plano Estratégico da Cidade de Castelo Branco
PECG Plano Estratégico da Cidade da Guarda
PME Pequenas e Médias Empresas
PMOT Plano Municipal de Ordenamento do Território
POLIS Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades
PROSIURB Programa de Consolidação do Sistema Urbano Nacional e Apoio à Execução dos Planos Directores Municipais
PROT Plano Regional de Ordenamento do Território
QCA Quadro Comunitário de Apoio
SIG Sistema de Informação Geográfica
SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats
TGV Comboio de Alta Velocidade
TIC Tecnologias da Informação e Comunicação
UE União Europeia
WWW World Wide
Web
0. INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DISCIPLINAR
0.1. Enquadramento do tema em estudo
A globalização dos fluxos financeiros e comerciais e o contexto global de mudança acelerada onde interferem mutações técnicas e tecnológicas, mutações económicas, mudanças sociais e também as intervenções dos poderes públicos, têm impactes variados no território, dando um novo protagonismo às cidades.
Estas unidades territoriais, devido à aglomeração de população e de recursos (fisícos, económicos e intelectuais), convertem-se em centros de inovação e em motores do processo de desenvolvimento, uma vez que podem ser capazes de atrair investimentos e de fomentar iniciativas inovadoras. Nomeadamente as de média dimensão, que actualmente, voltam a ganhar importância nos processos de desenvolvimento, devido a três factores que directamente têm vindo a afectar as formas de organização do território, sendo eles, o processo de polarização espacial (urbanização), ou seja, o crescimento das cidades e da população urbana em geral, bem como a concentração de actividades económicas, a crescente globalização através de uma maior integração dos territórios, das empresas e dos indivíduos, a nível global e, por outro lado, o funcionamento em rede (ao nível dos agentes produtivos, das instituições e das administrações locais).
Desta forma, entende-se que está aberto um campo específico de reflexão e análise sobre as cidades de média dimensão, nomeadamente, devido ao seu papel como factor de reequilíbrio e melhoria do processo de urbanização, bem como, de produção de modelos que poderão exercer uma influência considerável nas áreas rurais. Assume-se que as cidades de média dimensão são os locais onde se torna possível combinar a componente dupla do desenvolvimento sustentável e da competitividade económica. Ou seja, tanto nas dimensões da sua capacidade de dinamização do tecido produtivo, como na melhoria das condições gerais de vida dos cidadãos, de equilíbrio ambiental e de dinamização da democracia participativa.
No novo paradigma caracterizado pela mudança acelerada e, por isso mesmo, pela incerteza, pela ambiguidade e dificuldade de controlo, qualquer território, ou sociedade, está ameaçado se não planear e preparar convenientemente o seu futuro, adoptando uma visão de médio a longo prazo e, simultaneamente, que reaja muito rapidamente às dificuldades e oportunidades do presente, donde o aparecimento do planeamento estratégico.
Este modelo de planeamento é inovador, na medida em que visa gerir a mudança em contextos de incerteza e de concorrência acrescida, enquadrando programas, acções e projectos, envolvendo os agentes públicos e privados, bem como a participação da sociedade civil, em sentido lato, e dos agentes económicos e sociais, em particular. As cidades de média dimensão, devido às suas características próprias serão locais apropriados para implementar estas novas políticas urbanas, que se baseiam na promoção de uma governância local, criando parcerias para implementar projectos de desenvolvimento bem como na concertação alargada.
O fenómeno da globalização deve ser encarado pelas cidades, quer como uma ameaça, quer como o advento de novas oportunidades. O desenvolvimento equilibrado deve combinar a dualidade concorrência/cooperação, através da solidariedade interna ou da criação de uma zona urbana policêntrica através de uma rede de cidades, funcionando estas como nós, por forma a enfrentarem a concorrência externa ou internacional decorrente da globalização.
Aquelas que não se articulem com este sistema de fluxos arriscam-se a ficar marginalizadas dos processos de desenvolvimento, devendo, deste modo, competir para serem atractivas e inovadoras, ou seja, para atraírem e gerarem novos fluxos. Mas devem também estabelecer relações de complementaridade e de sinergia com outras cidades para a promoção conjunta e para influenciarem decisões que são do seu interesse.
Portanto, essa atractividade só se consegue com base num novo modelo de desenvolvimento visionário que contemple a sustentabilidade, a educação e a cultura como principais factores de competitividade. Ou seja, um modelo de desenvolvimento estratégico de longo prazo, que encare as políticas públicas como sendo geridas em função dos interesses e da procura dos cidadãos e que sejam dirigidas à participação activa e responsável dos mesmos. Sendo então necessárias inovações que visam novos modos de governo urbano.
Partimos do princípio que as cidades de média dimensão estão numa posição privilegiada neste período de mutações económicas, sociais e territoriais profundas. Embora grande parte da literatura científica sublinhe o papel primordial das grandes cidades, é nosso entendimento que as cidades de média dimensão, devido à sua dimensão mais ‘humana’ são os locais que apresentam menores desvantagens para o desenvolvimento sustentável, uma vez que não revelam ainda os principais problemas que afectam as grandes cidades e podem competir de forma eficaz numa economia globalizada, fazendo valer a sua especialização em sectores específicos de elevada procura, apostando na qualidade e diferenciação, e a criação de redes de cooperação ao nível das empresas e dos agentes públicos, de forma a não ficarem de fora do processo de desenvolvimento, tornando-se assim áreas atractivas para o investimento e a fixação de população.
Para enfrentarem e aproveitarem estes novos desafios, as cidades de média dimensão, têm implementado um processo de planeamento dito ‘estratégico’, onde teoricamente se visam promover as várias dimensões do desenvolvimento sustentável, apostando numa atitude pró-activa e vigorosa de atracção de investimentos e de população qualificada; assim como criar uma ‘imagem de marca’ da cidade ou região urbana, com o objectivo de fomentar a identidade local e a consciencialização de ser capaz, de forma emancipadora e integrada, de empreender e enfrentar o futuro eficazmente. No entanto, estas experiências têm sido incipientes com fracas realizações efectivas. A explicitação das causas deste aparente insucesso constituem o objectivo geral da presente dissertação.
A investigação conducente à realização da presente dissertação tem como objectivo geral reflectir sobre o papel do planeamento estratégico como instrumento capaz de proceder ao desenvolvimento sustentável em cidades de média dimensão. Assim, visa-se aferir se as experiências de planeamento estratégico em cidades da Região Centro (dando particular ênfase a Aveiro), alteraram as práticas e paradigmas de planeamento; ou seja, comprovar se realmente se está a passar de um planeamento hierárquico e burocratizado para um modelo participado e estratégico de gerir, planear e desenvolver as cidades.
Para alcançar aquele objectivo geral, há que atingir objectivos mais específicos, correspondentes, grosso-modo, aos objectivos de cada capítulo ou secção da dissertação, desta forma, visa-se, mais concretamente, com esta dissertação:
Como novos desafios se colocam ao território, em geral, e às cidades de média dimensão, em particular, que através de um processo de planeamento integrado, holístico e estratégico visam promover as várias dimensões do desenvolvimento sustentável, pressupõe-se que estas cidades, devido à sua dimensão, estrutura e composição social, poderão vir a desempenhar um papel relevante na estruturação do território, na regularização dos sistemas urbanos, na intermediação entre territórios distintos e distantes e na promoção do desenvolvimento sustentável, mas, para isso, têm que ter uma atitude pró-activa e visão estratégica, de forma a melhor planearem e gerirem o seu futuro. No entanto, partimos da formulação inicial de que as cidades médias portuguesas não têm aproveitado da melhor forma as oportunidades existentes e emergentes, nem contrariado tendências pesadas e suprido as ameaças, pois, na maioria dos casos, as práticas de planeamento, quando existem, revelaram-se incipientes ou ineficientes.
Em termos metodológicos, começou-se por pesquisar a bibliografia mais recente com relevância para o tema em causa, nomeadamente os aspectos relacionados com as cidades de média dimensão, sua definição e papel no desenvolvimento regional e urbano, os processos actuais de organização territorial das actividades económicas e da população, as diferentes concepções de planeamento estratégico territorial e sua aplicação às cidades de média dimensão.
Partindo das reflexões teóricas gerais para o estudo de casos concretos, adoptamos uma abordagem de tipo qualitativo (descritiva e interpretativa), através da caracterização e avaliação dos planos estratégicos das cidades, recorrendo para tal a análise bibliográfica (de material proveniente da formulação, formalização e acompanhamento, bem como outros relatórios e bibliografia específica) e a entrevistas possíveis (e não às desejáveis, uma vez que muitos dos contactados mostraram-se indisponíveis, comprometendo de certa forma o carácter da investigação) com alguns agentes envolvidos na elaboração e implementação dos processos de planeamento estratégico.
0.5. Organização da investigação
A dissertação divide-se em duas partes. Em primeiro lugar, é feito um enquadramento teórico, que suporta as opções tomadas e servirá de confrontação com os resultados do estudo empírico, onde se analisam os paradigmas do pensamento sobre as cidades de média dimensão (no que respeita ao seu papel no desenvolvimento regional bem como os desafios que enfrentam no presente) e as apostas dessas cidades em matéria de desenvolvimento futuro. Num contexto de mudança, de incerteza e de ambiguidade, a organização dos sistemas urbanos e territoriais e a nova ordem económica marcada pela globalização das relações económicas e pela evolução tecnológica não pode deixar de reflectir os ajustamentos e alterações dos sistemas sociais, económicos e territoriais e a subsequente reorganização dos sistemas institucionais.
Neste processo, a capacidade de resposta das cidades é tanto maior quanto mais favoráveis forem as condições para a produção e difusão de inovações, tornando o meio urbano um meio inovador e, consequentemente, impulsionando o desenvolvimento sócio-económico. Desta forma, são necessárias políticas inovadoras de planeamento urbano e desenvolvimento regional favoráveis a este tipo de cidades, que se oponham às tendências recentes de polarização favoráveis às grandes cidades e que funcionem como ‘intermediárias’ entre as áreas rurais e os sistemas urbanos globalizados e que combatam todo o tipo de inércias que possam impedir o seu desenvolvimento.
Um desses instrumentos de desenvolvimento urbano é o planeamento estratégico que pode ser capaz de dar resposta aos desafios que se apresentam às cidades de média dimensão com vista a alcançar a sustentabilidade à escala urbana. Portanto, cabe às cidades de média dimensão uma função dupla, que assenta no desenvolvimento e consolidação como locais inovadores e internacionalmente competitivos e, por outro lado, a de coesão territorial e social, privilegiando as relações de interdependência com o território envolvente e entre os grupos sociais, económicos e políticos urbanos.
Um segundo capítulo apresenta os conceitos, princípios, modelos, teorias e métodos relativos ao planeamento estratégico urbano. Assim, tendo em conta as características acima referidas, torna-se evidente que o planeamento estratégico, como instrumento de resposta à rápida evolução num contexto de mudanças e incertezas, não pode basear-se em análises morosas que conduzam a diagnósticos rigorosos que assegurem a formulação de propostas de intervenção infalíveis. Pelo contrário, este tipo de planeamento assenta numa atitude ofensiva e pró-activa, dotada de uma certa flexibilidade visando a definição de um quadro coerente de intervenções susceptível de assegurar o desenvolvimento no qual deverão assumir relevância as potencialidades das cidades. A aplicação do planeamento estratégico corresponde, assim, ao reconhecimento de que é preferível atacar as condições e factores susceptíveis de constituírem estrangulamentos ao desenvolvimento urbano em vez de adoptar soluções defensivas contra as suas consequências.
A segunda parte desta dissertação, constitui o estudo do processo de planeamento estratégico de algumas cidades da Região Centro de Portugal (Aveiro, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Leiria e Marinha Grande), por forma a tentar esboçar uma caracterização do processo, das estratégias e resultados, e assim confirmar a hipótese inicial, se de facto, estas práticas conseguiram cimentar um novo modelo de planeamento, mais holístico, integrado e participativo. Ou seja, verificar se os instrumentos de promoção do desenvolvimento tiveram aplicabilidade prática e resultados palpáveis.
No entanto, antes de proceder ao estudo de caso propriamente dito, inicia-se a segunda parte com um breve capítulo onde são esboçadas as políticas urbanas e os instrumentos de planeamento que directa ou indirectamente influenciaram e condicionaram o processo de desenvolvimento das cidades de média dimensão em Portugal.
No quarto capítulo, procede-se, então, ao estudo de caso propriamente dito, com a análise dos processos de planeamento estratégico realizados pelas cidades supra-citadas. Embora o modelo de planeamento estratégico ao vir lutar contra as limitações do planeamento urbano normativo e a tendência geral para as operações fragmentadas, tenha dado atenção aos factores e processos sócio-económicos, e a sua ênfase nas abordagens integradoras, o fizessem parecer um procedimento de planeamento superior, nos casos estudados, os antigos métodos de planificar ainda continuam inscritos nos espíritos e nas práticas dos responsáveis, verificando-se que a implementação dos planos estratégicos tem sido efectuada de forma pontual, uma vez que, a evidência empírica revela desvios entre as intenções aprovadas e as práticas ocorridas através da análise do processo de execução dos documentos de estratégia.
A conclusão constitui o terminus da parte textual, onde ao contrário de apresentar uma síntese das considerações apresentadas em capítulos anteriores, apresenta os argumentos finais que cimentam o raciocínio que encadeou a presente investigação, além de consolidar os resultados alcançados, bem como, a apresentação implícita de uma série de propostas que deixam campo aberto para futuro trabalho de aprofundamento de um campo tão abrangente e a comprovação de algumas hipóteses formuladas.
1 – Desafios das cidades de média dimensão no actual contexto de mutações territoriais
Este primeiro capítulo serve de enquadramento aos desafios que se apresentam às cidades de média dimensão em termos de desenvolvimento territorial. Posteriormente, no segundo capítulo, tratar-se-ão dos instrumentos de desenvolvimento adaptados a este tipo de cidades, nomeadamente, o planeamento estratégico urbano.
O território em geral e, neste caso, as cidades de média dimensão, em particular, actualmente, apresenta uma série de desafios complementares, nomeadamente, o de aumentar a prosperidade económica e a competitividade, reduzindo o desemprego e a exclusão social, protegendo e melhorando simultaneamente o ambiente urbano.
Tais desafios devem-se a um ritmo intenso de mutações económicas, sociais, culturais, tecnológicas e político-administrativas interligadas, fazendo surgir novas ameaças e oportunidades que alteram a estruturação do espaço e a gestão do território. O espaço não é unicamente "o palco das realizações humanas" [GONÇALVES, 1995], não é um elemento neutro servindo somente de suporte às actividades que sobre ele se exercem. Pelo contrário, o espaço e a forma como se organiza (o território corresponde a um espaço estruturado) determina todas as acções humanas aí localizadas, uma vez que o ser humano apreende o território a partir de filtros culturais e sensoriais [SOUTO GONZÁLEZ et al., 2001: 13] e, as actividades económicas e sociais que sobre ele se exercem consideram-no duplamente, quer seja considerado como factor de localização, quer seja considerado como produto, nomeadamente ao ser considerado como ‘marca’.
No entanto, as concepções de território também se alteram, bem como o significado que se atribui aos conceitos e aos termos utilizados. Referimo-nos concretamente às diferentes terminologias utilizadas nos últimos anos para designar as cidades de média dimensão, onde as expressões aparecem para designar e descrever novas formas tomadas pela estruturação espacial.
1.1 – Conceptualização das cidades de média dimensão com base nas mutações sócio-económicas e políticas verificadas no passado recente
Embora com frequência se aluda às cidades de média dimensão, os estudos efectuados sobre as mesmas são escassos, e uma das razões para explicar a escassez de tais estudos é a dificuldade da sua definição. Os critérios utilizados referem-se a um tempo e espaço precisos, em que tal como na definição de ‘urbano’ e de ‘cidade’, variam consoante os contextos sócio-económicos e culturais e de época para época.
De facto, o termo ‘cidade’ é particularmente impreciso e o seu conteúdo varia no espaço e no tempo. Se o critério estatístico é o mais utilizado, encerra, contudo, muitas limitações, pois depende de critérios nacionais que não permitem comparações [MORICONI-EBRARD, 1994]. Não existindo nenhuma regra de harmonização internacional, cada país possui o seu próprio serviço nesta matéria, que elabora de forma independente os critérios de apreciação.
As informações estatísticas quanto à dimensão populacional dos centros urbanos são sempre algo controversas. Primeiramente, reside a dúvida de incluir as localidades independentemente do seu estatuto de cidade e, em segundo lugar, a própria delimitação do perímetro urbano, que dificilmente coincide com as divisões de recolha da informação estatística. A esta problemática acrescenta-se, ainda, o tipo de povoamento, cuja dispersão torna complexa a delimitação da fronteira entre o rural e o urbano.
Além disso, os dados nem sempre são fiáveis e não dão uma representação objectiva da realidade, pois alguns países, ou não realizam, ou falsificam os resultados dos recenseamentos, ajustando-os à conjuntura mais favorável (ter acesso a ajudas internacionais, favorecer a imagem que se quer dar, etc.). De facto, os dados estatísticos não são neutros, mas, pelo contrário, construídos com a ajuda de um arsenal de critérios e de categorias sociais ou territoriais. Nestas condições, qualquer comparação internacional revela-se pouco significativa: taxa de urbanização e dinâmicas de crescimento continuam a ser índices sem grande valor cognitivo.
1.1.1 - Paradigmas do pensamento urbano
A escala espacial considerada na definição do ‘urbano’ é bastante diversa e, a sua interpretação deu origem a novas designações: ‘metrópole’, ‘conurbação’, ‘megalópole’, ‘megápole’, ‘metápole’, ‘cidades globais’. Estes novos termos designam sistemas sócio-espa-ciais cada vez mais complexos, multiplicando-se ao gosto das interpretações dadas aos processos estudados e do lugar concedido à demografia, à economia ou à política na análise do fenómeno.
Se as primeiras noções baseavam-se na oposição, mais ou menos marcada, entre a cidade e o campo, ultimamente, muitos especialistas desta área estão de acordo com o declínio do ‘mundo rural’ e sobre a urbanização dos campos. ‘Urbanização’, não no sentido demográfico, mas antropológico: os habitantes dos campos são ‘contaminados’ por valores urbanos. Outros falam em ‘rurbanização’, para qualificar este "fenómeno de imbricação dos espaços rurais e das zonas urba-nizadas", organizando-se em torno dos aglomerados rurais pré-existentes, sem criar um novo tecido contínuo, onde no norte de Portugal são bem visíveis estes loteamentos urbanos em espaço rural.
Combinando as situações de rurbanização com a periurbanização ou a suburbanização, está-se perante uma situação de cidade alargada mas de fraca densidade de construções, sendo difícil distinguir os limites da cidade, pois, não estão consolidados. É nesta configuração teórica que a ideia de um ‘urbano’ que ultrapassaria os limites geográficos da ‘cidade’ se impôs com algumas variantes. Neste sentido, F. CHOAY, falou em "derrota da cidade" e "vitória do urbano".
No entanto, um dos grandes desafios a conquistar para muitas cidades (principalmente para essas que cresceram de forma desordenada) é a sua ‘urbanidade’, ou seja, a conjugação da densidade com a diversidade. A co-presença, ou presença de um número máximo de indivíduos sobre um espaço de tamanho mínimo, é uma condição indispensável para a interacção. Neste sentido, a cidade pode ser entendida como um espaço habitado por uma população compósita, mas ao contrário das antigas cidades muralhadas e bem delimitadas, a cidade actual pertence a uma geografia elástica, ao ponto em que os limites são ‘flutuantes’.
Assim, a cidade inclui diferentes formas de utilização do solo e não somente a função resi-dencial. Esta diversidade morfológica e funcional conduz à da participação e às actividades da sua população e induzem modos de utilização do espaço diferentes segundo os indivíduos, os lugares, o tempo, o momento. Ora, esta urbanidade será mais fácil de realizar nas cidades de média dimensão.
No contexto actual, uma cidade não pode mais existir isolada, ela depende de uma rede de cidades – o que não é uma novidade – que ela alimenta e das quais se abastece.
Esta rede estende as suas ramificações de maneira descontínua e sem respeito pelas fronteiras dos estados-nação. O desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC) e a generalização dos processos mecânicos de transporte dissociam cada vez mais o espaço e o tempo, até que o espaço se encontre negado pela instantaneidade da Internet. Perante este grau de abertura, a estruturação urbana alterou-se.
A um sistema de cidades fundado nas comunicações e interdependências de proximidade substituiu-se pouco a pouco uma estrutura mais abstracta de redes de intercâmbios inter-regionais e internacionais, que favorece o aparecimento de novas cidades, favorece as aglomerações já consolidadas e aptas a integrarem rapidamente as inovações, e reduz ainda mais o peso das cidades pequenas.
Esta tendência principalmente visível nos países desenvolvidos vai, inexoravelmente, infiltrando-se em todos os países. Fenómeno a que David HARVEY [1989: 241] designou por "compressão espaço-temporal": o tempo é cada vez mais irrelevante devido ao desenvolvimento das comunicações e os transportes rápidos comprimem cada vez mais o espaço, passou-se, então, "de uma fronteira do espaço para uma fronteira do tempo (…) Estar longe ou perto não depende do espaço que se percorre, antes do tempo em que se faz tal percurso" [PINTO, 2001: 40].
Malvin WEBBER [1996] evoca o ‘domínio urbano’, que não é "nem uma aglomeração urbana nem um território, mas (…) constituído por grupos heterogéneos de pessoas comunicando umas com as outras no espaço", e sublinha assim o fim da veneração do lugar, do solo, do território para qualificar as comunidades que aí residem ou os espaços que se desenvolvem, afirmando: "é a interacção, não o lugar, que é a essência da cidade e da vida na cidade", mostrando até que ponto as sociedades urbanas vivem uma despacialização da cidade e uma desterritorialização do local.
Com efeito, se a cidade é geograficamente ‘indeterminada’, a sua singularidade manifesta-se pelo jogo complexo e sabedor de interacções entre aqui e além, fazendo deste aqui uma entidade sempre a reconstituir; é necessário repensar o ‘local’ e o ‘mundial’ com os quais as cidades são conectadas. A tomada em conta do movimento e da interacção deveria também conduzir a dar mais importância à velocidade, tanto na reflexão sobre as cidades, como nas formas como se representam e se age sobre elas. Assim, evocar a velocidade, é também introduzir o tempo na análise das transformações urbanas. De tal forma que, no futuro, as cidades mudarão talvez mais pelas suas temporalidades do que pelas suas territorialidades, donde a consideração da dimensão espaço-temporal na análise urbana.
1.1.2 - Conceptualização das cidades de média dimensão
Se, recentemente, a concepção de urbano, em sentido geral, tem variado, também a concep-ção de ‘cidade de média dimensão’ acompanhou essa evolução, seguindo os paradigmas vigentes.
Tal como para a definição de cidade em sentido amplo, a cidade de média dimensão pode definir-se tendo em consideração vários critérios. De uma forma geral, primeiramente, a sua definição assentou em critérios demográficos de ordem quantitativa. Os intervalos, no entanto, variavam segundo os autores e segundo os contextos (de país para país e ao longo do tempo). Na década de 1960, o termo ‘cidade média’, pressupunha uma armadura estática e rigidamente hierarquizada, onde este tipo de cidade ocupava uma posição ‘média’ entre as grandes e as pequenas cidades. Todavia, nos últimos tempos, o que a caracteriza não é tanto a sua população absoluta, mas a sua escala, a sua centralidade, ou seja, a existência de um número mínimo de funções centrais que lhe permitam polarizar os centros mais pequenos da sua área de influência, sendo capaz de criar e inovar (tendo, no entanto, que recorrer a um centro urbano de maior dimensão para obter bens e serviços mais raros), bem como o tipo de vida que se desenvolve em função daquelas.
Se na sua origem, as ‘cidades médias’, eram aquelas que não sendo grandes nem pequenas, correspondiam a um escalão intermédio do sistema urbano, era, à partida uma noção dotada de uma certa ambiguidade e relatividade. Nesta perspectiva, o conceito de cidade média, reflecte o funcionamento dos sistemas urbanos proposto por W. Christaller na teoria dos lugares centrais. Desta forma, o sistema urbano estava organizado de forma hierárquica, de acordo com as áreas de influência definidas em função da distância ao centro, estabelecendo-se entre os diversos centros relações unidireccionais verticais.
Posteriormente, nos anos 1970, em França, preconizava-se algumas recomendações sobre a cidade média: "boa posição nas redes de comunicação regional; equipamento universitário especializado e técnico; ambiente industrial dinâmico; presença de quadros médios e de quadros superiores inovadores; terciário de apoio ao sector secundário de bom nível; ausência de cidade concorrente muito próxima; complementaridade funcional com as cidades vizinhas". Onde à definição redutora e pouco objectiva, da década de 1960, se associam, vários critérios de ordem funcional.
No entanto, a importância destas cidades estava intimamente associada ao papel que lhe era atribuído nas políticas de desenvolvimento baseadas no reequilíbrio territorial. Esperava-se, assim, que este tipo de centros urbanos constituísse uma alternativa às grandes cidades fortemente abaladas pela crise económica (da primeira metade da década de 1970) e funcionassem como pólos difusores do crescimento, como era entendido pela teoria dos pólos de desenvolvimento.
Com as transformações sócio-económicas ocorridas depois da crise dos anos 1970 e o desenvolvimento das novas abordagens de organização em rede do sistema urbano, assiste-se a uma nova forma de encarar as cidades de média dimensão, tendo-se introduzido em finais da década de 1980 a designação de ‘cidade intermédia’ ou ‘cidade intermediária’, onde as ‘cidades médias’, atendendo à anterior classificação funcional apenas teriam sentido no grupo das pequenas cidades cuja função principal seria a de capital administrativa (municipal ou distrital). Para GAULT [1989]:
"O vocabulário tem aqui um peso fundamental: falar de cidades médias, é subentender uma certa doçura de viver, um certo deixar-passar, um adormecimento que só conduz ao marasmo e ao subdesenvolvimento. Mas um conceito novo está em vias de emergir: o de cidades intermediárias (os anglo-saxónicos falam de ‘free standing cities’); valorizam-se então outras conotações que insistem no dinamismo que permite provocar relações e na capacidade de sustentação baseada em uma autonomia construtiva, em relação a um território vivo".
Seguindo esta linha de pensamento, FERRÃO [1992] aponta novas dimensões de análise: a ideia de que a importância efectiva e potencial da cidade revela menos da sua dimensão do que do modo como se articula com os restantes componentes do sistema urbano; a valorização dos aspectos qualitativos, estratégicos e relacionados com a capacidade de afirmação da cidade ao nível nacional e internacional; a substituição do sentido estático e rigidamente hierarquizado de sistema urbano por um conceito mais dinâmico e interactivo.
Neste sentido, quanto ao critério demográfico de definição das cidades de dimensão média, o aspecto quantitativo não é determinante, uma vez que existem cidades ‘intermediárias’ de dimensões muito variáveis desde que saibam questionar o futuro com as suas empresas e, em certos domínios-chave como a formação de alto nível, se se integrarem em uma rede coerente e elaborarem uma estratégia para o futuro, fazendo escolhas e definindo prioridades.
Desta forma, o conceito de cidade ‘intermediária’ sublinha a importância dos aspectos dinâmicos, dos processos, "a noção de estratégia a desenvolver, de posição a conquistar, de espaço a construir, de solidariedade a promover, de mediações a suscitar entre os cidadãos e as empresas e sinergias a desenvolver" [GAULT, 1989]. Tratando-se de contrariar a passividade e apostar na iniciativa.
Essas cidades são intermédias/intermediárias porque constituem nós (pontos de encontro e de passagem) do espaço de relações, porque articulam os principais centros de decisão e os territórios marginalizados, porque pressupõem um estado de transição numa dada trajectória a construir ou conquistar. É de alguma maneira o êxito no desenvolvimento que caracteriza a ‘cidade interme-diária’, diferenciando-se das tradicionais ‘cidades médias’, porque estas permanecem presas ao passado, ao ‘marasmo provinciano’. Assim, a ‘cidade intermediária’ refere-se de facto mais a um momento evolutivo das cidades de média dimensão, que nem todas puderam até à data alcançar.
A ‘cidade intermediária’ já não é assim a ‘cidade média’ que ocupa um nível médio na hierarquia urbana, com mera vontade de acumulação de recursos. É fundamentalmente um núcleo integrado na rede de relações que se estabelecem no seio dos sistemas nacional e internacional; um intermediário (efectivo ou potencial) entre territórios situados em dimensões distintas: as ‘cidades-mundo’ [FOSSAERT, 2001] de um lado, e os territórios até agora marginais, do outro.
Nesta perspectiva, as cidades de média dimensão, mais do que uma missão difusora do crescimento, desempenham um papel primordial de organização do território. Contrariamente à dominância das relações verticais entre cidades de ordem hierárquica diferente, que se estabeleciam de acordo com a teoria dos lugares centrais, a noção de um sistema urbano organizado em redes não hierarquizadas faz prevalecer as relações horizontais entre centros urbanos de idêntica dimensão, podendo estas assumir predominantemente relações de complementaridade (baseadas na especialização dos centros em actividades complementares – ‘clusters’ –, com vista à obtenção de economias de aglomeração) ou de sinergias (sustentadas na especialização dos diversos centros em funções semelhantes, por forma a assegurar a obtenção de economias de escala). Fenómeno a que CAMAGNI [1998] denominou por "lógica da organização espacial em rede" (ou reticular e relacional do território), por oposição às lógicas competitivas predominantes em períodos anteriores, nomeadamente a perspectiva hierárquica (baseada nos princípios fordistas).
Mas, a percepção de alguns autores, da existência na Europa de "cidades que ganham em países que perdem" [BENKO e LIPIETZ, 1994], fez reflectir outros sobre a existência de "cidades que ganham em regiões que perdem" [FERRÃO et al., 1994], precisamente como um factor que havia acompanhado muitas das políticas de desenvolvimento das cidades médias, nas quais não se tinha tido em conta a implicação com o seu hinterland.
Do mesmo modo, o carácter de intermediação entre o ‘local’ e o ‘global’ ou ‘mundial’, que se pretende com as cidades intermédias, é o mesmo que se pretendeu atribuir às cidades médias, sobretudo no planeamento do desenvolvimento francês e espanhol. Também então o papel que se pretendia para as cidades médias era o de evitar a excessiva concentração da população nos grandes centros urbanos, optimizando os recursos dispersos no território sobre a base do desenvolvimento polarizado numa série de centros de crescimento [MAILLAT, 1995].
BAIGORRI [2001], denomina algumas destas cidades intermediárias de ‘mesópoles’, uma vez que constituem centros urbanos com capacidade de iniciativa que estão implicitamente aceites como líderes de um sistema urbano, mas que, por seu lado, têm consciência das suas debilidades e dependências face ao sistema de grandes cidades e metrópoles, assim como do seu papel dinamizador em relação ao seu hinterland. Não são, portanto, as cidades pequenas e médias que vivem do seu meio, que são parasitárias do mesmo – como por exemplo, muitas cidades capitais administrativas –, mas que articulam, e sobretudo se articulam em um hinterland produtivo e dinâmico dentro do qual coexiste uma rede de pequenas cidades.
A concorrência entre territórios redefine continuamente as relações dentro da hierarquia urbana, de modo que, "não existe nenhum fatalismo que leve a uma marginalização crescente das aglomerações que não ocupem uma posição cimeira em termos demográficos, como os modelos de organização territorial do tipo centro-periferia deixavam prever" [FERRÃO et al., 1994]. Neste sentido, o conceito de cidade intermédia pressupõe a adopção de uma filosofia prospectiva, contrária ao determinismo, onde se crê na hipótese de reinventar o futuro, contrariar previsões, superar o imobilismo.
Por tudo isto, o tamanho demográfico não é determinante (embora seja necessário um limiar mínimo), sendo fundamental a sua posição no sistema urbano para gerar capacidade crítica suficiente para a autogeração e diversificação crescente das actividades económicas. Além disso, são necessárias práticas inovadoras de planeamento urbano e desenvolvimento regional favoráveis a estas cidades, que se oponham às recentes tendências de polarização a favor das metrópoles e, por outro lado, criar dinâmicas de mudança por forma a combater todo o tipo de inércias que possam impedir o reforço dos centros urbanos que pretendam conquistar um papel de intermediação supra-regional relevante. FERRÃO et al. [1994] propõem a mobilização dos agentes a fim de debater e reflectir a natureza e o sentido das trajectórias de desenvolvimento, não só no que se refere à sua reestruturação interna, mas ainda no que respeita à consolidação de redes de cooperação interurbana de âmbito nacional e internacional.
Concluindo, as cidades de média dimensão devem ser especializadas no seio das hierarquias urbanas como contrapeso das grandes cidades em vez de centros de obediência regional. Estas cidades devem articular o território e funcionar como centros de referência para um território mais ou menos imediato. E é praticamente esse papel e essa relação, que os centros mantêm com o seu território, que ajudam a definir com mais clareza o mesmo conceito:
Em suma, poderíamos definir a cidade de média dimensão em termos dinâmicos e num sentido optimista e empreendedor, como uma cidade com uma certa importância demográfica (embora não seja o critério mais relevante), com capital crítico e potencialidades para a sua afirmação, tanto a nível nacional como internacional, e com capacidade para contribuir para o desenvolvimento do território envolvente no qual está inserida e do qual extrai uma boa parte da sua força. Por isso, é importante o papel e a função que a cidade desempenha no seu território mais ou menos imediato, a influência que mantém dentro deste e os fluxos que gera para o exterior. Desta forma, o conceito de ‘cidade de média dimensão’ assenta em três aspectos fulcrais: a importância que lhe advém da posição e do modo como se articula com as restantes componentes do sistema urbano e não só da sua dimensão; a sua capacidade de afirmação aos níveis regional, nacional e internacional; a substituição de um conceito fortemente hierarquizado de ‘estrutura urbana’ ou ‘armadura urbana’, pelo conceito dinâmico e interactivo de ‘sistema urbano’.
Como foi explicitado na secção anterior, a evolução dos paradigmas urbanos foi, em grande medida, o reflexo de mudanças ocorridas a vários níveis. Estas mudanças inscrevem-se num contexto global onde interferem mutações técnicas e tecnológicas, mudanças geopolíticas, económicas, sociais e institucionais, que originam uma série de implicações sobre a estruturação do território e mais particularmente sobre o planeamento e desenvolvimento de cidades de média dimensão.
De entre elas salientam-se, os processos de reestruturação sócio-económica e de integração territorial devido à consolidação da União Europeia (‘europeização’) e da crescente desregulamentação e aumento de fluxo das trocas comerciais a nível mundial (globalização); a própria ‘construção europeia’ tem dado origem a um novo relacionamento entre as regiões e cidades europeias, com o surgimento e a consolidação de iniciativas de cooperação (redes de cidades, redes entre empresas) tendo como resultado a debilitação dos estados nacionais; a reorientação estratégica dos comportamentos e escolhas dos diferentes agentes ou actores sociais e económicos, nomeadamente na materialização de um novo relacionamento; o reforço da mobilidade com base na banalização do uso das telecomunicações e de novos serviços originando um contexto de simultaneidade; as soluções de parceria construídas em função de objectivos e estratégias consensualmente assumidos entre empresas, associações, organismos públicos sectoriais e horizontais, cidadãos, etc., como forma de responder à instabilidade e incerteza crescentes.
Neste sentido, os desafios principais que se apresentam às cidades de média dimensão são, o desafio da globalização e das novas formas de organização produtiva com a consequente mudança na estruturação territorial, o desafio da sustentabilidade à escala urbana e o seu contributo para a sustentabilidade global e o desafio da inclusão social e das novas formas de governância urbana.
1.2.1 - Novas dinâmicas sócio-económicas, políticas e tecnológicas
É comum afirmar-se que a actualidade é caracterizada por um período global de transição social e o advento da idade da informação, caracterizada por uma explosão sem precedentes nas redes de telecomunicações e de informação globais.
1.2.1.1 - O fenómeno da globalização e a estruturação do território
A globalização, a terciarização da economia e o acréscimo da concorrência internacional oferecem não só oportunidades como constituem uma série de ameaças para os territórios locais, pois levantam algumas barreiras que os isolam dos mercados globais.
1.2.1.1.1 - Mutações técnicas e tecnológicas e as consequentes novas formas de gestão e organização
As mutações técnicas e tecnológicas (nomeadamente as NTIC) foram fundamentais na ocorrência de mudanças económicas e sociais, nomeadamente, ao nível da mobilidade (de bens, de pessoas, de informações e de comunicações) mas, ainda, os produtos e os sistemas de gestão (automatização, robótica, telemática, etc.), que induziram mudanças ao nível dos métodos de fabrico, conduzindo a melhorias significativas nas condições da existência humana, mas também tiveram efeitos perversos.
Deste modo, seria simplista afirmar que as novas tecnologias têm efeitos positivos e negativos sem especificar que efeitos têm em quem, em quê e para quem. No passado os intervalos entre as mudanças tecnológicas eram suficientemente dilatados para serem progressivamente absorvidas pelo conjunto da sociedade, todavia, na actualidade as mudanças são tão aceleradas que dificilmente é possível avaliá-las com precisão. Neste contexto de mudança acelerada, o total aproveitamento das inovações tecnológicas requer que as pessoas sejam capazes de assumir e adaptar-se a estes avanços. No entanto, a realidade indica-nos que as novas técnicas evoluem com maior rapidez do que as normas sociais, as relações laborais e os sistemas organizativos. Como consequência, para tirar partido das oportunidades que oferecem as novas tecnologias, é necessário desmontar os paradigmas obsoletos e desenvolver novos modelos que permitam a convivência social entre seres humanos e produtos tecnológicos [FÉRNANDEZ GÜEL, 2000].
Marshall MCLUHAN [1964, cit. em MANDER, 1997: 366], afirmou que um dos aspectos mais significativos da tecnologia não está no seu conteúdo aparente, mas sim, nas mudanças sistemáticas que catalisa. De facto, algumas invenções tecnológicas mudam a sociedade de uma forma muito mais dramática do que qualquer decisão política. Neste sentido, segundo MANDER [1997], a tecnologia tem um conteúdo político, ou seja, cada tecnologia tem consequências sociais, políticas e ecológicas previsíveis.
Normalmente as ideias dominantes favorecem a aceitação positiva das novas tecnologias (para uns), no entanto, esquecem as suas possíveis consequências negativas (para outros), sendo apresentadas apenas como um manancial dos melhores cenários possíveis sem haver qualquer voz discordante [Ibid.]. Estas visões, em parte utópicas, têm criado constantemente expectativas positivas que se consolidaram num paradigma onde cada nova tecnologia que apareça é imediatamente sinónimo de progresso geral da sociedade. Só muito posteriormente à sua adopção é que se descobrem (ou divulgam) alguns dos seus efeitos nocivos.
O sistema económico, devido ao desenvolvimento tecnológico (nomeadamente a automação das funções de fabrico e a informatização no sector dos serviços), consegue funcionar apenas com uma pequena parte da mão-de-obra disponível, levando à marginalização da restante.
Ao nível micro-económico, os sucessivos programas de ajustamento estrutural reduziram drasticamente o poder de compra, pondo em causa a designada "sociedade de consumo". Por forma a as empresas responderem à inovação tecnológica e à competitividade global, tiveram necessidade de flexibilizar o mercado de trabalho.
Como consequência ocorreu um declínio significativo na proporção de população empregada a tempo inteiro e com emprego permanente, enquanto o trabalho a tempo parcial, o teletrabalho, os contratos de curta duração, a feminização (onde as mulheres substituem os homens em algumas tarefas auferindo menores salários) e a precaridade do emprego aumentaram (em relação directa com a flexibilidade). O sector dos serviços tem vindo a ganhar importância enquanto que a indústria transformadora tem declinado (terciarização).
Segundo GOLDSMITH [1997: 535], as pessoas que não têm emprego, que recebem baixos salários ou que deixaram de ter assistência social não podem comprar muitos bens e serviços. Deste modo, à medida que o consumo decresce, a economia formal vai oferecer menos empregos, o que vai originar uma maior descida do poder de compra e do consumo privado e, consequentemente, ainda menos empregos. Assim, ao marginalizar tantas pessoas, a economia formal acaba por marginalizar-se a si própria, abrindo caminho à economia informal e subterrânea.
Quadro I.1 - Abordagens do planeamento e desenvolvimento regionais
Aspecto ou característica |
Modelo tradicional |
Novo modelo |
Direcção dominante da política |
Descendente (Top-down) |
Descendente/ascendente (Bottom-up/top-down) |
Modelo de governo |
Centralizado |
Delegado |
Método de abordagem |
Dominado pelo estado |
Partenariado |
Modelo de financiamento |
Baseado nos projectos |
Abordagem programática |
Paradigma organizacional |
Fordista |
Pós-fordista |
Integração das políticas |
Impostas a partir do centro |
Coordenação ao nível regional |
Objectivos estratégicos chave |
Promoção máxima do crescimento económico regional |
Desenvolvimento regional equilibrado |
Principal alvo das políticas |
Grandes empresas transformadoras |
Tamanhos e tipos diversificados de empresas |
Instrumentos das políticas |
Regulação burocrática, estímulos financeiros, serviços consultivos, prestação pública geral e indústrias nacionalizadas |
Grande autonomia, algum apoio financeiro, serviços de apoio e de aconselhamento e prestação mista pública/privada/voluntária |
Chaves da competitividade |
Economias de escala |
Inovação, funcionamento em rede e partenariado |
Alvo económico |
Investimento do sector público |
Equilíbrio entre o investimento público e privado |
Conteúdo social |
Reduzido e paternalista |
Elevado com ênfase no papel da comunidade |
Abordagem ambiental |
Criar ‘espaços verdes’ de forma a atrair investimento |
Amplas ideias de desenvolvimento sustentável e modernização ecológica |
Fonte: ROBERTS e LLOYD, 1999: 528
A prossecução de economias de escala foi substituída por uma ênfase na produção de pequenos lotes e marketing de nichos de bens e serviços. Em vários contextos, as organizações hierárquicas de larga escala deram lugar a pequenas e médias empresas com estruturas de gestão menos pesadas (Quadro I.1).
Todavia, as grandes empresas, nomeadamente as transnacionais têm vindo a ganhar peso, devido a dois processos: em simultâneo, a divisão do trabalho e a especialização das tarefas; e a externalização de um número crescente de actividades.
Estes processos visam a flexibilidade e a redução de custos, por forma a sustentar as flutuações do mercado, donde a multiplicação dos contratos de trabalho precários, o desenvolvimento da subcontratação e da descentralização. Evidentemente, estas lógicas combinam-se de forma diversa segundo os lugares, as conjunturas, as empresas e os sectores.
Em suma, esta nova organização económica tem conduzido a novas tendências no mercado de trabalho: precarização crescente de numerosos empregos (em relação directa com a flexibilidade); acréscimo das desigualdades salariais e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho por parte dos estratos mais jovens da população e de indivíduos menos qualificados em relação às competências exigidas; enfraquecimento das solidariedades colectivas; exigência crescente da qualificação social (ou capacidade de um indivíduo se integrar num grupo); vulgarização do trabalho a tempo parcial, com contratos a prazo e auto-responsabilização pela sua empregabilidade; feminização e terciarização do emprego, com o aumento da oferta de postos de trabalho em alguns segmentos, nomeadamente em posições altamente qualificadas e em sectores mal pagos e de trabalho intensivo como a hotelaria, restauração e distribuição.
De igual modo, as empresas estão cada vez mais desterritorializadas, uma vez que os seus modos de funcionamento não correspondem aos territórios onde estão adstritas, ultrapassando as fronteiras desses mesmos territórios. Por isso, com facilidade recorrem a deslocalizações das suas unidades produtivas.
Num sistema global, em que a informação está mais acessível, o que vai marcar a diferença será o saber-fazer, ou seja, a capacidade de análise, de crítica e de inovação, a par do espírito de iniciativa. Neste sentido, alguns autores alertam que o planeta não é mais essa ‘aldeia global’ que convoca indistintamente todos os indivíduos e todos os povos à volta dos mesmos acontecimentos globais, mas um arquipélago com os seus pólos de excelência tecnológica e as suas imensas margens de sub-contratação, onde "as ilhas correspondem às situações integradas em redes (físicas e imateriais) de âmbito nacional e sobretudo supranacional e os espaços submersos aos casos de desconexão relativamente a essas mesmas redes" [FERRÃO, 1992: 25]. Outros autores advertem ainda que a tecnologia serve para centralizar cada vez mais o poder, uma vez que o acrés-cimo de poder dos indivíduos poderá ser só aparente (dualismo entre o poder virtual e o poder real).
Todas estas transformações induziram efeitos sobre domínios cruciais da vida das cidades e dos cidadãos, dando origem à ‘cidade pós-fordista’. Esta cidade caracteriza-se por um ‘regime de acumulação flexível’ que cria novas relações sociais e territoriais, transformando estilos de vida e de valores.
1.2.1.1.2 - O carácter abrangente e ambíguo do fenómeno da globalização e o seu papel na potenciação das cidades de média dimensão
O vocábulo "globalização" (ou "mundialização"), é utilizado, frequentemente, de forma bastante ambígua: desde um simples catálogo de tudo o que parece diferente, como os avanços ao nível da tecnologia, o uso alargado dos meios aéreos, a especulação monetária, o acréscimo dos fluxos de capital entre os vários países, a ‘hollywoodização’ da cultura, o marketing de massas, o aquecimento global, a biotecnologia e a manipulação genética, o poder das firmas transnacionais, a nova divisão internacional do trabalho, a mobilidade internacional do trabalho, a redução de poder dos estados-nação, o pós-modernismo ou o pós-fordismo [MARCUSE, 2000]. A problemática vai mais além da ambiguidade terminológica, pois é difícil discernir quais as causas e as consequências de quê. De facto, neste âmbito, os discursos reducionistas são de evitar, pois está-se perante uma realidade bastante complexa.
De uma forma simples poder-se-á dizer que a globalização (ou mundialização) económico-financeira corresponde ao fenómeno que tem conduzido a uma nova organização do capitalismo económico e financeiro que se concretiza na internacionalização das trocas comerciais, na organização das actividades produtivas em bases mundiais e na mobilidade crescente dos capitais, das tecnologias e das pessoas, levando a uma nova forma de estruturação territorial, através da progressiva abolição das fronteiras nacionais.
Este fenómeno acelerou-se durante a década de 1990 devido ao colapso do comunismo que pôs fim à "guerra fria", criando desta forma as condições propícias à aceleração do desmantelamento dos proteccionismos e dos controlos que limitavam a liberdade de circulação de pessoas e o livre desenvolvimento da economia internacional.
Deste modo, o fenómeno da globalização deve-se, em parte, ao impacte do progresso tecnológico sobre a produção e o trabalho a nível mundial e às consequências do processo de liberalização e integração económica devidas aos acordos de livre comércio, só possíveis com um clima de relativa abertura das relações internacionais (embora este clima de abertura tenha tendência para esfriar devido à ‘paranóia’ do terrorismo).
A globalização corresponde, deste modo, a uma forma particular de capitalismo, com a expansão das relações capitalistas tanto em extensão (geograficamente), como em profundidade (penetrando cada vez mais nos aspectos da vida humana). Segundo MARCUSE [2000], existem dois aspectos distintivos da evolução das relações capitalistas nos últimos anos que são frequentemente reunidos sob a designação de globalização: desenvolvimentos na tecnologia e desenvolvimentos na concentração do poder económico.
A relação entre avanços tecnológicos e a concentração do poder económico não é inevitável. A computadorização, o acréscimo de velocidade das comunicações devido a avanços nas tecnologias da informação, a capacidade para incrementar a capacidade de controlo, a velocidade crescente e a eficiência nos transportes (de pessoas e bens), facilitaram a flexibilização da produção e a automação de tarefas rotineiras, foram essenciais para o substancial aumento da concentração do poder económico a que se assiste. Mas estes avanços na tecnologia podem ser usados de formas muito diferentes. Segundo aquele autor, os avanços na tecnologia podem significar, tanto que a mesma quantidade de bens e serviços podem ser produzidos com menos esforço, como que com o mesmo esforço se pode produzir cada vez mais. De qualquer das formas, teoricamente cada um poderá melhorar a sua situação, quer trabalhando menos, quer possuindo mais. No entanto, não é isto que acontece, pois a tecnologia não funciona assim, pois é dirigida e aproveitada pelos detentores do poder para aumentar e concentrar o seu controlo. Assim, a atenção necessita de ser centrada neste aspecto e não na tecnologia em si mesma, como atrás se demonstrou.
Neste sentido, a globalização da economia corresponde à ocorrência de várias mudanças interconectadas na economia internacional, caracterizando-se pelo carácter mundial dos fluxos de informação, de capitais, de mercadorias e de pessoas, adoptando-se uma visão mais alargada da procura e da concorrência, numa abordagem mais global da diversidade de situações nacionais ou regionais [MÉRENNE-SCHOUMAKER, 1996].