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"1ª - As soluções dos problemas sociais dos países latino-americanos devem ser propostas tendo em vista as condições efetivas de suas estruturas nacionais e regionais, sendo desaconselhável a transplantação literal de medidas adotadas em países plenamente desenvolvidos;
2ª - A organização do ensino da sociologia nos países latino-americanos deve obedecer ao propósito fundamental de contribuir para a emancipação cultural dos discentes, equipando-os de instrumentos intelectuais que os capacitem a interpretar, de modo autêntico, os problemas das estruturas nacionais e regionais a que se vinculam;
3ª - No exercício de atividades de aconselhamento, os sociólogos latino-americanos não devem perder de vista as disponibilidades da renda nacional de seus países, necessárias para suportar os encargos decorrentes das medidas propostas;
4ª - No estádio atual de desenvolvimento das nações latino-americanas e em face das suas necessidades cada vez maiores de investimentos em bens de produção, é desaconselhável aplicar recursos na prática de pesquisas sobre minudências da vida social, devendo-se estimular a formulação de interpretações genéricas dos aspectos global e parciais das estruturas nacionais e regionais;
5ª - O trabalho sociológico deve ter sempre em vista que a melhoria das condições de vida das populações está condicionada ao desenvolvimento industrial das estruturas nacionais e regionais;
6ª - É francamente desaconselhável que o trabalho sociológico, direta ou indiretamente, contribua para a persistência, nas nações latino-americanas, de estilos de comportamento de caráter pré-letrado. Ao contrário, no que concerne às populações indígenas ou afro-americanas, os sociólogos devem aplicar-se no estudo e na proposição de mecanismos de integração social que apressem a incorporação desses contingentes humanos na atual estrutura econômica e cultural dos países latino-americanos;
7ª - Na utilização da metodologia sociológica, os sociólogos devem ter em vista que as exigências de precisão e refinamento decorrem do nível de desenvolvimento das estruturas nacionais e regionais. Portanto, nos países latino-americanos, os métodos e processos de pesquisa devem coadunar-se com os seus recursos econômicos e de pessoal técnico e com o nível cultural genérico de suas populações."
Fonte: RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Andes, 1957. p. 77-8.1
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", Campus Araraquara, para obtenção do título de Doutor em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. José Antonio Segatto. ARARAQUARA, 2008
DADOS CURRICULARES EDISON BARIANI JUNIOR
NASCIMENTO 07/02/1970 - São Paulo-SP
FILIAÇÜ Edison Bariani
Antonia Rodrigues Bariani
1995/2000: Curso de Graduação.
Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista. UNESP/Araraquara-SP
2001/2003: Pós-Graduação em Sociologia nível de Mestrado
Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista. UNESP/Araraquara-SP
A todos aqueles que não tiveram a chance de chegar até aqui, mas que propiciaram que chegássemos.
AGRADECIMENTOS
Todo trabalho intelectual é coletivo. Seria injusto de minha parte nomear, dentre tantas pessoas, algumas em detrimento de outras.
Este trabalho foi realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Autor:
Edison Bariani
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista – UNESP / Araraquara-SP – e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
[1] Sobre os dados biográficos do autor, foram consultados, sobretudo, Oliveira, L. (1995), Soares (1993), Matta (1983) e Nascimento, A. (2003a). Ver também cronologia da vida e obra do autor, anexo A desta.
[2] Um balanço preliminar dessas discussões, já o ensaiamos em Bariani (2003a).
[3] Antes já havia participado da fundação do Centro de Cultura Católica e da Faculdade de Filosofia, ambos na Bahia.
[4] A respeito da relação entre missão e profissão no exercício intelectual das ciências sociais no Brasil, ver Lahuerta (1992, 1997, 1999).
[5] Sobre a produção intelectual do autor, ver Costa, F. (1983), Soares (1993) e, principalmente, Azevedo (2006).
[6] Entretanto, em alguns momentos, sentimo-nos premidos pelas circunstâncias a proceder certo resgate - como se o autor precisasse disto - da obra, dado certo desconhecimento insuflado pela crítica silenciosa do desprezo.
[7] O que, de outro modo, suscita problemas quando da interpretação de alguns momentos de sua obra, mormente quanto aos diferentes tratamentos - em diferentes momentos - dados pelo autor ás mesmas questões e em certa homogeneização indevida, que perseguimos como sínteses e não denominador comum, do pensamento deste.
[8] Paradoxalmente, sua passagem pela Universidade (ainda em fase de criação no Brasil naquele momento) não parece ter deixado marcas indeléveis em sua formação intelectual, até porque já ao iniciar tais estudos possuía considerável repertório cultural, já havia atuado em movimentos culturais e como assistente da Secretaria de Educação do Governo do Estado da Bahia - recrutado por Rômulo de Almeida (SOARES, 2005, p. 17). Inegável, contudo, que se a presença na Universidade não lhe moldou os conhecimentos, propiciou-lhe o intenso contato com um tema que viria a se consolidar como um dos seus principais objetos de estudo: a sociologia no Brasil (e suas mazelas).
[9] Teria sido - segundo ele - indicado para suceder André Gros (na Cadeira de Política da Faculdade Nacional de Filosofia) e também para a de Jacques Lambert (Sociologia), mas assumiram Vítor Nunes Leal e Luiz de Aguiar Costa Pinto, respectivamente. Era 1943 - naquele contexto da Segunda Guerra e do Estado Novo - teria sido acusado por "comunistas" de "colaboracionista", por causa de seu passado integralista e sua ligação, desde a Bahia, com Landulfo Alves (Governador da Bahia) e o irmão Isaías Alves (Secretário Estadual de Educação). A partir daí, e durante toda sua vida, acreditar-se-á (não somente devido a esse episódio) um perseguido político, por exercer certa independência de pensamento, não se aferrando - segundo ele - a seitas e conluios (OLIVEIRA, L, 1995, p. 140). Nesse período de 1942 a 1945 teria passado por intensa crise espiritual e vivido quase que recluso, nesse processo, teria perdido momentaneamente a fé (era profundamente católico) e definitivamente as ilusões acadêmicas (NASCIMENTO, A., 2003a, p. 96).
[10] Mais tarde (em 1963), deputado federal eleito, apresentará na Câmara dos Deputados um pioneiro projeto de lei (n° 984) para regulamentação da profissão de técnico em administração (SOARES, 2005).
[11] Também assessoraram Vargas - sob o comando de Rômulo de Almeida - Jesus Soares Pereira, Ignácio Rangel, Darcy Ribeiro, Otholmy Strauch, Cleantho de Paiva Leite, Lúcio Meira, Mário Pinto, entre outros. A Assessoria redigia discursos (pronunciados na Mensagem Programática, comunicação freqüente do Presidente) e elaborava projetos, mormente econômicos (daí sua notoriedade como Assessoria Econômica), que davam forma á política de nacionalização e desenvolvimento de Vargas. Agindo discreta e competentemente, recrutada em sua maior parte no próprio bojo do funcionalismo federal (não havia verbas suficientes ás vezes nem para remunerar os assessores), a Assessoria de Vargas elaborou projetos como: de criação da Petrobras, do Fundo Nacional de Eletrificação, Eletrobrás, Plano Nacional do Carvão, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Reforma Administrativa, Carteira de Colonização do Banco do Brasil, Instituto Nacional de Imigração, Comissão Nacional de Política Agrária, Comissão de Desenvolvimento Industrial, Banco do Nordeste do Brasil, Plano Nacional do Babaçu, de planejamento para indústria automobilística, seguro agrícola e crédito rural, etc. Segundo D'Araújo (1992, p. 152): "A criação dessa Assessoria, quando da instauração do Governo [Vargas], representa um fato inédito no Brasil. Pela primeira vez um governo brasileiro criava um órgão permanente de planejamento encarregado de estudar e formular projetos sobre os principais aspectos da economia do país". Sobre o tema, pode-se ver também o depoimento de Jesus Soares Pereira (LIMA, M., 1975), as teorizações econômicas (BIELSCHOWSKY, 2004) e a análise de Rômulo de Almeida e outros (SZMRECSÁNYI e GRANZIERA, 2004).
[12] A EBAP priorizava a formação de quadros técnicos, já o ISEB, embora dedicasse seus esforços ao ensino e difusão social do conhecimento, não pode ser considerado estritamente um órgão acadêmico, uma vez que pretendia exercer um papel de intervenção política ativa (e muitas vezes direta) que destoava da preocupação institucional, canônica e ritual de uma academia. Fato curioso é que Guerreiro Ramos, antes mesmo de se graduar no Rio de Janeiro, já era Catedrático da Cadeira de Sociologia da Faculdade de Filosofia da Bahia, dadas suas relações com o Governo Estadual quando da fundação daquela universidade. Os seus estudos e sua estadia no Rio de Janeiro eram custeados por bolsa concedida também por aquele governo, no entanto, após graduar-se, perdeu as subvenções e a cadeira (NASCIMENTO, A., 2003a, p. 96; OLIVEIRA, L, 1995, p. 132).
[13] Não dispõe, portanto, de completa autonomia - inclusive na construção de idéias e tomada de decisões, como supõe, por exemplo, Douglas (1998).
[14] Serão consideradas mais detidamente algumas instituições que elegemos como de maior relevância na trajetória do autor e cuja produção intelectual deste, intrínseca ou concomitante á instituição, possa ser aferida. Como critérios serão utilizadas a interpretação da relação do autor com a instituição no que diz respeito ás questões e inquietações que por meio dela advieram e a influência dessas questões na trajetória do autor. Na construção contextual das instituições, foram arrolados (logo, selecionados) fatos e textos - tanto da produção das instituições quanto dos analistas dessas, uma vez que os textos são parte importante (embora não suficiente, daí o uso de outras fontes) da constituição do contexto (LA CAPRA, 1985, 1992).
[15] Adiante, ainda neste capítulo, encetamos breve análise desse material. O autor colaborou também, em 1941, na revista Cultura Política, escrevendo sobre literatura latino-americana - para um balanço dessa produção, ver Azevedo (2006). Em 1937, já havia publicado um livro de poemas (O drama de ser dois) e, em 1939, um de ensaios (Introdução á cultura), ambos escritos ainda na Bahia - e o último publicado já no Rio de Janeiro.
[16] Para Draibe (1985, p. 104), foram do DASP "[...] as primeiras iniciativas no sentido de concretizar a ação industrializante do Estado, sob a forma de planos globais dos investimentos estatais". Já para Ianni (1996, p. 38), é o Conselho Federal de Comércio Exterior - criado pelo Decreto nº 24.429, de 20 de junho de 1934 e instalado em 6 de agosto de 1934 por Vargas - que deve ser considerado o primeiro órgão brasileiro de planejamento governamental.
[17] No seu período inicial, de maior influência (1938-1945), o DASP teve como presidente Luiz Simões Lopes (1903-1994), que exerceu diversos cargos na administração pública, entre os quais: Oficial de Gabinete da Secretaria da Presidência da República (1930-1937), Presidente do Conselho Federal do Serviço Público Civil (1937-1938), Presidente da Comissão de Orçamento Geral do Ministério da Fazenda (1939-1945), Presidente da Comissão de Orçamento da República (1940-1945), Presidente da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos no Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), membro do Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (1956), membro e presidente do Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso - CONTAP (1965-1969), membro da comissão de peritos para estudar o Programa de Administração Pública da Organização das Nações Unidas (1966), Presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (1969-1979). Foi também fundador (em 1944) da Fundação Getúlio Vargas, a qual presidiu até 1992 (HISTÓRICO DOS PRESIDENTES DA FGV, 2006). Simões Lopes também será um dos responsáveis pela acolhida de Guerreiro Ramos na Fundação Getúlio Vargas, quando da cassação e proscrição do sociólogo pelo regime militar, em 1965.
[18] Quem primeiro mencionou tal teoria do departamento de administração geral no Brasil teria sido Gustavo Capanema (outro importante personagem do Estado Novo) em fins de 1935 (WAHRLICH, 1982, p. 282). Caberia investigar em que medida certo caldo de cultura positivista e castilhista - heranças presentes na formação de Vargas - teriam influenciado nessa construção institucional, em razão do caráter autoritário e da pretensão (um tanto seletiva) dessas doutrinas em submeter a política institucional ao crivo 'científico' (BARRETTO, 1989; CURSO DE INTRODUÇÜ AO PENSAMENTO POLITICO BRASILEIRO, 1982).
[19] A(s) classe(s) média(s), enquanto grupo social, já se insinuava como ator no cenário político por meio da contestação do caráter oligárquico da Primeira República (mormente pelo Tenentismo) e pela presença no movimento insurrecional de 1930 (ROSA, 1933; RAMOS, 1961; JAGUARIBE, 1972; FORJAZ, 1977) - visões divergentes estão em Fausto (1978) e Saes (1975). O Estado Novo também propiciará ao grupo espaços institucionais de expressão/circunscrição cultural (e legitimação do regime).
[20] Paralelamente, também obstaculizava o surgimento de novas lideranças políticas e vedava a participação político-institucional da esquerda e da direita mobilizadora (como o integralismo).
[21] Definições (distintas) do conceito de clientelismo estão em Nunes, E. (1997) e Carvalho (1998). Tentamos aqui uma síntese conceitual, tanto analítica como histórica.
[22] O regime contava com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) - que mantinha canais de expressão intelectual como as revistas Ciência Política e Cultura Política (na qual Guerreiro Ramos colaborou) - e o Ministério da Educação e Saúde, chefiado por Gustavo Capanema, articulador de projetos educacionais e culturais na edificação estado-novista - ver Schwartzman, Bomeny e Costa (2000). Por outro lado, também possuía mecanismos repressivos e lançava mão de prisões e intimidações.
[23] Interveio em questões sociais, políticas, trabalhistas, administrativas, econômicas, etc., embora tenha negligenciado a questão agrária, que talvez fosse o fiel da balança, já que uma intervenção modernizadora nesse âmbito poderia descontentar profundamente as oligarquias em geral e seus aliados, contribuindo para organizá-las em torno de algo comum, mudando a correlação de forças e estremecendo o equilíbrio do arranjo do bloco no poder.
[24] As origens da ideologia e da prática do planejamento governamental no Brasil devem-se - segundo Octávio Ianni (1996, p. 68-9) - a "[...] uma combinação privilegiada de condições (economia de guerra, perspectivas de desenvolvimento industrial, problemas de defesa nacional, reestruturação do poder político e do Estado, nova constelação de classes sociais) que transformou a linguagem e a técnica do planejamento em um componente dinâmico do sistema político-administrativo. Ou melhor, a linguagem e a técnica do planejamento foram incorporadas de forma desigual e fragmentária, segundo as possibilidades apresentadas pelo sistema político-administrativo e os interesses predominantes do setor privado da Economia. Esta é a razão por que, ao mesmo tempo em que se ensaiava a política econômica governamental planificada, desenvolvia-se a controvérsia sobre os limites da participação estatal na Economia." No âmbito internacional, ascendia o capitalismo monopolista e a economia do laissez faire perdia espaço para o intervencionismo, como o indicam: as mudanças no padrão monetário internacional, a ascensão do nazismo e do fascismo, o New Deal nos EUA, a crescente influência de teorias econômicas como o keynesianismo e mesmo a impressionante modernização econômica da União Soviética. Para uma recensão dos fatos desse período ver Mauro (1976) e para uma análise das teorias econômicas e a influência que exerceram ver Barber (1971), Rima (1987) e, no Brasil, Lima, Heitor (1976).
[25] é insofismável aqui a influência do gênio político de Vargas (PEIXOTO, 1960; BRANDI, 1983; TAVARES, 1982; SILVA, 2004).
[26] Em 1947, foi proposta e recusada sua extinção e, mais tarde, em 1967, foi criado o Departamento Administrativo do Pessoal Civil, que conservou a sigla DASP, mas que na verdade já era outro órgão (AVELLAR, 1976, p. 329). Finalmente, em 1986, o Decreto nº 93.211, de 03 de setembro, extinguiu o DASP e criou a SEDAP - Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (BRASIL, 2006). A respeito da cronologia da legislação sobre o DASP, ver anexo C desta.
[27] "Determinando a Constituição a proibição de acumular cargos públicos, coube ao DASP fazer cumprir a norma, o que lhe valeu a malquerença de quantos tiveram de despojar-se de outros empregos ocupados na administração federal, estadual ou municipal" (AVELLAR, 1976, p. 290).
[28] Agamenon Magalhães, em artigo publicado na Folha da Manhã, de Recife, em 18 de setembro de 1940, afirmava: "Quando estive no Rio, o ano passado, ouvi muita gente grande e importante dizer que ou o Estado Novo acaba com o DASP ou o DASP acaba com o Brasil" (apud WAHRLICH, 1983, p. 317).
[29] Os termos "liberais" e "intervencionistas" já haviam sido mencionados por Pécaut (1990, p. 94).
[30] Um precursor desse tipo de análise é Oliveira Vianna (1930), ao opor o pensamento de Alberto Torres ao de Rui Barbosa.
[31] Sobre a requisição e persistência de certa "cultura cívica" para o êxito modernizador, ver Putnam (1996).
[32] Publicada na Revista do Serviço Público, editada pelo DASP, em out./nov. 1946.
[33] Ao ressaltar que a "obra foi uma das primeiras a propor uma visão unitária das transformações sociais", já anuncia sua preferência pela visão sociológica totalizante, preferência essa que o levará (nos anos 1950) ás polêmicas posições de crítica da sociologia praticada no Brasil (RAMOS, 1957b).
[34] "Notas sobre a planificação social", publicado na Revista do Serviço Público, em dez./1946.
[35] Saliente-se que por essa época Guerreiro Ramos ainda não havia feito uma ampla leitura de Marx, como ele próprio admitiu mais tarde - ver OLIVEIRA, L. (1995, p. 145). Conhecia certamente, mas talvez não muito mais que isso, a Contribuição á crítica da economia política, que leu na edição traduzida por Florestan Fernandes (Ed. Flama), ao qual tece elogiosos comentários pelo prefácio que o sociólogo paulista introduzira áquela obra (RAMOS, 1946a). Embora posteriormente tenha conhecido melhor (e até se aproximado deles) Marx e marxistas como Lukács, Rosa Luxemburg, Karl Korsh, Lucien Goldmann, etc., bem como visitado a China, Iugoslávia e a União Soviética a convite do Partido Comunista Brasileiro (PCB), manteve sempre razoável distância do comunismo. Antes de morrer chegou a definir o marxismo como "a maior desgraça na história do pensamento brasileiro" (OLIVEIRA, L., 1995, p. 168).
[36] O culturalismo presente tem forte influência de Mannheim e Alfred Weber, já o conceito de fases (ou concepção faseológica), segundo o qual a história das sociedades seria balizada por fases histórico-culturais relativamente progressivas, é creditado a Franz Carl Miller-Lyer (1857-1816) - autor de As fases da cultura (1908), O sentido da vida e a ciência (1910) e A família (1912). Tal concepção também foi usada por alguns outros autores brasileiros, como Helio Jaguaribe.
[37] "A sociologia de Max Weber", artigo publicado na Revista do Serviço Público, em ago./set. 1946.
[38] é de M. Weber, segundo ele, a influência mais intensa que sofrera, porém, desde então até o final dos 1960, intensifica a construção de uma sociologia que prima pela intervenção - e conscientização - social. Em 1981, comentando sua proximidade com Weber e os anseios políticos desse (apesar da tentativa de separar ciência e ação política), sentenciou: "Weber era um isebiano, um ibespiano" (OLIVEIRA, L., 1995, p. 166), o que indica algo sobre a leitura que fazia da obra de Weber: se a ciência não seria subsídio imediato para a política, também não estariam radicalmente separadas.
[39] "A pesquisa e os 'surveys' sociais", publicado na Revista do Serviço Público, em mar./abr. 1947.
[40] Donald Pierson, então professor da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, ofereceu um curso no Rio de Janeiro e Guerreiro Ramos - com sua curiosidade insaciável - tomou contato com a sociologia "norte-americana". Ver OLIVEIRA, L. (1995, especialmente cap. 3: "Donald Pierson e a sociologia no Brasil"). Para um contato com a obra do autor, ver Pierson (1972). Quanto á Escola de Chicago e á ecologia humana, ver os volumes de divulgação organizados por Pierson (1948; 1970) e a síntese de Coulon (1995).
[41] O autor, devido seu envolvimento profissional no Departamento Nacional da Criança e no DASP, passava a ocupar-se de temas como a puericultura, pauperismo, saúde, medicina popular, mortalidade infantil, imigração, padrão de vida, etc. A versatilidade e a abrangência de conhecimentos de Guerreiro Ramos eram evidentes já nos cursos que ministrava nessa época: se na disciplina de Sociologia do Curso de Administração do DASP seu enfoque era eminentemente teórico-conceitual e clássico (RAMOS, 1948), na disciplina de Problemas Econômicos e Sociais do Brasil do Curso de Puericultura e Administração do Departamento Nacional da Criança, sua abordagem era comparativa e quantitativa (RAMOS, 1949).
[42] Fréderic Le Play (1806-1882), francês, autor de obras como Os trabalhadores europeus (1855), Reforma social na França (1864), Organização da família (1871), Organização do trabalho (1872) e Constituição essencial da humanidade (1881), foi criador de um método monográfico por meio do qual sondava a vida social utilizando-se de dados quantitativos como, por exemplo, referentes ao orçamento familiar - tema do qual Guerreiro Ramos também se ocupou, aproveitando as formulações do autor.
[43] As referências aqui são os estudos weberianos sobre a burocracia, administração, patrimonialismo, o sagrado e o profano (presentes em Economia e sociedade) e o estudo (paradigmático) da ética como secularização - em A ética protestante e o espírito do capitalismo (WEBER, 1997, 1989, respect.).
[44] Aqui Weber dá lugar ás influências da sociologia estadunidense (desde que não entendida como algo monolítico), especificamente William Graham Sumner e Alice Davis, respectivamente. Adiante, será lembrado Edward Sapir e não faltam referências a W. I. Thomas e W. Ogburn.
[45] Lorenz von Stein, teórico social e historiador do séc. XIX, um dos fundadores da sociologia alemã, influenciado por Hegel e sistematicamente lido por Marx e Engels, posteriormente retomado por H. Freyer e H. Marcuse; elaborou uma interpretação dialética da história na qual a idéia básica era - segundo Marcuse - o antagonismo entre Estado e Sociedade. Ver Marcuse (1978) e Freyer (1944).
[46] Guerreiro Ramos refere-se particularmente ás obras: de Oliveira Vianna, Instituições políticas brasileiras, O idealismo da Constituição, O idealismo político no Império e na República; de Nestor Duarte, A ordem privada e a organização nacional; e, de Gilberto Freyre, Casa grande e senzala. Quanto a este último, Guerreiro Ramos valoriza um interessante aspecto de sua obra que permanece um tanto descuidado. "Tudo se deixou [no Brasil], porém, á iniciativa particular [...] Claro que daí só poderia resultar o que resultou: de vantajoso, o desenvolvimento da iniciativa particular estimulada nos seus instintos de posse e de mando: de maléfico, a monocultura desbragada. O mandonismo dos proprietários de terras e escravos. Os abusos e violências dos autocratas das casas-grandes. O exagerado privatismo ou individualismo dos sesmeiros" (FREYRE, 1983, p. 244-5).
[47] Mais tarde, em O processo da sociologia no Brasil (RAMOS, 1953, p. 39-40), voltará ao ponto negando os possíveis avanços da transplantação e caucionando uma evolução orgânica das estruturas, lenta, porém baseada no confronto com as experiências sociais: "Formalmente, operaram-se desde a Lei de nº 284, de 1936, mudanças no arcabouço administrativo federal. Mas foram mudanças promovidas sem fundamento na pesquisa sociológica de nossas condições. Mudanças que cortaram de uma noite para o dia, 'a golpes de decretos', tradições de trabalho cuja validade não foi argüida, discutida, ponderada, como era imprescindível. Sacrificou-se tudo a novíssimas técnicas importadas, sem se refletir que elas de nada valeriam sem as suas premissas comunitárias. Mas em nome delas, subvertemos estruturas burocráticas, que vinham se formando lentamente, que, portanto, vinham sofrendo os testes da vida ou de uma experiência até multissecular".
[48] Oliveira Vianna (1987) também define os partidos políticos como ajuntamentos "ganglionares".
[49] Entretanto, em tese, os quadros técnico-científicos alojados no Estado poderiam, na ausência de grupos-sujeitos competentes e mesmo do povo como encarnação da nação, indicar formas e nortes para a tomada de decisões e, quem sabe, formular projetos políticos? Ou ainda, o exercício continuado das formas de organização administrativa poderia, ao final, proceder mudanças estruturais? Poderia a burocracia investir-se de interesses políticos próprios e/ou desempenhar funções absolutamente autônomas, tecendo assim um projeto próprio de modernização? Guerreiro Ramos, no contexto do pós-1964, voltará a ocupar-se dessas e outras questões em Administração e estratégia do desenvolvimento (1966).
[50] Segundo Alzira Abreu (2005), será o despreparo técnico dos intelectuais - ainda presos a valores universalistas - que os alijará os isebianos dos papéis decisivos nos governos dos anos 1950.
[51] Logo depois, na Assessoria de Vargas, reverá suas posições e aprofundará sua compreensão do país, como ele mesmo admitiu (OLIVEIRA, L., 1995, p. 147).
[52] As pretensões políticas dessa classe têm em Rosa (1933) um dos seus defensores de primeira hora. Quanto á relação dessas com a modernização, ver Johnson (1961); sobre as classes médias e a política no período em questão, ver Carone (1985) e Saes (1975; 1984).
[53] Contam-se aí, na imensa curiosidade intelectual do autor: Heidegger, Jaspers, Rilke, literatura em geral e particularmente a francesa (segundo ele, Daniel Rops, François Mauriac, Albert Daudet, etc.), autores brasileiros, etc. (OLIVEIRA, L., 1995, passim).
[54] Das obras mencionadas na bibliografia de Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho, conta-se 171 autores, sendo 159 estrangeiros e apenas 12 brasileiros, dentre os quais o mais citado é o próprio Guerreiro Ramos, com 8 obras.
[55] Nessa linhagem "crítica" Guerreiro Ramos - por vezes - acrescentará, mais adiante, João Ribeiro. Quanto a outros autores, nota-se que a presença de Gilberto Freyre na obra de Guerreiro Ramos - nesse período - é devida á crítica ao privatismo e mandonismo, e não ás considerações sobre o negro; como esse, a maioria dos autores, inclusive os da linhagem mencionada, será censurada pela visão racista ou pelo menos não lúcida desse tema. Nota-se também que os autores cronologicamente mais próximos que também se situam na continuidade dessa herança, principalmente os 'teóricos do Estado Novo' e do 'autoritarismo' (instrumental ou não), não marcam presença em sua obra (exceto Oliveira Vianna), tais como: Azevedo Amaral, Francisco Campos, Almir Andrade, entre outros. Apesar também da admiração de Guerreiro e a influência sofrida de Jacques Maritain e do pensamento cristão tomista, autores cristãos brasileiros próximos dessa tendência também não são mencionados: Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima), Jackson de Figueiredo, Jônatas Serrano, etc. - mais tarde, Guerreiro Ramos (1961) analisará criticamente esses últimos num ensaio nomeado "A ideologia da ordem".
[56] Posteriormente, promoverá um acerto de contas com essa sociologia, condenando-lhes a excessiva ocupação com "minudências" da vida social (Emilio Willems), a "ideologia profissional" de sociólogo e a forma de conceber a sociologia (Florestan Fernandes).
[57] "Pauperismo e medicina popular" e "O problema da mortalidade infantil no Brasil", ambos publicados em Sociologia, em 1951.
[58] Todavia, para ele, um amplo equacionamento do(s) problema(s) só seria alcançado com a transformação faseológica da sociedade, o atingir de uma nova e superior fase civilizatória.
[59] Por exemplo, ao pesquisar padrões de vida, considera que: "Para uma avaliação dos níveis de vida da população brasileira, pode-se utilizar estas referências [percentagem de gastos com alimentação, vestuário, habitação, combustível e iluminação, e outros, no orçamento familiar], especialmente os orçamentos modelos propostos pelo National War Labor Board e pelo National Industrial Conference Board. Ambos foram elaborados tendo em vista populações de assalariados e famílias médias de cinco pessoas" (RAMOS, 1951a, 16). Obviamente, as famílias (e as necessidades, costumes e consumo) estadunidenses diferiam em muito das famílias brasileiras, mais ainda nos anos 1950, quando o Brasil ainda era um país cuja maioria da população vivia na zona rural. Em 1952, Guerreiro Ramos dirigirá o planejamento e execução da Pesquisa Nacional de Padrão de Vida e, em 1958, tecendo considerações sobre o uso da redução sociológica (no livro de mesmo nome) reconsiderará a questão, dando-se conta do equívoco cometido em 1951, sem, entretanto, retratar-se (RAMOS, 1996, p. 80-2).
[60] Crítica que - veremos - lhe será feita por Roger Bastide (1953).
[61] O termo denota a influência da CEPAL - mormente as formulações de Raul Prebish - que opunha os países e economias capitalistas centrais aos periféricos (ver também BIELSCHOWSKY, 2004).
[62] O conceito de contemporaneidade do não-coetâneo, tomado a Wilhem Pinder, que será largamente utilizado pelo autor (e também terá uso comum entre os isebianos) no sentido de indicar a coexistência de diferentes tempos histórico-sociais numa mesma sociedade.
[63] "A ideologia da Jeunesse Dorée" e "O inconsciente sociológico" foram republicados posteriormente em A crise do poder no Brasil, obra do autor datada de 1961.
[64] A produção individual do autor - no período no qual esteve ligado ao Grupo de Itatiaia, IBESP e ISEB - será analisada adiante; neste capítulo, limitar-nos-emos á produção coletiva da instituição (IBESP) e ás análises críticas sobre a produção (de Guerreiro Ramos e dos autores em geral) na instituição (ISEB). Se no DASP (e no Departamento Nacional da Criança) a iniciante produção do autor estava diretamente relacionada aos temas e problemas envolvidos na rotina institucional e mesmo profissional, já nas outras instituições (Grupo de Itatiaia, Assessoria de Vargas, IBESP e ISEB), embora haja relações entre os temas propostos e a produção do autor, tal relação não é tão direta, é antes mediada pelo caráter das instituições: de estudos e abertura de temas, não focado em relativamente estreito leque de temas, nem no desempenho de uma função (profissional) restrita e/ou baseado na eficiência organizacional, mas de estudos, (livre) exercício intelectual de análises e intervenção social. O autor também, mais maduro e cuja obra se complexificava, tende a incrementar o inventário temático-analítico e declinar das questões excessivamente pontuais e localizadas. Todavia, isso não inviabiliza a análise baseada nas instituições como ambiente de produção intelectual, requer sim maior cuidado na confecção de nexos causais, seja entre o autor (e obra) e a instituição, seja entre a instituição e a sociedade na qual está inserida. Obviamente, sem perder de vista a relação - mais determinante - da trajetória do autor com a sociedade brasileira em seu contexto histórico.
[65] Para Helio Jaguaribe (1979d, p. 94; 2005, p. 31), o início de tudo teria sido o grupo da "5ª página", que em 1949 mantivera no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, aos domingos, o equivalente a um suplemento cultural, no qual se discutiam os problemas do país. Participaram do grupo Israel Klabin, Oscar Lorenzo Fernandez, Jorge Serpa Filho, Candido Mendes de Almeida e o próprio Jaguaribe - também coordenador. O proprietário e diretor do jornal era Elmano Cardim, e Augusto Frederico Schmidt, o responsável pela viabilização do espaço editorial.
[66] O IBF, propagador de certo "existencialismo-culturalista" (segundo Helio Jaguaribe), foi criado (em 1949) conjuntamente pela Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) e por um grupo que editava a revista Colégio (Roland Corbisier, Almeida Salles, Paulo Edmur de Souza Queiroz e outros); além de editar a Revista Brasileira de Filosofia, o IBF organizava os Congressos Nacionais de Filosofia e tinha como seu principal animador Miguel Reale e, entre seus membros, na seção fluminense, Helio Jaguaribe. Ver Paiva (1986, p. 29) e Pécaut (1990, p. 108).
[67] Alguns deles tiveram anteriormente experiências com o integralismo, como Roland Corbisier, Almeida Sales e Miguel Reale - que foi importante ideólogo do movimento. Entre os 'cariocas', havia também quem houvesse passado por tal experiência, como Vieira Pinto e o próprio Guerreiro Ramos. A conversão á esquerda de boa parte desses intelectuais aponta para a peculiaridade do integralismo como movimento que (á direita) deu guarida a jovens descontentes de classe média (CANDIDO, 1978), assim como (á esquerda) o comunismo o fez (RODRIGUES, L., 1986). Sobre o integralismo ver Trindade (1974), Chasin (1978), Vasconcelos (1979), Chauí (1985, 1986) e Cavalari (1999).
[68] As 'missões' estrangeiras, no início da USP, influenciaram no ensino de várias disciplinas, especialmente a filosofia, na qual professores franceses deixaram profundas marcas. Ver Massi (1989).
[69] Houve também quem transitasse pelas duas 'escolas': José Arthur Giannotti foi encaminhado por Oswald de Andrade - em fins dos anos 1940 - para o seminário de Vicente Ferreira da Silva, vindo posteriormente a romper com esse - no início dos anos 1950 - e ganhar destaque na USP e, posteriormente, no CEBRAP (GIANNOTTI, 1974, p. 26-7).
[70] Nelson Werneck Sodré - assim como Juvenal Osório Gomes - agregar-se-ia ao grupo em 1955 (PéCAUT, 1990, p. 108).
[71] Segundo Roland Corbisier, Vicente Ferreira da Silva teria anunciado aos 'paulistas' sua impossibilidade em enfrentar intelectualmente H. Jaguaribe, abdicando assim da liderança dos 'paulistas' que, como grupo, dissolveu-se (JAIME, 2000, p. 325-6).
[72] Tal perplexidade derivava - dentre outros motivos - das características do fenômeno, que incluía tanto um enraizamento oligárquico e autoritário quanto um significativo apelo popular, a ponto de a candidatura de Ademar de Barros ter o apoio de setores de esquerda.
[73] Lembremos que a primeira edição de Os donos do poder, de Raymundo Faoro (1987), considerado um dos precursores dessa abordagem, é de 1958. Tal artigo foi publicado originalmente como "A crise brasileira" (Cadernos de Nosso Tempo 1, out./dez. 1953).
[74] Outro conceito freqüentemente usado, o de planejamento, é visto como importante instrumento da racionalização e equacionamento dos problemas da sociedade brasileira, dentre eles, a questão econômica, cuja análise acusava influência das teorias do desenvolvimento formuladas pela CEPAL.
[75] Mesmo tendo como alicerce a concepção faseológica (ou de fases) não há, nesse momento, nos escritos uma noção de imanência histórica como viria a ser acentuada por alguns críticos, o processo político é visto como algo 'aberto', produto da relação entre as escolhas e as condições.
[76] Posteriormente, o conceito de colonialismo será retomado e revisto para dar conta, também, da situação cultural brasileira - como por exemplo nas formulações de Corbisier (1958) e Sodré (1961). Nos anos 1960, o termo - de modo análogo - será cristalizado por Frantz Fanon (1979).
[77] Esta será no início dos anos 1960 uma das preocupações centrais do trabalho de Cardoso e Falleto (1975): definir a situação específica de cada país com relação á dependência e ao subdesenvolvimento, não os englobando numa mesma posição, ou seja, proceder á análise concreta da situação concreta.
[78] Em 1955, contestando o domínio soviético, estadunidense e o colonialismo, reuniram-se na Conferência de Bandung, na Indonésia, os líderes de vários Estados asiáticos e orientais (Afeganistão, Arábia Saudita, Birmânia, Camboja, Laos, Líbano, Ceilão, República Popular da China, Filipinas, Japão, Índia, Paquistão, Turquia, Síria, Israel, República Democrática do Vietnã, Irã, Iraque, Vietnã do Sul, Nepal, Iêmen do Norte) e africanos (Etiópia, Líbia, Libéria e Egito). Adeririam ás posições também Índia e a então Iugoslávia.
[79] Além da divisão entre proletariado "urbano" e "rural", aparentemente há uma confusão conceitual (ou identificação) entre proletariado rural e campesinato.
[80] Não identificamos nos textos uma definição rigorosa dos setores sociais médios, por vezes, classe média e pequena-burguesia confundem-se.
[81] Cabe esclarecer - em contraponto a Schwartzman - que a introdução do pensamento existencialista tem no IBESP um precursor somente no sentido de sua aplicação á interpretação da sociedade brasileira.
[82] Condições sociais do poder nacional e Ideologias e segurança nacional seriam incluídas - logo após - em O problema nacional do Brasil (publicado em 1960); quase todo o livro é composto de artigos e conferências de quando o autor integrava o ISEB, desse modo (e pela temática e abordagem), o livro talvez seja o mais 'isebiano' do autor - embora publicado posteriormente á sua estadia. A análise dessa produção será efetuada adiante (no cap. III), nesta seção nos limitaremos a enfocar a produção sobre o ISEB e utilizá-la - cotejada e complementada com outras fontes - como base contextual (limitada) para o entendimento da trajetória do autor estudado.
[83] Há indícios de que Vargas (animador da CEPAL, do Grupo de Itatiaia e IBESP), por meio do Ministro da Educação (Antonio Balbino) e de seu Chefe de Gabinete (Gilberto Amado), criaria o instituto se seu governo não fosse bruscamente interrompido - seria então um projeto em andamento, daí sua criação no governo seguinte (JAGUARIBE, 1979d, p. 95). Há, entretanto, motivos que indicam nova disposição para o empreendimento. Ainda que vigorem alusões do ISEB com a Escola Superior de Guerra, o Colégio de Mexico e a pretensão a Collége de France, Alberto Torres já havia idealizado a criação de um instituto para estudar a realidade brasileira e também uma Universidade Brasileira (no Rio de Janeiro, capital da República), congregando as faculdades de ensino superior, um instituto de estudos dos problemas nacionais e órgãos de classe (advogados, engenheiros, etc.). O ISEB, fundado em 1955, no governo Café Filho, pelo Ministro da Educação Cândido Mota Filho, admirador e autor de livro sobre Alberto Torres (Alberto Torres e o tema de nossa geração, 1931), de certo modo propiciou a realização da idéia (IGLESIAS, 1982a, p. 27).
[84] Quando da publicação do referido livro de Jaguaribe, Guerreiro Ramos teceu críticas ao "entreguismo", "oportunismo" e ás ligações daquele como o grande capital; numa dessas críticas, publicada - segundo cremos - sob o pseudônimo de X. X. X., na Revista Brasiliense, afirma: "O Sr. Jaguaribe também conclama a burguesia brasileira a promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil, assumindo a liderança das classes sociais. Mas para isso, seria necessário que houvesse uma burguesia brasileira, no sentido sociológico da palavra, consciente, unida e independente, a 'classe para si', como dizia Marx. Ora, é sabido que isso infelizmente não acontece ainda entre nós. Se tomarmos o conceito de burguesia, no sentido estritamente econômico, como composto de industriais e comerciantes, principalmente, ninguém desconhece que a indústria brasileira está minada por indústrias estrangeiras, de países imperialistas, que visam nos manter sob o domínio colonial, ou de subdesenvolvimento. Além das indústrias, em outros setores de atividades existem interesses estrangeiros entre nós como veremos adiante. E os representantes destes interesses estrangeiros, quando não dominam, influem no Parlamento, na Imprensa, nas Entidades de Classe [...] A função do nacionalismo brasileiro, na etapa histórica atual, consiste em dar consciência á burguesia, em uni-la, em libertá-la dos liames e da influência estrangeira" (X.X.X., 1959, p. 40). Segundo Nelson Werneck Sodré (1978a; 1992) haveria também elementos de luta pelo poder na instituição e questões pessoais na disputa; Helio Jaguaribe (1979d, p. 96; 2005), parte na questão, argumenta que Guerreiro Ramos queria tomar o controle do instituto e transformá-lo em instrumento de "militante proselitismo"; já Guerreiro Ramos não deixou exposição pública dos motivos do ocorrido. Em decorrência da crise, ambos deixaram o ISEB. Já a crítica ás elaborações de Álvaro Vieira Pinto, veremos adiante, estão em "A filosofia do guerreiro sem senso de humor" (RAMOS, 1963, p. 193-216) - nesse período Guerreiro Ramos, ao contrário de Vieira Pinto, já não era mais membro do ISEB.
[85] Quando da preparação do Orçamento da União para 1961 (em 1960), ainda no Governo JK, a rubrica "ISEB" teria sido excluída do orçamento do Ministério da Educação, segundo Nelson Werneck Sodré (1992, p. 194), pelo deputado Tarso Dutra, deixando o instituto na penúria financeira.
[86] A maioria dos autores - advertimos - embora não deixe claro, debruça-se sobre o ISEB em seu 'momento nacional-desenvolvimentista' (entre 1955 e 1958) e extrapola o diagnóstico para todo o período. Parece-nos ainda controvertida a questão de se referir a uma 'ideologia isebiana', ou mesmo um 'pensamento isebiano': a pluralidade de autores e as diferenças teóricas entre eles (muitas vezes relegadas ao mesmo 'saco de gatos') e os diferentes momentos do instituto desafiam análises que, eventualmente, não respeitem tais matizes. Para um posicionamento a respeito, ver Dante Moreira Leite (1969, p. 319): "[...] embora seja até certo ponto incorreto falar numa ideologia do ISEB - pois alguns cientistas que com ele colaboraram nem sempre aceitaram os mesmos esquemas de pensamento - parece possível delimitar os seus objetivos básicos"; já para Jorge Miglioli (2005, p. 64), "O ISEB não seguia uma linhagem teórica única".
[87] Conceito não consistente, segundo Toledo, pois também não haveria da parte dos isebianos uma teoria rigorosa das classes sociais. Já Virgilio Roma de Oliveira Filho (1999) localiza na produção de alguns isebianos (Helio Jaguaribe e Nelson Werneck Sodré) uma coerente e plausível análise das classes sociais, bem como uma conseqüente posição política progressista que daria conta dos desafios do momento histórico.
[88] Mais tarde, Daniel Pécaut (1990, p. 188) retornaria á indagação - e estendendo-a a toda intelectualidade nacionalista - ao notar a inexistência, no período, de textos que discutissem as formas de representação e de delegação de poderes.
[89] Ressalte-se que a autora detém-se primordialmente numa 'fase' inicial do ISEB, aproximadamente até 1958, quando predominam os "isebianos históricos" (PAIVA, 1986).
[90] Em sentido contrário, Vale (2006) critica os isebianos pelo desdém com relação á educação.
[91] Uma possível exceção é a preocupação com esse debate por parte do PCB, na Declaração de Março de 1958 (KONDER, 1980; SEGATTO, 1981, 1995, 2003).
[92] Uma outra tentativa - focada na conduta dos intelectuais - de apreender o ISEB na "perspectiva de seu tempo" foi feita por Alexsandro Eugenio Pereira (2003).
[93] O anacronismo da análise, funcionando como retrocesso justificador do momento ideológico no qual escreve, torna o autor um herdeiro incômodo para o ISEB.
[94] O conteúdo valorativo e mesmo moral dos termos aqui utilizados é deliberado, já que em boa medida as análises sobre o instituto primam pelo juízo de valor - inevitável, porém não recomendável como condutor da análise - positivo ou negativo a respeito de sua atuação, a abundante adjetivação dos argumentos utilizados já fornece um indício desse procedimento.
[95] A referência ao ISEB como coletivo de intelectuais é aqui encaminhada no sentido de sintetizar posturas e formulações, senão gerais, ao menos predominantes, sem elidir o fato de que as produções individuais dos autores - e de Guerreiro Ramos em particular - se dão com razoável nível de diversidade.
[96] O ISEB assessorou parlamentares - principalmente na Frente Parlamentar Nacionalista - na formulação de projetos e, ao menos dois dos seus participantes (Roland Corbisier e Guerreiro Ramos, então ex-integrante) foram deputados federais.
[97] Nota-se (pela influência de Mannheim) que o que se antagoniza aqui á ideologia não é a ciência, mas a utopia.
[98] Publicado inicialmente nos Cadernos de Nosso Tempo nº 2 (jan./jun. 1954). As citações aqui feitas referem-se ao texto dos Cadernos..., porém republicado na coletânea elaborada por Schwartzman (1979).
[99] Nessa corrente, que contaria com os escritores estrangeiros (Debret, Rugendas, Maria Graham, Koster, Kidder), inclui também, mesmo considerando as diferenças de método e técnica científicos, Roger Bastide, Florestan Fernandes, Donald Pierson, Charles Wagley e Thales de Azevedo: "Todos o vêem [o negro] como algo estranho, exótico, problemático, como não-Brasil, ainda que alguns protestem o contrário" (RAMOS, 1979, p. 56). Tal posição de Guerreiro Ramos desafia as interpretações que vêem uma ruptura crítica no trato da 'questão racial' entre as análises dos 'explicadores' do Brasil (cujo modelo é Gilberto Freyre) e a 'sociologia científica' da segunda metade do séc. XX, principalmente a produzida na USP. Ver Mota (1980), Costa, E. (1999) e Arruda, M. (1995).
[100] Neste sentido - de considerar como pensamento social ou político elaborações antes exercidas que formuladas teoricamente, ao nível da práxis e não somente do logos - Guerreiro Ramos é precursor de trabalhos como o de Faoro (1994).
[101] Nabuco é lembrado principalmente por O abolicionismo (escrito em 1883) e sua formulação a respeito do "mandato da raça negra", já Bomilcar pela organização de um movimento social e político que pretendia liquidar a discriminação contra o negro, e por sua obra O preconceito de raça no Brasil (1916), na qual defende a criação de uma sociologia brasileira para esclarecer cientificamente a questão. Álvaro Bomilcar (1874-1957) - cearense, formado em direito, militar e funcionário público, católico militante e próximo ao integralismo - foi um dos principais animadores da revista Brazilea (1917-1918 e 1931-1933); influenciado por Tobias Barreto, Silvio Romero, Farias Brito, Alberto Torres e Manoel Bomfim, professou certo nacionalismo - sobretudo antiportuguês, mas que chegou a resvalar pelo anti-semitismo - e promoveu uma severa crítica das elites brasileiras. Escreveu ainda A política no Brasil ou o nacionalismo radical (1920) e A conquista no conceito moderno (1926) - ver Oliveira, A. (2002).
[102] Embora um tanto relegado, esse tipo de análise tem representantes recentes - malgrado as distintas abordagens - em Moura (1988) e Saes (1985).
[103] Fundado em 1944, o TEN tinha como referência a Frente Negra Brasileira (1931-1937) e, entre outras atividades, patrocinou as Convenções Nacionais do Negro (nas cidades de São Paulo, em 1944, e do Rio de Janeiro, em 1947), a Conferência Nacional do Negro (no Rio de Janeiro, em 1949) e o Congresso do Negro Brasileiro (Rio de Janeiro, em 1950); além disso, editava o jornal Quilombo (dirigido por Abdias Nascimento), enaltecia a participação social do negro e promovia grupos de terapia e encontros tanto irreverentes quanto contestadores: concursos de beleza entre negros, artes plásticas cujos símbolos eram negros (ás vezes em substituição aos arquétipos brancos), etc. Para uma visão do teatro negro e suas propostas, ver Fernandes (1972a), Guimarães (2002), Nascimento, E. (2003) e Semog e Nascimento (2006).
[104] Órgão do TEN encarregado da "pesquisa sociológica", cuja diretoria Guerreiro Ramos assumiu (SOUZA, Márcio, 2000, p. 39).
[105] Em editorial ("Nós") no primeiro número de Quilombo, afirmava: "Nós recusamos o 'gheto', a linha de cor [...] Nada temos com partidos, nem os chamados democráticos, nem de direita, nem de esquerda - que sempre exploram o negro eleitoralmente (Edison Carneiro). Muito menos advogamos uma política negra, mas sim uma vontade negra de ser brasileiros com as mesmas responsabilidades de todos os brasileiros" (NASCIMENTO, A., 2003b, p. 24).
[106] Publicada como "Contactos raciais no Brasil", em Quilombo n° 1, p. 8, dez. 1948.
[107] O autor assinala a incorreção do termo "preconceito racial" quando relacionado á condição do negro no Brasil, paradoxalmente, ele - ao menos até a metade dos anos 1950 - refere-se a "contatos raciais", "relações de raça", "democracia racial", etc. Embora passe - a partir dali - a evitar tais termos, provavelmente referia-se á sua crença momentânea no fato de haver uma questão "racial" (no sentido de como era interpretada por outrem) e mesmo relações de raça no Brasil, quando compreendesse outras 'raças' presentes na sociedade brasileira. Entretanto, o negro nativo não constituiria uma outra raça, seria tão brasileiro e nacional quanto o branco, daí o preconceito ser de cor e não racial. Dificilmente se pode depreender na obra do autor - como em grande parte das menções de variados autores - o que entende conceitualmente por "raça", dado o descrédito quanto a uma definição científica do termo. Aparentemente, seu entendimento de "raça" estava norteado pela atribuição social de características 'biológicas' (aparência física) e culturais (nacionais).
[108] Guerreiro Ramos sabia exatamente o que falava, um ano antes - a 31 de maio de 1947 - havia se casado com Clélia Calasans de Paula, bela moça branca da classe média carioca.
[109] Para o autor 'branco', é uma definição genérica, comum, vulgar, já que no Brasil vigoraria o mestiço, sendo poucos os brancos que não seriam frutos de miscigenação (RAMOS, 1979, p. 180, grifos do autor).
[110] Publicado originalmente em Quilombo n° 10, p. 11, jun./jul. 1950 ("Apresentação da negritude").
[111] Influenciada pelas lutas nacionais dos africanos - mormente contra a colonização francesa - a afirmação do negro por meio da negritude, do orgulho da diferença como negatividade, como "racismo anti-racista", já havia sido feita por Sartre (1960), mormente em seu Orfeu negro, para ele, a negritude "é o ser-no-mundo do negro", a consciência de si do negro, que dialética e momentaneamente negaria o outro para afirmar-se. Cabe mencionar que uma das primeiras traduções do texto (em resumo) de Sartre foi elaborada por Ironides Rodrigues nas páginas do n° 5 do jornal Quilombo, em 1950 (SARTRE, 2003).
[112] Uma análise da gênese do termo "democracia racial" está em Guimarães (2002). Afirma - curiosamente - esse autor que, embora a expressão seja atribuída a Gilberto Freyre, teria tido origem num relato de Roger Bastide que, juntamente com Florestan Fernandes, daria saída ás críticas sobre a concepção. Freyre teria se referido raras vezes á "democracia social" e "étnica"
[113] O projeto de estudo das relações raciais no Brasil foi concebido em 1949 por Arthur Ramos e viabilizado, em 1950, pelo Departamento de Ciências Sociais da UNESCO e pela figura de Alfred Métraux. Do projeto original, constavam Costa Pinto, no Rio de Janeiro, Thales Azevedo, na Bahia, e René Ribeiro Costa, no Nordeste (PINTO, 1978); paralelamente, integraram-se Edison Carneiro, na Amazônia, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, no Sul, e Florestan Fernandes e Roger Bastide, em São Paulo - o resultado do trabalho desses últimos (Fernandes e Bastide) foi publicado em 1955 (Relações raciais entre brancos e negros em São Paulo), e depois em 1959 (Brancos e negros em São Paulo). Além desses, participaram: Charles Wagley, Oracy Nogueira e outros. Alguns escritos foram reunidos e editados sob direção de Charles Wagley (Races et classes dans le Brésil rural), outros constituíram obras independentes. Na USP, o projeto teve alguma continuidade na Cadeira de Sociologia I, sob direção de Florestan Fernandes e contando com Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e Renato Jardim - ver Massi (1986) e Schwarcz (1999). Resenhas de como os intelectuais e cientistas viam a questão racial no final do séc. XIX e início do XX estão em Schwarcz (1993) e Skidmore (1976b). Já Costa Pinto, autor de O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança, de 1953, é qualificado por Guerreiro Ramos como autor de "grosseiro plágio" (RAMOS, 1979, p. 61, nota 19), sem maiores explicações - provavelmente se referia a Lutas de família no Brasil, publicado em livro por Costa Pinto em 1946 e que seria uma cópia de um original francês, talvez do livro de Jacques Lambert (professor de C. Pinto) La vengeance privée et les fondements du droit public international). Guerreiro ainda fustiga: "Os estudos sobre o negro no Brasil sob o patrocínio da Unesco foram realizados dentro do melhor padrão técnico, com exceção do que se refere ao negro no Rio de Janeiro que foi confiado a Luiz Aguiar da Costa Pinto, cidadão sem qualificações morais e científicas. Este carreirista, doublé de sociólogo" (RAMOS, 1957b, p. 154, nota 19). Os ataques - explícitos da parte de Guerreiro e implícitos da parte de Costa Pinto - suceder-se-ão, um dos motivos, aparentemente, seria a perda (por parte de Guerreiro) da Cadeira de Sociologia na Universidade do Brasil para o outro (BARIANI, 2003a).
[114] Também naquele período do final dos anos 1940 até o final da década de 1950, Costa Pinto polemizou com Emilio Willems e Florestan Fernandes, tecendo duras críticas á sociologia "acadêmica" - para uma consideração preliminar do debate ver Bariani (2003a).
[115] Os trechos de autoria de Luiz de Aguiar Costa Pinto aqui citados - e provenientes do trabalho de Maio (1996) - são de O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança (1953).
[116] Sartre (1960, p. 149), de certo modo, já havia insinuado os termos da controvérsia entre Guerreiro Ramos e Costa Pinto ao afirmar: "O que acontecerá se o negro despojando sua negritude em proveito da Revolução não quiser considerar-se senão como proletário? O que acontecerá se não se deixar mais definir senão por sua condição objetiva?".
[117] é notável a semelhança, resguardados os contextos, com Joe Christmas, personagem de William Faulkner (1983) em Luz em agosto. Homem comum, sem prestígio, Christmas - acreditando ter "sangue negro" - torna-se esquivo, desconfiado e mesmo revoltado, atribuindo suas desgraças á sua condição de cor, mesmo quando não é reconhecido como negro ou mestiço. A propósito foi - segundo o próprio Guerreiro - "paradoxalmente" nos EUA que se sentiu aceito e respeitado: "os EUA são um paraíso para mim! Paz, estabilidade, respeito, poder [...] Eu tenho uma casa enorme, um palácio [...] Tenho uma datilógrafa, telefone, computador, o diabo" (OLIVEIRA, L., 1995, p. 176).
[118] Significativamente, menciona ele que sua ficha na comissão de inquérito elaborada pelos militares, quando de sua cassação como deputado e sujeito político, o definia como "Alberto Guerreiro Ramos: mulato, metido a sociólogo" (OLIVEIRA, L., 1995, p. 162).
[119] Não é gratuito que como epígrafes á Introdução crítica á sociologia brasileira (1957b, p. 15) - obra imediatamente posterior na qual continua sua empreitada - cite excertos da Lógica de Stuart Mill, nos quais se lê que o problema fundamental das ciências sociais é encontrar as leis que regem a forma como um estágio social produz o subseqüente, sendo que, nesse processo, é o todo que produz o todo mais que qualquer parte produz outra parte.
[120] Em seus termos: "não se trata rigorosamente de uma renascença. é, antes, um nascimento" (1957b, p. 29), porém, as palavras o traem já que não se pode fazer crítica do que ainda não nasceu.
[121] Introdução crítica á sociologia brasileira, finalizado em 1956 e publicado no ano seguinte, reúne textos desse interregno 1954-1956.
[122] Uma definição mais cuidadosa da noção de "sociedade política" encontra-se no capítulo seguinte, para o momento, tomamo-la apenas como o conjunto das instituições e atores sociais participantes dos processos decisórios.
[123] O autor - seguindo O. Spengler - define o termo como ocorrência de fenômeno no qual "uma velha cultura estranha impera sobre um país com tanta força que a cultura jovem, autóctone, não consegue respirar livremente e não logra constituir formas expressivas, puras e peculiares, nem sequer chegar ao pleno desenvolvimento de sua consciência" (RAMOS, 1957b, p. 84).
[124] Naquele momento, era fortemente sentida na obra de Guerreiro Ramos a influência do culturalismo de Danilevski, do qual esposavam as idéias de que, na história, os períodos culturais seriam determinantes das civilizações, e estas sempre datadas e peculiares, porém, poderiam expandir-se por colonização ou por "enxerto", criando novas civilizações, além disso, a História universal não seria simplesmente o desenvolvimento contínuo da experiência européia, não cabendo, assim, tratar outras experiências como algo residual. Ver Timasheff (1973).
[125] Notoriamente: Tobias Barreto, Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Oliveira Lima etc.
[126] Vide seus libelos contra a sociologia que seria praticada no país. Os "homens de prol", que tratariam a cultura como "sobremesa" e confundiriam ciência com "racionalização de frustrações"; as produções culturais - que passariam antes pelas alfândegas que pelas instituições 'de saber' - seriam verdadeiros "enlatados ou conservas" (RAMOS, 1953, p. 33-4) e, em termos de compromisso, seriam como atividades lúdicas (do tipo do "pif-paf"). Também tais instituições técnicas e acadêmicas abrigariam esses homens sob o governo da liberalidade dos recursos públicos (daí a cooptação), assemelhando-se - como o autor contém-se, mas não se abstém de afirmar - a uma "casa da viúva Costa" (RAMOS, 1957b, p. 115). E serve-se das palavras de Graciliano Ramos para ultimar: "quem não tem vergonha na cara não pode ser sociólogo" (RAMOS, 1957b, p. 33).
[127] Em sua caracterização das vicissitudes que assolariam a sociedade brasileira em geral, o autor retomará alguns desses conceitos (RAMOS, 1960) - como veremos no cap. III.
[128] Essa dialética da ambigüidade é definida por Guerreiro Ramos (1966, p. 369) nos seguintes termos: "[...] ao mesmo tempo em que a estrutura social procura salvaguardar sua integridade, recorrendo ao formalismo, a fim de cooptar parte do excedente populacional, os cidadãos, ameaçados pelo fantasma da marginalidade social, recorrem ao formalismo, em busca de um lugar ao sol. A ambigüidade consiste em que, de um lado, a estrutura social resiste, com esprit de corps, a incorporar em seu seio elementos que possam desnaturá-la e, ao mesmo tempo, diligencia vencer essa resistência, pois, é compelida a pactuar com aqueles que aceitam acomodar-se; de outro lado, os cidadãos que projetam ascender na escala social forçosamente se afirmam pelo combate á rigidez da ordem constituída para, num momento subseqüente, ajustar-se a tal ordem, desde que ela, de algum modo, supere a sua inércia, ou sua tendência ao imobilismo. Como nenhuma das partes cede tudo, o pacto que se estabelece entre ambas, implica necessariamente o formalismo. A função latente do formalismo é transformar os pólos de uma polaridade, nos termos de uma ambigüidade". Tal formulação mais cuidadosa da "dialética da ambigüidade" virá somente com Administração e estratégia do desenvolvimento, escrito a partir de 1964 e publicado em 1966.
[129] Posteriormente, utilizará o termo alienação como negligência dos esforços de autodeterminação, comportamento estranho á realidade brasileira, de alheamento - definição de cunho existencial que manterá (RAMOS, 1957b, p. 22).
[130] Assinale-se que já se fazia sentir na sua obra a influência de Ortega y Gasset (1933) e a caracterização por parte desse da polarização elite-massas, entretanto, logo depois, até fustigado pela conjuntura política, esboçará um panorama da atuação das classes, o que ocorrerá principalmente a partir de O problema nacional do Brasil (1959).
[131] Eis que não são fortuitas nem desencontradas - lembremos Mannheim (1972) - as opções teórico-metodológicas e as posições e anseios políticos. Pécaut (1989) assinala a pretensão desses intelectuais - até 1945 - á posição de classe dirigente.
[132] Aproximadamente uma década antes, em 1944, Astrojildo Pereira (1978) - vislumbrando a expropriação do saber - já propunha entre as "tarefas da Inteligência" educar o povo pela "democratização da cultura".
[133] Em 1957, ao resenhar Introdução crítica á sociologia brasileira para a Revista Brasiliense, Elias Chaves Neto (1957, p. 200) já cobrava de Guerreiro Ramos esclarecimentos em termos de caracterização das classes e seus posicionamentos na cultura e política nacionais.
[134] Tal classificação tem uma construção paralela esboçada em artigo sobre a sociologia a respeito do negro no Brasil (RAMOS, 1979) - ver seção I deste cap. II. Embora haja simetrias em relação ás correntes, as formas são relativamente independentes.
[135] Viria a acrescentar também Paulino Soares de Sousa (Visconde do Uruguai) como o primeiro sintetizador desse ponto de vista e, posteriormente, João Ribeiro.
[136] Não nos esqueçamos que o apreço fez com que Guerreiro Ramos retirasse da crítica de Tobias Barreto á sociologia - que este não admitia como ciência e identificava ao positivismo - uma das definições que usava (sociologia como "ciência por fazer") e também nomeasse sua proposta, em dado momento, como uma "sociologia em mangas de camisa" (RAMOS, 1957b), em alusão a "Um discurso em mangas de camisa" com o qual Tobias Barreto brindou em 1877 os ouvintes do Clube Popular de Escada - PE, segundo ele, "[...] esta bela terra, onde, aliás, vim sepultar os dois mais caros objetos de meu coração e da minha fantasia: minha Mãe e meu futuro!" (MENESES, T., 1962, p. 99).
[137] Ver adiante toda menção na seção sobre a polêmica envolvendo Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos. Vale lembrar também que a referência a Florestan Fernandes como primeiro clássico na antropologia não é uma alusão á USP, já que a obra que havia projetado o autor era sua dissertação de mestrado (A organização social dos tupinambá), defendida na ELSP, sob a inspiração temática da escola e orientação de Herbert Baldus, em 1947. Já a tese de doutorado (A função social da guerra na sociedade tupinambá, de 1951), além de relativamente recente (Guerreiro escrevia em 1953) é, de certo modo, subsidiária daquele primeiro trabalho (CERQUEIRA, 2004; SEREZA, 2005).
[138] Guerreiro não menciona - como esses também não o mencionam - Edison Carneiro e L.A.Costa Pinto, autores de As ciências sociais no Brasil, publicado dois anos depois (1955); assim, em dois dos primeiros balanços da sociologia no Brasil, mormente naqueles anos 1950, elaborados quase simultaneamente num ambiente teórico tão restrito, os autores ignoram-se solenemente. Outros balanços nos anos 1950 foram realizados por Djacir Menezes (1956) e Pinto Ferreira (1958a, 1958b).
[139] Posteriormente, o autor viria a proscrever o conceito de aculturação, bem como os de raça, de estrutura e mudança social, por abordarem de modo estático a sociedade brasileira (RAMOS, 1957b, p. 125).
[140] Euclides da Cunha e Oliveira Vianna também são tidos em alta conta, sendo que Os sertões seria uma "o primeiro marco da sociologia brasileira", e Oliveira Vianna, aquele que (antes do próprio Guerreiro) teria levado mais longe a tradição crítica recebida em termos de desmascarar o idealismo descompromissado com a realidade nacional (RAMOS, 1953, p. 21-3).
[141] Menciona-o (Mário de Andrade) em entrevista - ao final de sua vida - como "pernóstico", assim como outros paulistas. Não é improvável que algum acontecimento de caráter pessoal o tenha levado - como era do feitio de Guerreiro Ramos - a uma mudança de julgamento. No acervo de Mário de Andrade (sob guarda do Instituto de Estudos Brasileiros da USP), consta um exemplar de Introdução á cultura, de Guerreiro Ramos, com especial dedicatória a Mário, todavia, o livro está praticamente intocado e não encontramos menção - em tempo algum - do escritor paulista á obra ou a Guerreiro Ramos. Não seria improvável que a indiferença tenha influenciado na atitude e julgamento de Guerreiro.
[142] A crítica ás teorizações da ideologia do "caráter nacional brasileiro" também estava sendo feita - em tese de 1954 - por Dante Moreira Leite (1969, p. 320). Na segunda edição o autor incluiu entre os analisados Guerreiro Ramos, tomando-o por "ensaísta brilhante, embora freqüentemente pessoal e, portanto, parcial" que, na ânsia de produzir interpretações nacionais e generalizantes, desprezaria as pesquisas de pormenores e levaria água ao moinho dos ideólogos do "caráter nacional". Guerreiro Ramos, também em 1954, abordara a questão em "O tema da transplantação e as enteléquias na interpretação sociológica do Brasil" (RAMOS, 1995).
[143] é mister aclarar a que Guerreiro Ramos se referia como método: "[...] ortodoxia metodológica só existe nos manuais e nas súmulas de aula dos 'scholars'. Na verdade, os métodos são consubstanciais a uma motivação especulativa, são coetâneos do interesse do pesquisador, crescem e amadurecem simultaneamente com uma teoria. Daí que, embora seja útil a consulta ao patrimônio metodológico já acumulado, todo verdadeiro pesquisador é sempre autor de sua própria metodologia" (RAMOS, 1953, p. 21-2).
[144] Cônsul brasileiro no Egito por vários anos.
[145] Este viria a ser o nome da coluna que assinará a partir de 1958 (juntamente com Jesus Soares Pereira, Ignácio Rangel, Domar Campos) no jornal Última Hora.
[146] O sociólogo francês chegou ao Brasil em 1938 integrando a chamada "missão francesa", que dominaria o ensino das ciências sociais na recém-fundada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e, logo após a discussão com Guerreiro Ramos, em 1954, voltou á França, deixando no Brasil uma obra sobre temas variados e intensa influência sobre novos sociólogos que ajudou a formar, principalmente, Florestan Fernandes.
[147] Impossível saber se a candura das palavras desarmou o espírito beligerante de Guerreiro Ramos, o fato é que ele - curiosamente - não se ocupou de responder, em contra-ataque como era seu estilo, tais questões. Talvez seja a única contenda qual se eximiu.
[148] A discordância em relação á fidelidade a valores nacionais em detrimento da ciência será - veremos - a tônica da primeira crítica de Florestan Fernandes a Guerreiro Ramos, em 1958.
[149] G. Lukács e L. Goldmann - referências para o conceito de consciência possível - já faziam parte do repertório teórico do autor. Por outro lado, além dessas referências, também revela conhecer a obra de Georg Simmel, filósofo e sociólogo alemão até então pouco conhecido no Brasil, apesar de sua influência (indireta) por meio da sociologia estadunidense da Escola de Chicago (RAMOS, 1957b, 1979).
[150] No presente trabalho, mesmo quando nos referirmos a 1ª e 2ª edições de A redução sociológica, utilizaremos a 3ª edição, mais completa, pois contém - além da 1ª e 2ª edições - textos importantes de outros autores.
[151] Guerreiro Ramos, freqüentemente, quando intui que seu voluntarismo sociológico e militante encaminha-se para uma teleologia da história, solapando o tão prezado culturalismo determinista, 'atrasa o relógio' da teoria e afirma a constatação somente por meio da experiência realizada (a posteriori). São exemplos a questões da burocracia como possível agente de modernização em Administração e estratégia do desenvolvimento (cap. IV) e aqui, em relação ás fases, n'A redução sociológica. O mesmo se dá com as formulações ibespianas (na maioria de H. Jaguaribe) em relação á questão da ideologia (ver seção 3, cap. I.).
[152] Por vezes, Guerreiro Ramos refere-se aos fatos sociais como fenômenos sociais totais, demonstrando que estava sintonizado com a crítica á qual era submetida a concepção de fato social (como algo, coisa) e o positivismo. Essa crítica, feita desde dentro por Marcel Mauss, sofria maior assédio de fora, mormente pela sociologia de influência fenomenológica, tendo em Georges Gurvitch e Jules Monerot alguns dos teóricos mais dedicados.
[153] O conceito teve diferentes usos em diferentes autores (W. Dilthey, K. Mannheim, L. Goldmann) que Guerreiro Ramos cita sem se preocupar com tal disparidade. Nas concepções de alguns desses autores, Mannheim (1972) e Goldmann (1976a, 1976b, 1979), a visão de mundo é sempre algo relacionado a uma classe social, nunca em termos de massa. Daí percebe-se que para o sociólogo brasileiro as classes (em formação) ainda não possuíam centralidade no entendimento da sociedade brasileira.
[154] Embora qualifique a perspectiva como algo social, o autor não explicita a relação desta com os grupos sociais, aparentemente, tal relação é pensada mais em termos de nação - que na construção do autor não excluiria as relações de classe, todavia, com freqüência ele enfatiza a existência social num espaço vital. As raras vezes (em A redução sociológica) que se refere a grupos sociais, toma por exemplos povos e nações.
[155] A noção de perspectivismo é apontada por alguns comentaristas como proveniente da influência de Ortega y Gasset, todavia, as referências explicitadas por Guerreiro Ramos - e aqui interpretadas - são de extração fenomenológica: Husserl, Heidegger e os sociólogos T. Litt, A. Vierkandt, A. Shütz, M. Scheler, G. Gurvitch.
[156] Nessa construção, a já comentada influência de Hegel, cuja herança - e de "seus continuadores revolucionários" - ele próprio admite (RAMOS, 1957b, p. 213), aflui mais como um elemento geral de formação cultural que um autor diretamente citado em suas formulações. Talvez certa concepção dialética da existência - e possibilidades de autoconsciência - histórica, bem como o privilégio do conceito de totalidade, sejam devedores de Hegel. Quanto a Karl Jaspers, sua influência não é algo seminal, deve-se mais á característica de epígono de autores 'maiores' (Kant, Weber, Kierkegaard, Heidegger) e á notoriedade de suas análises do mundo contemporâneo que propriamente ao peso de sua construção conceitual.
[157] Em artigos publicados naquele ano de 1958, na revista Estudos Sociais (n° 3/4), Benedito Nunes (1996) concorda com a afirmação de Guerreiro Ramos e salienta os aspectos críticos e reflexivos da redução; já Jacob Gorender (1996) discorda e vê na redução a simples transposição do método de Husserl. Todavia, Teotônio Júnior (1958, p. 194), em resenha febril publicada no mesmo ano, na Revista Brasiliense, aproxima Guerreiro Ramos de um obtuso marxismo e ressalta: "A teoria da sociedade brasileira e a redução sociológica abrem-se-nos, assim, o caminho para uma teoria do mundo, do passado, do presente e do futuro, para uma nova concepção do espaço e do tempo, para, enfim, uma nova metafísica. Esta é a conseqüência lógica que Guerreiro Ramos não pôde tirar dado o caráter limitado do seu livro e sua obra á Sociologia. Conseqüência implícita, mas não afirmada". De fato, jamais afirmada. Apesar da inconseqüência das palavras, temos uma idéia do impacto de A redução sociológica em alguns intelectuais, naquele momento.
[158] O conceito de função na obra do autor, a partir daí, perde seu cunho 'funcionalista', de contribuição para um equilíbrio geral ou reiteração de dinâmica sistêmica, para adquirir cunho existencial, "em termos de sentido, de acordo com a intencionalidade que possui numa estrutura referencial" (RAMOS, 1996, p. 87).
[159] Aqui referida - pela influência de Sartre e Balandier, entre outros - como sistema de dominação político-cultural (e existencial) e não como forma de organização da produção de mercadorias. Forma conceitual que logo após, no início dos anos 1960, seria particularmente desenvolvida por Frantz Fanon (1979).
[160] Uma das influências aqui é Raúl Prebisch, que alertava para os hábitos de consumo ostentatório e imitativo da elite como forma de dispêndio do excedente econômico.
[161] À época, tais termos eram considerados contraditórios, pois o setor rural era identificado com o atraso, ao passo que o urbano-industrial significaria o moderno; dualidade que, sem uma conseqüente análise de classes, mostrou-se insuficiente como explicação para o 'atraso' dos países periféricos.
[162] A redução continua a figurar entre os poucos trabalhos brasileiros que enfrentaram as questões da teoria sociológica e suas bases, bem como entre os raros que promoveram uma reavaliação crítica do uso indiscriminado de instrumentos teóricos na análise dos fenômenos da sociedade brasileira.
[163] No início dos anos 1960, seria essa - guardadas certas diferenças - a tônica das atuações de parte do PCB, dos CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes), do ISEB, do MCP (Movimento de Cultura Popular) com Paulo Freire - autor para o qual as formulações de Guerreiro Ramos, mormente a redução sociológica, tiveram grande influência (PAIVA, 1986) -, do MEB (Movimento de Educação de Base) por iniciativa da Igreja progressista e militante, artistas, intelectuais, jovens idealistas, etc. (PéCAUT, 1989).
[164] O termo também foi usado por Helio Jaguaribe (1979a) num sentido cristão de saber revelado, Augusto Comte já havia usado a expressão (SIMON, 19[?], p. 274), entretanto, Max Scheler (1986, p. 52) parece ser a fonte do conceito, pois em 1925 já se referia "[...] ao devir do mundo e ao devir intemporal do próprio princípio supremo ao seu modo de ser e existência, que atingem a 'determinação' do seu próprio devir somente no nosso saber humano ou em qualquer saber possível, ou pelo menos atingem algo sem o que não poderiam alcançar esta determinação. Chamemos esse saber, que tem por fim a divindade [...] 'saber de salvação ou de redenção' [...] que o nosso núcleo pessoal busca conquistar a participação no próprio ser e no princípio supremo das coisas, respectivamente onde esta participação lhe é concedida pelo próprio princípio supremo; ou então: é o saber onde o princípio supremo das coisas, enquanto se 'sabe' a si mesmo e 'sabe' o mundo em nós e por nós, alcança ele próprio seu objetivo intemporal, como ensinavam primeiro Spinoza, depois Hegel e Eduard Von Hartmann; ele consegue uma espécie de unificação consigo mesmo, a libertação de uma 'tensão' e de uma 'oposição originária' que nele residiam".
[165] O conceito de organização tem duplo significado na obra do autor, de início utiliza o conceito do mesmo modo que Alberto Torres (1982a), com o significado de estruturação racional da sociedade, mais tarde, usa também o termo de modo aproximado ao da sociologia contemporânea - embora sem abolir uso da primeira forma - acrescentando certo cunho libertário no sentido de identificar a organização com o domínio férreo (por vezes burocrático) da vida social, mormente por meio das rotinas, sejam elas institucionais ou simplesmente cotidianas. Neste último sentido, quando Guerreiro Ramos define o termo, embora não o faça sistematicamente, limita-se a afirmar que a organização é "[...] o segredo da servidão humana. é para os seres humanos o que a espécie é para os animais inferiores. Uniformiza as condutas, subordinando-as mecânica e dogmaticamente, reduz e até anula a liberdade"; sendo "[...] pressuposto oculto da existência humana. é o veneno do cotidiano, cujos efeitos lesivos passam ordinariamente desapercebidos. Somente quando se examina a existência humana do ponto de vista sistemático da organização, é que se pode perceber o quanto nela é patológico disfarçado em normalidade" (RAMOS, 1963, p. 147 e 149 respect.). Aproxima-se então das chamadas 'teorias da organização'.
[166] Em sua definição: "A atitude parentética transcende a organização, é uma característica destreza da vida culta, de existência superior, ciosa de liberdade, que defende o ser humano contra o embrutecimento, a rotinização mental, a alienação" (RAMOS, 1963, p. 149).
[167] Ver anexo D desta.
[168] Mais tarde, publicada novamente em Introdução crítica á sociologia, em 1957, edição aqui utilizada.
[169] Na Europa, a bandeira da defesa da elaboração de obras gerais, de síntese, já havia sido levantada pelo filósofo/historiador alemão Oswald Spengler, preocupado então com o predomínio das monografias na historiografia européia do começo do séc. XX (cf. FEBVRE, 1992, p. 133).
[170] Tal questão, embora não esteja contemplada nos principais textos dos autores quando do início da polêmica - as teses de Guerreiro Ramos e o artigo "O padrão de trabalho científico dos sociólogos brasileiros" de Florestan Fernandes -, nem seja considerada pelos comentadores, consta dos debates do II Congresso Latino-Americano de Sociologia e do I Congresso Brasileiro de Sociologia e está inextricavelmente ligada ás outras questões.
[171] Mais tarde, o autor voltaria a publicá-lo, desta feita em A sociologia no Brasil (1977). Todos os trechos aqui citados foram extraídos desta edição.
[172] Uma dúvida aqui persiste: por que Florestan Fernandes atacaria cinco anos depois algumas teses apresentadas e derrotadas em congresso? Não obstante a crítica de Florestan esteja inserida na moldura de um balanço das ciências sociais no país (A etnologia no Brasil e a sociologia no Brasil), talvez em 1958 as 'teses' de 1953 já não lhe parecessem tão inofensivas, vez que, a partir de então, tomaram corpo - e repercutiram - no balanço de Guerreiro Ramos sobre a sociologia no Brasil (O processo da sociologia no Brasil, de 1953), nos trabalhos deste sobre o negro (tema que Florestan pesquisava, em outra direção, juntamente com Roger Bastide), nos livros Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo (1957) e Introdução crítica á sociologia brasileira (1957) e institucionalizava-se na fundação do IBESP (1953) e do ISEB (1955). Frente tais circunstâncias e os rumos que a conjuntura político-social do país tomava, ao que parece, Guerreiro Ramos agora se fazia valer como adversário intelectual.
[173] Embora critique os pontos aos quais é contrário, Florestan Fernandes não explicita com os quais concorda integral ou parcialmente. Um tal estudo (inédito) ainda está para ser feito.
[174] Denominava-se a comunicação "O ensino da sociologia na escola secundária brasileira". Prossegue Florestan: "A difusão dos conhecimentos sociológicos poderá ter importância para o ulterior desenvolvimento da sociologia. Mas, o que entra em linha de conta, no raciocínio dos especialistas, não é esse aspecto pragmático. Salienta-se, ao contrário, que a transmissão de conhecimentos sociológicos se liga á necessidade de ampliar a esfera dos ajustamentos e controles sociais conscientes, na presente fase de transição das sociedades ocidentais para novas técnicas de organização do comportamento humano. As implicações desse ponto de vista foram condensadas por Mannheim sob a epígrafe - 'do costume ás ciências sociais' e formuladas de uma maneira vigorosa, com as seguintes palavras: 'Enquanto o costume e a tradição operam, a ciência social é desnecessária. A ciência da sociedade emerge quando e onde o funcionamento automático da sociedade deixa de proporcionar ajustamento. A análise consciente e a coordenação consciente dos processos sociais então se tornam necessárias'. O ensino das ciências sociais no curso secundário seria então uma condição natural para a formação de atitudes capazes de orientar o comportamento humano no sentido de aumentar a eficiência e a harmonia de atividades baseadas em uma compreensão racional das relações entre os meios e os fins, em qualquer setor da vida social" (ANAIS DO I CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955, p. 90, grifos do autor). E ainda "[...] alterando-se as condições atuais do sistema educacional brasileiro, em sua estrutura, em seu funcionamento e na mentalidade pedagógica dominante: com fundamento na conveniência prática de reforçar os processos de socialização operantes na sociedade brasileira. Esta seria a solução ideal, tendo-se em vista que o ensino das ciências sociais na escola secundária brasileira se justifica como um fator consciente ou racional de progresso social" (ANAIS DO I CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955, p. 104).
[175] Na ocasião, apresentou também o trabalho (incluído nos anais) "Esforços de teorização da realidade brasileira, politicamente orientados, de 1870 a nossos dias", balanço do pensamento político-social brasileiro no período mais tarde publicado em Introdução crítica á sociologia brasileira, de 1957 (RAMOS, 1957b).
[176] Aqui nos limitaremos a abordar as referências mais diretas que se seguiram até meados dos anos 1960, já que em trabalho anterior (BARIANI, 2003a) persistimos na trajetória dos dois autores até seus trabalhos finais.
[177] Inspirado em Jacques Maritain (autor católico cuja influência Guerreiro Ramos prezava) - que por sua vez retomou a antiga noção escolástica de habitus - Guerreiro diferenciava entre: sociologia (e saber) em hábito, exercida por treinamento específico, por vezes livresco e repetitivo, e sociologia em ato, efetivada por meio da capacitação e comprometimento como saber criador e de intervenção. E acrescentaria mais tarde: "sempre houve ciência social no Brasil, entendida como saber em ato" (RAMOS, 1983a, p. 540). Mais tarde, o conceito de habitus voltaria á berlinda na sociologia, então pelas mãos - principalmente - de Norbert Elias e Pierre Bourdieu.
[178] Refere-se ao opúsculo ("O padrão...") como "a mais qualificada crítica que um representante ilustre de nossa sociologia convencional escreveu contra nossa orientação" (RAMOS, 1996, p. 15). Também vale lembrar que em O processo da sociologia no Brasil (de 1953) afirma: "Florestan é bem representativo da experiência universitária paulista, seu símbolo vivo, visto que fruto do que proporcionou de melhor. Sua carreira é a que tem transcorrido dentro dos trâmites universitários mais rigorosos. Seria monstruoso distraí-lo do seu esforço de criação teórica, plano em que certamente o Brasil dará com ele, o seu primeiro clássico universal, no campo da antropologia (RAMOS, 1953, p. 30, grifos nossos). Lúcia Lippi de Oliveira (1995) assinala que não é fortuito o fato de Guerreiro Ramos situá-lo "no campo da antropologia" e não no da sociologia. Todavia, é preciso lembrar - a despeito da ironia guerreiriana - que até aquele momento os trabalhos de maior ressonância de Florestan Fernandes eram os sobre os tupinambá, tidos como "antropológicos".
[179] Termo usado por Florestan quando da crítica da sociologia professada por Guerreiro Ramos.
[180] Cabem aqui algumas advertências. Quando da divulgação das teses iniciais de Guerreiro Ramos, em 1954, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) ainda não existia - só viria a ser fundado em 1955. A existência de uma 'escola paulista de sociologia' - donde derivaria uma 'sociologia paulista' - é peremptoriamente negada por Florestan Fernandes (1977, p. 140). Quanto ao significado do debate, alguns chegam a abordar o enfrentamento entre Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos como uma disputa entre, respectivamente, a ciência e a política, o conhecimento e a intervenção, o saber e a ideologia, o rigor e a volúpia, etc., recortes estes muito presentes, direta ou indiretamente, em vários autores - malgrado o evidente equívoco na abordagem da questão.
[181] Algumas análises da contenda estão em Arruda (1989), Ortiz (1990), Oliveira, L. (1995), Cohn (1995) e Vianna, L. (1997). Um balanço dessas análises está esboçado em Bariani (2003a).
[182] O estigma de "polêmico" - como bem o qualificou Soares (1993) - é marca indelével de Guerreiro, coincidentemente, até mesmo no nome: polêmico, do grego polemikós, significa "guerreiro". Ver Holanda (1986).
[183] Para Florestan Fernandes, a sociologia seria ciência universal no sentido de que seus fundamentos teóricos seriam os mesmos para todos os investigadores em quaisquer lugares; o nacional, o situado, seria um modo particular no qual os problemas sociais se apresentariam e deveriam ser enfrentados conforme uma adaptação do arsenal teórico geral. Guerreiro Ramos também admitia a universalidade da sociologia, entretanto, tal universalidade só se daria por meio dos particulares, das várias realidades situacionais (nacionais) que teriam relativa autonomia de problemas e larga margem para reelaboração do arsenal teórico para enfrentá-los. De um lado, o indutivismo (sintético) que veria no particular momento do universal (Florestan Fernandes), de outro (Guerreiro Ramos) certa microcosmologia que tomaria o particular como contendo em essência o universal - entretanto, este não conteria totalmente os particulares em sua riqueza infinita. Ao final, de modo diverso, ambos tinham consciência da universalidade da sociologia como ciência e da necessidade de adequação de seu instrumental teórico ás diferentes situações.
[184] Em momento algum, defendemos que o sujeito intelectual, como indivíduo, seja - em última instância - construtor (por si) de projetos, sua participação (decisiva) é dar forma aos fluxos de consciência e experiência vivencial (na medida das possibilidades) presentes nos grupos sociais em determinado momento histórico, conforme determinadas condições sociais.
[185] Escravista, patrimonialista, antimoderna ou, para alguns, "ibérica".
[186] Florestan Fernandes é um dos iniciadores - assim como Donald Pierson (1972) - dessa posição de crítica á 'sociologia', ás idéias sociais dos não-sociólogos; distinguia "três épocas de desenvolvimento da reflexão sociológica na sociedade brasileira": a primeira em que a sociologia "é explorada como um recurso parcial e uma perspectiva dependente de interpretação", a segunda caracterizada "pelo uso do pensamento racional como forma de consciência e de explicação das condições histórico-sociais de existência na sociedade brasileira", e a terceira singularizada "pela preocupação dominante de subordinar o labor intelectual, no estudo dos fenômenos sociais, aos padrões de trabalho científico sistemático" - trecho do artigo "Desenvolvimento histórico-social da sociologia no Brasil", publicado inicialmente nas revistas Sociologicus (v. 6, n°.2, 1956) e Anhembi (v. 7, n° 75 e 76, fev./mar. 1957), e posteriormente em A etnologia e a sociologia no Brasil (cap. IV, 1958) e em A sociologia no Brasil (cap. 2, 1977), aqui utilizamo-nos de FERNANDES (1958, p. 190). Tal posição, que remotamente lembra a classificação de A. Comte das fases intelectuais (teológica, metafísica e positiva) pelas quais a civilização havia passado, é precursora de uma forma de análise que, radicalizada, tornou-se hegemônica na 'sociologia paulista', principalmente uspiana, cujo principal fruto é Ideologia da Cultura Brasileira (1933-1974), de Carlos Guilherme MOTA (1980), no qual critica os "explicadores" do Brasil e localiza a fundação da ciência social - conforme padrões científicos, não-ideológicos - na trajetória da USP e da 'escola paulista'. Posições semelhantes estão em Ianni (1989c), Ortiz (2001) e Miceli (1989b).
[187] Influências já foram apontadas por Luiz Werneck Vianna (1997) - assim como as relações com o Estado e a sociedade civil. Quanto ao marxismo, Florestan inicialmente preocupou-se com as possibilidades empíricas do materialismo histórico e com a estruturação das relações sociais, depois com as conseqüências revolucionárias da práxis política; já Guerreiro era seduzido pelo jovem Marx e seus usos da dialética e da ontologia.
[188] Tal sociologia ergueu-se por meio de uma ambígua dialética (noção obviamente devedora da construção guerreiriana de "dialética da ambigüidade"): negando seu passado e invejando um futuro (europeu, norte-americano) que lhe era estranho, até porque estrangeiro, imitando os mestres e combatendo a transplantação de idéias. Uma dialética fortemente tensionada, mas sem síntese.
[189] Sobre a vida de Florestan Fernandes, ver Cerqueira (2004) e Sereza (2005).
[190] Com esse livro Guerreiro Ramos inicia uma abordagem mais direta das questões da política brasileira, os artigos que o compõem foram escritos entre 1955-1959 e, inicialmente, foram apresentados como conferências proferidas no ISEB, na Faculdade Nacional de Filosofia, no Ministério da Educação e na FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) - um dos artigos foi elaborado para publicação no jornal O Semanário. Não é fortuito que o público escolhido fosse de estudantes, militares, pessoas ligadas ao Estado e Governo, empresários brasileiros, etc.: é nítida a intenção de intervenção política por meio da influência intelectual.
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