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[191] Por vezes, Guerreiro Ramos refere-se ás relações entre uma estrutura e uma superestrutura social, sem, entretanto, definir rigorosamente suas constituições e relações; provavelmente, a estrutura remeteria ás bases 'materiais' e a superestrutura ás construções ideológicas - remetendo remotamente a certo marxismo, menos de filiação teórico-conceitual que disseminado na cultura sociológica do período. Nesse período, esporadicamente, o autor refere-se também a "forças produtivas" e "relações de produção".
[192] Carvalho (2003c) ainda faz referência á presença de camponeses na constituição do povo, termo que aparece raramente e de modo colateral em escritos menores (como panfleto de uma campanha eleitoral) na produção de Guerreiro Ramos; algumas poucas vezes, refere-se a um proletariado rural. Note-se ainda que Guerreiro Ramos não identificava o grupo social com o exercício de funções restritas á produção econômica.
[193] A situação colonial - na berlinda teórica com os trabalhos de Sartre, Balandier (e mais tarde Fanon) - passaria então pela questão da dependência, caracterizada como um dos traços da psicologia coletiva engendrada por aquela situação e definida como "[...] certo bilingüismo, a duplicidade psicológica, condições que tornam limitadíssima a possibilidade de uma identificação da personalidade do colonizado com a sua circunstância histórico-natural imediata" (RAMOS, 1957b, p. 18). Guerreiro Ramos releva a questão da dependência por meio de um instrumental psicológico-existencial que privilegia o peso do estorvo ao auto-reconhecimento em vez da submissão econômica - via de regra entre os teóricos da dependência.
[194] O Estado, nesse momento das elaborações do autor, geralmente aparece como dotado de uma dupla dimensão: de arena política de embate de forças (permeável á influência e comando dos sujeitos políticos) e de ator político. Caracterizamo-lo como ator - e não sujeito - devido ao caráter de sua atuação, circunscrita ao cumprimento de determinados papéis políticos e não de 'livre' (aberta) deliberação conforme anseios e interesses 'próprios'.
[195] O termo 'democracia' não é de uso recorrente do autor, entretanto, assim nos reportamos devido ao sentido de participação política e integração social qualificada.
[196] "Nas condições capitalistas, não há outra maneira de um espaço continental como o Brasil desenvolver-se globalmente senão em termos de diferenciação entre centro e periferia. Esta diferenciação é a condição mesma para que as regiões periféricas possam ingressar num processo de transformação de sua estrutura" (RAMOS, 1960, p. 152). Guerreiro Ramos aplicava internamente as elaborações cepalinas da relação centro-periferia (mundial), embora destituída de seus conflitos. Vale lembrar que o termo "Sul", no período, abrangeria ambas as regiões hoje conhecidas como Sul e Sudeste, assim como todo o restante do país era vulgarmente chamado de "Norte".
[197] Grosso modo, definido como o processo social pelo qual grupos superiores em sociedades periféricas imitariam a pauta de consumo de grupos congêneres das sociedades cêntricas (desenvolvidas), geralmente em termos de produtos sofisticados ou de luxo não produzidos localmente, o que causaria evasão de receitas para formação de capital.
[198] Assim como Rangel, o sociólogo privilegiava as peculiaridades históricas do Brasil e suas possibilidades de desenvolvimento explorando a situação específica do país, o planejamento econômico, o uso de recursos ociosos e a análise dos efeitos positivos da inflação. Guerreiro Ramos menciona superficialmente o caráter político da inflação e seus possíveis efeitos positivos, já Ignácio Rangel - no seu livro A inflação brasileira (de 1963) - analisa detidamente o fenômeno inflacionário e reconhece que um efeito positivo (anti-recessivo) desse fenômeno no Brasil seria o fato de, numa situação inflacionária, os agentes econômicos evitarem adquirir ativos monetários, preferindo o investimento e aumentando assim a taxa de imobilização, o que favoreceria o aquecimento da economia. Ver ainda Bielschowsky (2004).
[199] Rangel definiu - basicamente - a dualidade do seguinte modo: "A economia brasileira se rege basicamente, em todos os níveis, por duas ordens de leis tendenciais que imperam respectivamente no campo das relações internas de produção e no das relações externas de produção" (RANGEL, 1957, p. 32).
[200] A origem do conceito de "dualismo" (ou sociedade dual) estaria em Boeke (em Dualisticke Ökonomie, de 1930) e posteriormente em Furnival (Netherlands Indias: a study of plural economy, de 1944); mais tarde, teve usos em George Balandier (Sociologie des brazzavilles noires, de 1955, e Afrique ambigue, 1957) e Wilbert Moore (Industrialization and labor, de 1951). No Brasil, um dos pioneiros no uso do conceitual foi Jacques Lambert com Le Brésil: structure social et instituitons politiques (1953), cuja versão (ampliada) foi aqui publicada em 1959 sob a denominação de Os dois Brasis (LAMBERT, 1973) - (cf. PINTO, 1978, p. 106-7). Sem recorrer necessariamente ao termo "dualismo", uma outra face da discussão - mormente entre os autores filiados ao marxismo - encontra-se nos debates sobre a existência ou predominância do feudalismo (ou pré-capitalismo) e do capitalismo nas origens da formação social brasileira (DÓRIA, 1998).
[201] A relação entre o desenvolvimento (e a industrialização) e a revolução brasileira não é nítida nas formulações do autor. Seria o desenvolvimento um processo potencializador da revolução? Um requisito para a eclosão dessa? Ou seria essa que desencadearia o desenvolvimento, removendo os obstáculos á sua promoção?
[202] Definia formalmente revolução como "[...] um movimento, subjetivo e objetivo, em que uma classe ou coalização de classes, em nome dos interesses gerais, segundo as possibilidades concretas de cada momento, modifica ou suprime a situação presente, determinando mudança de atitude no exercício do poder pelos atuais titulares e/ou impondo o advento de novos mandatários" (RAMOS, 1963, p. 30, grifos do autor).
[203] Como explicitamente traz o subtítulo de A crise do poder no Brasil: problemas da revolução nacional brasileira, de 1961.
[204] A ênfase na terminologia comumente denota o sentido da caracterização pretendida: Florestan Fernandes chamou-a "A Revolução Burguesa no Brasil"; Caio Prado, Nelson Werneck Sodré - e Guerreiro Ramos - chamaram-na "Revolução Brasileira". Há ainda os casos de Sérgio Buarque de Holanda, que a nomeou "nossa revolução" (ou, ás vezes, "revolução brasileira") sem explicitar a caracterização "burguesa", e Octavio Ianni, que comumente menciona a "revolução burguesa", sem atribuir-lhe caracterização "nacional".
[205] A crise do poder no Brasil: problemas da revolução nacional brasileira, afora alguns ensaios sobre o pensamento social no Brasil (escritos entre 1955 e 1957), é um livro escrito no calor da hora, seus capítulos de análise política foram escritos em 1960 e publicados em 1961, neles o autor enfrenta as grandes questões do momento, aventura-se na análise da conjuntura (então tão rica e desafiadora) e também lança bases conceituais para posteriores estudos sobre o período, como: o uso aplicado á realidade brasileira das noções de bonapartismo e populismo, a encruzilhada que se avizinhava, a crise do poder, de direção, dos partidos, etc.
[206] "Antinação" é expressão tomada a Gilberto Amado, que a definiu como "o conjunto de interesses que se representam ao revés dos interesses gerais permanentes, profundos, do País" (apud RAMOS, 1961, p. 7). Benito Mussolini já havia usado tal contraposição (nação versus antinação) em seus discursos, não é certo que Gilberto Amado conhecesse a menção anterior; Guerreiro Ramos - ao que consta - não conhecia.
[207] Guerreiro Ramos admitia que nas formações sociais capitalistas - e o caso brasileiro não seria diferente - subsistiriam (de modo residual) formações pré-capitalistas (RAMOS, 1996, p. 143). Nem por isso as considerava como feudais.
[208] Uma análise desse aspecto nos autores Helio Jaguaribe e Nelson Werneck Sodré está em Oliveira Filho (1999).
[209] Para uma comparação com Florestan Fernandes - em A revolução burguesa no Brasil (1974) - vejamos: "Na verdade, várias burguesias (ou ilhas burguesas), que se formaram em torno da plantação e das cidades, mais se justapõem do que se fundem, e o comércio vem a ser o seu ponto de encontro e a área dentro da qual definem seus interesses comuns" (FERNANDES, 1987, p. 204). Há - entre os autores - uma aproximação quanto ao diagnóstico do caráter conciliador na gênese da relação entre as classes e também um paralelo analítico entre os termos "composição de interesses" (em Guerreiro Ramos) e "padrão compósito de dominação" (Florestan Fernandes).
[210] Não é fortuito que o autor não se refira sistematicamente a uma "burguesia nacional" - uma das raras menções é quando aborda o Estado Novo como "uma ditadura da híbrida burguesia nacional" (RAMOS, 1957b, p. 49, grifos nossos) -, mas sempre a tarefas "nacionais" que deveriam constar da agenda burguesa, cuja responsabilidade acabava recaindo sobre a mencionada "burguesia industrial", identificada com os anseios de desenvolvimento, industrialização e proteção á economia nacional por pretensamente ter interesses (profundos, objetivos) conflituosos com os da indústria estrangeira e dos setores ligados á agricultura e ao comércio (cuja orientação econômica seria, em jargão cepalino, 'para fora'): "No nível da burguesia, aguçam-se os conflitos de interesse entre o setor agrário tradicional e o industrial inovador, este último á diferença do que ocorria nas décadas anteriores, agora suficientemente expressivo como força econômica e, portanto, apto a fazer valer esta força em termos de poder" (RAMOS, 1960, p. 33). Haveria assim uma posição política nacional, mas não necessariamente uma classe burguesa ontologicamente nacional.
[211] O peso da conjuntura política faz-se sentir nas formulações do autor que, pouco antes, afirmava que ainda não haveria no Brasil um "verdadeiro proletariado", já que formado a partir da massa de escravos e da plebe rural seriam ainda ex-campônios carecendo de consciência de classe e trabalhando em pequenos empreendimentos nos quais as relações de classe não ficariam evidentes (RAMOS, 1957b, p. 45-6).
[212] Somente o faz, como já mencionado, raras vezes em pronunciamentos de ocasião.
[213] Não há explicitamente uma distinção entre classe média e pequena-burguesia na obra do autor, há indicativos, no entanto, de que Guerreiro Ramos labora com um conceito histórico-relativo de classe média, tendo um sentido lato de segmento intermediário e outro, restrito, de classe com posição específica na estrutura social. Assim, a pequena-burguesia - classe média em sentido lato - seria algo historicamente anterior e formada por pequenos negociantes, profissionais liberais, funcionários públicos, militares, intelectuais, etc.; já a classe média - em sentido restrito - conteria, naquela contemporaneidade histórica, a remanescente pequena-burguesia e grupos sociais que afluíram com a modernização capitalista (técnicos, funcionários qualificados, etc.).
[214] Embora - na ocasião - mencione somente Marcel Mauss, Guerreiro Ramos busca fundamentar tal concepção também na sociologia de orientação fenomenológica (Jules Monerot, Georges Gurvitch, etc.), bem como nas anteriores elaborações monográficas organicistas de F. Le Play (filtrado pelas influência de Silvio Romero e Oliveira Vianna) - para o qual o corpo social (tomado como organismo) teria, inscritos em suas 'células', os caracteres gerais da sociedade (RODRÍGUEZ, 2006).
[215] Esse "sum" (sou brasileiro), essa determinação do "eu sou" como assunção do sujeito em suas circunstâncias existenciais e a partir de uma perspectiva própria na sociedade, Guerreiro também o utiliza como recurso metodológico ao abordar a existência do negro com base num "niger sum", na aceitação e orgulho da condição de negro. Ver "O problema do negro na sociologia brasileira" (RAMOS, 1979). O engajamento configura-se como um ponto de vista privilegiado na investigação dos problemas sociais.
[216] Georges Gurvitch (1953) - forte influência sobre as formulações teóricas de Guerreiro Ramos - já havia se insurgido contra esse tipo de procedimento "dogmático", de um determinismo monocausal, todavia, outro autor caro a Guerreiro, Silvio Romero, já havia empreendido - muito antes - tal crítica.
[217] A referência aqui é notoriamente a obra de Alberto Torres, pelo qual nutria imensa admiração. O livro de Guerreiro (O problema nacional do Brasil) alude a O problema nacional brasileiro, de Torres (1982b), no qual este - de modo semelhante - define a realidade nacional de modo 'negativo', pelo que lhe falta, pelo que deveria tornar-se e não pelo que era naquele momento.
[218] Anteriormente, assim se referia: "O nacionalismo, na fase atual da vida brasileira, se me permitem, é algo ontológico, é um verdadeiro processo, é um princípio que permeia a vida do povo, é, em suma, expressão da emergência do ser nacional" (RAMOS, 1957b, p. 32). Entretanto, o caráter ontológico do nacionalismo é relativamente relegado por Guerreiro Ramos a partir do início dos anos 1960, coincidentemente ou não, em 1960 dá-se a publicação de Consciência e realidade nacional, de Álvaro Vieira Pinto, seu antigo colega de ISEB. Os equívocos de uma visão que priorizava absolutamente a autonomia e determinação ontológica da nação (a nação como "universal concreto", nas palavras de Vieira Pinto) preocuparam Guerreiro que - também devido ás comparações (e aproximações) com sua obra A redução sociológica (de 1958) - reagiu violentamente, como era de seu feitio, produzindo uma peça crítica de virulência ímpar, na qual denuncia o caráter burguês, reacionário e fascistóide do livro de Vieira Pinto - "A filosofia do guerreiro sem senso de humor" (RAMOS, 1963, p. 193-216). Guerreiro Ramos não chegou a negar o que havia afirmado antes, aparentemente, deu-se conta da delicadeza da questão e da tênue linha que separava a concepção da nação (e do nacionalismo) como afluência de formas de consciência mais efetivas a respeito da realidade social e a consideração da nação como configuradora do ser social, forma por excelência de organização da experiência social e ontologicamente fundante.
[219] Tal designação, tomamos a Carone (1985).
[220] Hermann Heller (1891-1933), jurista e teórico político austro-alemão, ativo na ala não-marxista do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) durante a República de Weimar, formulou as bases teóricas para as relações da social-democracia com o Estado e o nacionalismo, sua principal obra, escrita em 1934, é Teoria do Estado (HELLER, 1947).
[221] Embora não haja uma definição mais rigorosa do conceito por parte do autor, depreende-se que fariam parte da sociedade política somente os indivíduos e grupos contemplados institucionalmente com a possibilidade de exercer efetiva participação política nos rituais decisórios (como eleitores, postulantes, mandatários, etc.). Em termos dinâmicos, observa ainda que: "Quando a terceira camada [da oposição que legitima o poder] nega esse reconhecimento e consentimento [á minoria que exerce o poder] surge uma situação revolucionária" (RAMOS, 1961, p. 23).
[222] Se na República Velha - para Carone (1973) a Primeira República (1898 - 1930) - é quase imperceptível esse crescimento, a partir de 1945 passa a ser significativo. Para uma comparação, por meio da relação percentual votantes/população, nas primeiras eleições para a Presidência da República (em 1894) 2,21% da população compareceu para votar, sendo eleito Prudente de Morais - este percentual oscilaria em pouco mais ou menos de um ponto percentual até a eleição de Washington Luís (1926), quando foi de 2,27%. Já na eleição de Júlio Prestes (1930) foram 5,65% os eleitores em relação á população, na de Dutra (1945) 13,42%, Vargas (1950) 15,88%, Juscelino (1955) 15,56% e na de Jânio (1960) já eram 19,14%. Curiosamente, o presidente da República Velha que se elegeu com maior percentual de participação da população (Júlio Prestes) foi deposto, entre outros motivos (como fraude), sob alegação de falta de representatividade. Simultaneamente, o percentual de votos do eleito decaía proporcionalmente ao aumento da participação: Prudente de Morais elegeu-se com 84,29% dos votos, já Juscelino Kubitschek com 33,83% e Jânio Quadros com 44,78%; Rodrigues Alves chegou a ser eleito com nada menos que 99,06% dos votos. Fontes: Diário do Congresso Nacional, Anuário Estatístico do Brasil e Secretaria do Tribunal Superior Eleitoral (apud RAMOS, 1961, p. 32). Embora esses números dêem uma visão preliminar razoável do problema, uma análise mais cuidadosa da questão implicaria também considerar o percentual e o tipo de crescimento demográfico do período, bem como as mudanças na definição legal da aptidão eleitoral, além, é claro, da lisura e bom andamento dos pleitos.
[223] O movimento abolicionista, estranhamente, não é mencionado pelo autor, talvez no intuito de não ofuscar um papel ativo - que supunha - dos negros escravos ou libertos na abolição (RAMOS, 1979).
[224] Respectivamente, Partido Social Democrático, Partido Trabalhista Brasileiro e União Democrática Nacional.
[225] Demagogo, personalista e moralista, nutrindo certo desprezo pelas instituições, Jânio teve uma carreira política singular e meteórica: elegeu-se vereador (suplente) na cidade de São Paulo em 1947, deputado estadual do Estado de São Paulo em 1950, Prefeito de São Paulo em 1953, Governador do Estado de São Paulo em 1954 (PSB/PTN), deputado federal em 1958 (PTB do Paraná) e Presidente da República em 1960 pela legenda do PDC, com o apoio da UDN, PTN, PS e da Frente Democrática Gaúcha (PSD/UDN/PL) - historicamente adversária do PTB e do PSD getulista (BENEVIDES, 1981, p. 110). Ainda candidato a Presidente esnobou o apoio recebido, inclusive chegando a renunciar em dezembro de 1959 á candidatura presidencial por terem ambos partidos (PDC e UDN) o escolhido candidato - assim como pelo Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ) e pelo PTN em 1958 (HIPPOLITO, 1985, p. 176) -, mas indicando vices diferentes (Milton Campos pela UDN e Fernando Ferrari pelo PDC), só reassumindo a candidatura após os partidos anunciarem publicamente que Jânio não estava comprometido com nenhum dos dois partidos (SKIDMORE, 1976, p. 235); contou ainda com a força dos comitês Jan-Jan - Jânio para Presidente e Jango para Vice-Presidente -, uma vez que as eleições eram desvinculadas, podendo-se votar em um candidato de uma chapa para Presidente e outro, de outra chapa, para Vice - mecanismo esse que alguns avaliam ter sido fator causador de instabilidade política na 4ª República. Derrotou no pleito os partidos que compunham a aliança no poder - elegendo os vários presidentes desde 1945 - PTB e PSD, causando uma ruptura na linha de continuidade no poder. Por fim, compôs arbitrariamente o Ministério com: 3 ministros da UDN, 3 do PTB, 1 do PSD, 1 do PSB, 1 do PR e 1 do PSP - afora os ministros militares, considerados sem partido (HIPPOLITO, 1985, p. 298-9). No Governo, desprezou os partidos e consagrou uma forma de mando tanto personalista e excêntrica quanto desastrosa.
[226] Havia naquele momento a pretensão a uma "política externa independente" (VIZENTINI, 2004), uma "terceira posição" (compartilhada por países como Egito, Iugoslávia, Índia, etc.), a saber, de não apoiar unilateralmente os EUA ou a URSS - naquele mesmo ano (1961), cinco anos após os países asiáticos reunirem-se na Conferência de Bandung (Indonésia, 1955), foi realizada em Belgrado (Iugoslávia), a I Conferência dos Países Não-Alinhados. Em seu governo, Jânio, pretendendo mostrar independência, recebeu rudemente o embaixador norte-americano no Brasil (Adolf Berle) e lhe disse categoricamente que não apoiaria qualquer movimento que visasse pressionar Cuba, pois era contra a interferência nos assuntos internos dos países. Provocativamente, frente ás pressões americanas para que o Brasil apoiasse o boicote a Cuba, visitou a ilha e, no Brasil, condecorou - com a Ordem do Cruzeiro do Sul - ninguém menos que Ernesto 'Che' Guevara; condecoração essa posteriormente 'cassada' no regime ditatorial (pós-1964). Além disso, firmou acordos comerciais com países do então chamado 'Bloco Socialista', como Bulgária, Hungria, Romênia, Iugoslávia e Albânia; revalidou passaportes para a União Soviética, outros países do Leste europeu, China Tibete, Mongólia e Coréia do Norte, bem como criou embaixadas em Dacar, Gana, Nigéria e outros países do 'Terceiro Mundo' (FERREIRA, 2006, p. 72; VIZENTINI, 2004).
[227] No exame da situação brasileira desse período (1930-64), Guerreiro Ramos foi um dos precursores das análises baseadas no bonapartismo, mais tarde tal abordagem se tornaria notória nos trabalhos de, entre outros, Rui Mauro Marini e Francisco Weffort - ainda que este último empreenda uma abordagem desse tipo, mas não use o termo, "para evitar comparações históricas entre distintas formações capitalistas", preferindo referir-se a um "Estado de Compromisso que é ao mesmo tempo um Estado de Massas" (WEFORT, 1989, p. 70).
[228] Michels definiu o bonapartismo como "a teoria da dominação individual baseada na vontade coletiva e tendente a emancipar-se desta para tornar-se soberana [...] que encontra em seu passado democrático um refúgio contra os perigos que o podem ameaçar em seu presente antidemocrático", seria assim uma "síntese entre [...] democracia e autocracia". O governante escolhido pelas massas elevar-se-ia acima delas e a soberania da escolha popular tornar-se-ia uma arma contra o próprio povo: "o poder do chefe do Estado apóia-se exclusivamente na vontade da nação [...] não reconhece elos intermediários". Além disso, no modo bonapartista de exercer o poder na administração, "o corpo de funcionários públicos, deve ser mantido na mais estrita dependência da autoridade central, a qual, por sua vez, depende do povo. A menor manifestação de liberdade por parte da burocracia equivaleria a uma rebelião contra a soberania dos cidadãos" (MICHELS, 19-, p. 123).
[229] No início daqueles anos 1960 (em obras publicadas em 1963 e 1965, respect.), José Honório Rodrigues fazia diagnóstico semelhante ao detectar um "divórcio entre Poder e Sociedade" como a principal fonte de instabilidade política no Brasil (RODRIGUES, 1970, 1982).
[230] Logo se vê que seria algo independente de partidos e ideologias, pois Jango foi do PTB, Tenório Cavalcanti da UDN e Jânio circulou por alguns (PTB, PDC, etc.), mas, como Vargas (que foi do PTB), sempre evitou ser identificado com qualquer partido.
[231] No artigo "O que é ademarismo" - publicado nos Cadernos de Nosso Tempo nº 2, editado pelo IBESP em 1954 - Helio Jaguaribe (1979, p. 26) já havia analisado o estilo de política do ex-governador paulista Ademar de Barros (PSP) como "expressão brasileira do populismo", visto que já se conferia o uso do conceito em outros países e circunstâncias, como na Rússia e, a partir dos anos 1950, na América Latina. Sob a influência de Ortega y Gasset (1933), Jaguaribe define populismo como "manifestação política das massas que persistiram como tais, por não terem seus membros logrado atingir a consciência e o sentimento de classe e por tender a se generalizar, como protótipo da comunidade, o tipo psicossocial do homem-massa". Mais tarde viriam as análises de Weffort (1989) e Ianni (1989, 1994), que apontariam em outra direção.
[232] Advertimos que o autor em momento algum menciona a expressão (crise das instituições), que é de nossa responsabilidade. Há, sim, na elaboração de Guerreiro análises esparsas e não-sistemáticas sobre instituições específicas, entretanto, o intuito de apresentar uma síntese da teorização do autor sobre a sociedade brasileira - naquele contexto - encorajou-nos a formular a questão deste modo e utilizar tal expressão. Uma expressão de significado próximo utilizada pelo autor é "crise de desenquadramento institucional", usada quando se refere á circunstância política de falta de eco á opinião popular.
[233] Essa formulação aproxima-se muito da noção de "Estado cartorial", confeccionada por Helio Jaguaribe. Algo que as distingue é que, para Jaguaribe, esse mecanismo tinha como importante função costurar o clientelismo que garantiria um saldo político-eleitoral aos dirigentes. Assim, imediatamente, Jaguaribe estaria mais preocupado com o uso político da máquina estatal em benefício de interesses arcaicos e mesquinhos, já Guerreiro Ramos atribuía importância maior á subversão da racionalidade administrativa do Estado - o que não significa que os aspectos político e administrativo do Estado estariam separados, ou que os autores ignorassem essas e outras faces da questão. Quanto á função do Estado na estratégia de cooptação das classes médias, ver ainda Ramos (1960, passim; 1971, p. 65). Guerreiro Ramos chega a mencionar o conceito de cartorialismo, ademais, percebe-se que embora razoavelmente implícito nesse, não há mais por parte do autor a referência ao conceito de patrimonialismo (apreendido de Max Weber), ao qual fazia menção nos anos 1940.
[234] Já no início dos anos 1950 atacava as pesquisas sobre "minudências da vida social", clamava pelo esforço em teorizações mais amplas (de "verdadeira importância para a realidade brasileira") e pelo uso escrupuloso dos investimentos em pesquisa (RAMOS, 1957b).
[235] Lembremos que tais palavras - frutos da conferência "Ideologias e Segurança nacional", proferida no ISEB em agosto de 1957 - tinham como contexto recente a recusa de boa parte do Exército em evitar a posse de Juscelino Kubitschek e a conseqüente garantia, por parte do Mal. Lott, para que assumisse a Presidência, em testemunho de respeito ao pleito eleitoral; embora o Marechal (em 1954) tivesse assinado manifesto pela deposição de Vargas. Já na Aeronáutica (e também na Marinha), na qual a influência da UDN era grande também devido ás duas candidaturas presidenciais do Brigadeiro Eduardo Gomes pela legenda, havia certo apelo golpista. Havia também, como fica claro no texto da conferência de Guerreiro, uma deliberada ação do autor no sentido de influenciar ideologicamente os militares, buscando trazê-los para o campo do nacionalismo como defesa do capitalismo autônomo: "No Brasil de hoje, o ponto de vista básico da segurança nacional é o do capitalismo brasileiro. Incumbe-lhe participar da política geral que o defenda contra a ação adversa de fatores internos e externos [...] se é inevitável que a segurança nacional tenha uma ideologia, essa ideologia só pode ser a da revolução industrial brasileira em processo" (RAMOS, 1960, p. 61). Acrescente-se a isso o indelével costume político brasileiro desde a República de fazer romarias aos quartéis e rapapés aos militares, ao qual certamente os intelectuais não são imunes. E, segundo D'Araújo (1996, p. 116), "O PTB [partido ao qual Guerreiro Ramos se juntaria] nada ficava devendo á UDN no que toca á corrida á caserna".
[236] Nesse sentido, Guerreiro Ramos já prenunciava as análises que afirmarão a existência de um conseqüente movimento operário na Primeira República, e o Movimento de 1930 e a instituição da legislação trabalhista como formas de contenção das reivindicações mais ousadas.
[237] Significativamente, o eleitorado (em 1960), num contexto de polarização entre esquerda e direita, nacionalismo e entreguismo, democracia e golpismo, optou por um candidato que não assumia necessariamente nenhum dos termos, e esquivava-se por entre as definições.
[238] Além delas, mais á esquerda - com um programa antiimperialista e antilatifundiário e formada por setores mais amplos (estudantis, sindicais e movimentos populares), contudo, sem contestar a FPN (de caráter parlamentar) - havia a Frente de Mobilização Popular, reunindo a UNE (União Nacional dos Estudantes), o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), o PUA (Pacto de Unidade e Ação), o movimento dos sargentos, as Ligas Camponesas, AP, Polop, setores de extrema-esquerda do PCB, o Grupo Compacto do PTB, boa parte da própria FPN, etc. (TOLEDO, 1983; FERREIRA, 2005).
[239] Embora o partido estivesse na ilegalidade, havia pecebistas que se elegiam por outras legendas.
[240] Guerreiro Ramos ingressou no PTB em 1959, no ano seguinte á sua saída do ISEB. Alegou na época - em entrevista ao jornal Última Hora - ingressar no partido "para elevar o nível científico de minha [sua] produção sociológica" e passar a "negar a sociologia de gabinete, fora do gabinete", uma vez que já a havia negado "dentro do gabinete" (apud AZEVEDO, 2006, p. 226).
[241] Segundo o relato de T. Skidmore (1976, p. 481): "Havia um pequeno grupo de parlamentares do PTB (Grupo Compacto) que tentava imprimir ao partido uma diretriz mais agressiva de esquerda e ideologicamente mais coerente depois de 1961. Porém, mesmo esses esquerdistas no seio do PTB estavam divididos. Um deles, Guerreiro Ramos, fez uma interessante crítica do trabalhismo de Getúlio Vargas e da necessidade de sua atualização".
[242] A importância conferida por Guerreiro Ramos a Vargas desponta na dedicatória de Mito e verdade da revolução brasileira (1963): "Ao saudoso Presidente Vargas, mestre do realismo político, fundador do trabalhismo brasileiro." Tal indicação deve-se á advertência perspicaz de Ariston Azevedo, que despertou nossa atenção para o fato.
[243] Outras reformas, menos mencionadas, também eram reivindicadas: administrativa, da empresa, fiscal tributária, cambial, educacional, da consciência nacional, etc. (BRUM, 1983).
[244] Para Guerreiro, ainda que defensor da luta interna como forma de aperfeiçoamento dos partidos, a convivência no PTB não era fácil, além do "fisiologismo" de alguns parlamentares 'sensíveis' ao apelo governista - e que seguiram apoiando inclusive o governo golpista de 1964 e ficaram conhecidos como "bigorrilhos" - e do sindicalismo burocratizado e atrelado ao Estado, o partido sofria forte controle por parte dos 'caciques' (e Jango era o maior deles). Além disso, as dissensões internas eram punidas, visto o PTB ter sido o que mais expulsou membros dentre os partidos da 4ª República (D'ARAUJO, 1996).
[245] Entre suas propostas de campanha - coligidas em panfleto - estavam: "por uma política externa independente", "por uma política interna independente", "pela obrigatoriedade constitucional do desenvolvimento programado", "pelo compulsório reajustamento permanente dos salários ao custo de vida (escala móvel de salários)", "pela maior participação dos trabalhadores na programação e nos resultados do desenvolvimento", "pela reforma agrária, pela emancipação econômica, social e política dos camponeses e contra a prepotência e a usura dos latifundiários", "pela organização do mercado nacional de capitais", "pela nacionalização imediata das concessionárias estrangeiras de serviços públicos", "por leis eficientes contra os abusos do capital estrangeiro", "pela regulamentação imediata do direito de greve", "por moradia digna ao alcance de todos", "pelo ensino gratuito em todos os níveis", "contra a corrupção e a incompetência", "pelos interesses da Guanabara no plano federal" (apud AZEVEDO, 2006, p. 226-8). Azevedo (2006, p. 228) nota com agudez que nas propostas não aparecia em destaque a 'questão do negro'.
[246] Guerreiro Ramos havia sido - em 1960 - delegado do Brasil á XVI Assembléia Geral das Nações Unidas. Na ocasião, discursou e apresentou como projeto o texto "O papel das patentes na transferência da tecnologia para países subdesenvolvidos", que - segundo ele - viria a se transformar na Resolução nº 1713 daquela assembléia. No documento, denuncia a ação - no uso das patentes - dos monopólios e oligopólios que, adquirindo exclusividade de uso, não industrializariam os produtos ou exigiriam condições injustas para dar licença á indústria nacional para fazê-lo, prejudicando assim o desenvolvimento dessa (RAMOS, 1996, p. 247-54). Em outra participação (em 1962) - segundo ele indicado por San Tiago Dantas, que já o havia indicado nos anos 1940 para o Departamento Nacional da Criança (OLIVEIRA, 1995) - como delegado brasileiro na III Comissão, analisou o Relatório de 1961 do Conselho Econômico e Social sobre a situação social do mundo e proferiu comunicação a respeito, chamando a atenção para o fato de que nas análises deveria ser considerado o bem-estar das populações e não apenas a riqueza em geral produzida. Somente em 1990 o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD) institucionalizará o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, tendo como variáveis: renda, longevidade e instrução. Criticando duramente o relatório, Guerreiro Ramos também tocou numa questão espinhosa e não devidamente equacionada: o fato de as estatísticas dos países capitalistas desenvolvidos considerarem - sendo que outros (países 'socialistas') não o faziam - no "cômputo da renda" (na soma do valor agregado) as atividades do setor terciário, pois haveria nesse setor distorções graves (atividades que não seriam produtivas, subemprego) e que, se não equacionadas, inseririam distorções graves no processo de planejamento e alocação de recursos. Ver "Análise do Relatório das Nações Unidas sobre a situação social do mundo" (RAMOS, 1996, p. 257-73).
[247] Essa foi a primeira iniciativa no sentido de reconhecer a profissão, em 1964 o Senado Federal apresentará outro projeto dispondo sobre a matéria e, em 1965, o Presidente Castelo Branco sancionará a lei 4.769, regulamentando a profissão (SOARES, 2005).
[248] A Lei de Remessa de Lucros limitava o valor dos envios de divisas ao exterior, sofreu forte oposição mas foi aprovada; para Darcy Ribeiro "foi essa lei que provocou a intervenção norte-americana" e tal intervenção fundamental para a eclosão do Golpe de 1964 (depoimento em MORAES, 1989, p. 297). Já a Instrução 263 da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) era uma espécie de reforma cambial que, para os setores furiosamente nacionalistas, representava uma concessão á política do FMI (Fundo Monetário Internacional).
[249] Jesus Soares Pereira (1910-1974) foi destacado funcionário federal e um dos principais assessores econômicos do Governo Vargas (1950-1954), um dos responsáveis pela implementação de projetos nacionalistas de política econômica daquele governo - como os da Petrobras, da Eletrobrás, etc. (LIMA, 1975).
[250] Então Governador da Guanabara pela UDN e um dos principais incentivadores do golpismo.
[251] O comício do dia 13 de março (sexta-feira), na Guanabara, conhecido como Comício das Reformas - ao qual outros deveriam se seguir pelo país caso o golpe não abortasse o processo - reuniu 200 mil pessoas e contou com discursos inflamados de Miguel Arraes, Leonel Brizola e do Presidente João Goulart, que anunciou a desapropriação das terras com mais de 100 hectares situadas ao redor das rodovias e a nacionalização das refinarias de petróleo particulares (TOLEDO, 1983).
[252] Essa forma de análise, aplicada á abordagem do pensamento social no Brasil, prima por considerar as elaborações teóricas fora das amarras de uma linhagem evolutivo-institucional, como contribuições para interpretação de um presente específico, sem relegá-las como formas de 'ensaísmo' ou especulação. Um autor definiu tal matriz crítica como "ideológica", acrescentando que por essa "entende-se a preocupação de analisar os textos brasileiros de reflexão social com o objetivo explícito de buscar sua caracterização conceitual própria, independentemente dos azares conjunturais da empiria. Não se trata de afirmar que a empiria histórica é irrelevante para a formação do pensamento social, nem que esse mesmo pensamento não se refira em algum momento ao transcurso histórico. Apenas se reivindica a diferenciação e análise conceitual como procedimentos legítimos e necessários na apropriação adequada dos determinantes estritamente conceituais do presente" (SANTOS, 1978, p. 31).
[253] Refere-se a Cândido Mendes de Almeida, proposto como diretor - segundo Guerreiro Ramos - por ter bom relacionamento com o presidente eleito Jânio Quadros (do qual era assessor), podendo assim assegurar a sobrevivência da instituição. Há que se recordar que no primeiro ano de mandato de Jânio, do Orçamento da União - elaborado no Governo JK - foi expurgada a rubrica "ISEB", deixando a instituição sem um centavo de verba (SODRé, 1992, p. 194; 1978). Sobre Cândido Mendes, ainda dispara: "especial fenômeno humano, a merecer exame á parte, o trêfego conde papal Cândido Antonio Mendes de Almeida, espécie de Sebastião Pagano em edição novíssima, multifacetado, via síntese de contradições, pois, ao que parece, consegue ser homem de confiança da Light, da Cúria, da Shell, do ISEB e do PCB" (RAMOS, 1961, p. 141-2).
[254] Guerreiro Ramos - propositor da candidatura malograda de Osvaldo Aranha - declarou aos jornais que seria "uma insensatez transformar o nacionalismo num comitê Lott" e que a escolha entre Jânio e Lott era um "um medíocre dilema", mas, vencido, apoiaria Lott como 'mal menor', já que lhe ocorria - quase premonitoriamente - que "o Marechal [ao contrário de Jânio] não parece ser homem capaz de expor o País a surpresas desastrosas ou a jogadas intempestivas" (RAMOS, 1961, p. 127). Assim como o ISEB, o PCB também apoiou Lott.
[255] Sobre a ruptura com o ISEB - nas palavras de Nelson Werneck Sodré (1992) - Guerreiro Ramos, "talentoso, culto, imensamente vaidoso e decidido a empregar todos os meios paras a destruição de seu antagonista - suponho que assim tratado apenas porque lhe fazia sombra" (ibidem, p. 27), teria levado o livro de Helio Jaguaribe [O nacionalismo na atualidade brasileira] á UNE e denunciado-o como uma traição, mas "derrotado, abandonou o ISEB, na suposição de que, com a sua saída, a instituição desaparecesse" (ibidem, p. 50). Tentou então - segundo Sodré - "carregar outros elementos, particularmente Álvaro Vieira Pinto, que o acompanhara na luta contra Helio Jaguaribe, com a maior boa fé, cruzado de guerra santa em defesa do nacionalismo. Como não conseguiu, irritou-se e, pouco depois, inclui em livro verrina contra o mestre de Filosofia" (ibidem, p. 50), a saber, "A filosofia do guerreiro sem senso de humor", publicada em Mito e verdade da revolução brasileira (RAMOS, 1963). Anos antes, em entrevista á revista Marco (nº 4, 1954), Guerreiro Ramos declarava ter como projeto pessoal escrever - além da "história secreta de Abdias Nascimento" - a biografia de Helio Jaguaribe, manifestando assim sua admiração por aquele que se tornaria um seu desafeto (RAMOS, 1957b, p. 215).
[256] Em 1960/1961, visitou a China, a Iugoslávia e a União Soviética a convite do PCB, entretanto, de volta ao Brasil, manifestou-se criticamente nos jornais a respeito de tais países 'socialistas', o que lhe trouxe a malquerença de muito pecebistas.
[257] Guerreiro pretendia chamá-lo - mas foi disso demovido pelo editor - Os rinocerontes e a revolução brasileira, já que todo o livro é pontuado por epígrafes extraídas do texto da peça O rinoceronte, de Eugéne Ionesco (1995). Produto do que foi chamado "teatro do absurdo", a peça de Ionesco retrata a convivência num local onde aparece um rinoceronte e, de início, todos se surpreendem, mas com o tempo tornam-se igualmente rinocerontes, apenas o herói Bérenger recusa-se a isso. A peça pode ser considerada uma metáfora do totalitarismo e de como ele se alastra pela sociedade, contaminando muitos e oprimindo os que se opõem e insistem em ser independentes, tornando-se inimigos todos os que se encontram fora da comunidade de idéias.
[258] O bolchevismo - e o marxismo russo - teria sua explicação na gênese da intelligentzia russa, na sua obsessão ocidental, sua intolerância e seu sentido missionário e salvacionista. Tal análise é devedora dos estudos sobre a intelligentzia e o comunismo russos feitos por Nicolau Berdiaev, autor muito caro a Guerreiro Ramos - ver Berdiaev (1963).
[259] O texto de Gorender aqui citado consta da 2ª edição (de 1965 e reeditada em 1996) de A redução sociológica, tendo sido incluído pelo próprio Guerreiro Ramos que o considerou "o mais eminente documento crítico que um militante do Partido Comunista já produziu no Brasil" (RAMOS, 1996, p. 29).
[260] "Ao contrário do que pensa o sr. Gorender, não temos, nunca tivemos nada de comum com os 'isebianos' de que fala em sua crítica. Jamais levei a sério as elucubrações cerebrinas de certos intelectuais menores, pivetes do 'desenvolvimentismo' burguês" (RAMOS, 1996, p. 36).
[261] Guerreiro Ramos fazia exceção - por razões diversas - aos padres Fernando Bastos de Ávila, Henrique Vaz e Júlio Maria, e a Cândido Mendes de Almeida.
[262] Maritain, autor francês cristão e neotomista, muito caro a Guerreiro Ramos, teve relativa influência sobre os pensadores cristãos e católicos no Brasil, seja á direita ou - algo menor - á esquerda (cristãs). Isso posto, as críticas de Guerreiro Ramos não deixam de ser um episódio da luta por certa herança de Maritain. A respeito dos debates - no Brasil e na América Latina - em torno das idéias políticas do filósofo francês, ver Chacon (1980).
[263] Outro autor analisado é Hamilton Nogueira, homem de inspiração maurrasiana que preconizava a pena de morte como direito de defesa da sociedade - e mais tarde viria a renegar algumas de suas posições.
[264] Guerreiro Ramos relega o fato de que vários representantes da inteligência católica - Francisco Karam, Valdemar Falcão, Moacir Veloso Cardoso de Oliveira, advogados católicos discípulos de Alceu Amoroso Lima e Rego Monteiro, reunidos na assessoria de Oliveira Vianna - tiveram papel de destaque na instauração da legislação trabalhista no Brasil (VILLAÇA, 1975, p. 160).
[265] Publicado originalmente nos Cadernos de Nosso Tempo nº 4 (em 1955) e depois reeditado em A crise de poder no Brasil (1961).
[266] E desdenha das contribuições desses experts - principalmente de Gilberto Freyre - afirmando desconhecer qualquer uma delas que fosse produtiva, pois se resumiriam a "glosas de temas tratados no estrangeiro ou de livros para divertimento e "sorriso da sociedade" (expressão tomada a Afrânio Peixoto, com a qual definiu o fenômeno literário), como Casa grande e senzala, Sobrados e mocambos e outros" (RAMOS, 1961, p. 169).
[267] Com o subtítulo "Estudos sobre a crise política no Brasil na década de 1930", foi publicado originalmente nos Cadernos de Nosso Tempo nº 5 (em 1956) e, posteriormente, em A crise do poder no Brasil (1961).
[268] Apesar de citar Freud de modo paradoxal (estende ao social análises concebidas para o entendimento do indivíduo), Martins de Almeida acusava uma singular percepção de fenômenos cuja detecção teórica é em muito devida a Marx: a contradição entre diferentes modos de organização da produção da vida material (e social), o enraizamento histórico-social das idéias e como estas se põem nas circunstâncias que as requerem. Lembremos Marx: "Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar, antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. é por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará á conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já existem, ou pelo menos, são captadas no processo de seu devir" (MARX, 1978, p. 130).
[269] A respeito desse período (pós-1930), ainda classificaria os intelectuais quanto á temática e estilo de abordagem - parafraseando Miceli (2001) a respeito dos "anatolianos" - em carlylianos, bonaldianos e gorkianos; e quanto ás posições políticas em cêntricos, periféricos e fronteiriços (RAMOS, 1983a, p. 532). Não nos deteremos na explanação desses tipos, pois consideramos uma construção circunstancial do autor, de ocasião, esboçada ao final de sua carreira (em 1980) em um texto para comunicação - em seminário sobre a Revolução de 1930 - e sem eco ou forte respaldo em seus demais trabalhos.
[270] Advertimos que Guerreiro Ramos utiliza o mesmo termo (intelligentzia) para referir-se a dois 'objetos' distintos: certa intelectualidade russa e o conceito mannheimiano, o que não implica que desconhecesse ou desconsiderasse a distinção; usualmente, utilizava o termo acrescentando comentários e explicações num ou noutro sentido. Acreditamos que o uso de termos diferentes pode ser mais produtivo, uma vez que permite distinguir claramente entre a referência a um grupo intelectual socialmente determinado e pretensamente desvinculado que se propõe tarefa de amalgamar interesses e sistematizar idéias na sociedade - na acepção de Mannheim e talvez de Alfred Weber - (intelligentzia); e o fenômeno russo, de certo romantismo contestador e radical, que é historicamente singular (intelligentzia russa). Tal distinção permite-nos afastar uma concepção formalista (e genérica) do conceito. No curso deste trabalho, utilizaremo-nos desta terminologia distintiva - respeitando, todavia, as construções do autor.
[271] Alberto Torres já havia notado o fenômeno: "Intelectuais [...] e, em geral, homens de letras, estão longe de ocupar a posição que lhes compete na sociedade brasileira. Não formam, até hoje, uma força social. A intelectualidade brasileira levou ao último extremo essa atitude de impassibilidade perante a coisa pública a que a absorção do espírito em estudos especulativos e o desinteresse pela vida e pela realidade habituou filósofos e cultores da arte" (TORRES, 1982b, p. 105-6).
[272] Para uma leitura da obra de Guerreiro Ramos como operadora de um método dialético, ver Garcia (1983).
[273] O termo - usado por Guerreiro - remete imediatamente a Teófilo Otoni (1807-1969) quando da definição da tentativa de depor D. Pedro I, por meio de uma revolta, em sete de abril de 1831, ocasião na qual aquele veio a abdicar do trono em favor de seu filho; Otoni referiu-se ao fato como uma journée des dupes (uma jornada de otários), expressão tomada aos franceses que assim definem o 11 de novembro de 1630, quando os inimigos de Richelieu (1585-1642) tentaram - em vão - apeá-lo do poder.
[274] São notórias na ocasião as declarações bombásticas e intempestivas de personalidades políticas como Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, Francisco Julião e outros.
[275] Em 1980, o autor via sua previsão confirmada ao afirmar: "O movimento reformista que agitou o Brasil em 1963 e nos primeiros meses de 1964 constitui a mais espetacular jornada de otários que se registra em nossa história político-partidária. Por força de sua proposta inarticulável, estava fadado á frustração e a provocar a substituição daquela vanguarda civil pela guarda militar" (RAMOS, 1983a, p. 538).
[276] Conforme o Ato n° 4, de 9 de abril de 1964, expedido pelo Comando Supremo da Revolução, que resolvia (no seu Art. 10) suspender, pelo prazo de dez anos, os direitos políticos de dezenas de cidadãos, dentre eles Alberto Guerreiro Ramos e Nelson Werneck Sodré.
[277] O livro seria publicado posteriormente com o título Administração e contexto brasileiro.
[278] A referência a Michels (19-, p. 242 e passim), á crítica da burocracia e á formulação da "lei de bronze da oligarquia", é notória. Segundo esse: "é uma lei social inevitável que todo órgão da coletividade, nascido da divisão do trabalho, crie a partir do momento em que se consolide, um interesse especial, um interesse que existe em si por si. Mas os interesses especiais não podem existir dentro do organismo coletivo sem colocar-se em imediata oposição com o interesse geral. Mais do que isso: as camadas sociais que desempenham funções diferentes tendem a se isolar, a criar órgãos aptos a defender seus interesses particulares e a se transformar, finalmente, em classes distintas".
[279] Editado originalmente em 1967.
[280] A falta de uma definição mais precisa do conceito de modernização fortalece ainda mais as suspeitas de certo formalismo conceitual, esvaziado de processos políticos e sociais concretos, que, entretanto, não seria algo peculiar ao autor, mas - em maior ou menor medida - dos teóricos da modernização.
[281] No original em inglês, tradução nossa.
[282] Artigo publicado em 1971, na revista Sociology and Social Research.
[283] Nesse aspecto, Guerreiro Ramos já mobilizava categorias - agora em voga - de alcance global, análogas ás de globalização, mundialização, sistema-mundo, etc.
[284] Talvez o motivo principal da dificuldade em publicar o livro - recusado por várias editoras - nos EUA. Guerreiro Ramos tinha consciência disso, pois afirmou "este livro [...] é contra toda ciência [norte] americana" (OLIVEIRA, L., 1995, p. 159). Atualmente, nos EUA e Canadá, Guerreiro Ramos está sendo revisitado, máxime em virtude deste livro (cf. VENTRISS; CANDLER, 2005). Também no Brasil alguns trabalhos resgatam a obra do autor, traçando interessantes comparações com autores atuais, como J. Habermas (ANDREWS, 2001), F. Capra (BOEIRA, 2002) e Z. Bauman (REZENDE, 2005), ou abordando novos aspectos, como com respeito á ética na produção (SERAFIM, 2001), e, de modo mais ousado, promovendo uma retomada totalizante do pensamento de Guerreiro Ramos como sistema - uma "sociologia antropocêntrica" (AZEVEDO, 2006).
[285] Tais referências são fornecidas pelo próprio Guerreiro Ramos.
[286] Um exemplo disso, podemos acrescentar, seriam as teorias que propagam o interesse imediato (seja o homo economicus, seja o maximizador de benefícios, o fazedor de escolhas, etc.) como motivação humana/social essencial.
[287] Guerreiro Ramos reaviva a crítica, retirando lições de sua polêmica com Florestan Fernandes e a defesa deste dos padrões científicos.
[288] Daí a aproximação do autor com Keynes (RAMOS, 1982).
[289] Nesse modelo, composto de eixos que representariam a multicentralidade social, o autor tenta organizar conceitos como "orientação individual e comunitária", "prescrição e ausência de normas", e categorias delimitadoras como "anomia" e "motim", "economia", "isonomia", "fenonomia" e "isolado" (RAMOS, 1989). Ali, Guerreiro Ramos já apresenta algumas construções que se antecipam ás de Giddens (1991).
[290] Significativamente, nessa interpretação do Brasil, Guerreiro Ramos reutiliza-se de conceitos que há muito havia deixado de lado em seus escritos 'do exílio', como se estivesse - apesar do tempo passado - a retomar o fio da meada perdido no 'longínquo' 1964.
[291] Perguntado sobre qual o sentido de suas palavras, respondeu que era uma "ironia": "Afinal, eu nasci nesta merda, então vamos salvar esta merda! Porque eu não vou negar que nasci nesta merda, não é? Isto é parte da minha história, parte do meu ser. Mas que isto é uma merda, é uma merda!" (OLIVEIRA, L., 1995, p. 158). Restaria perguntar: ironia do autor ou do destino para com o autor?
[292] Assim se expressou quando mencionou o desejo de escrever a biografia de Helio Jaguaribe. Aqui, neste trabalho, pretendemos descentralizar a questão biográfica e utilizá-la como subsídio para a análise.
[293] O conceito é entendido como uma ampla apreensão da situação social de grupo (classe social) em termos de possibilidades (objetivas), num horizonte histórico de determinada estrutura social (GOLDMAN, 1976a, 1976b, 1979).
[294] Também Octavio Ianni (1986, p. 29) - referindo-se ás características da revolução burguesa na América Latina - menciona uma "dominação sem hegemonia". Diagnósticos que nos parecem equivocados, pois essa modalidade de dominação exigia exatamente tal forma de articulação das classes que, obviamente, custaria algum 'quinhão' do poder. A dominação burguesa não era incompleta, não-dirigente, mas adequada ao seu papel no bloco histórico no poder; é, desse modo, menos um alijamento do poder que um acordo tácito com outros grupos.
[295] Daí, em parte, a promulgação das leis de proteção social e a criação de uma estrutura sindical que, primordialmente, funcionava como amortecedor das lutas de classe, e que proporcionou garantias econômicas e sociais para a existência de uma classe média que auferia sua renda por meio de salários, fato pouco explorado pelos estudiosos do tema.
[296] Seria equívoco - cremos - considerar o pequeno proprietário rural no Brasil parte da pequena burguesia.
[297] Não raras vezes o moralismo se traduziu em atitude antipopular e mesmo anticomunista, daí certa rejeição ao comunismo no Brasil ter se expressado (nessa classe) em termos de acusações morais: dissolução dos bons costumes e das instituições tradicionais (religião, família, casamento), devassidão, crueldade, etc. Assim como o movimento anticomunista, por vezes, ter sido capitaneado por grupos de classe média, em defesa da família e da estabilidade social.
[298] Nesse aspecto, pode-se notar no período a presença de partidos políticos de esquerda e centro-esquerda ligados á classe média; Carone (1985, p. 170) menciona a Ação Popular (AP), a Organização Popular Marxista (Polop), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Democrata Cristão (PDC). Já o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado a partir da burocracia sindical e com ampla e diversa base, congregava boa parte da classe média, mormente em seus grupos mais á esquerda, como o Grupo Compacto. Aliás, essa é uma característica do trabalhismo no Brasil: a defesa dos direitos dos trabalhadores a partir de um ponto de vista da burocracia sindical e da classe média.
[299] Há que se advertir que, naquele período, a proletarização não representava necessariamente a perda de renda ou piora das condições materiais de existência, ao contrário, por vezes, dependendo da inserção em setores industriais 'de ponta', representava melhoria dessas condições. O medo da proletarização estava, em grande medida, relacionado á perda de status e decorrentes privilégios de posição.
[300] Embora boa parte das análises a respeito dê como certa a adesão da classe média a momentos de reação burguesa, particularmente em 1964, tais condutas circunstanciais parecem, malgrado a singularidade dos acontecimentos, terem sido mais motivadas pelo horror á transformação profunda e ao radicalismo que as circunstâncias prometiam que propriamente uma opção pela organização direitista e reacionária da sociedade brasileira. Haja visto o engajamento de indivíduos da classe na luta contra a ditadura, desde a campanha armada até pela democracia.
[301] A nação - e por conseqüência o nacionalismo - é algo sempre dinâmico, criado e recriado, refeito, provisório e contraditório, segundo Ianni (1993).
[302] Segundo Goldman (1979, p. 20): "Uma visão de mundo é precisamente esse conjunto de aspirações, de sentimentos e de idéias que reúne os membros de um grupo (mais freqüentemente, de uma classe social) e os opõem aos outros grupos", ou seja, "é um ponto de vista coerente e unitário sobre o conjunto da realidade" (ibidem, p. 73, grifos do autor).
[303] Talvez uma característica desse nacionalismo de classe média, sensível nas manifestações do senso comum e também protuberante nas elaborações teóricas (como em Guerreiro Ramos), é uma paradoxal relação de apego e desdém para com as características nacionais, um orgulho quase envergonhado de ser brasileiro, uma dúbia relação de carinho e desprezo - bem expresso nas diatribes de Guerreiro Ramos e sua paixão pelo país.
[304] "Aparece, assim, mais uma vez, a ambigüidade da ascensão nacionalista. A um só tempo política de Estado e movimento social, ela tende a se realizar num espaço fechado. Exatamente como a atitude dos intelectuais cariocas, participando da primeira e organizando o segundo, que se voltam para a sociedade, nem sempre distinguindo se a parte da sociedade em que baseiam suas esperanças, não seria, na verdade, apenas a sombra projetada do Estado" (PéCAUT, 1990, p. 178).
[305] Lilliputianos eram os habitantes de Lilliput, cidadãos de menos de 6 polegadas de altura, que sentiam-se indefesos frente o 'gigante' Gulliver. Todos personagens do livro de Viagens de Gulliver, escrito em 1726 por Jonathan Swift (1998).
[306] Para alguns, como Carpeaux (1979, p. 164): "O nacionalismo político e econômico é, como se sabe, o movimento mais sério de libertação do Brasil e de estabelecimento da justiça social do País".
[307] Disseminado por vários partidos, este nacionalismo teve no PTB seu principal representante. Partido da estrutura sindical e herdeiro de Vargas, teve papel destacado na rede de proteção trabalhista, bem como na correspondente maquinaria corporativa - e mesmo clientelista-estatal - que lhe dava sustentação e dela se alimentava. Volúvel, heterogêneo, ideologicamente frágil, vivia de avanços sociais e fisiologismo, caciquismo e atrito democrático, competição política e aparelhamento estatal.
[308] Evitemos o termo "definitivamente" já que a questão nacional é um aspecto - embora histórico-relativo - do processo social sob o capitalismo e não apenas uma etapa estanque. Mesmo em épocas de 'globalização' a questão nacional (sob esta denominação ou não) continua repondo problemas e questões relacionadas ao convívio e sociabilidade entre diferentes sociedades politicamente organizadas e também internamente a estas. Ou seja, o processo de mundialização não extingue simplesmente o Estado-nação, cria novas circunstâncias e dilemas para sua sobrevivência.
[309] A classe social - segundo Goldman (1976, p. 93) - se define por: a) a função na produção; b) relações com os membros de outras classes; c) consciência possível que é uma visão de mundo. Ademais, são as classes sociais que "constituem as infra-estruturas das visões de mundo" (ibidem, p. 86, grifos do autor).
[310] Ficou obscurecido na história brasileira, mormente na história intelectual, o fato de que a grande maioria dos intelectuais postava-se - com diferenças de matizes, é verdade - em alguma posição baseada na viabilidade de um projeto nacional. As raras exceções estavam mais á direita que propriamente á esquerda nessa época.
[311] Entendido aqui como 'sonho coletivo', aspiração social (de grupos) conforme formas legítimas e enraizadas de encaminhamento de projetos, baseado em crenças ou esperanças coletivas e a despeito da efetividade ou probabilidade de execução. Para uma visão próxima, ver Mariátegui (1975, 1982).
[312] Segundo Florestan Fernandes (1977, p. 245): "Não foi um erro confiar na democracia ou lutar pela revolução nacional. O erro foi outro - o de supor que se poderiam atingir esses fins percorrendo a estrada real dos privilégios na companhia dos privilegiados".
[313] Neste ponto, convergem a obra de um autor (e um projeto político-social) e certa visão de mundo. Assim, as obras "são como tais expressões individuais e sociais ao mesmo tempo, sendo seu conteúdo determinado pelo máximo de consciência possível do grupo, em geral da classe social" (GOLDMAN, 1976, p. 107-8, grifos do autor).
[314] A taxa de alfabetização - segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - entre a população brasileira (de 15 anos e mais) em 1950 era de 49%, já em 1960 passava a 60% (SOUZA, Marcelo, 2006).
[315] Considerava-se "in between" (OLIVEIRA, 1995, p. 134), não incluído, não pertencente a nada, assim, não teria sido nem integralista, nem comunista, nem branco, nem negro, nem baiano, nem carioca, nem cientista, nem político, nem acadêmico, nem militante...
[316] Artigo ao qual atribuo a autoria a Guerreiro Ramos.
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