Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Ao menos pessoalmente, Guerreiro Ramos comprovava suas teses: se a afirmação da negritude resgatou sua auto-estima, sua autoconfiança e capacidade de assunção de seu "destino social", de outro modo, ao ver-se aceito e "adestrado" na cultura da classe dominante, desfrutando de relações "frontais" com a elite "branca", afastou-se da questão do negro, só vindo a mencioná-la novamente em 1981 – em entrevista (OLIVEIRA, L., 1995, p.174) pouco antes de sua morte – para queixar-se do país e da falta de reconhecimento de sua importância como sociólogo, devido à sua condição de cor; nessa ocasião, assume-se então como "mulato", como figura social "limite": "eu já sou entre os dois [...] Preto não confia em mim, branco não confia em mim. E mulato, você sabe, desconfia de mulato, porque mulato é malandro. Veja a minha situação como é".
Ao final da vida, solitário, sem desfrutar do reconhecimento do qual se achava merecedor, Guerreiro Ramos isola-se no que acreditava ser o papel-limite na sociedade brasileira – o mulato, desajustado, não-integrado, em suas palavras "in between" (expressão provavelmente tomada a Eric Voegelin). Sentindo-se "de cor", mas incompreendido por brancos e negros, apela a uma situação psicológica singular, intermediária, inconciliável.[117]
Daí a lacuna em seu entendimento da questão: não era suficiente se aceitar como negro e se habilitar na "cultura dominante" para ser aceito pela elite brasileira, foi preciso que ele se sentisse aceito pela elite – nas condições ditadas por ela – para esquivar-se do preconceito; nessas condições, a áurea da negritude tornava-se a benção do branqueamento: podia aceitar-se como negro, pois já desfrutava de uma posição "de branco".
Ao definir de modo original – segundo Santos, J., (1995) – "o negro como lugar", Guerreiro Ramos não atentou devidamente para a aversão (dissimulada) da elite brasileira ao "trânsfuga de cor" e ao fato de essa elite indicar claramente qual deveria ser esse lugar, mais ainda, de indicar que os ritos de passagem compreendiam necessariamente a abdicação da negritude, o "descoloramento". Ser – precariamente – aceito ou tolerado implicava "reconhecer-se" como socialmente dócil e inferior; se postulante ao convívio deveria – além de apresentar como moeda requisitos econômicos, políticos e culturais – renunciar publicamente ao orgulho de ser negro, "limpar-se" de corpo e alma, assumir sua "brancura de alma".
Faltava a Guerreiro Ramos a compreensão de que o êxito na assunção de sua subjetividade (individual) estava indefectivelmente atrelado à situação do negro em geral (e o pobre em particular) na sociedade, não era possível escapar completamente ao estigma da cor enquanto o contingente "de cor" fosse estigmatizado. Assim, ao longo de sua trajetória – entre idas e vindas, ascensões e quedas, reconhecimento (parcial) e marginalização, êxito e preconceito – Guerreiro Ramos via sua situação oscilar entre a condição de par e de pária. O negro de classe média não atentava para a sutileza do preconceito e cria que sua posição de classe, status e aparelhamento cultural seriam suas senhas de passagem para uma integração plena e cidadã na sociedade brasileira.[118] As pretensões de participação política tinham correspondência nas de democratização social. A conquista da reivindicação do negro como povo (brasileiro) não o elevava à condição de igual e o mito da comunidade nacional exibia suas fissuras e contradições não só no terreno dos interesses antagônicos da estrutura de classes, a cor continuava a ser um estigma dentro das próprias classes sociais, uma vez que estas mesmas classes é que definiam socialmente a posição dos indivíduos na sociedade brasileira. Mais uma vicissitude da evolução do capitalismo no Brasil.
Em nota prévia à sua primeira obra sistemática de crítica à sociologia no Brasil – O processo da sociologia no Brasil, de 1953 – Guerreiro Ramos assim se expressa:
A elaboração deste estudo foi uma das tarefas mais desagradáveis que empreendi. Assumi diante das obras dos sociólogos brasileiros uma atitude de naturalista e, ao cabo do meu trabalho, verifiquei que havia tratado de pessoas que merecem o meu maior respeito e a minha admiração, como se o contrário desses sentimentos me animasse. Assim, o primeiro leitor irritado com o que se vai ler – sou eu.
Tive vontade de rasgar o manuscrito. Mas uma reflexão me deteve o gesto e foi a seguinte: estas idéias aí enunciadas são fruto de uma longa experiência de estudo e meditação, não obedeceram a um propósito mesquinho de denegrir quem quer que seja; parecem, ao contrário, atender a um imperativo, pelo menos de minha própria formação mental; tenho o direito de me construir a mim próprio.
Aliás, é fácil perceber hoje na inteligência brasileira uma disposição para libertar-se das heteronomias que a entorpecem. Esta disposição vem sendo contida até agora. Estou certo, porém, de que não se conterá mais tempo.
As alienações do pensamento brasileiro tornaram-se muito nítidas. Já são o tema esotérico das conversas discretas de muitos intelectuais patrícios. Vão tornar-se um tema exotérico das tribunas, do livro e do jornal.
Mas, enquanto tal difusão não se registra, sabe Deus como é incômodo pensar em voz alta. Melhor, eu sei, seria escrever um estudo sobre colocação de pronomes... (RAMOS, 1953, p. 5-6, grifos nossos).
Em tom resignado e confessional, Guerreiro Ramos argumentava sobre a sua impossibilidade de isenção quando se tratava da árdua tarefa de rever criticamente a evolução e o estágio – naquele início de anos 1950 – da sociologia no Brasil, temática que – vaticinava – logo dominaria a pauta das ciências sociais no país. Apercebendo-se da dificuldade do empreendimento, desculpava-se antecipadamente pelo modo acre com que, mais que o texto, a tarefa se impunha. O inadiável processo de revisão, segundo ele, acusava as transformações da sociedade brasileira ao cruzar a metade do séc. XX e os problemas e desafios que se insinuavam à sociologia. É notório o sentido de missão que o autor atribui ao trabalho (e a si próprio), requisitando um espírito temerário algo inconseqüente ("melhor seria escrever sobre colocação de pronomes") para – com "atitude de naturalista", mas inextirpáveis escrúpulos de sociólogo – descer à cova dos leões munido apenas de sua fé no encargo (vocação).
Nesse processo, vislumbrava – nos moldes de seu culturalismo – o movimento da sociedade brasileira reconstruindo-se a si própria,[119] revendo-se por sua suma forma – segundo ele – de autoconsciência (a sociologia) e forjando os sujeitos intelectuais que se encarregariam de repensá-la. "Construindo-se a si próprio", Guerreiro Ramos cria estar reconstruindo, ou melhor, redimindo a sociologia no Brasil e influenciando decisivamente os rumos desta e do seu entorno social.[120] Ensaiava também os primeiros esboços de uma dialética da mudança social, influenciada pelo empirismo de Gurvitch e pelo culturalismo – seja sociológico (H. Heller, H. Freyer, P. Sorokin e também K. Mannheim), seja filosófico (Berdiaev, Danilesvki, Spengler, Toynbee) –, bem como revisava os passos de Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Oliveira Vianna.
Em O processo da sociologia no Brasil (de 1953) e na primeira parte de Introdução crítica à sociologia brasileira ("Crítica da sociologia brasileira", escrita em 1954), alegando que o momento o exigia, lança-se à polêmica tomada como "método" – daí a necessidade de "provocar a polêmica, pois por meio dela é possível liquidar as moedas falsas que ainda circulam entre nós, com o seu valor discutível" (RAMOS, 1957b, p. 31). Já a segunda parte de Introdução..., constituída pela notória (à época) "Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo" (escrita também em 1954), tem como subtítulo "Prefácio a uma sociologia nacional", indicando seu intento de superar a fase de combate – de reavaliação crítica da produção sociológica – e avançar para a proposição de novos rumos, a saber, encerrar a fase polêmica e iniciar a construção propriamente dita de uma sociologia nacional – processo que culminará em A redução sociológica (de 1958).[121] Afirmava que, com a emergência no Brasil de condições para a efetivação do desenvolvimento nacional, era mister que a sociologia se pusesse na ordem do dia. Se parodiarmos certo hegelianismo "trocado em miúdos" da época, podemos afirmar que: se o real é o atual, a sociologia deveria atualizar-se para sua realização.
O processo de crítica sistemática da produção sociológica brasileira – por parte de Guerreiro Ramos – tem como pano de fundo suas interpretações a respeito da estrutura e dinâmica da sociedade brasileira. Entendia ele que transformações econômicas em curso indicavam (e exigiam) mudanças na dinâmica da sociedade política[122]e, logo, nas relações sociais; isto é, a sociedade econômica condicionava a sociedade política que, por seu turno, deveria acusar determinada atualização das representações e condutas. A "estrutura atual" impunha uma nova práxis.
Guerreiro Ramos – tomando um marxismo de segunda-mão – indicava que, impelidas pelas forças produtivas, as relações de produção influenciavam as situações de classe no sentido de reforçar a constituição dessas classes, definir seus contornos, possibilidades e interesses objetivos. Tal arranjo insinuaria o início da maturidade da sociedade brasileira, que se erguia sob o peso do "imperialismo econômico", tentava livrar-se da submissão e consolidar a nação, cuja autonomia ainda estava represada pela maldição de nascença que a compelia a viver como o amanhã o ontem dos países centrais. Pois...
Os países descobertos e colonizados são escassos de idiossincrasias e de imanência, são pseudomorfoses[123]Sua formação é mais revolucionária do que evolutiva, visto que se procedeu à custa de transplantações. Eles não têm história própria, são versões da história de povos colonizadores, ou material etnográfico destes povos, para usar uma expressão de Danilevski. Assim, a inclinação dos países colonizados para adotar as idéias alienígenas obedece à lei da imitação do superior pelo inferior, formulada por Gabriel Tarde. Daí o fato de que a historia das idéias e das atitudes dos países colonizados reflete, sempre, os períodos por que elas passam nos países colonizadores. É este um tipo de imperialismo mimético não baseado na coerção, mas assegurado pelo próprio fascínio que exercem sobre os colonizados as instituições dos povos colonizadores. (RAMOS, 1953, p. 11, grifos nossos).
Nesses termos, a sociedade brasileira seria afligida como reflexo imperfeito da civilização que (desafortunadamente) nos acometeu, espaço sem história de idéias sem raízes, transplantada, perdida numa maldição platônica na qual as idéias seriam reverberações precárias das verdadeiras criações. No entanto, a fase cultural que agora esta sociedade adentrava tornaria possível – segundo Guerreiro Ramos – alcançar certa mobilidade de ação e, em última instância, a autoconsciência social do país, tornando-se uma nação na plenitude do termo, pois até então para Guerreiro – como para Euclides da Cunha (1975), em À margem da história – o que havia era somente uma "ficção", uma nacionalidade criada a partir de uma teoria política (apud RAMOS, 1953, p. 22-3). Já nas palavras de Alberto Torres, para nossa desventura: "Há sociedade parvenues [...], nações rastaquouères" (apud RAMOS, 1957b, p. 29). Urgia inaugurar a "autonomia material e moral do país".[124]
Faltavam, todavia, os sujeitos dessa transformação, vez que as classes, ainda em formação e politicamente imaturas, disso ainda não se poderiam encarregar. Guerreiro Ramos – subscrevendo as interpretações de alguns autores[125]– caracterizava então o "povo" (símbolo ideal das reivindicações autônomas) – como algo amorfo, embora em formação ("in statu nascendi"), imediatamente incapaz da tarefa. Restava a "elite".
Na análise da sociedade brasileira, ao combinar – nesse momento – o culturalismo com elementos marxistas (relações de produção, forças produtivas, relações interestruturais de predominância material, relações de classe, etc.), o autor concluía pela infância dessas relações, diminuindo-lhes a centralidade teórica; voltava-se então para certo hegelianismo (um tanto ingênuo, chegando a resvalar no platonismo) para entender as modificações estruturais que intuía com argúcia. Eis um traço marcante da personalidade intelectual do autor: se por vezes lhe falta sofisticação e fineza de análise quando se trata de elucidar inter-relações econômico-sociais e estabelecer as devidas mediações, seu senso de oportunidade e intuição (aliados à sua verve), contorna obstáculos que seriam demais íngremes para seu instrumental teórico. Na falta da chave exata, usa o martelo com precisão demolidora.[126]
Propugnava por uma atualização da sociologia em relação às exigências da transformação social – premente na contradição entre as "forças produtivas e os quadros institucionais vigentes" (RAMOS, 1957b, p. 101) – que arrebatava o país e passava a bradar por uma sociologia crítica, de responsabilidade e compromisso, despida de espírito de façanha (de "proeza") e adequada ao nível de autoconsciência social que a época requeria, uma vez que estariam sendo postas as condições para superação do período de subalternidade da sociedade brasileira, quando, a partir de então, teria vida uma sociologia autêntica, isto é, uma sociologia ancorada em genuínas experiências cognitivas e não a partir de categorias e processos pré-fabricados exteriormente, sem autêntica gênese. Caso contrário, dominaria na sociologia brasileira a inautenticidade resultante de processos espúrios como: alienação (alheamento), dedutivismo (dedução a partir de materiais estrangeiros), dogmatismo (adoção de argumentos de autoridade, "válidos" por si só) e simetria/sincretismo – febre de atualidade e hipercorreção na ânsia de acompanhar a produção estrangeira (RAMOS, 1957b, p. 18-23).[127]
Isto posto, afirma: "a sociologia, no Brasil, será autêntica na medida em que colaborar para a autoconsciência nacional, na medida em que ganhar em funcionalidade, intencionalidade e, conseqüentemente, em organicidade" (RAMOS, 1957b, p. 26). No entanto, ao relevar a necessária funcionalidade da sociologia, assinalava que uma posição científica de caráter funcional seria aquela "proporcionadora da autoconsciência ou do autodomínio da sociedade brasileira" (RAMOS, 1957b, p. 123): forma-se então um círculo vicioso, já que sociologia seria autêntica – e possibilitaria autodeterminação – se fosse funcional, sendo que funcional seria aquela sociologia que proporcionasse autodeterminação. O lapso lógico do raciocínio – e outros o sucederão – indicava a dificuldade de Guerreiro Ramos em dar conta de uma situação na qual a superação das condições predominantes dependia da iniciativa de sujeitos (e seus instrumentos) submetidos e influenciados pelas mesmas condições adversas, de tornar a superação processo de auto-superação. A sociologia – como autoconsciência social – deveria redimir-se dos males que a afligiam (importação, imitação de idéias) e, no limite, redimir a própria sociedade na qual estava inserida.
Em busca do significado autêntico da cultura, o autor encaminha-se para um uso mais intenso dos conceitos existenciais, só que acusa ainda um incompleto domínio desse arsenal. Agregando outros elementos, procura puxar os fios dessa meada. Uma tentativa de saída desse labirinto insinua-se na referência que faz ao conceito elaborado por Edward Sapir (apud RAMOS, 1957b, p. 152, grifos nossos):
A cultura autêntica não é necessariamente alta ou baixa, é apenas inerentemente harmoniosa, equilibrada, a si mesmo satisfatória. É a expressão de uma atitude ricamente variada e, entretanto, de certo modo, unificada e consistente em face da vida, uma atitude que vê o significado de qualquer elemento de civilização em sua relação com todos os outros. É, falando de modo ideal, uma cultura em que nada deixa espiritualmente de ter sentido, em que nenhuma parte importante do funcionamento geral traz, em si, senso de frustração, de esforço mal dirigido ou hostil. Não é um híbrido espiritual de elementos contraditórios de compartimentos estanques de consciência que evitam participar de uma síntese harmoniosa.
Guerreiro Ramos requisitava agora para sua obra uma tessitura "dialética", que privilegiava o aspecto dinâmico, mutável e inacabado da sociedade em detrimento das contradições, isto é, a mudança social seria um processo que primaria pelo contínuo sócio-temporal e não pelo conflito atroz, um movimento algo orgânico e não causado pelo enfrentamento entre posições. Embora avance além desse posicionamento, não é gratuito que em momento futuro ele se referirá a uma "dialética da ambigüidade" – que fascinou José Murilo de CARVALHO (2003a) – para ilustrar como se acomodariam as tensões na sociedade brasileira. [128]
Numa sociologia crítica e atual – segundo aponta – a dialética deveria ser posta nos seguintes termos:
a) não admite o primado sistemático de nenhum critério operatório de dialetização, nem tampouco se admite como um monismo determinista dialético; b) não admite a conclusão do processo histórico-dialético, nem sabe de antemão aonde conduz este processo; c) dialetiza as relações entre a teoria e a prática. (RAMOS, 1957b, p. 210).
Tal dialética, aplicada à análise de uma sociedade em rápida mutação – e por conseqüência refletida na sociologia que produzia –, alimenta certa confusão/sobreposição de conceitos. Se as transformações da estrutura social teriam como elementos a constituição das classes sociais e sua procura de rumos, no entanto, quando o autor trata da questão da alienação que acometeria o grupo dominante e os sociólogos – como porta-vozes desse grupo ou mesmo como grupo culturalmente dominante, e há aqui um outro imbróglio – utiliza o conceito de "elite", desviando a questão de uma perspectiva de classe para uma questão de prestígio/privilégio político-cultural, de um contexto de luta de classes para uma polarização social elite-povo que, ao fundo, não deixava de ter uma significação ética. "No Brasil, o homem culto e o homem do povo são espécies diferentes" (RAMOS, 1953, p. 34), assinala. Desse modo, num contexto de formação nacional e afirmação existencial – e não estritamente de luta de classes – a "alienação" surge não como dominação e sim como "desentendimento entre as camadas populares e as camadas cultas" (RAMOS, 1953, p. 34) – distanciamento social que Silvio Romero, analogamente, havia nomeado como "disparate".[129]
O que se passa é que naquele momento Guerreiro Ramos – como de resto boa parte dos sociólogos brasileiros de então, que se digladiavam em problemas sobre feudalismo, capitalismo, classes, estamentos, castas, etc. – não identificava coesão e maturidade nas classes sociais e, numa solução precária, opta pela oposição povo versus elite, na ânsia de refletir uma situação de grande distanciamento sócio-cultural entre grupos.[130] Esse amálgama teórico do autor, que procurava um caminho crítico aglutinando instrumentos de análise de situações conflitivas sociais e existenciais, essa busca de uma base ontológica, mostrava-se ali frágil e apresentava rachaduras – algumas dessas "soluções" só virão em A redução sociológica (de 1958). Como exemplo, pode-se notar que o uso indiscriminado do conceito de elite desloca a análise para uma incômoda indiferenciação entre elite política e cultural, termos que – apesar das desigualdades da sociedade brasileira – não são idênticos, daí um lapso apenas para escorregar para a identificação entre condução política e "Inteligência", entre dirigentes e ilustrados (ou intelectuais). Pois aí o equívoco vem sob encomenda: nada mais próprio dos intelectuais brasileiros, e particularmente dessa corrente que Guerreiro Ramos tanto prezava como herança, que o projeto de condução da nação por uma elite esclarecida.[131]
Num percurso comum a vários intelectuais brasileiros, ao detectar a incapacidade do povo em tomar nas mãos os destinos do país, procede à crítica do comportamento das elites; segue assim os passos de Alberto Torres e Oliveira Vianna, condena nessas elites a "exemplaridade" como estratégia social e a tentativa de alteração da realidade social por meio das "boas" idéias e instituições, da correção do receituário antes que de adequação das formulações. Todavia, para Guerreiro Ramos,
Oliveira Vianna viu aqui meia verdade; não a verdade toda. Isto porque aquela conduta inquinada de idealista-utópica foi, muitas vezes, menos decorrência de uma imitação voluntária do que um expediente pragmático a que tiveram imperativamente de recorrer a fim de racionalizar ou justificar interesses e reivindicações de grupos e facções atrelados a tendências nem sempre ilegítimas da sociedade nacional. (RAMOS, 1957b, p. 52).
Mais que simples arremedo, a transplantação de idéias (e instituições) corresponde agora – e isso marca um avanço em relação à anterior conceituação do termo – a estratégias de afirmação e mesmo de justificação de interesses. O que resvala agora para a perigosa questão das idéias, sua instrumentalização e seu lugar – e suas muitas armadilhas.
No diagnóstico de Guerreiro Ramos, dar-se-ia uma falência da elite cultural (e dentre ela os sociólogos), identificada com a elite em geral, moldada sob os males da transplantação, já que...
Acontece muitas vezes que, por uma diminuição ou um falecimento da capacidade criadora das elites, as sociedades entram num processo de desintegração ou de hibridização pelo uso e consumo extensivos de produtos culturais exógenos.
No Brasil, os indivíduos que um dia vão constituir as camadas cultas sofrem, nos educandários que freqüentam, uma castração sistemática dos membros intelectuais, que se entorpecem no exemplarismo cultural ou se obnubilam na aprendizagem de atitudes heteronômicas. (RAMOS, 1953, p.33).
Segundo ele, desde José Bonifácio e com raras exceções, tal exemplaridade teria regido a ação das elites no Brasil, sempre em desencontro com o meio social, a despeito disso, estaria se formando "o capitalismo brasileiro e desenvolvendo-se uma cultura popular, um e outra destinados a constituir o lastro de uma individualidade histórica e autônoma" (RAMOS, 1957b, p. 87).
Já o povo, "livre" das condições de consumo e adestramento de bens culturais sob a égide da transplantação, como de toda e qualquer educação, em sua inocência e crueza cultural, estaria apto a herdar o céu das perspectivas da criação original: "na sociedade brasileira somente as camadas populares são criadoras, como atestam suas instituições e valores" (RAMOS, 1953, p. 33). Como os bons selvagens de Rousseau ou os ingênuos dos pensadores cristãos, o povo estaria livre do pecado original do mimetismo cultural, ironicamente, do mesmo modo como os proletários de Marx seriam "livres" para vender sua força de trabalho.[132]
Persistia nebulosa relação entre classes e contingentes (elite/povo), que agora se agravava pela situação sociocultural indicada pelo autor.[133] Seriam somente o consumo e o adestramento cultural que determinariam tal comportamento dos segmentos sociais? Tais mecanismos seriam determinantes da sociabilidade necessária para condicionar toda a vivência cultural, a despeito das outras experiências próprias da existência social? Haveria mecanismos de aspectos econômicos e políticos subjacentes a tais formas de sociabilidade? Por que a elite estava sujeita à influência da transplantação (e conseqüente alienação) e o povo imune? Pelo contato com a cultura importada? E o povo, não estaria também sujeito à "contaminação" por algo ainda mais degradado: a cultura já trazida azeda e agora regurgitada pela elite?
Em O processo da sociologia no Brasil (1953), o autor passou em revista – ou passou a ferros, melhor dizendo – o pensamento sociológico brasileiro desde a segunda metade do século XIX (estariam aí seus começos?); para tanto, armou-se de um método – que W. G. dos Santos (1978) chamou (um tanto impropriamente) "ideológico" – logo depois explicitado e definido por Guerreiro Ramos como de "crítica objetiva da ideologia", que pleiteava capacitar o crítico a...
[..] ser capaz de enxergar o significado indireto ou implícito do produto intelectual, ou ser capaz de surpreender as verdadeiras "forças motrizes" que "movem" o produtor; é em suma, ser apto a ver a estreita vinculação do pensamento com a situação existencial do pensador [...] Fora desta pauta só é possível o esteticismo, o impressionismo. (RAMOS, 1957b, p. 30).
Munido desse método e da pretensão de diferenciar no Brasil a sociologia autêntica da alienada (e seus autores), que só passavam pelo crivo da "corporação de elogios mútuos" (RAMOS, 1957b, p. 31), Guerreiro levou a cabo sua análise baseada no "critério objetivo" de aferição das idéias conforme "a congruência com os fatos" (RAMOS, 1957b, p. 120). Com tal método, identificou duas correntes principais no pensamento sociológico brasileiro:[134]
1) uma corrente autêntica – analogamente, já chamada "corrente crítica" – que seria comprometida com a dessatelização histórica, em cujas formulações, apesar de certos equívocos pontuais, estaria sempre em busca da compreensão da realidade brasileira, para tanto, utilizando instrumentos teóricos não imediatamente importados; seus principais autores seriam Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Oliveira Vianna; [135]
3) uma segunda corrente – em alguns momentos nomeada "alienada" – a qual se submeteria acriticamente aos ditames dos centros culturais dominantes, utilizando idéias e teorias de imediata importação para interpretar a realidade brasileira; seria formada por Tobias Barreto (embora com desagravo devido aos acertos deste em alguns pontos, como o caráter amorfo do povo),[136] Pontes de Miranda, Tristão de Ataíde, Pinto Ferreira e Mário Lins. Um sub-ramo – chamado "consular", pois representaria episódio da expansão dos países centrais – dessa corrente seria formado por Nina Rodrigues, Gilberto Freyre e Artur Ramos e, assim como os cronistas estrangeiros que aqui estiveram, ressaltaria uma visão exótica, anedótica, excêntrica do país.
Haveria, no entanto, em situação peculiar (e positiva), o "caso de São Paulo", corporificado – principalmente – na obra de Fernando de Azevedo e na Escola Livre de Sociologia e Política, sendo o primeiro elogiado pelo seu empenho em angariar o prestígio universitário à sociologia, livrando-a do diletantismo insigne e insignificante dos auto-intitulados "sociólogos", e a segunda por ser a única escola que teria aliado a técnica e a prática à teoria sociológica. Referência também há a Florestan Fernandes como promissor antropólogo e talvez "nosso primeiro clássico", todavia, curiosamente, Guerreiro Ramos não cita a Universidade de São Paulo, que já apresentava alguma produção mencionável.[137] De todo modo, São Paulo é lembrado pelo êxito na institucionalização do ensino e pesquisa em sociologia, fruto – segundo Guerreiro – de um projeto com finalidades práticas das elites governantes.[138]
Na avaliação do tratamento sociológico dado a questões sociais que envolviam setores subalternos da população, o autor assevera que o negro teve seu caminho para a evolução cultural prejudicado por estudos entre o saudosismo e o exótico; já a antropologia sobre o índio teria seguido trilha diversa:
Sucedeu pragmaticamente. Através da obra do General Candido Mariano da Silva Rondon, de Roquete Pinto e, ultimamente, de Darcy Ribeiro, adquiriu categoria funcional, o que se traduz numa política militante de aculturação, a cargo do Conselho Nacional do Índio e do Serviço de Proteção ao Índio. (RAMOS, 1953, p. 20).
Persistia, assim, na defesa da integração cultural de contingentes "marginalizados" (índios, negros), sem problematizar a diferença da condição do negro e da do índio, bem como as formas, os "custos" sociais (obviamente não financeiros) e os efeitos – talvez entrópicos – dessa "aculturação" do índio.[139] Guerreiro Ramos pouco se refere à questão do índio, quando o faz transparece sempre algum desdém em relação ao "atraso cultural" em termos de organização dos nativos; quando, por exemplo, aborda a colonização no Brasil, afirma que, contrariamente aos espanhóis, que encontraram "povos" no México e no Peru, aqui os portugueses se defrontaram apenas com – utilizando a expressão de Danilevski – um "material etnográfico", uma "espécie de matéria inorgânica" (RAMOS, 1957b, p. 86).
Quanto aos autores da corrente crítica citados, se Silvio Romero – para Guerreiro Ramos – merece o título de "fundador da sociologia pragmática" no Brasil, tem lugar de maior destaque Alberto Torres, por ele considerado – assim como por Oliveira Vianna (1930) – não só fundador da corrente autêntica, mas também o personagem-ápice do pensamento sociológico no Brasil (RAMOS, 1953, p. 27);[140] no entanto, é em Mário de Andrade – estranhamente esquecido na obra de Guerreiro Ramos daí em diante – que identifica o papel do intelectual como líder criador, "caso raríssimo [no Brasil] de homem de letras emancipado da literatura", contrariando a sentença de Alberto Torres, segundo a qual o compromisso dos homens de letras seria apenas estético. Mário de Andrade teria exercido "verdadeiro apostolado da genuína inteligência brasileira", comprometido com o meio e a crítica da inatualidade da inteligência artística brasileira, que desprezaria a funcionalidade social necessária à expressão (RAMOS, 1953, p. 36).[141] Analogamente, considerava o Movimento Modernista de 1922 como indicativo de "uma ânsia de liberação da atividade literária" que se estendeu às artes e arquitetura em geral (RAMOS, 1953, p. 36), entretanto, mais tarde (já no início da década de 1980), afirma que teria sido em grande parte "uma nova moda" (RAMOS, 1957b, p. 32), que apesar de inovador em relação às circunstâncias agrárias do país de então e relevância dos temas nacionais, teria importado idéias e paradigmas ocidentais decadentes e sucumbido ao imobilismo regionalista, tornando-se, "em certa escala, uma journée de dupes" (RAMOS, 1983a, p. 534) – termo que também usaria para caracterizar a esquerda derrotada em 1964.
Ao salvar para si uma herança crítica – também reivindicada por Oliveira Vianna (1987) – vê-se que, apesar de apontar erros pontuais, Guerreiro Ramos reconhece uma tradição fértil de estudos sociológicos no Brasil; assim, também assumia – um tanto hesitante – as posições dessa corrente ao afirmar a inexistência efetiva do povo e o idealismo alienado da elite, agora sob as vestes de uma transformação da atitude e papel dos sociólogos no sentido do compromisso com a realidade nacional. O combate à alienação sociológica adquire aspecto de enfrentamento com o cosmopolitismo abstrato professado por essa elite: "o progresso da sociologia científica no Brasil só poderá ocorrer contra ou malgré os profissionais da "linha auxiliar" da expansão cultural dos países imperialistas", sendo que esses, afirma, "têm consciência disto e defendem os seus interesses investidos" (RAMOS, 1957b, p. 122). De modo sumaríssimo, o colonialismo cultural torna-se apanágio da elite informada pela sociologia alienada.
A questão sociológica vai ultrapassando a disputa teórica e erigindo-se em luta político-ideológica aberta – vide as várias polêmicas na qual o autor se envolverá (BARIANI, 2003a). A ironia do autor já prenuncia o primeiro ato da tragédia do capitalismo nacional autônomo, se faltam os termos exatos, já se percebem os argumentos da disputa nacionalismo versus entreguismo: "persistindo [os sociólogos consulares, não críticos] em suas posturas superadas, dão-me a impressão melancólica de atores que continuam no palco representando uma peça serôdia sem perceberem que o pano já desceu e o público já se retirou..." (RAMOS, 1957b, p. 122). Ironia hoje amarga, pois lembra mais o contexto das pregações nacionalistas e revolucionárias no pós-1964.
Ao promover a crítica da inatualidade e da alienação da sociologia praticada no Brasil e propor uma sociologia crítica, compromissada e profundamente imbricada com a realidade social sobre a qual se debruçava – ou melhor, arregaçava as mangas –, Guerreiro Ramos insinuava suas convicções e adiantava aspectos do projeto que compartilhará. No seu entender, tal sociologia só poderia ser nacional. Investe então contra as "ilusões" dos sociólogos, assinalando que "o ideal dos sociólogos é a sociologia "universal"", ou seja, "nacionalmente descomprometida, uma sociologia tanto quanto possível aproximada, quanto ao grau de abstração, da física ou da matemática" (RAMOS, 1953, p. 7); acrescenta ainda que "a universalidade da sociologia está muito distante do horizonte contemporâneo" – a emergência de uma sociedade supranacional, acima dos regionalismos era algo intangível para ele. Sociologicamente, tal processo seria explicável do seguinte modo: "o ideal da sociologia universal nos países líderes do pensamento sociológico é, assim, um sintoma de etnocentrismo. Nos países culturalmente coloniais, é uma superfetação compensatória do complexo de inferioridade de certos elementos de elite" (RAMOS, 1953, p. 9).
Todavia, legitima a preocupação universalista no terreno das possibilidades, e acrescenta:
[...] cabe ao sociólogo o direito de proceder a um ato de fé na inteligência e acreditar na possibilidade da sociologia universal. O fato é que em todos os sistemas sociológicos criados até agora se flagrancia o impacto de contingências espaço-temporais. Foram imperativos práticos que suscitaram o aparecimento da sociologia e são ainda estes imperativos que estimulam, atualmente, o seu desenvolvimento, nos vários países. Imperativos práticos peculiares a cada um desses países. Daí que em cada país se registra uma direção e uma problemática específicas do pensamento sociológico (RAMOS, 1953, p. 8, grifos nossos).
Tal imperativo prático tomava corpo num projeto – que se esboçava – de tornar a sociologia instrumento de organização nacional e conhecimento socialmente disseminado, acessível ao saber comum para orientá-lo politicamente. Segundo Guerreiro Ramos, em todos os países nos quais a sociologia alcançou determinado desenvolvimento "depois de um período inicial em que é apresentada ao público esclarecido por divulgadores, passa a integrar-se eficazmente em sua superestrutura institucional, passa a ser utilizada como instrumento de construção nacional" (RAMOS, 1953, p. 9, grifos nossos). Ao decifrar a realidade nacional, a sociologia serviria ao conhecimento e à emancipação, "porque todas as soluções só são efetivas na medida em que forem peculiares. É a busca da autenticidade, a liquidação das heteronomias que manietam o país, que constitui hoje, o programa por excelência da sociologia no Brasil" (RAMOS, 1953, p. 32-3, grifos nossos).
Ao atacar as teorizações sobre o "caráter nacional",[142] o temperamento do cidadão brasileiro (idéia elaborada pelas elites, segundo ele), assevera que "a história da sociologia no Brasil é, em larga margem, uma crônica de livros, ou de cadernos de deveres colegiais" (RAMOS, 1957b, p. 211). Caberia à sociologia erigir-se em saber criador:
A tarefa iminente da sociologia no Brasil [...] é aplicar-se na denúncia destas e de outras alienações vigentes em nosso meio, é aplicar-se na criação das molduras, informá-las em comportamentos automáticos generalizados.
O problema da organização da sociedade brasileira [...] [é] primacialmente o problema da forma mesma que esta sociedade deve assumir, forma que, no caso do Brasil, tem de ser obra de criação sociológica.
A pesquisa desta forma é o tema número um da sociologia no Brasil. (RAMOS, 1953, p. 40-1, grifos nossos).
O Brasil deveria ser reinventado tendo a sociologia – "teoria militante da realidade nacional" (RAMOS, 1957b, p. 27) – como instrumento e o sociólogo como criador, subjacente a esse raciocínio, deveria a sociologia elaborar a crítica de seus pressupostos, despir-se de seu caráter inautêntico e refazer-se em novos moldes. Em suma: deveria reinventar-se e reinventar o Brasil. Tornar a redenção auto-redenção. Defende o autor, a partir daí, o imperativo de uma sociologia nacional, assim compreendida:
A sociologia, como toda ciência, é universal. É um método de pensar, corretamente, os fatos. Este método não é um na Alemanha, outro na Inglaterra, outro na França, outro no Brasil. É o mesmo em toda a parte [...]
Mas a universalidade da ciência, como técnica de pensar, não impede que a sociologia se diferencie nacionalmente. Esta diferenciação da sociologia é incoercível. Desde que o sociólogo só existe nacionalmente, na medida em que o seu pensamento seja autêntico, terá de refletir as peculiaridades da circunstância em que vive. A sociologia se diferencia nacionalmente quanto aos temas e aos problemas do que trata. (RAMOS, 1957b, p. 25).[143]
Existiriam, porém, os perigos do ufanismo nacional, daí as críticas a Oliveira Vianna e também à xenofobia, identificada em autores que seriam intuitivos em relação às mudanças em curso, mas pouco cuidadosos intelectualmente para abordar a questão nacional, como Álvaro Bomilcar, Nicolau Debané[144]e Jackson de Figueiredo (RAMOS, 1957b, p. 64). Não bastaria o sentimento, haveria de ter os instrumentos teóricos adequados; citando K Jaspers, Guerreiro alerta para o fato de que não existe ponto arquimediano fora do universo histórico, a partir do qual se possa elaborar uma concepção absoluta, definitiva, da sociedade, seria preciso assumir uma ótica do ponto de vista nacional,[145] que daria a perspectiva adequada para entender os problemas peculiares da sociedade brasileira, já que – lembrando Gurvitch – não existiria a sociedade e sim sociedades particulares (RAMOS, 1957b, p. 57). Segundo Guerreiro Ramos, não havia modo isento e mirante seguro para empreender a recriação da sociologia e a intervenção social a partir desta, a totalidade é reproduzida pela totalidade e é inexorável a visão perspectiva: não se pode "descer" do carro da história para consertá-lo e pô-lo novamente em movimento.
Não tardou, entretanto, a contestação: a publicação do livro O processo da sociologia no Brasil (em 1953) suscitou um escrito de Roger Bastide[146]- "Carta aberta a Guerreiro Ramos" – na revista Anhembi. Precavido, Bastide imprime um tom pessoal, quase íntimo e propõe uma "amigável palestra", afirmando:
Somos obrigados a aceitar o seu ponto de partida. A ciência não é, como outrora se julgava, totalmente desligada dos sábios que a estudam e, como esses cientistas pertencem a nações ou a classes sociais diferentes, as condições nacionais ou econômicas acabam por refletir-se até no conhecimento que pretende ser objetivo.
[...] isto posto, é preciso fazer três observações. Em primeiro lugar, que tais condições que pesam sobre a pesquisa são mais econômicas que nacionais. É mais "fácil" falar de uma sociologia burguesa que de uma sociologia inglesa, ou italiana, por exemplo. E isto já abre o caminho para a constituição de uma teoria sociológica válida mais universalmente, através de toda burguesia ou de todo proletariado [...] em segundo lugar, a ciência tende assumir a forma de uma atividade coletiva, em que todo país contribui com a sua quota, em que uma pesquisa começa na Alemanha, continua na Rússia e termina, por exemplo, nos Estados Unidos, sem se preocupar com as fronteiras que separam as pátrias; [...] por fim e sobretudo, deverá essa verificação da sociologia do conhecimento ser erigida em valorização? O fato deverá ser transformado em direito? E, a pretexto de que as condições nacionais ou econômicas intervêm, será preciso concluir que não devemos trabalhar senão pragmaticamente, a favor desta nação ou daquela classe, e não objetivamente?
[...] estou de acordo com Max Scheler em que as condições exteriores à pesquisa são idola do gênero dos de Bacon, contra os quais é preciso lutar. Ou de Mannheim, segundo o qual a classe dos intelectuais podia até certo ponto transcender as lutas das ideologias para estabelecer o dicionário das equivalências entre as diversas "perspectivas" da ciência. (BASTIDE, 1953, p. 521-2, grifos do autor).
Nota-se que o autor tenta cuidadosamente demarcar a independência do método e conceitual sociológico em relação a contextos afetivos e "políticos" (relacionado a valores), mas não sociais (em sentido amplo), o que não é gratuito, pois reflete uma sensibilidade quanto ao condicionamento social do conhecimento, o que aflora assim é a intenção de expurgar os conteúdos valorativos, que descredenciariam a sociologia como ciência e a rebaixariam à ideologia.
[...] não há uma ciência de importação e uma ciência nacional. A sociologia é uma ciência universal ou que se esforça por encontrar um sistema de conceitos universais, desligados de qualquer contexto afetivo ou político [...] devemos esforçar-nos para passar [...] à situação do homem no "universo da ciência", que é o único autônomo. (BASTIDE, 1953, p. 522).
O sociólogo brasileiro – no entender de Bastide – deveria servir-se dos métodos e conceitos vindos do exterior para o desenvolvimento da ciência, pois se "a alienação é um defeito [...] é o nacionalista que está alienado, e é a gratuidade que nos liberta". Nesse aspecto, um tipo de estudo objetivo deveria então se pautar pela generalidade, buscando tornar-se acessível a todas as culturas pois...
[...] o que caracteriza o trabalho científico sobre o negro brasileiro não será explicar fatos como o candomblé ou o batuque através de conceitos de uma ciência universal, através de categorias que não são válidas para o negro somente, mas também para o branco e para todos os homens, qualquer que seja a cor da sua pele? Levar o individual ao geral, situar os fatos brasileiros no conjunto dos fatos sociológicos já estabelecidos: é o mesmo que dizer que a ciência mata o pitoresco. É a sua [de Guerreiro Ramos] sociologia particularista que se arriscaria a atirar-nos no anedótico, não a nossa. (BASTIDE, 1953, p. 525).
Com base nas elaborações de Guerreiro Ramos – que buscaria aplicar não absolutamente os métodos importados, mas aplicá-los adequadamente à realidade brasileira – o sociólogo francês responde estar "de pleno acordo", entretanto, para ele, Guerreiro Ramos não estaria "contra a sociologia de importação [...] mas contra a sociologia teórica" e, para o sociólogo brasileiro, não haveria senão a "sociologia aplicada" (BASTIDE, 1953, p. 526). Ainda adverte:
1) a sociologia revelar-se-á tanto mais fecunda quanto mais repousarem as suas aplicações em pesquisas teóricas inteiramente desinteressadas. 2) Não há uma ciência dos fins; a sociologia não nos pode dar valores ou ideais. Encontrar esses valores ou ideais, para um país dado, é a tarefa da filosofia social ou da política. O sociólogo não pode fazer outra coisa senão indicar os melhores meios para realizar fins que lhe são dados de fora [...] Uma sociologia "valorizada" como você parece por vezes desejar, seria uma sociologia falsificada. E como é fácil confundir os interesses do próprio partido ou da própria classe com os da nação, ela seria mais prejudicial do que útil ao Brasil. (BASTIDE, 1953, p. 526).
E finaliza: "a sociologia será internacional, como a física, ou não existirá. Será desinteressada antes de tudo ou não terá aplicação prática. Seu admirador devotado – Roger Bastide" (BASTIDE, 1953, p. 528).[147]
Bastide levantava argumentos no sentido de defender uma sociologia universal (embora não abstratamente universal), desinteressada e, logo, não-valorativa – características que eram ícones da sociologia uspiana; alegava ele que se enfraqueciam a solidariedade e as influências da condição nacional – e cita a nova divisão internacional do trabalho intelectual (e a USP era um símbolo disto com seus professores franceses, americanos, alemães, ingleses, brasileiros, etc.) –, e fortaleciam-se as de classe, pois já seria mais plausível falar em sociologia burguesa ou proletária que francesa ou brasileira. Ademais, a sociologia científica, desinteressada e expurgada de valores, não poderia fornecer fins, mas apenas meios para alcançar tais fins. Bastide indicava, assim, a força dos argumentos weberianos com relação à ciência como vocação, a posição mannheimiana da irracionalidade na política, a relação com valores de Max Scheler, bem como os resíduos durkheimianos (e positivistas) com os quais ele próprio imaginava ter rompido. Indicava também, inadvertidamente, o peso da influência que exercia sobre o jovem Florestan Fernandes que,[148] naquele momento, trabalhava com Bastide na pesquisa patrocinada pela UNESCO sobre relações raciais.
Uma sociologia universal conseqüente, não normativa, não valorativa, cujo sistema de conceitos fosse igualmente universal e objetivo (leia-se separar os fatos dos valores): essa era a forma para Bastide. Somente o universo da ciência seria autônomo, mas qual seria tal universo? Algo paralelo à vida, valores, sentimentos, interesses, posições políticas? Se concordava – com Guerreiro Ramos – em não importar absolutamente métodos "exteriores", de imediato criticava-o por negligenciar a classificação da sociologia em teórica e aplicada. E era justamente a posição de Guerreiro, para qual o método não era uma profissão de fé, fidelidade a cânones ou um pergaminho sagrado, e sim uma construção coetânea aos interesses do pesquisador (e seu entorno social) e necessidades teóricas do entendimento de uma realidade específica. Na verdade, Bastide estava certo quanto à negligência da questão "sociologia aplicada versus teórica" ou sistemática (como se costumava chamá-la, lembrando Mannheim): para Guerreiro tal divisão não fazia o menor sentido, pois estava comprometido com a sociologia como práxis.
Por seu turno, Bastide, mais tarde, preocupar-se-á em elaborar um "método anti-etnocêntrico" e, em 1957, já de volta à França afirmará: "o sociólogo que estuda o Brasil não sabe mais que sistema de conceitos utilizar. Todas as noções que aprendeu nos países europeus ou norte-americanos não têm ali valor" (apud QUEIROZ, 1983, p. 15). Ou Bastide mudara, ou o Brasil era realmente peculiar.
A revisão do pensamento sociológico efetuada até então por Guerreiro Ramos tinha – segundo ele – como referência um método de crítica da ideologia, da visão de mundo (em termos mannheimianos) compartilhada pelos sujeitos e cotejada com o contexto no qual atuavam. No caso da sociologia brasileira, mesmo a corrente crítica – a mais avançada para ele em termos de interpretação da realidade nacional e que refletiria a consciência possível do período[149]–tropeçaria nas limitações dadas pelas circunstâncias históricas, que não favoreceriam o nascimento de uma sociologia autêntica. Chegado um momento no qual a fase cultural adentrada pela sociedade brasileira propiciaria um vislumbre de autoconhecimento social, urgia efetivar uma renovação no pensamento e atitude sociológicos no Brasil. Haveria um movimento de "centripetismo", "uma tensão dialética entre a estrutura anacrônica do país e sua estrutura em geração". Em termos superestruturais, "essa tensão traduziria um conflito de duas perspectivas: a do país velho e a do país novo, a da mentalidade colonial (ou reflexa) e a da mentalidade autenticamente nacional" (RAMOS, 1996, p. 68). Esta seria sua agenda:
1- a elaboração de um método de análise, suscetível de ser utilizado na avaliação do valor objetivo do produto intelectual, como integração do significado das obras nos fatos, e não como proeza ou afirmação meramente individualista;
3- a revisão crítica de nossa produção intelectual realizada, até aqui, à luz dos fatos da vida brasileira;
3- o estímulo da auto-análise, como instrumento de purgação de equívocos e vícios mentais e de ajustamento do produtor intelectual às propensões da realidade. (RAMOS, 1957b, p. 30).
A redução sociológica – obra fundamental do autor, escrita em 1958 – é o esforço maior de Guerreiro Ramos para embasar a construção de uma sociologia nacional e a peça maior de sua passagem pelo ISEB. Nesta obra, intenta condensar suas reflexões teórico-metodológicas até então formuladas, relevando o conceito (central) de redução sociológica que – acrescenta ele em prefácio à 2ª edição, escrito em 1963 – teria como sentidos básicos:
1) redução como método de assimilação crítica da produção sociológica estrangeira [...] 2) redução como atitude parentética, isto é, como adestramento cultural do indivíduo, que o habilita a transcender, no limite do possível, os condicionamentos circunstanciais que conspiram contra a sua expressão livre e autônoma [...] 3) redução como superação da sociologia nos termos institucionais e universitários em que se encontra. (RAMOS, 1996, p. 11).
Conforme comentário do autor, expresso em esquema posterior (RAMOS, 1989, p. XVI-XVII), o primeiro sentido já teria sido desenvolvido nos seus trabalhos dos anos 1950 – máxime em O processo da sociologia no Brasil (de 1953), Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo (de 1954), Introdução crítica à sociologia brasileira (publicada em 1957) e A redução sociológica (de 1958) – e o segundo estaria presente, sobretudo, em Mito e verdade da revolução brasileira (de 1963); A nova ciência das organizações (escrito em 1972/3, e publicado somente em 1982) ocupar-se-ia do terceiro sentido. Todavia, tais sentidos viriam a adquirir essa significação a partir dos anos 1960 e seriam explicitados pelo autor a partir de 1963; em 1958, ano da publicação de d"A redução sociológica, a obsessão do autor – ele próprio o admitirá mais tarde, no prefácio à 2ª edição desta obra, em 1963 – era inaugurar uma sociologia nacional.
São as atuais condições objetivas do Brasil que propõem a tarefa de fundação de uma sociologia nacional. De fundação, antes que de fundamentação, pois não se trata de utilizar o repertório já existente de conhecimentos sociológicos para justificar orientação ou diretriz ocasional [...] Há que se fazer toda uma sociologia do fundamento e da fundação, que não pode ser realizada nesta oportunidade. O fundamento de uma sociologia verdadeiramente brasileira deve ser, antes de mais nada, um fato, um processo real, um dado concreto [...]
A redução sociológica é um método destinado a habilitar o estudioso a praticar a transposição de conhecimentos e de experiências de uma perspectiva para outra. O que a inspira é a consciência sistemática de que existe uma perspectiva brasileira. Toda cultura nacional é uma perspectiva particular. (RAMOS, 1996, p. 41-2, grifos nossos).[150]
A preocupação do autor naquele momento estava centrada na assimilação crítica do conhecimento produzido no "exterior" e no desenvolvimento da produção teórica brasileira, assim, dirigia-se aos intelectuais ("a habilitar o estudioso"), particularmente os sociólogos, aos quais já vinha se referindo – em alguns de seus escritos como "Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo", "Meditações para os sociólogos em flor" e "Para uma sociologia em mangas de camisa" (RAMOS, 1957b). O público alvo do autor era certa elite cultural, mormente a intelligentzia nacional, pois essa lhe parecia ainda o ator político privilegiado. As considerações a respeito de uma sociologia – e da redução sociológica – como instrumento crítico ao alcance dos "leigos", do homem comum, do povo, como "saber de salvação" – e daí a crítica à sociologia como saber "esotérico" – virão mais tarde, nos anos 1960, a peça central desta posição é o prefácio à 2ª edição de A redução sociológica (escrito em 1963, revisto em 1964 e publicado na 2ª edição, em 1965), máxime as críticas a Florestan Fernandes.
A configuração da audiência fica clara quando o autor escolhe os interlocutores e os adversários:
[...] as ciências sociais, na forma que assumiram nos meios acadêmicos oficiais, são, em grande parte, uma ideologia da dominação ["de uma minoria de empresários capitalistas europeus que constituem o centro dominante do Ocidente e do mundo"], na medida em que dificultam a compreensão global do processo histórico-social e distraem a atenção dos estudiosos para aspectos fragmentários desse processo. (RAMOS, 1996, p. 159).
Guerreiro Ramos delimita o campo de batalha, bem como sua trincheira, ao assinalar que as ciências, principalmente as sociais, não seriam imunes ao condicionamento histórico, "variam historicamente, e tem de ser examinadas à luz da reciprocidade das perspectivas" (termo tomado a Theodor Litt), assim, constituiriam em dado período "um aspecto integrado numa totalidade de sentido", e sendo tributárias da "cosmovisão" de cada período histórico, não se poderiam pretender permanentemente válidas (RAMOS, 1996, p. 160, grifos nossos).
Como método – atitude (científica e social) e também forma de posicionamento ontológico – a redução sociológica teria, segundo descrição do autor, as seguintes características:
1) É atitude metódica [...] 2) Não admite a existência na realidade social de objetos sem pressupostos [...] 3) Postula a noção de mundo [...] 4) É perspectivista [...] 5) Seus suportes são coletivos e não individuais [...] 6) É um procedimento crítico-assimilativo da experiência estrangeira [...] 7) Embora seus suportes coletivos sejam vivências populares, a redução sociológica é atitude altamente elaborada. (RAMOS, 1996, p. 72-3, grifos do autor).
Ao longo do livro dirige-se quase sempre ao sociólogo como ser-no-mundo, portador de uma existência social e histórica determinada, ao qual caberia entender e utilizar na prática da redução sociológica determinadas leis. A lei do comprometimento estabeleceria que nos países periféricos a idéia e a prática da redução sociológica estariam ao alcance somente daqueles sociólogos que adotassem "sistematicamente uma posição de engajamento ou de compromisso consciente com o seu contexto" (RAMOS, 1996, p. 105). Os problemas colocados à ciência social também não seriam casuais, obedeceriam à fase histórica – definida como totalidade dialética, porém só caracterizável a posteriori –[151] na qual a sociedade se encontrasse (lei das fases) e, também ao sociólogo, cumpriria reconhecer a validade da lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência, entretanto, submetendo o conhecimento "importado" à lei do caráter subsidiário da produção científica estrangeira, só assim lhe seria possível utilizar-se da razão sociológica, isto é, "uma referência básica, a partir da qual tudo o que acontece em determinado momento de uma sociedade adquire o seu exato sentido" (RAMOS, 1996, p. 29).
Na fundamentação teórica da redução repousa a noção de que a realidade social – em sua complexidade – seria tecida por entes em sistemática conexão de sentido, não sendo gratuitos os fatos da vida social, mas "referidos uns aos outros por um vínculo de significação" (RAMOS, 1996, p. 72).[152] Inferia daí a categoria mundo, na qual o sujeito, sua consciência e os objetos estariam intrinsecamente relacionados, existindo em profunda imbricação uns com os outros, assim, a consciência não seria uma forma do entendimento se ocupar das coisas, mas sempre consciência "de algo", das coisas, referida sempre ao objeto. Também as idéias estariam enredadas nessa trama e, se construídas com base na ausência de consciência crítica e no uso da transplantação literal, alicerçadas na crença no axioma de que as mesmas idéias produziriam os mesmos efeitos em contextos distintos, configurar-se-ia a ingenuidade. O homem como ser social, como ser-no-mundo (e ser-do-mundo) estaria fatalmente inserido num determinado contexto, suas ações, formas de consciência, valores, em suma, sua visão de mundo (Weltanschauung) – que o autor define como a "totalidade transcendente à qual devem ser referidos os objetos para serem compreendidos" (RAMOS, 1996, p. 99) – estaria ancorada na sua existência histórica, logo, socialmente singular. Tal visão de mundo, entretanto, longe de ser uma "pura construção intelectual", deslocada da concretude das relações sociais, teria suportes sociais "de massa".[153]
O pensar – logo o pensamento científico e a sociologia em particular – só poderia ser algo relativizado, relacionado, dirigido a partir de uma perspectiva determinada. O sociólogo, como sujeito investigador, instrumentalizaria esse perspectivismo – de cunho social e não individual – na procura de um conhecimento autêntico, cuja funcionalidade estaria intimamente relacionada a uma intencionalidade dos sujeitos e referida à estrutura social e suas relações.[154] Não haveria, portanto, posição neutra, eqüidistante ou superior, estariam os sociólogos condenados à ação. "Todo teorizar é extensão do fazer ao nível da representação" (RAMOS, 1996, p. 108), sentencia.
Há nessa construção débito evidente para com a fenomenologia e a filosofia da existência: de Husserl (1980) tomou a noção de redução fenomenológica ou epoquê como atitude parentética – de por entre parênteses a existência efetiva do (ou de algo no) mundo – e as de intencionalidade, perspectivismo e consciência;[155] já de Heidegger (1979, 1989) absorve os conceitos de funcionalidade, ser-no-mundo e mundo. Obviamente, a dificuldade de utilização sociológica desses conceitos fez Guerreiro Ramos reconstruí-los na medida de suas necessidades, expurgando, por exemplo, a transcendentalidade do sujeito (eu) em Husserl – substituindo-a pela determinação social – e atenuando a dimensão existencial e ontologicamente dada que conceitos como ser-no-mundo e mundo adquirem em Heidegger, alterando-os no sentido de uma abordagem sociológica que privilegia as condições efetivas de vivência e sociabilidade histórico-social de restrita temporalidade, utilizando para tanto certas determinações do conceito de mundo elaborado por Mannheim. Há também, em certa medida, influência de Dilthey (e sua filosofia da vida) nessa construção – especialmente quanto ao conceito de mundo.[156]
No entanto, Guerreiro Ramos nega que sua redução sociológica seja uma fenomenologia do social, uma ciência eidética – no sentido husserliano – do social,[157] já que seu objetivo não seria conhecer o modo de ser do social e sim estabelecer, por meio do universal, uma perspectiva particular a partir da qual – conforme o imperativo de conhecer e a necessidade social de realização de seu projeto de existência histórica – uma comunidade, entendida aqui como nação, a "mais eminente forma contemporânea de existência histórica", poderia servir-se da experiência de outras comunidades (RAMOS, 1996, p. 50). Desse modo, a redução operaria em dois níveis básicos: 1) para ultrapassar a aparência imediata dos objetos no mundo e, 2) assimilar criticamente a produção teórica estrangeira, subsidiando uma razão sociológica que, assemelhada à razão vital de Ortega y Gasset e à razão histórica de W. Dilthey, serviria como referência básica, a partir da qual o ocorrido em uma sociedade encontra um sentido apropriado e essa sociedade adquire sua personalização histórica (RAMOS, 1996, p. 129).
Subjacente a essa oportunidade histórica, estaria a análise de que a emergência de uma nova fase tornaria possível uma consciência crítica devido aos imperativos do desenvolvimento e as condições sociais estruturais concomitantes, máxime a industrialização e seus efeitos principais (urbanização e melhoria dos hábitos populares de consumo), que possibilitaria – na presença de um conhecimento rigoroso – o afloramento de uma sociologia autêntica, emergindo como produto orgânico e histórico de uma cultura (nos termos de FREYER, 1944), uma sociologia nacional.
Assinala Guerreiro Ramos que a sociologia (como ciência) seria universal, pois (1) os povos estariam estreitamente relacionados no contexto do mundo e (2) todos reconheceriam nela um repertório teórico "geral" de enunciados, válidos universalmente; todavia, o universal só seria alcançado – conforme a redução sociológica – por meio das mediações do local, do regional e do nacional. A possibilidade de uma sociologia nacional dar-se-ia então não por uma suposta variação dos seus princípios gerais de nação para nação, mas pela funcionalidade[158]das elaborações do sociólogo como "ser-em-situação", historicamente localizado, donde derivaria uma perspectiva própria, peculiar; seria, portanto, o "caráter necessariamente particular de que se revestem os pontos de vista dos sociólogos, tanto quanto sejam significativa e funcionalmente adequados aos problemas da nação em que vivem" (RAMOS, 1996, p. 126) que caracterizaria como nacionais as sociologias. Assim, toda sociologia autêntica seria nacional. A sociologia como algo universal só se realizaria na sociologia nacional, uma construção dialética peculiar de Guerreiro Ramos, segundo a qual o universal (como totalidade) "preexistiria" ao particular, o que não significa que sua sociologia seja simplesmente dedutivista, já que também o particular, por indução, configuraria a totalidade; tal dialética fica deveras complicada pelo fato de Guerreiro Ramos não distinguir entre o todo "preexistente" e o todo ao qual chega pelo movimento dialético, são um único conceito, que muitas vezes confere uma aparência circular (ou talvez espiral) ao raciocínio.
Uma sociologia nacional no Brasil, até aquele momento, não teria sido possível devido à situação colonial,[159] a heteronomia da vida colonial que levaria a um condicionamento mental por fatores externos e secundariamente internos, ou seja, a alienação. As idéias, como os objetos, não poderiam ser transpostos sem conseqüências, sob pena de serem os importadores envolvidos pela intencionalidade da qual aquelas seriam portadoras. Como Roland Corbisier (1960), também para Guerreiro Ramos, tudo seria colonial na colônia. O colonialismo como sistema cultural – e além dos franceses, Guerreiro recorre agora aos africanos como Cheik Anta Diop, Aimé Césaire e Abdoulaye Ly – adquire, sob o arsenal existencialista, peso ontológico; ontologia um tanto capenga, vez que ela na colônia se impõe de modo "imperfeito", determinando o ser social quase que unilateralmente – pois os fatores internos não se impõem em momento algum aos externos – e conforme pressupostos imediatamente econômicos dos quais derivam também imediatamente formas culturais. Se na colônia tudo é colonial, também o é a ontologia, manca e superficial, "subdesenvolvida".
A redução sociológica e a proposta de uma sociologia nacional refletiam num plano teórico-metodológico as vicissitudes da interpretação nacionalista da sociedade brasileira – num contexto de dominação imperialista – e de um projeto de capitalismo nacional e autônomo. O colonialismo cultural – conforme disposto aqui – guarda inegáveis similaridades com as análises do atraso e do subdesenvolvimento; a dominação econômica encontra na cultura seu espelhamento quase que "natural", ambas são frutos da mesma visão de mundo que, naquele momento, tinha na "produção isebiana" uma fortaleza e, na obra de Guerreiro Ramos, a principal formulação.
O "efeito de prestígio", o mau hábito das elites de importar tanto idéias quanto mercadorias industrializadas (ou simplesmente "de luxo"), condenado sociologicamente por Guerreiro Ramos utilizando-se da teoria da imitação de G. Tarde, tinha como seu correspondente o "efeito de demonstração" de J. S. Duesenberry, usado pelos economistas – e esmeravam-se nisso os cepalinos –[160] na crítica ao modelo econômico capitalista em voga nos países periféricos. A repulsa à exportação de matérias-primas e à importação de bens industrializados, de maior uso tecnológico e agregação de valor, encontra sua correlação na redução sociológica e suas propostas de valorização da realidade nacional e privilégio da peculiaridade para "uso" próprio como matéria-prima de uma produção sociológica de "capital" intensivo, tecnologicamente aparelhada e não como simples "enteléquias" – configuradas no diletantismo, nostálgico e retórico, dos beletristas sociais. Alberto Torres, muito prezado por Guerreiro Ramos, é – daí em diante – também criticado por advogar uma "vocação agrícola" do país, quando o imperativo prático deveria ser o desenvolvimento tecnológico.[161]
As vantagens comparativas da "vocação agrícola" eram vistas agora como "desvantagens reiterativas" – (FURTADO, 1975, 1983) –, elemento de ocorrência da desigualdade (em desfavor dos países periféricos) dos termos internacionais de troca. A ordem era substituir a importação de bens acabados – nos quais se incluiriam os métodos, teorias e conceitos – pela importação de tecnologia que, devidamente assimilada e aplicada (daí um dos usos da redução), capacitaria-nos à produção de bens finais, em larga escala, com técnica apurada e gerando produtos genuinamente nacionais – não é fortuita a comparação que faz Guerreiro Ramos entre a depuração de idéias e de minérios. A industrialização aparece assim como o processo por excelência do desenvolvimento ou, revertendo a ironia guerreiriana, como o "abridor de latas" do desenvolvimento. Talvez mesmo – anseia Guerreiro Ramos – fosse possível iniciar uma exportação de nossas idéias como bens finais, o que o leva a imediatamente reivindicar mercados para tais produtos:
Articulando o seu pensamento com a prática social, o sociólogo, que deixou de ser mentalmente colonizado, passa de consumidor passivo de idéias importadas a instrumentador e até mesmo a produtor de novas idéias destinadas à exportação. Provavelmente, em breve, será despertada a atenção dos estudiosos para o fato de que temos, hoje, no Brasil, uma teoria sociológica geral mais penetrante e avançada do que a norte-americana, capaz inclusive de envolvê-la e explicá-la. (RAMOS, 1996, p. 126).
As fronteiras entre o cientista e o representante comercial – naqueles anos, melhor seria "caixeiro viajante" - diluem-se sob a ação corrosiva do engajamento temerário e afoito. A intrincada construção teórica da redução sociológica, com todos seus "porquês" e "senões" historicistas, culturalistas e existenciais perde muito de seu gume no afã de produzir resultados imediatos – o que não a inviabiliza teoricamente.[162]
Há na redução um esforço teórico – e profícuo – de interpretar e assimilar criticamente as idéias, de não tratá-las como algo etéreo e só remotamente social e histórico, mas como construções, representações carregadas de significação e remetendo-se a realidades próprias – ainda que não absolutamente exclusivas – e em inter-relação com sujeitos e coisas, o que não pode ser simplesmente desconsiderado. Determinados equívocos da recusa intransigente em conceder generalidade às idéias sem perder de vista a particularidade, ou mesmo singularidade, não autorizam a extrapolação inconseqüente das idéias – seus usos e referenciais – que, atadas a qualquer circunstância, perdem o poder mesmo da significação numa ânsia de cosmopolitismo (abstrato). A banalização alegórica das idéias não receita ou permite a banalização conceitual.
No fundo, nota-se que persistiam na elaboração teórico-metodológica de Guerreiro Ramos os mesmos equívocos de sua interpretação da sociedade brasileira naquela conjuntura. Pretendia, segundo ele próprio, fundar (antes que refundar) a sociologia brasileira, agora nacional, desprezando – embora suas referências a uma "corrente crítica da sociologia brasileira" (Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, etc.) o desmintam – o então existente, fazendo quase que tabula rasa de uma incipiente (porém promissora) cultura e tradição, uma vez que o resultado dessa colheita seria irrisório e a ação daninha do colonialismo cultural teria inviabilizado várias safras e gerações.
Não estaria o próprio Guerreiro Ramos retirando com uma mão o que tentava (re)colocar com a outra, quando desconsidera justamente uma frágil herança cultural brasileira ou até mesmo "espúria", "residual" e, ao mesmo tempo, empreende renhida luta pelo reconhecimento e fidelidade à realidade nacional? E se apesar do colonialismo – tão inexorável em sua determinação – fosse realmente e somente aquela, naquelas condições, a nossa realidade brasileira? E se fosse, ao fundo e a contragosto, tal "miséria cultural" a nossa verdadeira "alma"? A nossa única herança e nossa circunstancial forma de ser?
Todas essas questões ficaram sem resposta, já que a contrariedade à miséria nacional tinha como contraface a amputação dos nossos males "pela raiz"; desconsiderar o existente na construção de uma "sociologia nacional" também era desconsiderar os condicionantes internos de produção dessa realidade; o peso do colonialismo, do domínio dos países centrais, retirava o foco sobre as circunstâncias "internas" de criação da miséria brasileira e, por conseguinte, dos sujeitos ocasionalmente ou mesmo diretamente beneficiários da situação. O nacionalismo ainda persistia em realizar o capitalismo nacional e autônomo esclarecendo as elites e poupando as classes dominantes – mormente a burguesia industrial – de um exame mais rigoroso de sua condição, atuação e perspectivas.
O intelectual (e o sociólogo), mesmo com um olho na rua, ainda se comportava como demiurgo, guardando para si uma tarefa hercúlea: "Nesses países periféricos, a sociedade não está fundada segundo critérios próprios, é algo a fundar, e, por isso, a assunção, o engajamento, abre, para o intelectual, um horizonte de infinitas possibilidades" (RAMOS, 1996, p. 111-2). As possibilidades abertas naquela fase histórica permitiriam – segundo Guerreiro Ramos – aspirar à fundação não só de uma sociologia mas, concomitantemente, da própria sociedade em bases nacionais. Desse modo, vislumbrava uma transformação em curso, entretanto, havia certa miopia em relação aos transformadores: a intelligentzia persistia em monopolizar as prerrogativas da mudança ou o povo estava atrasado para a tarefa?
O povo – para Guerreiro Ramos – estaria vivendo "nova etapa do seu processo histórico-social", ainda estaria se "configurando entre nós a categoria de verdadeiro povo", todavia, incrementar-se-ia sua consciência política e já estaria empenhado na realização de projetos" (RAMOS, 1996, p. 53), ou seja, de momento, seria imaturo para o vulto do trabalho. Surgia para a intelligentzia – até então ungida pela demiurgia – uma nova vocação, cujos antecedentes remotos teriam nos jesuítas seu fundamento, mas que agora, em meados do séc. XX, havia encontrado em educadores e militantes da esquerda nacional um "novo" começo: a de "pedagogo". Eis então o novo papel do intelectual: educar o povo em vez de tutelá-lo, levá-lo a maioridade de sua condição – sob seus auspícios.[163]
Somente no início dos anos 1960, após sua experiência isebiana, num contexto de maior conflituosidade política e lutas de classe, Guerreiro Ramos diagnosticará a emergência do povo como novo e privilegiado ator no cenário político, a partir daí a transformação da realidade social não será apanágio da elite cultural reformada, do intelectual, do sociólogo. Em 1963, no prefácio à 2ª edição d"A redução..., afirma:
A sociologia não é especialização, ofício profissional, senão na fase da evolução histórica em que nos encontramos, em que ainda perduram as barreiras sociais que vedam o acesso da maioria dos indivíduos ao saber. A vocação da sociologia é resgatar o homem ao homem, permitir-lhe ingresso num plano de existência autoconsciente. É, no mais autêntico sentido da palavra, tornar-se um saber de salvação. (RAMOS, 1996, p. 10-1, grifos nossos). [164]
E, retomando a questão por novo ângulo, conforme outro significado da redução (intentado em Mito e verdade da revolução brasileira, de 1963), alega que a sociologia teria como vício de origem o comprometimento com a ordem burguesa – daí, segundo ele, os sociólogos evitarem o tema da revolução – e deveria, entretanto, como "crítica da organização",[165] ter como objetivo "submeter a existência social à reflexão, fundamentar-se na atitude parentética",[166] a saber, submeter à crítica incessante as condições sociais dadas e o próprio conhecimento que se quer hábil para fazê-lo. Assim, assumindo seu caráter de "saber de salvação", a sociologia possibilitaria também aos leigos um posicionamento crítico no mundo, capacitando à interpretação da realidade da existência, promovendo agora o encontro entre a consciência crítica e sociologia autêntica: "A "promessa" da Sociologia é a de constituir-se num saber liberador, consistente em possibilitar ao cidadão comum, e não apenas aos especialistas, a qualidade mental que [Wright] Mills chama de "imaginação sociológica"" (RAMOS, 1963, p. 152).
Em busca do povo, Guerreiro Ramos e a sociologia continuavam presos a certo messianismo, agora popular e salvador. O projeto de uma sociologia nacional ruirá com o Golpe de 1964, já a redução sociológica, malgrado sua imbricação com dado projeto, está para ser revista como proposta metodológica, vez que se suas proposições de sentido cripto-nacionalista guardam o bolor do seu tempo, muitos dos problemas contra os quais investia ainda guardam incômoda atualidade. Fica talvez a lição de que o enraizamento social da sociologia – a busca de uma profunda imbricação entre os problemas, os sujeitos, o arsenal conceitual-metodológico e a práxis – não passa necessariamente pela recusa/aceitação das idéias "importadas" nem pela assepsia da herança cultural, ainda que suspeita de contágio. O nacional não pode se estabelecer por depuração, muito menos por promulgação.
A contenda entre Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos foi um momento no qual dois sociólogos brasileiros de peso expuseram suas idéias e ideais, trataram do assunto com grande acuidade e evitaram durante o debate lançar argumentos de sentido moral ou acusatório – embora Guerreiro Ramos seja mordaz em algumas colocações. Com o tempo, ficou claro que a disputa não envolvia apenas dois sociólogos em franca ascensão intelectual, nem dois schollars, mas distintas formas de institucionalização das ciências sociais (em São Paulo e no Rio de Janeiro), de socialização e formação intelectual (teórica, política e ideológica), de conceber a sociologia e o papel do sociólogo, diferentes interpretações da sociedade brasileira, visões de mundo, projetos para as ciências sociais e, no limite, para o Brasil.
A polêmica teve início a partir do II Congresso Latino-Americano de Sociologia, realizado no Rio de Janeiro e em São Paulo (em 1953), no qual Guerreiro Ramos – presidente da Comissão de Estruturas Nacionais e Regionais – apresentou algumas propostas (RAMOS, 1957b, p. 77-8). [167]
As recomendações foram rejeitadas no congresso (a votação acusou a derrota por 22 votos contra 9), mas o assunto repercutiu e os ataques às propostas logo se fizeram sentir, embora às vezes, de modo obtuso. Guerreiro Ramos reagiu em artigos publicados no Diário de Notícias (do Rio de Janeiro) e teve apoio de alguns – dentre eles Nelson Werneck Sodré – seu futuro colega no IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política) e ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros).
Não obstante, por que algumas recomendações apreciadas em um congresso – e derrotadas em votação! – repercutiram tanto? Basicamente porque não eram simples menções e sim um "projeto", um modo de encarar a sociologia e o país.
Guerreiro Ramos prosseguiu na defesa de suas posições e na Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo, publicada em 1954, voltou à carga, argumentando em favor de cada item.[168] O autor iniciava sua proposta criticando a "transplantação literal de medidas adotadas em países plenamente desenvolvidos" e o uso (e abuso) do arsenal teórico – máxime conceitual – elaborado nos países dominantes. A sociologia brasileira – segundo Guerreiro Ramos – ao fazer uso indiscriminado daquele, tornar-se-ia uma "sociologia consular" e "enlatada" (RAMOS, 1957b, p. 78-80.).
Para Guerreiro Ramos, a realidade nacional seria irredutível em sua especificidade, produto do desenvolvimento histórico-social determinado que engendraria seus próprios problemas e, logo, demandaria um instrumental teórico apropriado para analisá-la. Mesmo considerando que "a sociologia, como ciência, seja uma só" (RAMOS, 1957b, p. 82), haveria de proceder a uma assimilação crítica das produções teóricas vindas dos países desenvolvidos, sob pena de não se fazer "uso sociológico da sociologia" (RAMOS, 1957b, p. 90) e recair na alienação.
No que se refere ao futuro da sociologia como ciência, preocupava-lhe a viabilidade das pesquisas nas condições econômico-sociais do Brasil, seria mister: adequar as pesquisas às "disponibilidades da renda nacional" (item 3 da proposta), aos recursos econômicos e de pessoal técnico e ao nível cultural "genérico" da população (item 7). Na ausência de pleno desenvolvimento, haveria de coadunar as possibilidades de investigação à capacidade de investimento, tendo como parâmetros a disposição cultural e as prioridades de investigação. Primaz seria então a "formulação de interpretações genéricas dos aspectos global e parciais das estruturas nacionais e regionais" (item 4), que contribuiriam decisivamente para promover o conhecimento da estrutura social, capacitando a implementação de políticas de caráter planificador que melhor nos conduziriam à industrialização e ao desenvolvimento, pois estaria "a melhoria das condições de vida das populações [...] condicionada ao desenvolvimento industrial das estruturas nacionais e regionais" (item 5) (RAMOS, 1957b, p. 78).
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|