Ao mesmo tempo que ocorreram mudanças na economia internacional desenvolveram-se novas formas de concertação entre empresas e governos. Alguns autores argumentam que o planeamento económico nacional tem sido abandonado a favor da desregulação [NEWMAM e THORNLEY, 1996]. A desregulação da economia ao nível nacional foi acompanhada pela regulação da economia ao nível internacional (por exemplo, a OMC) e também ao nível das áreas de livre comércio regionais (UE, NAFTA, ASEAN, Mercosul, etc.).
Segundo GOLDSMITH [1997: 525], os governos nacionais ao assinarem o Uruguay Round do GATT e ao fundarem a OMC, aceleraram o crescimento económico global, onde supostamente se entraria numa nova era de prosperidade sem precedentes para todos, para tal foram retiradas todas as limitações ao comércio, fossem quais fossem as implicações sociais, ecológicas ou morais. Neste sentido, os governos nacionais delegaram o trabalho de dirigir os seus assuntos económicos numa burocracia internacional que está ainda mais distante da vida das pessoas, das preocupações locais e que é subserviente em relação às multinacionais que a economia global tem de facto a missão de servir [Ibid., 531]. Neste sentido, não será a globalização em si, mas o neoliberalismo que lhe está associado que deverá ser alvo das maiores críticas.
Na União Europeia, o mercado único e uma maior integração económica e institucional tem originado um fenómeno de ‘continentalização’ ou ‘europeização’, que serviram para remover as barreiras nacionais e fomentar uma nova concorrência entre os territórios, tendo no entanto um carácter muito mais profundo do que a globalização, pois, a dimensão meramente económica da UE, que tinha predominado até à década de 1990, cedeu progressivamente lugar a uma nova dimensão política e institucional, cada vez mais centralizada. Esta crescente concentração de poderes tem subtraído a soberania dos seus estados membros [PINTO, 2001].
Concomitantemente, o seu centro de gravidade tem-se deslocado para leste, primeiro com a reunificação alemã, no futuro com o alargamento a outros estados da Europa oriental. Com consequências para Portugal, pois acentua o seu carácter periférico em relação ao centro europeu (embora tenham ocorrido melhorias inegáveis nas redes de transportes e comunicações).
O fenómeno de globalização, nunca passa por um modelo único, já que as especificidades locais continuam a condicionar o modo como as formas e os processos de globalização transformam as economias e sociedades nacionais, ultrapassando em muito a vertente económica, como anteriormente se referiu, podendo distinguir-se diversos tipos de globalização (tecnológica, financeira, cultural, etc.).
A globalização é uma forma particular de capitalismo (apoiado pelas políticas neoliberais), que conduz a um universo cada vez mais imprevisível; daí uma necessária adaptabilidade, com externalização, sub-contratação e produção em rede [NONJON, 1999]. Por outro lado, os antigos critérios de poder económico, nomeadamente, os factores estritamente materiais não são tão importantes, dando lugar a novas formas de concorrência, pela qualidade, pela variedade, pela reacção, pela diferenciação, dando novas hipóteses aos territórios que sabem jogar novas formas de competitividade: interdependência, cooperação local, valorização das redes de transporte, mobilização dos recursos, ambiente humano.
As empresas industriais transformam-se cada vez mais em sociedades de serviços, empresas voláteis sem capacidade transformadora. Esta forma de organização em rede ou em forma de ‘sistema solar’, com um grande número de fabricantes exteriores à volta de uma organização central onde estão concentradas as funções vitais da empresa, está particularmente adaptada para fazer face à concorrência, às mudanças de conjuntura, aos ciclos de produto muito curtos, ao progresso técnico muito rápido. A empresa em rede está no centro da desmaterialização das empresas, do domínio das estratégias financeiras sobre as estratégias produtivas, da morte da empresa-território. Assim, a lógica das redes e as novas formas de organização das empresas substituem as antigas hierarquias.
Devido à descentralização, algumas competências do estado-nação são delegadas ao estado-região, sendo criadas em alguns países entidades regionais economicamente e politicamente autónomas. As cidades e as regiões rivalizam em audácia a fim de captarem investimento externo: vantagens fiscais, publicidade sobre factores de atracção (fiscais, climáticos, de investigação); ultrapassando por vezes o estado nacional, exercendo pressão directamente sobre a Comissão Europeia a fim de obterem fundos. Por isso, o processo de globalização conduz à redução do poder do Estado e, em concomitância, ao aumento de poder dos mercados (e em menor grau da sociedade civil). Assim, necessita-se de desenvolver uma série de ‘filtros’ que permitam proteger dos efeitos perniciosos da globalização, através da concepção e implementação de políticas inovadoras e inteligentes nesse sentido.
Se os stocks de recursos naturais e a importância da população absoluta não são os factores determinantes de uma prosperidade sustentável, os comportamentos das colectividades humanas tornam-se (ou são mais do que nunca) determinantes. O factor cultural permite aos pequenos estados se desenvolverem e a cooperação com outros estados dão-lhes os meios para competirem. Neste sentido, o passado do território, "a sua história, as identidades, as imagens, a ética, os valores, a cidadania, a participação, a negociação, a contratualização, a comunicação e informação são dimensões imateriais agora muito valorizadas e consideradas como recursos fundamentais para enfrentar os desafios de forma a afirmar e emancipar os territórios" [SOUTO GONZÁLEZ et al., 2001: 47].
Se a globalização é marcada pela intensificação da consciência de pertencer a um mesmo mundo e de novas solidariedades mundiais, ela inclui também efeitos destruidores de unidade. A aptidão dos espaços em se integrarem nos processos de globalização são muito variáveis. Os diferenciais de desenvolvimento são extremos entre as regiões. De facto, num mundo globalizado, a difusão continua a ser espacialmente e socialmente selectiva.
O território (e mais particularmente as cidades) intervém assim na competitividade das empresas e é, desde logo, um factor importante de localização das actividades económicas, uma vez que são os locais que manifestam maior dinamismo endógeno os mais atractivos.
Deste modo, os principais desafios que se colocam aos territórios são os da competitividade/cooperação e da inovação no contexto de uma articulação equilibrada do local e do global [SOUTO GONZÁLEZ et al., 2001: 46]. De facto, "as cidades como as empresas inscrevem-se num sistema de competição, de concorrência" [KAISERGRUBER, 2001: 18], aquelas que não avançam, que estagnam, perdem terreno. "Os movimentos de crescimento urbano e territorial fazem com que haja sempre um ganhador e um perdedor" [Ibid., 2001: 19]. No entanto, esta concorrência faz-se sobre um fundo de concentração urbana, pois os lugares cimeiros são raros.
De uma forma geral, a economia dos centros está desconectada da das periferias, pois as cidades funcionam em rede, mas, as trocas fazem-se mais entre pólos do que entre nações. Onde, uma estrutura piramidal de relações verticais, é substituída por relações horizontais entre grandes pólos unidos por bons meios de transporte. As periferias tornam-se, assim, espaços menos vitais, abandonados, mal integrados, ou quanto muito como meros fornecedores de recursos naturais, ou como áreas de lazer.
Neste sentido, a nível territorial, o fenómeno da globalização promove a concentração, nomeadamente favorecendo as grandes cidades, em detrimento das áreas de menor densidade, conduzindo, assim, a uma progressiva aceleração da desertificação das áreas rurais e menos dinâmicas. Em particular as designadas ‘cidades globais’, que centralizam o controlo das grandes empresas, pois, ao possuírem os centros de decisão, são as mais favorecidas.
De facto, é em estas cidades mais dinâmicas que se encontra o terciário superior ou ‘quaternário’. O fenómeno da concentração do desenvolvimento não é novo, mas radicalizou-se com a aceleração e a amplitude da globalização. A velocidade dos transportes acentua a compressão do espaço mas hierarquiza de forma cada vez mais sistemática e desigual as vias de comunicação. De facto, "a cidade é o local privilegiado onde as externalidades positivas e economias de aglomeração são possíveis e facilitam a inovação" [BRASSEUL, 1999: 51].
O sistema urbano, considerado como estruturante e condicionador do desenvolvimento regional, assume um protagonismo crescente, passando o potencial competitivo de um território pela sua configuração. Conquanto, as grandes cidades beneficiem de vantagens económicas de proximidade (economias de aglomeração), sociais, culturais e informacionais, funcionando como centros de poder e de controlo à escala global [SASSEN, 1991], não obstante, é nessas grandes aglomerações que os problemas relacionados com o custo excessivo do solo, a poluição, pobreza, criminalidade, engarrafamentos e outras deseconomias, se revelam mais agudos.
Por seu turno, as cidades de dimensão média, apresentam características suficientes para beneficiarem das economias de escala, sem terem ultrapassado os limites do congestionamento do ponto de vista ecológico, social e económico. Estas cidades parecem, pois, situar-se no ponto de encontro entre modernidade e bem-estar, inovação e tradição; têm, no entanto, muita dificuldade em atrair as instituições e empresas de envergadura internacional, o que as mantém afastadas da cena mundial.
No entanto, as cidades de média dimensão podem explorar as oportunidades que a integração global lhes oferece. Para tal, devem possuir ou potenciar [CCE, 1999c]:
Daí que os sistemas produtivos de base territorial, tenham de apostar na inovação, de formas muito diversificadas, mas apoiados sempre num suporte institucional e numa ‘atmosfera’ próprios:
"Como a aprendizagem organizacional e a inovação são fenómenos de grupo e envolvem relações entre grupos, as contribuições individuais raramente produzem ideias criativas e soluções requeridas nas inovações complexas ou descontínuas" [TUSHMAN e NADLER, 1986, cit. em SANTANA, 1999].
Os sistemas produtivos locais podem assumir as mais variadas formas, desde as cidades baseadas na aglomeração de serviços especializados e qualificados, aos pólos de alta tecnologia ou a sistemas produtivos de base local como os distritos industriais, por exemplo. Esta diversidade de configurações territoriais de sucesso está bem patente na grande variedade de enfoques teóricos com que têm sido tratadas estas questões, em busca da explicação para novas formas de organização espacial e, em particular, dos meios proporcionadores de inovação e da competitividade de um território (veja-se o caso dos ‘distritos industriais’, dos ‘sistemas locais de produção’ e dos ‘meios inovadores’).
Assim, as cidades de dimensão média (e os seus actores), num mundo globalizado, devem ter uma atitude inovadora, pró-activa, mas também reactiva: "nada está já mais adquirido para uma cidade, e a inovação deve ser permanente, mesmo para a cidade cuja imagem de modernidade seja evidente" [KAISERGRUBER, 2001: 19].
Neste sentido, as cidades de média dimensão desempenham um papel crucial em contrariar a tendência de marginalização ao integrarem o rural e o urbano. Neste sentido, para os territórios responderem positivamente aos desafios, as localidades devem atrair e fixar recursos qualificados ao mesmo tempo que criarão meios de coesão social. Da mesma forma se considera fundamental a revalorização dos recursos materiais próprios, a sustentabilidade e o ambiente [SOUTO GONZÁLEZ et al., 2001: 47].
Certamente, que na era da instantaneidade, da abolição das distâncias, da mobilidade acrescida, alguns autores advoguem a "morte da distância" [CAIRNCROSS, 1997]. Contudo, a globalização tem, em particular, posto em evidência o papel dos territórios. Com efeito, contrariamente a uma ideia largamente difundida, a globalização não implica o desaparecimento dos territórios mas põe em evidencia especificidades territoriais como meios de criar vantagens competitivas [STORPER e HARRISON, 1994]. Duas razões essenciais explicam este fenómeno: os recursos endógenos e as instituições. Tanto os recursos endógenos como as instituições estão ligadas aos territórios e contribuem, desta maneira, para a sua diferenciação.
Logo a globalização conduz à multiplicação dos sistemas territoriais de produção que entram em concorrência uns com os outros. Todavia, a competição entre estes sistemas não só depende do custo dos factores de produção, mas também da sua capacidade de inovação. Só os territórios que sabem aprender e adaptar-se permanentemente às novas condições impostas pela globalização permanecerão competitivos.
Assim, a globalização sendo um fenómeno incontornável, não significa, portanto, a uniformização mundial, em vez disso representa uma transformação acelerada das hierarquias e o aumento da diversidade, apresentando sérias ameaças mas também um manancial importante de oportunidades para os territórios locais desde que estes se saibam inscrever além das suas fronteiras iniciais, sobre territórios locais mais vastos.
Neste contexto não importa somente o bom funcionamento interno do território considerado, mas também a sua articulação externa com outros sistemas e a sua capacidade em apreender as transformações de um mundo em constante mutação. É necessária, então, uma articulação entre o local e o global, entre o endógeno e o exógeno, de forma a criar dinamismo no sistema. Até porque as nações são cada vez mais interdependentes:
"A dinâmica da interdependência será melhor compreendida se pensarmos o globo não como um mapa das nações, mas como uma carta meteorológica onde os sistemas atmosféricos rodopiam sem ter em conta as fronteiras nacionais e onde os centros de altas e baixas pressões criam novas condições climáticas muito mais além do lugar da sua formação" [SOEDJATMOKO, 1985, cit. em NONJON, 1999].
1.2.1.2 - Outras mutações que afectam a forma de encarar as cidades
Num contexto pós-moderno, J. GONÇALVES [1995] fala de ‘crise urbana’, enquanto fenómeno global, sendo composta por problemas concretos que se conjugam e dão uma imagem negativa da cidade: a crise da comunicação (as cidades actuais não favorecem as trocas comunicativas, sufocando as relações sociais e reduzindo ao mínimo o contacto e as trocas); a crise das relações sociais (os contactos são difíceis e são agravados pela segregação espacial que torna opaca a estrutura social existente, pois os contactos entre indivíduos de diferentes estatutos são diminutos); a crise da territorialidade (o automóvel isola o homem, não lhe permite mais que estabelecer tipos de relações elementares à excepção da competição, da agressividade e dos instintos destrutivos); e a crise do espaço vital e patologias urbanas (o problema das grandes densidades: superpovoamento e criminalidade). Além disso, outras mutações têm ocorrido, como a seguir se discrimina.
A nível social, evidências recentes mostram como a globalização da economia e a introdução de novas tecnologias nos processos de produção, sem a aplicação de mecanismos correctores, tendem a aumentar as desigualdades sociais, a pobreza, o desemprego e a insegurança. Em termos demográficos, assiste-se a uma estagnação da população europeia e ao seu progressivo envelhecimento. Assiste-se, também, a uma crescente diversidade étnica da sociedade e a mudanças nas relações familiares (as relações entre pais e filhos e as relações entre esposos tornou-se mais igualitária).
Como consequência ocorreram alterações na relação entre o Estado e os cidadãos (estes são menos cumpridores, respeitam menos a autoridade e envolvem-se menos nas questões comunitárias) [INGLEHART, 2001], evidenciadas pelo decréscimo de participação nas eleições e no declínio de confiança nas instituições tradicionais (Estado, Igreja, etc.); ocorreu uma diminuição do fosso de conhecimento/competências entre os líderes políticos e a classe média cada vez mais escolarizada. Assim, governar tornou-se mais difícil do que costumava ser, uma vez que o público é cada vez mais crítico e exigente.
Por isso, têm emergido novas formas de representação e de participação pública, permitindo expandir as formas de os cidadãos participarem na concepção das políticas públicas, dentro do quadro geral da democracia representativa no qual os parlamentos continuam a desempenhar um papel central. Os cidadãos, crescentemente, exigem maior transparência e responsabilidade dos seus governos e requerem maior participação pública na modelação das políticas que afectam as suas vidas, de forma a ultrapassar o "défice democrático". Os cidadãos educados e bem informados esperam que os governos tomem em consideração os seus pontos de vista e conhecimento quando tomem decisões. Envolver os cidadãos na concepção de políticas permite aos governos responderem a essas expectativas e, ao mesmo tempo, conceber melhores políticas e melhorar a sua implementação.
Caminha-se, concumitantemente, para um novo quadro geopolítico caracterizado pela imprevisibilidade. Com o colapso dos regimes comunistas a situação geopolítica actual caracteriza-se por uma série de dualismos: integração versus diferenciação, universalização versus singularidade, pró-americanismo versus anti-americanismo. Actualmente existe uma convivência contraditória entre as forças da globalização e as da fragmentação. As relações internacionais são cada vez mais instáveis, uma vez que os aliados de outrora poderão ser os contendores de amanhã.
A organização da administração pública tem evoluído dando respostas a algumas exigências que têm surgido. No entanto, mesmo assim, as mudanças externas ocorridas têm ido muito além da capacidade de assimilação e adaptação da máquina burocrática.
De facto, a burocracia da administração pública, entendida como uma autoridade, como ‘aparelho’ hierarquizado, como ‘máquina’, abstracta e impessoal, onde os burocratas, por diferente que seja o seu carácter, mais não são do que peças de um ‘mecanismo’, está sendo cada vez mais contestada a favor de estruturas organizativas mais eficientes e flexíveis, embora de forma muito lenta. De facto, não excluindo totalmente a burocracia, a realidade presente necessita de instituições flexíveis e adaptáveis, que produzam bens e prestem serviços de elevada qualidade, que sejam receptivas às necessidades dos seus clientes e cidadãos, que se movam pela persuasão e incentivos, que dêem aos seus empregados e colaboradores um sentido de controlo e de pertença e que dêem poder e capacitem os seus cidadãos em vez de simplesmente os servir.
Pois, o autoritarismo, caracterizado pela arbitrariedade (as decisões impostas a partir de cima, sem nenhuma justificação moral, racional e humana, muitas das vezes formulando exigências exageradas e absurdas), a injustiça (a culpabilidade considerada sempre como evidente e sem necessidade de prova) e a punição, está caindo em desuso a favor de processos de negociação e partenariado.
As limitações orçamentais têm reduzido a disponibilidade de recursos por parte do sector público. Ao mesmo tempo, os processos de descentralização administrativa, em muitos países, acarretaram um acréscimo de responsabilidades para as cidades – mas nem sempre um acréscimo de recursos para as apoiar, resultando em pressões fiscais que ameaçam minar a capacidade de acção a nível local [CCE, 1999c]. A descentralização das competências urbanísticas favoreceu a adaptação da legislação urbanística às particularidades de cada região, substituindo o planeamento normativo e centralizado [GUERRA, 2000]. Além disso, assiste-se ao acréscimo do regionalismo, entendido este como o redesenho administrativo das regiões urbanas funcionais de forma a permitir resolver os problemas inerentes à fragmentação autárquica dentro das áreas metropolitanas.
Devido à quebra nos níveis de confiança no governo e nas principais instituições públicas, ao crescente abstencionismo político e à quebra da militância nos partidos políticos, a democracia, enquanto sistema político, está sobre pressão [INSTITUTE ON GOVERNANCE, 1998]. Neste sentido, os métodos tradicionais de auscultação dos cidadãos (nomeadamente a consulta pública) não funcionam, resultando na exigência e no apelo por uma maior transparência e responsabilidade dos governos e em formas mais inclusivas de formulação de políticas e tomada de decisão [EUROPEAN ENVIRONMENTAL BUREAU AND THE REGIONAL CENTER FOR CENTRAL AND EASTERN EUROPE, 2000].
Durante os últimos anos, muitos comentadores têm argumentado que a administração pública não está "em sintonia" com os cidadãos – um fenómeno generalizado a todas as democracias ocidentais. Para resolver este fenómeno devem ser encontrados processos mais inovadores, transparentes e inclusivos na forma como os governos, sejam eles locais ou nacionais, desenvolvem políticas e prestam serviços aos cidadãos.
Por outro lado, os cidadãos possuem níveis mais elevados de escolaridade, havendo uma mutação da predominância dos valores materialistas para as questões da "qualidade de vida" (tal como a preocupação pelas questões ambientais) e um declínio no respeito pela autoridade e hierarquia [OCDE, 2001]. Além disso, crescentemente, os cidadãos valorizam a democracia como sistema de governo, mas exigindo maior transparência e responsabilidade, bem como uma maior participação pública nas questões que os afectam. Assim, um número crescente de cidadãos tem vindo a reclamar o seu lugar, e o seu envolvimento tornou-se, por essa razão, uma ferramenta importante de forma que os agentes públicos ajudem a reparar a quebra de confiança nas instituições. Tal só será possível impulsionando um processo bidireccional de aprendizagem entre cidadãos e entidades públicas. Ambos devem trabalhar em conjunto com vista a encontrarem um terreno comum durante o processo de decisão. No entanto, os esforços para reparar os níveis de confiança e fomentar a participação pública são difíceis de implementar devido:
"Se a democracia é o ‘governo do povo para o povo’, é difícil encarar como verdadeiramente democrático o tipo de sistema político em que vivemos, no qual as pessoas limitam a sua contribuição ao governo no acto de votar em cada 4 ou 5 anos num candidato sobre cuja condução política não têm qualquer controlo até à próxima eleição" [GOLDSMITH, 1997: 530].
Segundo este mesmo autor, isto acontece porque o mundo empresarial domina a arte de influenciar os resultados eleitorais através de campanhas de relações públicas em massa cada vez mais sofisticadas. Se, de facto, o governo pertence aos cidadãos, então, estes têm o direito e a obrigação de participarem no quotidiano do governo e, evidentemente, que não é a nível nacional que o podem fazer. A sua participação só pode ser efectuada a nível local, entre aqueles que se conhecem, que se encontram com regularidade e entre os que têm os mesmos interesses e pontos de vista [Ibid.].
Contudo, assiste-se a uma maior exigência de transparência. Os cidadãos já não admitem que os processos de planeamento e de gestão urbanística sejam elaborados por um grupo de decisores e técnicos em ambiente de obscurantismo e discricionaridade dificilmente admissíveis em sociedades democráticas. A esta nova forma de governo mais aberta e participada, numa estreita relação e cooperação entre o sector público e os agentes e actores económicos e sociais tem-se designado por ‘governância’.
Tem-se registado, também, um declínio na prestação de serviços por parte de organismos públicos isolados e um crescimento dos modelos baseados em parcerias. As cidades deixaram de ser meros receptáculos de políticas do estado central, pois cada vez mais se empenham em implementar políticas de desenvolvimento em associações e parcerias variadas, bem como a exigência crescente de uma democracia participativa (a juntar à democracia representativa); um ‘novo urbanismo’, com um desenvolvimento urbano menos expansivo na periferia e um acréscimo das reestruturações urbanas de grande complexidade no interior das cidades, visando a ‘sustentabilidade urbana’; num contexto de cenários de desenvolvimento incertos (em secção posterior – 2.1.1. – será desenvolvida esta temática). Ao nível territorial, na actualidade, assiste-se ao fenómeno da polarização territorial.
1.2.2 - Metropolização e megapolização: o papel crescente das grandes cidades
A urbanização, processo de crescimento das cidades, é a consequência da crescente mobilidade e do poder de atracção de alguns territórios. Embora não seja um fenómeno novo, actualmente os ritmos de crescimento desmesurados e altamente localizados, geram graves problemas ambientais, económicos, culturais e sociais, em uma série de cidades.
A nível mundial, as tendências divergem segundo o grau de desenvolvimento dos territórios. Nos países em desenvolvimento, o processo de urbanização caracteriza-se por uma concentração crescente de população urbana nas megápoles, enquanto que os países desenvolvidos conhecem uma desconcentração da população urbana resultante da desindustrialização e terciarização da sua economia, ou seja, enquanto que a taxa de crescimento da população urbana tem tendência a estabilizar neste último conjunto de países, ao contrário, as megápoles localizadas no Sul do planeta continuam a crescer (embora tenha havido um ligeiro abrandamento).
Perante esta situação, a ‘metropolização’ e a ‘megapolização’ são dois processos diferentes, mas relacionados. A metropolização é um fenómeno de poder económico, que traduz o crescimento das principais cidades devido à crescente concentração dos serviços e à polarização económica [VELTZ, 1996]. É uma forma particular de polarização, que conduz os sectores mais dinâmicos a instalarem-se de preferência em algumas cidades de grande dimensão. Os empregos criados são na sua maioria qualificados, como os serviços de apoio às empresas de nível elevado (actividades financeiras, seguros, imobiliário, serviços de aconselhamento, publicidade, serviços informáticos), mas também menos qualificados, como o comércio por grosso ou a logística. Deste modo, a metropolização corresponde ao movimento de concentração económica e financeira acompanhado de uma reticulação hierarquizada das grandes aglomerações urbanas [BURDÉSE et al., 1998], onde a metrópole domina e está no topo da hierarquia urbana [DUREAU et al., 2000].
Nos denominados países ‘periféricos’ existe um ‘divórcio’ entre a economia dominante e a demografia urbana. Nestes países a ‘precipitação urbana’ é mais activa e mais rápida, pois a economia mundial e as inovações tecnológicas estão na origem de um povoamento urbano inédito, mas elas não o dirigem e não o apelam.
Esta urbanização prossegue por si própria, compreendendo lugares onde as actividades económicas estão quase ausentes ou os empregos são precários e em número reduzido. Os mecanismos tornaram-se mais culturais do que propriamente económicos e a explosão demográfica, que também concorre para esta revolução urbana, alimenta-a poderosamente. Este processo tem sido designado por megapolização.
A sua etimologia insiste na independência do crescimento demográfico em relação ao desenvolvimento económico, pois só faz referência à dimensão do agrupamento humano (a cidade enorme). De facto, é este agrupamento que prevalece, de tal forma que a função residencial domina todas as outras funções urbanas. A economia urbana torna-se, em grande parte, secundária, pois não é indutora do povoamento urbano, mas induzida por este mesmo povoamento, originando situações de pobreza alarmantes. Assiste-se, assim, à urbanização sem desenvolvimento, tendo como consequência um défice de empregos urbanos e o crescimento da economia informal e subterrânea e a consequente marginalização de vastas camadas de população.
Deste modo, a polarização urbana acarreta aspectos positivos mas também negativos, motivados pelo facto de o processo de urbanização mundial estar não só caracterizado pelo crescimento da população urbana, mas também pela forte migração das actividades económicas dos centros de menor dimensão para os centros de maior dimensão. Assim, esta urbanização é não só muito desigual, como se traduz na desertificação das regiões rurais num mundo globalizado, donde a importância de implementar uma rede urbana mais equilibrada com cidades de menor dimensão.
Qurbordagens do planeamento e desenvolvimento
1.2.3 - Regular o processo de urbanização: a aposta nas cidades de dimensão média
Restringindo-nos ao ‘mundo desenvolvido’ se, de uma forma geral, as grandes cidades são actualmente consideradas como inumanas, no outro extremo da escala, a pequena cidade e as áreas rurais, ainda que ofereçam uma qualidade de vida razoável, não oferecem emprego e serviços capazes de reter e atrair população. Parece, assim, que a consecução de uma distribuição de população equilibrada no território, com uma adequada qualidade de vida urbana, deve basear-se na tipologia das cidades de média dimensão, mas desde que se evite que estas fiquem afectadas pelas externalidades negativas que afectam as grandes cidades.
As cidades de média dimensão podem e devem jogar um papel mais activo face ao processo de concentração urbana, equilibrando os processos de polarização e travando o excessivo crescimento das grandes aglomerações urbanas. Consoante as suas potencialidades, podem oferecer a oportunidade de obter um desenvolvimento mais equilibrado moderando o êxodo de população rural e aliviando a excessiva concentração nas grandes cidades.
Desta forma, podem desempenhar o papel de centros que contribuem para um processo de urbanização mais sustentável e territorialmente mais equilibrado, estabelecendo relações mais directas e equilibradas com o seu hinterland. Devido ao seu tamanho podem oferecer melhor qualidade de vida e onde os cidadãos poderão participar mais facilmente no governo e gestão da sua cidade.
Para a consecução daquela política é necessário implementar um processo de planeamento estratégico e criar redes de cooperação, com a finalidade de trocar experiências, metodologias e critérios técnicos de trabalho, contribuindo para um novo modelo de desenvolvimento urbano mais solidário, buscando o equilíbrio entre a competição com outras entidades territoriais e a cooperação interna dos seus actores. Este duplo imperativo da competição/cooperação orienta de forma inovadora as políticas urbanas.
1.2.4 - Da hierarquia urbana aos sistemas urbanos: as redes de cidades
Devido às mutações territoriais e à alteração das formas de encarar o próprio espaço, a noção de hierarquia urbana tem vindo a perder sentido em proveito das noções de redes urbanas e sistemas urbanos, sendo assim o reflexo de uma profunda transformação na representação do território e dos mecanismos que comandam a sua organização. Convém, então, que nos interroguemos sobre as implicações desta mutação nos desafios que se colocam às cidades de média dimensão e ao ordenamento do território em geral.
Durante muito tempo, foi feita uma correspondência directa entre o tamanho demográfico das cidades e o nível funcional respectivo. Enquanto que as funções banais se encontravam em qualquer aglomeração, as actividades e funções mais raras só se encontravam nos centros urbanos de maior dimensão. Correspondia, portanto, a um sistema hierarquizado, em que todas as cidades do mesmo nível e do mesmo tamanho asseguravam as mesmas funções, enquanto que as cidades de um nível superior asseguravam todas as funções das cidades de nível inferior e outras funções mais raras, indo até ao topo da hierarquia, onde se encontrava a capital nacional, que assegurava as funções e as actividades mais raras, de forma que exercia a sua influência a todo o território nacional [MAY, 1993]. Em termos de funcionamento territorial, esta fase caracterizava-se por uma interdependência entre cada cidade e o seu hinterland e o carácter essencialmente ascendente das relações entre as cidades. De forma que cada cidade necessitava de uma área de influência imediata mais ao menos ampla para poder existir e se desenvolver, e ainda, quanto ao segundo aspecto, cada cidade necessitava obrigatoriamente de estabelecer relações com as cidades de nível superior de forma a aceder aos bens e serviços mais raros, dos quais não dispunha. De igual forma denotava-se uma ausência total de relações com as cidades de nível hierárquico inferior, uma vez que as funções mais banais destas cidades eram supridas pela própria cidade (Figura 1.1).
Figura 1.1 – Hierarquia urbana segundo CHRISTALLER (Fonte: ASCHER, 1998: 18).
Contudo, ultimamente, a hierarquia urbana foi modificada. Tal facto deveu-se, por um lado, às mutações ocorridas ao nível político-institucional, nomeadamente com o processo de integração europeia e o papel crescente do nível regional na definição de políticas, vindo pôr em causa a organização rígida e hierarquizante, centrada na capital nacional. Por outro lado, as transformações na organização económica com a crise do Fordismo, fizeram emergir formas mais flexíveis, e de adaptação mais rápida, de pensar o território e o seu funcionamento, emergindo o conceito de ‘rede’. Entre essas transformações na organização económica com repercussões na dimensão territorial, são de salientar as seguintes [MAY, 1993]:
Assim, as cidades inscrevem-se cada vez mais num contexto internacional, ou mesmo mundial, e as relações de complementaridade e de sinergia entre cidades de um mesmo nível tornaram-se cada vez mais importantes do que as relações entre cada cidade e as cidades da sua área de influência [MÉRENNE-SCHOUMAKER, 1996].
As redes urbanas ou sistemas de cidades consistem numa configuração territorial que se baseia nas interacções entre cidades, através de redes de transportes e de comunicações, e de dinâmicas ligadas à difusão de inovações. Uma rede possui uma estrutura, ou seja, o conjunto das relações duráveis entre os lugares, e uma dinâmica, uma vez que integra fluxos de natureza diferente [PAULET, 2000]. Salienta-se um papel maior das relações horizontais (com pólos do mesmo nível) sobre as relações verticais (pólo como área de influência) e a estrutura em rede das relações (nem piramidal e nem arborescente).
Estes processos estão na origem de três mudanças principais [MÉRENNE-SCHOUMAKER, 1996]: os centros de nível inferior ganham relevância, pelo acréscimo de trocas entre si, trocas induzidas por especializações superiores; a manutenção – ou talvez o reforço – das principais polarizações nacionais, as cidades capitais são as principais visadas pelo desenvolvimento das relações internacionais; o aparecimento de um número limitado de cidades internacionais e de um número ainda mais restrito de cidades globais [SASSEN, 1991], em que a área de influência é todo o globo.
Por outro lado, a morfologia das redes de cidades será diferente: a forma das redes de estrelas substituirá a da teia de aranha hierarquizada dando assim origem a um modelo de ‘hubs and spokes’ (eixos e raios) (Figura 1.2) criado por lógicas de trânsito dos fluxos de bens, de pessoas e de informações, contendo os pontos privilegiados que oferecem fiabilidade e interconexão mais do que acessibilidade e fácil acesso [De ROO, 1993].
Figura 1.2 – Rede urbana em hubs e spokes (Fonte: ASCHER, 1998: 18).
De igual modo, VELTZ [1994] apresenta uma mudança na forma de estruturar o território, passando do território-zona para o território-rede. Esta forma tem como base um espaço topológico, em que a importância dos lugares depende mais dos fluxos que estabelecem com outros lugares do que com a sua distância geográfica. A sua centralidade não depende, assim, da sua localização absoluta, mas antes da intensidade e tipo de relações que se estabelecem com outros nós da rede.
Para CAMAGNI e SALONE [1993], o comportamento espacial das actividades económicas seria o resultado de três lógicas de organização: uma "lógica territorial", uma "lógica competitiva" e uma "lógica em redes". A primeira constitui o fundamento teórico da hierarquia de W. Christaller: não obstante alguns limites (sobre-estimação do papel do custo de transporte, desconsideração pelas relações horizontais entre centros especializados do mesmo nível), aplica-se ainda à administração pública e funções governamentais e aos serviços públicos e privados cujo consumidor suporta os custos de transporte (venda por grosso e a retalho, saúde, educação, actividades bancárias e seguros, etc.). Se a segunda concerne sobretudo as actividades industriais, a terceira permite considerar a localização das actividades terciárias avançadas onde actuam, nomeadamente, "redes de complementaridade" entre cidades próximas, "redes de sinergia" entre centros semelhantes próximos ou longínquos (por exemplo, redes entre as cidades financeiras mundiais ou redes de cidades turísticas conectadas mediante ‘itinerários’ culturais, históricos ou geográficos) e "redes de inovação" formadas por centros que cooperam em projectos específicos com a finalidade de fornecerem massa crítica suficiente em termos de oferta e de procura (por exemplo, acordo entre cidades no domínio da localização de aeroportos ou de hospitais centrais).
As "redes de complementaridade" baseiam-se na divisão interurbana do trabalho, através da especialização e complementaridade entre cidades, de forma a obterem economias de aglomeração, enquanto que as "redes de sinergia" apoiam-se na especialização de diversas cidades em actividades e funções semelhantes de forma a obterem economias de escala no interior da rede [Ibid.]. No entanto, esta configuração territorial em rede poderá dar origem à formação de espaços do tipo "arquipélago", onde as "ilhas" correspondem aos espaços integrados na rede mundial e os espaços submersos às situações de desconexão [FERRÃO, 1992].
A integração em redes de cooperação regionais, nacionais ou supranacionais pode conduzir à adopção de inovações em processos, tecnologias ou acções em áreas-chave para o desenvolvimento local, como o planeamento territorial. Por outro lado, permite o desenvolvimento de práticas de para-diplomacia e de lobby, fundamentais na afirmação territorial [S. GONZÁLEZ et al., 2001].
Também as redes de actores, sejam elas redes institucionais ou redes informais, são funda-mentais nas organizações territoriais. Pois, o dinamismo dos territórios está largamente dependente da densidade e qualidade dessas redes. Sendo então, necessária uma certa quantidade de actores para que as relações se possam intensificar. Por isso devem ser redes abertas aos parceiros e ao mundo exterior, podendo ser então motores do desenvolvimento. As redes podem ser trampolins eficazes de notoriedade nacional e internacional, factor de credibilidade, de poder e de capacidade de protagonismo e influência junto dos mais importantes decisores de diferentes níveis e sectores. Além disso, o funcionamento em rede permite conceber políticas de desenvolvimento comuns, maximizando os recursos. Nomeadamente, aquando da concepção de processos de planeamento estratégico, os diagnósticos e estratégias de intervenção poderiam ser definidos de forma concertada atendendo aos pontos comuns. Deste modo cimentar-se-iam processos de concertação interurbana e intermunicipal. Voltaremos a esta questão na secção 1.3.2.1.
1.3 – As apostas das cidades de média dimensão em matéria de desenvolvimento
Com a crescente internacionalização dos lugares e dos agentes, os sistemas urbanos densificam-se e organizam-se de forma hierárquica e reticular, numa sobreposição complexa, como se explicou na secção anterior. As hierarquias urbanas internacionais podem ser alteradas, em certa medida, por acções mais ofensivas de algumas cidades. O princípio da competitividade permite que as cidades de menores dimensões mas flexíveis e especializadas beneficiem de contextos específicos que lhes possibilitam vencer desafios perante adversários teoricamente mais fortes.
Foi dito anteriormente que as cidades de média dimensão estão numa posição privilegiada sob certos pontos de vista, contudo, apresentam também várias debilidades.
1.3.1 - Potencialidades e debilidades das cidades de média dimensão
Além das debilidades associadas à sua dimensão e posição e das ameaças inerentes às próprias dinâmicas sócio-económicas e territoriais, as cidades de média dimensão possuem fortes oportunidades e potencialidades que convém salientar:
Além das oportunidades e potencialidades atrás expostas, este tipo de cidades pode apresentar algumas das seguintes ameaças e debilidades:
De um modo geral, as cidades de média dimensão, são locais onde os níveis de cooperação são mais elevados, o que permite a tomada de decisões de uma forma mais participada, potenciando o efeito de sinergia. Têm, no entanto, a desvantagem de serem cidades onde, normalmente, existe debilidade de infra-estruturas e equipamentos e onde as economias de escala e de aglomeração são menores.
1.3.2 - Apostas das cidades de média dimensão com vista ao seu desenvolvimento
Tendo em conta o cenário atrás descrito e considerando os desafios que se lhe apresentam, as cidades de média dimensão devem, mais concretamente, ter em conta os aspectos seguintes:
Segundo WEGENER [1995], no futuro, serão perdedoras as cidades que não se localizem ao longo dos corredores privilegiados de transportes e em locais onde o baixo custo do solo e a qualidade ambiental fixem agro-indústrias, algumas indústrias transformadoras ou grandes centros de distribuição, e que não se consigam adaptar às novas oportunidades e desafios.
Todavia, de acordo com um relatório da CCE [1994: 4], "as cidades de pequena e média dimensão há muito que desempenham um importante papel no fornecimento de serviços administrativos e de outros serviços de base às áreas rurais e agrícolas circundantes. Frequentemente, essa função serviu de freio ao seu abandono e declínio". Assim, estas cidades têm um papel importante na estruturação do território, permitindo não só manter as populações nos seus locais de origem como também descongestionar as áreas metropolitanas, cabendo-lhe uma dupla função que assenta no desenvolvimento e consolidação como locais inovadores e competitivos e, por outro lado, a de coesão territorial, privilegiando as relações de interdependência com o território envolvente.
Sendo os territórios espaços construídos pela inter-relação do global e do local, mediados pela actuação dos actores locais e dos sistemas de regulação mais ou menos desenvolvidos em escalas diferentes que se entrecruzam, resultam de uma construção segundo as estratégias dos seus actores e dos fenómenos de aprendizagem colectiva.
Desta forma, os territórios inovadores, capazes de gerar dinâmicas específicas, estão melhor colocados para responderem às tendências de reorganização económica decorrentes da globalização, pois neles decorrem processos de ajustamento, de transformação e de evolução permanentes. Num ambiente turbulento, as organizações devem ser adaptativas e flexíveis, testando e corrigindo os erros continuamente e inovando.
Para tal, as cidades devem adoptar estratégias ofensivas e inovadoras, além de criarem um sistema interno coeso e dinâmico e integrarem e relacionarem-se com territórios exteriores dos quais deverão tirar benefícios de complementaridade e sinergia e fixarem recursos de excelência de tipo material e imaterial.
Deste modo, é necessário apostar numa estratégia de desenvolvimento de forma coordenada, onde são fundamentais as alianças entre cidades. O partenariado é um elemento essencial para a revitalização económica e social das cidades, na medida em que é através das suas complementaridades e exploração de sinergias que podem ser conseguidas vantagens acrescidas, sendo necessário agrupar as forças em presença, o estado e as autarquias locais, o público e o privado, os proprietários e os construtores, sem esquecer os representantes dos sectores económicos e sociais locais. A criatividade e iniciativa do meio local, a mobilização de energias e de recursos endógenos são igualmente meios a encarar [AVRIL et al., 1998]. O partenariado, além de permitir a associação de forças e de ideias, é um princípio de repartição de papéis e de responsabilidades, uma partilha das intervenções e dos activos financeiros e de aceitar os riscos. É, possivelmente, esta capacidade de gerir sistemas e projectos cada vez mais complexos que será um factor de sucesso de algumas estratégias urbanas.
Além disso, é importante implementar exercícios de promoção dos recursos potenciais que podem facilitar o seu dinamismo, valorizando as especificidades de cada uma delas bem como o seu posicionamento a nível regional, tentando valorizá-lo, conferindo-lhes uma imagem própria, o que permitirá diferenciá-las, nomeadamente, os produtos territoriais específicos e as potencialidades de conjunto de algumas cidades organizadas em rede.
Assim, as cidades de média dimensão são confrontadas com uma série de apostas e desafios para o seu futuro, a aposta: na reestruturação económica, no desenvolvimento social equilibrado, na qualidade ambiental, na governância urbana, a aposta na urbanidade. Em suma, a aposta na inovação e na sustentabilidade.
Poder-se-á acrescentar a aposta na vulgarização das NTIC e na importância dada à investigação científica para a criação de postos de trabalho e empresas mais competitivas e no papel coordenador e criador de modelos que têm as áreas urbanas, servindo estas de difusores de conhecimento e de novas matizes culturais ao restante território envolvente.
A qualificação das cidades de média dimensão depende, entre outros factores, da sua integração internacional, da sua capacidade de atracção, do seu potencial de conhecimento, do seu saber-fazer e capacidade de inovar, dos serviços prestados às empresas e à população, da urbanidade, do prestígio, do acolhimento e de outros aspectos imateriais como a cultura e ‘atmosfera’ idiossincrática.
A aposta na criação de recursos novos, nomeadamente imateriais, tornou-se o elemento motor da economia actual [VELTZ, 1996], por isso, a inovação, sendo um fenómeno transversal deverá ser uma aposta dos governos urbanos nomeadamente o desenvolvimento de parcerias com outros agentes ultrapassando a visão centralizada do planeamento e evitando práticas estritamente liberais do desenvolvimento urbano centradas no mercado. É, assim, a recusa pelas práticas assistencialistas mecânicas e universais do estado-providência, mas também as limitações e consequências negativas dos processos defendidos pelas políticas neoliberais. FERRÃO [1999] propõe uma terceira geração de políticas urbanas baseadas numa visão estratégica, prospectiva e participada. Serão, então, políticas de intervenção que contrariam os cenários tendenciais que conduzem à inércia e à estagnação, baseadas no princípio da "subsidiaridade", segundo o qual o estado não deverá intervir na resolução de problemas cujas soluções podem ser encontradas pelos cidadãos e pelos agentes intermédios (terceiro sector) sem a sua intervenção. Ou seja, "a decisão deve estar colocada no degrau que se situe o mais próximo possível dos interessados. Só se justifica a intervenção pública e a passagem a um nível superior se e quando as pessoas, as comunidades ou o mercado não conseguirem resolver de forma permanente e definitiva as suas necessidades e problemas" [PINTO, 2001: 55].
Como sublinham BORJA e CASTELLS [1997], o segredo do dinamismo urbano reside na velocidade de inovar o tecido de PME, de tal modo que se possam envolver na dinâmica das grandes empresas no exterior, mas que, ao mesmo tempo, devem contar com o apoio do poder político no interior, devendo este assegurar serviços básicos de informação, promoção, entre outros. As intervenções devem estimular um ambiente local propício à iniciativa empresarial e à inovação económica, política e social num contexto de crescente competitividade interurbana, valorizando de forma crescente as questões ambientais.
Neste perspectiva, a cultura da transformação urbana realiza-se através de uma intervenção diferenciada e pró-activa concretizada em um plano estratégico. No entanto, há que saber conciliar a tradição com a inovação, pois muitos dos valores e activos tradicionais poderão ser factores a considerar nas estratégias de desenvolvimento das áreas mais periféricas, onde as cidades aí existentes poderão desempenhar o papel de pólos de desenvolvimento e organização do território, aproveitando das especificidades locais.
Neste sentido, o planeamento urbano deve procurar valorizar as condições de atracção, fixação, diversificação e qualificação das funções económicas que garantam a eficácia da base pro-dutiva urbana e do território rural funcionalmente associado. Neste sentido, baseado numa filo-sofia de desenvolvimento regional integrado, o planeamento urbano adopta uma atitude de flexibi-lidade na regulação e de integração entre o urbano e o rural. Ao mesmo tempo, busca o desenvolvi-mento de laços de solidariedade e coesão social baseado num processo de planeamento estratégico. Os seus princípios gerais passam por evitar quaisquer formas de segregação e de exclusão, valorizar os activos existentes, estimular as iniciativas em parceria, a circulação de informação, a vida de relação, o espírito de identidade e de pertença e o sentimento de apropriação do território.
Resumindo, poder-se-á dizer que os dois maiores desafios que se colocam às cidades de média dimensão são, por um lado, torná-las atractivas para que os seus habitantes aí gostem de residir e, por outro lado, criar condições de captação de investimentos, pelo que há que apostar não só na melhoria do seu ambiente urbano, mas também na sua coesão intra-regional e das condições de integração supra-regional [CCE e CMRE, 1996].
1.3.2.1 - Superar a dimensão: as redes de cidades
Se a globalização se caracteriza por fluxos cada vez mais intensos de informação, capitais, mercadorias e pessoas que percorrem todo o planeta, as cidades constituem os pontos nodais que organizam a rede que caracteriza a economia mundial [SASSEN, 1991]. No entanto, com a organização dos territórios em rede e as cidades a privilegiarem os fluxos entre si, corre-se o risco de se acentuarem as desigualdades intra-regionais. Assim, as cidades que não se articulem com este sistema de fluxos (mundial, continental ou nacional) arriscam-se a ficar marginalizadas dos processos de desenvolvimento [MASCAREÑAS, 2000].
Por isso, as cidades buscam formas de actuação coordenada à escala nacional, regional e internacional. Os processos de integração, a crescente interdependência e a abertura das economias acentuaram, de um lado a concorrência entre cidades e territórios, e do outro, estabelecem a necessidade de criar alianças e relações de complementaridade, organizando-se em rede.
Assim, desde há alguns anos que as administrações e os principais actores económicos e so-ciais urbanos, ultrapassam as suas obrigações e competências legais e organizam-se para atrair in-vestimentos, gerar emprego, renovar o seu sistema produtivo e promover as suas cidades. Paulati-namente, estas acções são cada vez mais generalizadas e ao mesmo tempo institucionalizadas.
As redes de cidades surgem como um instrumento de representação complementar e algumas vezes alternativo a organismos de representação formal pré-existentes a nível internacional. O aparecimento destas redes de cidades a nível internacional é um reflexo do novo papel que as cidades e as regiões estão a adquirir no quadro da integração regional (União Europeia, Mercosul, NAFTA, etc.). Desta forma, as redes de cidades criam-se como um instrumento e um mecanismo de promoção dos centros urbanos, com base na sua inserção nesses espaços de relação e intercâmbio mais amplos.
Um aspecto importante a assinalar consiste no alargamento do hinterland das cidades no espaço da União Europeia devido à abertura das fronteiras, permitindo um relacionamento mais dinâmico dos agentes urbanos. Por seu lado, são também directamente afectadas pela concorrência europeia, uma vez que se sentem ameaçadas, e elas próprias possuem valias que utilizam em seu benefício e visam conquistar novas áreas onde façam incrementar a sua influência.
Por isso, as cidades de pequena e média dimensão, com vista a ultrapassarem as limitações originadas pelo seu tamanho e potenciarem os seus pontos fortes de forma a responderem de forma eficaz aos desafios que se lhe apresentem deverão buscar a sua inserção em redes interurbanas mais ou menos amplas e de preferência já consolidadas.
O próprio EDEC, que tem como objectivo o desenvolvimento sustentado e equilibrado do território da União Europeia, promove um sistema urbano policêntrico ou multipolar, para combater as macrocefalias nacionais e a dominância económica e demográfica da região central europeia ou ‘Banana Azul’ (vd. Secção 1.4.).
Segundo um estudo publicado pela CCE e CMRE [1996], as finalidades desta inserção em redes prendem-se com um aumento da competitividade e o reforço dos mecanismos de integração e coesão social interurbana e inter-regional. Ainda que, segundo o mesmo estudo, as cidades que participem nestas redes de cooperação interurbana obtenham vantagens relacionadas com o desenvolvimento de processos de aprendizagem colectiva e a viabilização de projectos e programas mais exigentes em dimensão e qualidade.
Por isso, as redes de cidades apresentam os seguintes aspectos positivos: permitem aos seus membros a presença num sistema de relações superior, obtendo um acesso privilegiado à informação, pois, nas redes predominam as relações horizontais em vez das verticais; permitem desenvolver uma política exterior, de promoção e imagem da cidade; estimulam o desenvolvimento da competitividade e melhoram a qualidade de vida dos cidadãos; permitem às cidades obter um reconhecimento internacional que apoia o reconhecimento nacional.
Ao lado daquelas claras vantagens para a participação das cidades em redes é necessário ter em conta alguns dos problemas ou dificuldades que derivam deste sistema de funcionamento: a grande diversidade de situações e de tipos de organização das distintas cidades gera, em algumas ocasiões, conflitos de interesses que colocam em jogo a continuidade e os resultados da cooperação entre elas; as dificuldades de conjugação de distintos cenários tornam mais lento o desenvolvimento de projectos comuns; tal facto pode sugerir que os principais beneficiados das redes de cidades são basicamente os membros mais poderosos e activos, facto que pode levar a uma distorção das relações internas.