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Guerreiro Ramos e a redenção sociológica: capitalismo e sociologia no Brasil (página 6)

Edison Bariani
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Essa forma de conceber a ideologia é comum também a Helio Jaguaribe, e caudatária das posições de Weber e Mannheim: não haveria posições científicas para os anseios políticos, a ciência só poderia ser instrumentalizada para o agir no sentido de racionalizar a ação, de saber se há correspondência entre as pretensões e os objetivos, se por meio de tais formulações se pode efetivamente alcançar os alvos, nunca para deduzir cientificamente metas políticas e valores sociais (WEBER, 1982); por outro lado, a ideologia (em seu sentido total) é vista como estrutura mental de grupos, aspiração social e visão de mundo, logo, impossível de ser deliberadamente arquitetada e implementada conforme meios articulados a fins (MANNHEIM, 1972).

No entanto, se Guerreiro Ramos recusava-se a dar um conteúdo dogmático ao nacionalismo ou identificar ciência e ideologia, acabava por considerá-lo uma ciência: "ciência do ponto-de-vista dos povos proletários" (RAMOS, 1960, p. 254).

É fácil compreender que, mais do que os povos desenvolvidos, os atuais povos periféricos são portadores do ponto-de-vista da comunidade humana universal. A ciência é atividade realizada à luz desta perspectiva. O máximo de consciência universal está hoje naturalmente à disposição dos povos periféricos e, por isso, podem ter uma ciência mais avançada do que a dos povos metropolitanos. O nacionalismo, como ideologia básica desses povos, adquire assim atributos de verdadeira ciência. A ciência é praticada em cada época segundo as possibilidades históricas existentes. Sua universalidade é sempre relativa. Não há uma ciência universal absoluta, indene às condições históricas. Alcançam necessariamente a universalidade possível em cada época os que contemplam os fatos como essencialmente provisórios em sua determinação concreta. Ora, somente os povos proletários estão naturalmente voltados e dispostos a este modo de ver, pois só o futuro lhes promete a realização de seus ideais, que se transmutam, por imperativo de sua condição, em ideais universais. (RAMOS, 1960, p. 254, grifos nossos).

O nacionalismo – em sua ânsia de superação das condições atuais – propiciaria uma ampliação do horizonte histórico dos povos oprimidos, bem como uma noção historicamente condicionada do devenir, o que legaria a esses povos um potencial de vislumbre do dinamismo da situação histórica, de consciência, enfim, um lastro "científico". A perspectiva privilegiada dos povos periféricos seria o fundamento do nacionalismo como ciência, por meio dela abrir-se-iam possibilidades de entrever o precário, o historicamente relativo, o particular, em contraposição a uma visão universalmente abstrata, estática e formalista que acometeria os povos desenvolvidos, atingidos pelo conformismo – e desejo íntimo de conservação – de uma posição superior. "O nacionalismo é o único modo possível de serem hoje universalistas os povos periféricos" (RAMOS, 1960, p. 226).

Esfumam-se assim as fronteiras entre ciência e ideologia: a ciência adquire um caráter histórico-relativo, fortemente condicionado pelas circunstâncias, perspectivas e mesmo anseios dos sujeitos; por seu turno, a ideologia transfigura-se em visão de mundo e condiciona a perspectiva cognoscente, mobilizando aspirações sociais e atitudes políticas. De forma análoga (e irônica), a afirmação de certo privilégio cognoscente por parte da "classe proletária", mormente na época de influência do stalinismo, foi alvo de amplas e duras críticas, também por parte de Guerreiro Ramos (1963).

Adverte o autor, porém, que a instrumentalização científica do nacionalismo demandaria uma atitude deliberada, metódica, racionalmente organizada e sistematizada conforme uma intencionalidade:

É certo que em sua expressão espontânea, o ponto-de-vista dos povos periféricos não atinge o plano da ciência. Para chegar até aí, é necessário lhe sejam dados suportes teóricos sistemáticos, o que demanda trabalho de absorção da herança humanística legada pelo passado e seu ajustamento positivo e dinâmico a novas exigências [...] Como ciência, o nacionalismo só pode ser expresso à guisa de conjunto de princípios gerais de uma atitude metódica destinada a habilitar, a transpor conhecimentos e fatos de uma perspectiva para outra, a relativizar o adquirido, a bombardear com perguntas e argüições todo produto da ação humana. (RAMOS, 1960, p. 255).

Tal concepção – já exposta teoricamente sem tal acentuação política em A redução sociológica – é fundamental para a projeção de uma "sociologia nacional", como Guerreiro Ramos pretendia, isto é, utilizar-se da perspectiva nacional como mirante privilegiado para uma real compreensão dos problemas conforme a especificidade do país, nunca como princípio geral de interpretação "crítica".

Entre as possibilidades do nacionalismo revolucionário estaria também a solidificação de uma cultura nacional, superando os males da importação e alienação que assolavam a produção cultural brasileira. "O Brasil já possui ingrediente bruto de uma cultura nacional" (RAMOS, 1960, p. 241), esse ingrediente seria a existência do povo, vez que "não há cultura nacional onde não existe povo" e "a cultura nacional não se elabora à maneira de peripécia de intelectuais [...] É essencialmente produzida pelo povo e subsidiariamente pelos intelectuais, que realizam tarefa por excelência estilizadora" (RAMOS, 1960, p. 243). A existência do povo possibilitaria tal realização, pois a transformação qualitativa da produção cultural não seria uma questão de caráter estético, mas eminentemente política: "Somente quando se modificar o modo de sua articulação à história universal poderá ser transformado o caráter de sua cultura [do Brasil]" (RAMOS, 1960, p. 242).

Explicitamente, que transformação marcaria a cabal existência de uma cultura nacional? Em quê isso mudaria significativamente o eixo da respectiva visão de mundo? Ao definir o conceito de cultura, o autor dá-nos indicativos.

Cultura é o conjunto de produtos materiais e não materiais resultantes da atividade transformadora dos povos, mediante os quais se exprime uma idéia interpretativa do homem e do mundo. Não há povo que não possua idéia interpretativa do homem e do mundo e que não a exprima em tudo aquilo que faz. A cultura é produto da prática social. (RAMOS, 1960, p. 241-2).

Além disso...

A cultura de um povo é o seu ponto-de-vista. Falar, portanto, da cultura brasileira é falar do ponto-de-vista brasileiro. Nunca tivemos propriamente um ponto-de-vista, porque não constituíamos uma personalidade histórica, isto é, não tínhamos condições reais que nos permitissem o comando pleno do curso de nossa existência [...] Víamos a nossa realidade através de interpretações importadas. E o hábito secular de consumir idéias e interpretações pré-fabricadas viciou o espírito de nossas camadas instruídas – o que torna o esforço de elaboração da cultura nacional extremamente penoso, em virtude da inércia mental contra que tem de chocar-se. (RAMOS, 1960, p. 243).

Assim, a cultura – sob o impacto do projeto político – adquire um núcleo histórico-pragmático e militante, já o intelectual, organizador da nação (e guardião da consciência social), tem aí suas atribuições, suas pautas e seu compromisso relacionado ao povo: exerce agora sua função como um mandato popular.

O nacionalismo – na obra de Guerreiro Ramos – insinua-se como ideologia e ciência, politicamente revolucionário e pragmático, perspectiva sócio-histórica e posicionamento ético, forma de autonomia e de engajamento, cultura autêntica e ponto de vista, consciência popular e missão intelectual... Tais paradoxos, muito presentes no pensamento nacional daqueles anos de 1950 (e do autor em particular), podem ser sintetizados na pretensa função – atribuída pelo autor – de, organicamente, ser aquele nacionalismo instrumento de consolidação do capitalismo e, ao mesmo tempo, afirmação de um destino histórico autônomo, os quais, para Guerreiro Ramos, seriam processos convergentes, sinérgicos. Tal posicionamento, imediatamente plausível, configurará uma armadilha para as esquerdas no pré-1964.

4. Crise do poder, instituições e representação

Com apenas 15 anos de existência – de eleições "livres" e competição política – a 4ª República (1945 – 1964)[219], no entender de Guerreiro Ramos, já acusava uma séria crise, não só econômica e social, mas sobretudo uma crise do poder.

Nas considerações de Guerreiro – inspirado em Hermann Heller[220]– o poder se concretizaria em termos "antagônicos", não existindo poder onde não houvesse oposição aos que o exercem, e implicaria uma "relação em permanente mudança entre: 1) uma minoria que o exerce; 2) os que o apóiam; e 3) os que se lhe opõem embora o reconheçam e consintam no seu mandato" (RAMOS, 1961, p. 22-3). Tal conjunto de camadas forma o que o autor chama de sociedade política.[221]

No Brasil, a sociedade política – avaliava Guerreiro Ramos – teria sido extremamente restrita e o círculo de dirigentes, mais ainda, entretanto, desde as primeiras eleições presidenciais no final do séc. XIX ela viria regularmente crescendo de forma proporcional e absoluta, incorporando maiores contingentes e participação[222]

Avaliava também o autor que um dos principais grupos sociais no combate pela expansão da sociedade política teria sido a classe média que, desde o séc. XIX, apresentar-se-ia à frente de alguns dos movimentos reivindicatórios mais avançados, como: o folhetim Opinião Liberal (em 1866), o Manifesto do Partido Republicano (1870), a Sociedade Positivista (1878) e a Proclamação da República (1889) – a qual teria alçado ao poder, momentaneamente, quadros pequeno-burgueses (militares).[223] Apesar do predomínio da antiga classe dominante na República Velha, a classe média voltaria à carga na Campanha Civilista (de Rui Barbosa, em 1910), fato que teria representado "o projeto revolucionário" dessa classe. O Tenentismo, as revoltas de 1922 e 1924 e a Coluna Prestes também seriam manifestações de liderança e ideal pequeno-burgueses, assim como a Revolução de 1930 seria "o último elo da revolução da classe média" (RAMOS, 1961, p. 27).

O Estado Novo marcaria o período no qual a classe média teria tido maior participação no poder em nossa história, só que a partir de 1945 a situação se modificaria: o candidato presidencial identificado com a classe média (Eduardo Gomes, da UDN) é derrotado por Eurico Gaspar Dutra (do PSD) que, embora de um partido de raízes oligárquicas, sagra-se vitorioso com o voto popular – recomendado por Vargas. Já as eleições de Vargas (em 1950) e de Juscelino Kubitschek (em 1955) representariam momentos de modificação na estrutura social e ensejariam reflexos políticos, indicando agora a ascensão das massas e o declínio do poder da classe média.

Não obstante, é com a eleição de Jânio Quadros (em 1960) que o quadro se delinearia, com essa eleição teria se explicitado o descompasso entre as instituições representativas e os anseios do novo e preponderante sujeito do processo político: o povo.

As lições disso, segundo o autor, seriam que:

1) em 1960, significativa parcela do eleitorado não votou partidariamente, mas segundo a sua própria decisão;

2) a diluição do significado social dos grandes partidos [...] nossos três grandes partidos [PSD, PTB e UDN[224]já não controlam mais a situação política do País;

3) as proporções da vitória eleitoral do Sr. Jânio Quadros lhe conferiram considerável "quantum" de poder específico em relação às forças que lançaram a sua candidatura. (RAMOS, 1961, p. 35-6).[225]

Se – para Guerreiro Ramos – na política externa Jânio teria encaminhado iniciativas interessantes, como certo neutralismo e a abertura das relações exteriores, que teriam respaldo político nos anseios do povo, internamente, desdenharia dos apoios institucionais que seriam cruciais para a sustentação de seu governo e possibilidades de realização.[226]

A efetivação das melhores potencialidades do Governo Jânio Quadros depende de um dispositivo político-partidário que, por sua idoneidade ideológica e, por isso mesmo, pelo seu poder de massa, seja capaz de dar ao Sr. Jânio Quadros a base de que precisará para levar a efeito reformas de grande envergadura, sem as quais a ordem no País só poderá ser mantida pela força. (RAMOS, 1961, p. 95).

Ao confiar num certo cacife político-eleitoral, Jânio não teria atentado para a necessidade de se apoiar solidamente.

O maior erro que poderia perpetrar o Sr. Jânio Quadros consistiria em não compreender o problema da representação política e social que o momento brasileiro lhe apresenta e que lhe incumbe resolver [...] Não se governa duradouramente sem suportes sociais organizados. (RAMOS, 1961, p. 100).

Estimulado pela conjuntura política que o teria levado ao poder, de ampla vitória praticamente à revelia dos grandes partidos, Jânio Quadros postar-se-ia como único mandatário legítimo, desconsiderando as instituições representativas e dirigindo-se diretamente ao povo. Para entender tal quadro, Guerreiro Ramos lançou mão do conceito de bonapartismo.[227]

Tecnicamente, quando um Governo se põe acima da sociedade política, considerando-se livre de vinculações partidárias, verifica-se o quadro do bonapartismo. O bonapartismo suspende a força política das classes sociais e as transforma por assim dizer em suplicantes diante do Estado. Então o povo, partidariamente desorganizado, passa a ser aparente sustentáculo do poder. O chefe bonapartista, por cima das classes, por cima dos partidos, busca o apoio direto do povo. (RAMOS, 1961, p. 37, grifos do autor).

As análises de K. Marx (em O 18 brumário de Luís Bonaparte), fonte teórica do conceito, embora fossem de domínio do autor, não eram sua influência imediata, e sim Robert Michels (mormente em Os partidos políticos).[228]

Assim, quando "o Sr. Jânio Quadros passou a colocar-se acima da sociedade política" (RAMOS, 1961, p. 37, grifos do autor), o bonapartismo teria se tornado uma possibilidade (frágil, por sinal); sendo "fenômeno passageiro", sua ocorrência dependeria do comportamento das classes e do nível de reivindicação que empreendessem, principalmente, na questão da inflação como "problema político", palco de disputas por participação na renda. Arriscando-se a uma predição, Guerreiro Ramos afirma que: "As contradições entre o setor tradicional e o de vanguarda de nossa economia chegaram hoje a tal agudeza que não é possível o bonapartismo, ou seja, não é possível um Governo neutro, acima das classes sociais" (RAMOS, 1961, p. 40).

E adverte:

Se o Governo pretende corrigir a inflação sem afetar os níveis de renda do setor estacionário da economia, terá de recorrer à política de força, a um regime ditatorial e, portanto, colocará os empresários de vanguarda e os assalariados diante de um desafio que terá de ser conjurado pela revolução, a menos que busque em tempo útil os seus suportes sociais nessas últimas categorias. (RAMOS, 1961, p. 40-1).

O bonapartismo não seria algo inédito na política brasileira, segundo Guerreiro Ramos, o próprio Estado Novo "preparou meticulosamente a implantação do que temos chamado de bonapartismo estado-novista" (RAMOS, 1963, p. 34), e as circunstâncias – avaliava – abriam novamente essa possibilidade. Porém, a realidade econômica e social do país não favoreceria um bonapartismo duradouro, as disputas econômicas – principalmente em relação ao ônus da inflação e à decorrente disputa política por renda – davam um tom de radicalidade à conjuntura e, ao longo do tempo, inviabilizaria a existência de tal estilo de governo. Sem apoio dos partidos e de outras instituições da sociedade civil seria inócuo o apelo direto ao povo – este, quando desorganizado politicamente, seria apenas uma abstração.

A posição "olímpica" do Governo Jânio seria assim o equilíbrio no gume da navalha, ademais, não seria o pretenso gênio maquiavélico de Jânio que propiciaria essa situação: "as veleidades bonapartistas do atual Governo não são fortuitas. Explicam-na a perda de representatividade dos partidos, dos aparelhos partidários" (RAMOS, 1961, p. 41). As pretensões do governante de elevar-se único por sobre a sociedade política dever-se-ia à fragilidade das outras instituições, mediadoras entre o poder central e o povo.

Haveria assim uma forte incongruência entre o exercício do poder e a realidade social do país, uma crise do poder, devido à falta de alicerces institucionais que garantissem legitimidade e sustentação duradouras. À expansão da sociedade política e à emergência de novos sujeitos, não haveria uma (proporcional) correspondência em termos de representatividade, institucionalidade e consolidação de formas políticas mais avançadas.[229]

Frente tais desafios, Guerreiro Ramos ocupou-se com o entendimento do processo político brasileiro e a evolução das formas de organização e procedimento na defesa de interesses e suas diferentes modalidades, às quais o autor se refere como "tipos "ideais" de política"; mesmo havendo uma evidente sucessão entre elas, senão absoluta ao menos na predominância em dado momento, não seriam rigorosamente "realidades históricas", podendo mesclar-se, combinar-se com outras e/ou ocupar espaços restritos – mais distantes ou menos importantes (RAMOS, 1961, p. 49-62). Seriam elas:

1) política de clã: dominante no Brasil colonial, configurar-se-ia nos clãs (como os definiu Oliveira Vianna), em comunidades com laços de parentesco e dependência pessoal; o poder privado dominaria, não havendo nem mesmo noção do que era o público; a autoridade do senhor territorial seria incontestável;

2) política de oligarquia: apareceria sob a forma de clã eleitoral (como também o definiu Oliveira Vianna) quando do aparecimento do Estado-nação e predominaria até aproximadamente o final da República Velha nas várias ordens de governo (municipal, provincial-estadual e geral-nacional); reconheceria juridicamente a coisa pública, mas utilizá-la-ia como coisa privada e auferiria obediência por meio do compadrismo e familiarismo, empregando nos serviços do Estado somente os apaniguados;

3) política populista: iniciada no pós-45, marcaria um momento particular da evolução histórico-política do Brasil, no qual predominariam líderes ligados por laços de lealdade a categorias sociais;

4) política de grupos de pressão: disseminar-se-ia onde houvesse relativa complexidade da estrutura econômica e social; reconheceria o fundamento público do poder e a ele apelaria (especificamente junto às autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário), procurando condicionar-lhe favoravelmente as decisões em detrimento do interesse geral. Por serem organizados, esses grupos exerceriam verdadeiro monopólio dos meios de comunicação e de círculos do mundo econômico e financeiro;

5) política ideológica: seria "exigência fundamental" daquela fase do Brasil na qual já estariam constituídas as classes sociais; seria "exercida do ponto de vista sistemático, de classes ou de categorias sociais, que supõe o povo eleitoralmente livre, em que a adesão dos eleitores tem de ser conquistada pela representatividade dos candidatos e dos partidos" (RAMOS, 1961, p. 60); sendo a ideologia forma de justificação de interesses, cada grupo seria "compelido a procurar influenciar o aparelho estatal e mesmo a controlá-lo, proclamando a racionalidade de suas pretensões, a vantagem coletiva do prevalecimento de seu ideário no exercício do poder" (RAMOS, 1961, p. 62).

O tipo populista de política, segundo o autor, predominante no pós-1945, apareceria concomitantemente a noções como de "espírito público", de "respeito à opinião", e pressuporia ao menos um mínimo de probidade nas eleições; não apelaria a relações de parentesco ou familiarismo, sendo o chefe político (no caso) um delegado de interesses, do qual se esperaria vantagens para a categoria social: cargos, favores e facilidades por meio da manipulação de órgãos do Estado. Para conseguir obediência, o chefe apelaria a uma vaga solidariedade social e ligar-se-ia aos liderados por uma espécie de confiança pessoal, por meio da qual conseguiria sensibilizar politicamente realizando "algo pela categoria" (RAMOS, 1961, p. 55). As figuras exemplares dessa política seriam: Getúlio Vargas, João Goulart, Ademar de Barros, Jânio Quadros, Tenório Cavalcanti – entre outros.[230]

Como política, o populismo seria um avanço em relação à política de clãs e oligarquias, mas seus quadros seriam incapazes de atingir um nível de política ideológica e estabelecer uma "coerente concepção militante a serviço de camadas sociais definidas" (RAMOS, 1961, p. 57). Assinala Guerreiro que, historicamente:

O populismo é uma ideologia pequeno-burguesa que polariza a massa obreira nos períodos iniciais da industrialização, em que as diferentes classes ainda não se configuraram e apenas despontam, de maneira rudimentar. Em tais condições, a debilidade relativa do incipiente sistema produtivo não permite que as categorias dos trabalhadores tomem parte nas lutas políticas em obediência a programas próprios ou diferenciados. Ao contrário, justapõem-se num agregado sincrético, que pode ser considerado como o povo em estado embrionário. Esses contingentes recém-egressos dos campos ainda não dominaram o idioma ideológico. Seu escasso ou nulo enquadramento e treino partidário, sua tímida consciência de direitos, eis o que os torna incapazes de exercer influência pedagógica em seus líderes, os quais por isso mesmo, não precisam ir além de um libertarismo superficial em suas maneiras e ação. (RAMOS, 1961, p. 56-7).[231]

As transformações pelas quais estaria passando o país – de emergência do povo, de um estilo de política ideológica, de fortes e freqüentes demandas sociais, de crise do poder – inquietaram Guerreiro Ramos a ponto de refletir sobre a estrutura institucional e verificar um desajuste, um descompasso com relação à dinâmica sociopolítica da sociedade brasileira; se havia algum tempo diagnosticado o "disparate" – termo tomado a Silvio Romero – da transplantação de idéias e instituições, depois a importação disfuncional de conceitos para o contexto brasileiro, agora vislumbrava uma crise das instituições.[232]

Dentre as instituições em crise, estaria o Estado brasileiro. Se de um lado o autor mantinha evidente confiança no potencial racionalizador, planejador, do Estado como entidade superior e guardião da coisa pública, de outro, detectava em determinadas práticas arraigadas o mau uso da máquina e deformações de gestão no sentido de privilegiar interesses privados, setoriais e parasitários. Percebia que grassava o clientelismo e o privatismo como formas de instrumentalização do estatal em benefício de interesses particularistas; de igual modo, reprovava a atuação do Estado como instrumento de amortização de conflitos, inchando a máquina estatal com contratações acima das necessidades reais (em parte devido à falta de ocupações no setor produtivo privado), empregando – principalmente – a classe média tradicional (muitas vezes, sem preparo para desempenhar tais funções) e fazendo funcionar assim um mecanismo de cooptação para dirimir tensões resultantes da possível insatisfação social.[233]

Também no Brasil a Universidade (e os órgãos oficiais para educação, ciência e cultura) estaria assolada pela "cartorialização", pelo "clientelismo na distribuição de auxílios, de funções e cargos", pelo privilégio a pessoas sem qualificação ou capacidade reconhecida. O Brasil não teria "política" com respeito à ciência e à cultura; essa lacuna não se deveria ao Governo – que se esforçaria em formulá-la – e sim à resistência e à inércia dos que, entrincheirados em seus privilégios, comprometeriam o êxito das mudanças. Junte-se a isso a insistente crítica que fazia ao mau uso dos recursos: em pesquisas alheias às reais demandas da sociedade brasileira e por "outras razões mais graves" – as quais não declina (RAMOS, 1960, p. 206).[234] Depreende-se que, para Guerreiro Ramos, a comunidade universitária brasileira estaria também refugiada institucionalmente num passado de elitismo, escolasticismo, impermeabilidade às legítimas demandas sociais e auto-isenção de responsabilidades quanto ao seu papel. Embora à época de criação recentíssima, para o autor, a Universidade brasileira seria profundamente arcaica.

Nem todas as instituições eram reprovadas no crivo tão severo do autor, havia uma que considerava sensível às novas tarefas e ao eco das ruas: o Exército, que se conduziria "de maneira lógica", pois...

[...] essa instituição, de raízes tão profundas no seio do povo, sai invariavelmente de sua posição discreta, toda vez que a comunidade brasileira, por incapacidade temporária das instituições civis, fica exposta a um desvio em sua evolução. As peculiaridades sociais da formação do Exército no curso de nossa história fizeram-no uma instituição diretamente aberta às autênticas tendências políticas da coletividade. A sensibilidade política do Exército é uma virtude saudável da estrutura do País. Por isso o grau de politização que o Exército atualmente manifesta dá a medida da crise de desenquadramento institucional em que se encontra a opinião popular. Essa crise só poderá ser conjurada quando o Congresso coincidir ideologicamente com o mandato que o instaurou e os partidos, o aparelho sindical e demais instrumentos de expressão da vontade do povo se penetrarem do novo sentido da evolução brasileira. (RAMOS, 1960, p. 24-5).[235]

A própria inquietação do Exército dever-se-ia à inaptidão das instituições civis, ou seja, o ônus da crise deveria ser pago pelas instituições mais "abertas" e/ou de caráter representativo e, se Guerreiro Ramos não clama pela intervenção dos militares para dar "lisura" e "organização" aos procedimentos, também não atribui a devida parcela de responsabilidade da crise aos militares – pelas constantes interrupções do processo de constituição de representação política e consolidação de rituais democráticos. O apelo ao Exército (e não às Forças Armadas!) como "sensível" guardião da normalidade política denotava a confiança ingênua do autor num setor nacionalista aparentemente predominante naquela instituição. 1964 deixará claro o equívoco dessa posição do autor.

Aos sindicatos, todavia, é dada "sua" parcela de responsabilidade na referida crise, a crítica vem avassaladora, condenando toda a estrutura sindical que na época era um dos sustentáculos do poder – e o seria mais fortemente ainda no Governo Jango:

[...] a estrutura sindical vigente, [é] toda ela marcada por um vício de origem: o de ter sido outorgada pelo Estado, implantada de cima para baixo, propiciando a formação de uma burocracia sindical parasitária, de que o peleguismo é a conseqüência mais notória. Tudo isso impede a representação autêntica das aspirações do proletariado. (RAMOS, 1960, p. 24).

Embora afirmasse que sem o peleguismo talvez as massas trabalhadoras ainda estivessem entregues a formas incipientes de luta, como o espontaneísmo (RAMOS, 1961, p. 92), o autor vislumbrava a possibilidade de uma outra evolução para o movimento sindical:

Quem quer que estude a história das lutas sindicais no Brasil verá que na década de 1920 já existia consistente agitação nos meios operários. A legislação trabalhista que se implantou depois da Revolução de 1930 atendeu a uma pressão de massa. E não seria temerário afirmar que o Golpe de 10 de novembro de 1937 [instauração do Estado Novo] teve muito do que chamamos de revolução assumida. (RAMOS, 1963, p. 60).

O pensamento do autor nitidamente encampava a radicalização do período, insinuava-se à esquerda e, nesse processo, também efetuava certa revisão da história do Brasil, vislumbrando outras possibilidades do acontecer histórico.[236] As circunstâncias daquele presente – efervescência política, sindicalismo na berlinda, peleguismo, constante disputa por hegemonia entre setores sindicais de variadas orientações ideológicas, etc. – levaram o autor a questionar a herança sindical corporativa e estatizante e aventar uma outra evolução do movimento sindical no Brasil, bem como as condições que propiciariam a efetivação da autonomia sindical.

Destarte, quem mais intensamente recebeu críticas da parte de Guerreiro Ramos foram, sem dúvida, os partidos políticos – daí depreende-se também a importância que atribuía a essa instituição (partido) como organizadora e mediadora racional de conflitos e interesses. A crítica não se dirige a tais ou quais partidos, ou à atuação circunstancial desses, mas à própria instituição em sua conformação e existência histórica: "a crise não é, portanto, bem de partidos isolados, é da organização partidária do País" (RAMOS, 1961, p. 97).

Os partidos no Brasil já haviam sido definidos pelo autor – de modo similar a Oliveira Vianna – como "ganglionares": ajuntamento de interesses privados, instrumento de exclusão e de manutenção do poder por uns poucos que os manobravam. "Podemos assim resumir a história dos partidos desde a Independência até quase os nossos dias na fórmula: foram instrumentos institucionais a serviço da circulação de elites. E não podiam ter sido outra coisa" (RAMOS, 1950, p. 71).

Somava agora ele aos vícios de origem a profunda crise que assolava os partidos naquela conjuntura, fato marcante da crise teria sido o pleito eleitoral para Presidente da República (em 1960), no qual um candidato (Jânio Quadros) teria sido eleito mantendo uma postura alheia aos partidos – e mesmo manifestando-se contra eles.

Num momento em que – ponderava Guerreiro – o país estaria "politicamente vertebrado" (RAMOS, 1961, p. 98) e o Congresso nunca teria tido tanto poder no Brasil (RAMOS, 1961, p. 214), a crise mostrava-se-lhe como algo extremamente sério. Vide o dramático diagnóstico que fazia:

Desarticulados das correntes de opinião e das categorias sociais, descaracterizados perante o público, viciados no jogo de vantagens sem verdadeiro alcance social, os partidos não foram capazes de apresentar os termos da última sucessão [eleição presidencial de 1960] de modo que refletissem a radicalidade que marca hoje os projetos das diferentes categorias sociais. (RAMOS, 1961, p. 41).[237]

Naquele desafiador momento da sociedade brasileira, no qual – segundo o autor – o povo emergia para cobrar seu papel fundamental de sujeito político, quando a política evoluía para uma forma "ideológica" e decaíam as modalidades políticas exclusivistas e arcaicas, o fulcro da crise seria a perda da capacidade de interpretar os anseios da sociedade política e dar vazão às demandas na forma de reivindicações legítimas e participação, ou seja, seria uma crise de representatividade:

A crise de representatividade não pode ser mais explicada pela ausência do povo, mas essencialmente pela inadequação dos institutos partidários à nova realidade social e econômica do País. Nas condições anteriores, o que se verificava na esfera decisória do País era simples circulação de elites, isto é, mero rodízio de ocupantes eventuais das posições de mando, sem alteração significativa do estatuto econômico e social. Hoje, entretanto, trata-se de organizar uma sociedade funcional, em cujo Estado se afirma o poder das camadas sociais na proporção do que contribuem para o enriquecimento da nação. Suficientemente dotadas de consciência desse imperativo, as diferentes categorias do eleitorado brasileiro não mais aceitam comandos partidários munificentes. (RAMOS, 1961, p. 44).

A falta de representatividade dos partidos adviria de um "descompasso entre o grau de consciência política das diferentes camadas da população e a representação partidária" (RAMOS, 1960, p. 217), não bastasse, os partidos desdenhariam do eleitorado e, sem ouvi-lo, as cúpulas partidárias indicariam candidatos que não teriam respaldo político (e nem ao menos se afinariam com o partido), apenas por esses indivíduos possuírem recursos financeiros pessoais, em detrimento dos postulantes mais qualificados, mas com uma condição econômica ínfima (RAMOS, 1960, p. 218).

Assim, alheios às transformações, os partidos perdiam de vista a evolução política dos eleitores.

A crise dos partidos em nossos dias resulta de que ainda continuam em grande escala viciados pelas superadas práticas oligárquicas e populistas, sem se darem conta da mudança qualitativa ocorrida nos últimos anos na psicologia coletiva do eleitorado. Este se orienta cada vez mais por critérios ideológicos e, assim, perdeu o temor reverencial pelos grandes nomes que, em outros tempos, mantinham-se indefinidamente nas posições de mando, graças à docilidade de eleitores cativos. (RAMOS, 1961, p. 60).

Os partidos estariam tornando-se "ficções institucionais" (RAMOS, 1961, p. 97), seria mister que se reestruturassem, visando qualificação para expressar a vontade dos eleitores de modo ideologicamente coerente; a solução para essa crise de representatividade – segundo o autor – seria a organização, "Organização que os habilite à prática da democracia interna e do trabalho de massa em caráter sistemático e permanente" (RAMOS, 1961, p. 45).

Outro instrumento válido seria a "luta interna" aos partidos como forma de dinamizar sua atuação e lapidá-los ideologicamente, mecanismo que – nesse aspecto, embora o autor não comente – a radicalização política do momento estava fazendo surgir "instintivamente" nos partidos: a UDN reunia o grupo reacionário da Banda de Música e o conservadorismo renovado da Bossa Nova; o PSD tinha em seus quadros experimentados oligarcas e, como contestadores dos antigos modos, a Ala Moça; no PTB, adesistas e pelegos coexistiam com o reformismo do Grupo Compacto; e o PCB, com a turbulência causada pela "desestalinização" e suas conseqüências (a partir das denúncias de Khrushev no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956), punha em pauta a questão democrática (Declaração de Março, 1958), entrava em ebulição política e, em 1962, cindia-se dando origem ao PC do B, além disso, enfrentava lutas internas ocasionadas pela divergência de projetos e estratégias que amadureciam no interior do partido (SEGATTO, 1981). Não obstante, nasciam grupos organizados que não se constituíam oficialmente como partidos: Polop (Política Operária), AP (Ação Popular), Ligas Camponesas, etc., mas funcionavam como tal.

Nítida, a fragilidade dos partidos na conjuntura daquele início dos anos 1960 ficava patente na organização – principalmente parlamentar – de frentes que ultrapassavam em muito o âmbito dos partidos e das alianças mais imediatas. A polarização esquerda versus direita expressava-se no enfrentamento entre Frente Parlamentar Nacionalista (à esquerda) e Ação Democrática Parlamentar (à direita), extrapolava o comando partidário e estabelecia um corte ideológico que transpassava os partidos conforme a afinidade política com uma das frentes, atingindo assim a maior parte das agremiações.[238] Se por um lado a ADP era formada por variados elementos e setores tradicionalmente identificados com o conservadorismo e a reação, de outro, a FPN – mais heterogênea ainda – tinha em seus quadros certa maioria de petebistas (29 membros), mas também parlamentares da UDN (10), do PSD (12) e de outros partidos (9) – PCR, PR, PSP, PSB, PCB[239]- (DELGADO, 1989, p. 208).

Interna ou externamente, perpassando seus âmbitos ou extravasando-os, os partidos – na leitura de Guerreiro – esvaziar-se-iam como vetores das forças sociais em litígio, a polarização ideológica e as dificuldades em expressar/representar os anseios políticos dos grupos sociais relegá-los-iam a certa debilidade institucional, abrindo canais de contestação da ordem.

Tal situação nos reconduz ao suposto estratagema de Jânio (e o momento bonapartista) e as advertências de Guerreiro Ramos: como poderia Jânio se apoiar nas instituições de representação política, dentre as quais seriam privilegiados os partidos, se esses se mostravam tão fragilizados? Mesmo assim lhe dariam sustentação política? Referida sustentação seria suficiente? Essa relação traria prudência e conseqüência ao governante e renovação – em termos de adequação às demandas e expressão ideológica – aos partidos? Ou ambos seriam reféns da crise? Tais questões foram elididas na análise feita pelo autor.

A crise dos partidos, como não poderia deixar de ser, também teria afetado – segundo o próprio Guerreiro – o partido (PTB) e a facção (Grupo Compacto) ao qual estava ligado; além dos motivos que afligiriam as outras organizações partidárias, o Partido Trabalhista Brasileiro sofreria também de males peculiares: teria pretensões a ser o legítimo representante dos trabalhadores, mas ainda não estaria à altura do papel.[240]

Na análise do autor o ciclo inicial do trabalhismo no Brasil teria se esgotado, a presença da liderança paternalista de Jango seria já algo nocivo e a eleição de Almino Afonso – assim como Guerreiro, membro do Grupo Compacto do PTB e opositor interno àquela modalidade de atitude política – para a liderança da bancada no Congresso seria o indicativo do aumento das tensões internas.[241]

Ao criticar as deficiências do partido, Guerreiro Ramos esboçou um quadro do que chamou de "doenças do trabalhismo", a saber:

1) varguismo: culto de Vargas, "resíduo emocional" que incitaria a crença popular na bondade intrínseca do carismático líder;[242]

2) janguismo: "legado político do varguismo" (Jango seria continuador de Vargas), que pecaria por não renovar seus métodos, pois isso faria declinar sua influência;

3) peleguismo: "subproduto do varguismo", "irmão siamês do janguismo", consistiria na ação de sindicalistas burocratas que agiriam como conciliadores entre trabalhadores e governo, impedindo a concretização de um movimento obreiro forte e decidido, ainda que, sem ele, possivelmente as massas ainda estivessem relegadas a formas voluntaristas ingênuas de organização;

4) expertismo: tentativa de fazer-se teórico do partido "de cima para baixo", desrespeitando as experiências das lutas (RAMOS, 1961, p. 90-3).

Dentro do PTB, Guerreiro posicionava-se como uma espécie de "teórico" – de tendência à esquerda – do Grupo Compacto, cujos integrantes principais (em sua maioria do Rio de Janeiro e da Guanabara) eram Sérgio Magalhães, Almino Affonso, Luiz Fernando Bocaiúva Cunha, Fernando Santana, Armando Temperani Pereira, Clidenor Freitas e Doutel de Andrade. O grupo lutava por uma política "ideológica" – contra o que identificavam como "populismo" – e exigia uma posição nacionalista agressiva do Governo Federal: limitação do capital estrangeiro, incentivo à indústria nacional e compromisso com as reformas de base (agrária, urbana, bancária, tributária e universitária).[243] Seus parlamentares integravam a Frente Parlamentar Nacionalista e, após os acontecimentos de 1964, pagaram caro por suas posições (DELGADO, 1989, p. 206).[244]

Os embates políticos de Guerreiro Ramos acirravam-se não somente no âmbito do partido. Em 1961, escreve um manifesto chamado "Trabalhismo e marxismo-leninismo" – redigido pelo autor a pedido de membros da Executiva do PTB (seção da Guanabara) –, que se constitui de uma declaração de princípios, na qual procurou definir as posições do partido (conforme a ótica de seu grupo) e fustigar os adversários de esquerda (particularmente o PCB). O teor é o seguinte:

1) o Partido Trabalhista Brasileiro [...] tem como objetivo principal a emancipação econômica, social e política do povo brasileiro, mediante o desenvolvimento independente da nação e a instauração no País de um Poder a serviço exclusivo dos interesses da coletividade brasileira;

2) o PTB só defende soluções brasileiras para os problemas brasileiros, repudia diretivas estranhas à realidade nacional, o comando ideológico externo das lutas sociais dos trabalhadores brasileiros, e não reconhece validade objetiva no marxismo-leninismo, doutrina que, historicamente sob o disfarce de ciência, tem sido instrumento de direção monopolística, em escala mundial, de movimentos políticos e agitações de massa;

3) o PTB na defesa dos interesses das massas obreiras proclama a sua vocação socialista, mas não admite nenhum figurino pré-fabricado de socialismo, o qual só poderá vingar no Brasil, na medida em que for gerado pelas condições particulares da história do nosso povo;

4) o PTB [...] conclama todas as forças populares à união, a fim de [...] elegerem aos postos parlamentares candidatos autenticamente nacionalistas;

5) o PTB está aberto a alianças que, sem prejuízo de seus princípios, contribuam para a constituição de sólida frente popular contra os inimigos das causas dos trabalhadores. (RAMOS, 1963, p. 217-8, grifos nossos).

Tal envolvimento levou-o a pleitear uma cadeira parlamentar.[245] Candidato a deputado federal pelo PTB da Guanabara (em 1962), não foi eleito pela falta de aproximadamente 900 votos; tornado suplente, assumiu o mandato em agosto de 1963 e atuou até 18 de abril de 1964, quando foi cassado pela ditadura militar – seu nome foi incluído numa das primeiras listas de cassação.

Durante seu curtíssimo mandato teve intensa atuação parlamentar, manifestando-se na grande maioria das sessões e apresentando vários projetos, entre eles: sobre as patentes industriais no Brasil,[246] pela regulamentação do exercício da profissão de técnico de administração[247]reclassificação das carreiras do serviço público e pela obrigatoriedade de apresentação – por parte dos presidentes da República eleitos – de um Plano Qüinqüenal até 180 dias após a posse. Nas suas comunicações em plenário, defendeu o aumento salarial e a adoção da escala-móvel de salários, aumento salarial para os funcionários públicos, o direito de resposta nos órgãos de imprensa, as reformas de base (e a reforma agrária em particular), a Lei de Remessa de Lucros, o controle do câmbio e a Instrução 263 da SUMOC,[248] a neutralidade como política externa, o restabelecimento de relações comerciais e políticas com a China, a legalização do PCB, o apoio ao Panamá na questão contra os EUA, etc. Em debates no plenário, manifestou-se da seguinte forma: defendeu Jesus Soares Pereira[249]da "acusação" de ser comunista, pediu esclarecimentos sobre a possível influência e financiamento norte-americano em órgãos planejadores do governo, defendeu uma posição nacionalista de esquerda e denunciou o "falso dilema" – interno e externo – de uma escolha radical entre "esquerda" e "direita", "ianques" e cubanos/chineses/soviéticos; criticou o PCB (como partido "burguês"), o marxismo-leninismo e Carlos Lacerda;[250] e defendeu o socialismo. Às vésperas do golpe – a três de março de 1964 – apelou para que as forças políticas nacionais abandonassem as posições radicais e procurassem um denominador comum que as conduzisse à solução dos problemas nacionais e, em 23 de março de 1964, fez uma análise do "fenômeno Goulart", afirmando que "os decretos baixados pelo chefe do Executivo – quando do comício do dia 13 do corrente [março de 64] – [251]caracterizam a gestação da forma do movimento revolucionário brasileiro, necessitando, agora, da reforma do poder, com a alteração radical de sua composição" (DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISAO E REDAÇAO DA CAMARA DOS DEPUTADOS, 1983, p. 173-4 e passim).

5. A crítica em combate

As incursões críticas de Guerreiro Ramos, em imbricação às batalhas políticas, dirigiram-se a autores, organismos, concepções e modalidades de ação, ou seja, a todo tipo de reflexão e prática socialmente significativa que pretendesse uma intervenção social, já que toda prática suporia uma teoria (e vice-versa) – argumentava. Longe de apreciar estilos, proceder exegeses de textos ou avaliar idéias conforme instrumentos formalistas relacionados a cânones, pretendia uma análise que considerasse as idéias, ações, os sujeitos, o contexto e as intencionalidades envolvidas.[252] Adicionado o tempero – acre – de sua verve.

Elegeu o autor como interlocutores (e adversários) várias personalidades e instituições, dentre as quais alguns ícones da esquerda: o ISEB, o PCB e o marxismo-leninismo.

O ISEB – segundo Guerreiro Ramos, em 1961, logo após sua saída – teria se tornado "o Santo Ofício do nacionalismo" e funcionaria como "agência doutrinária", cujos líderes "do antigo "aparelho" nacionalista chegaram a propor para o cargo de diretor um professor de lá que era revendedor da Shell e funcionário do serviço jurídico da Light" (RAMOS, 1961, p. 121);[253] teria ainda se transformado numa "agência eleitoreira, e ultimamente, numa escola de marxismo-leninismo, com honrosa exclusão talvez de alguma dissidência, devidamente neutralizada" (RAMOS, 1963, p. 10). Para ele, o ISEB teria sido um dos comitês em prol da candidatura presidencial – em 1960 – do Mal. Lott e tornado-se um "botequim eleitoreiro" (RAMOS, 1961, p. 110).[254]

Anos depois, em 1980, sentenciou:

[...] jamais me identifiquei com os intelectuais que transformaram a sigla [ISEB] do que erroneamente muitos acreditavam ser legítima institucionalização da redução sociológica numa bandeira de proselitismo. Em retrospecto, contemplo os curtos três anos de minha associação com eles, como circunstância de que não me lembro sem constrangimento. (RAMOS, 1983a, p. 541).

O nacionalismo isebiano – segundo ele – teria se perdido em taticismos e hipocrisia, abandonando a tarefa maior de elevar-se como intelligentzia (no sentido mannheimiano) – daí talvez sua preferência pelo IBESP (OLIVEIRA, 1995, p. 154).[255]

No final dos anos 1950 e começo dos 1960, quando Guerreiro Ramos lança-se às questões políticas mais iminentes, o PCB torna-se um importante interlocutor. Defensor da legalização do partido (proscrito desde 1947, no Governo Dutra), referia-se constantemente a ele na condição de opositor, mas também de um possível aliado, desde que migrasse para o campo nacional, abandonando as "diretrizes soviéticas".

Nas considerações do sociólogo, o PCB teria entre seus quadros "considerável parte da fina flor da inteligência brasileira" e, freqüentemente, levaria a esquerda a reboque, pois seria a única organização partidária de esquerda no Brasil com imprensa e quadros de militância organizados e disciplinados (RAMOS, 1961, p. 106-7). Um excelente aliado na luta política que, todavia, quando na direção do processo político, efetuaria lances temerários – como o apoio à candidatura do Mal. Lott.

Guerreiro Ramos caracterizava o PCB como "essencialmente agência pequeno-burguesa, de débeis raízes no proletariado" (RAMOS, 1961, p. 107) e apoiava a luta renovadora da facção interna que pretendia se distanciar da influência de Moscou e encontrar novos caminhos para a revolução no Brasil. Nutria, assim, simpatia pelos membros do PCB que discordavam das posições "oficiais", pois mesmo havendo em curso na direção do partido um processo de desestalinização e desconfiança quanto às diretrizes soviéticas, via nisso uma continuidade, uma revisão a partir de dentro para manter o status quo.[256] Ao mesmo tempo, golpeava também os tradicionais adversários do stalinismo: "O trotskista é um desses socialistas idílicos, que não compreendem, como já se assinalou, que os ideais só se realizam pervertendo-se" (RAMOS, 1961, p. 115).

No fundo, sua grande desavença como o PCB era o que considerava ser a adoção pelo partido do marxismo-leninismo, que reputava ser para o Brasil – como para nações como Cuba, Guiné, Gana, Argélia – um prejuízo, "uma ideologia restrita do campo soviético, que só tem valor subsidiário" (RAMOS, 1961, p. 109). Ou seja, uma idéia importada, fora de contexto, logo, disfuncional aos objetivos políticos.

Em Mito e verdade da revolução brasileira, de 1963,[257] livro no qual pretende fazer a "crítica revolucionária da revolução brasileira" (RAMOS, 1963, p. 9), investe decididamente contra a visão da esquerda – particularmente contra o que interpretava ser a visão predominante na política do PCB – do que seria a revolução brasileira. Discute ali demoradamente a revolução, estratégia, tática, limites, princípios, condições objetivas e subjetivas, etc., condenando o que entendia por marxismo-leninismo: uma corruptela da filosofia, ideológico e positivista, criação burocrática dos sucessores de Lênin e fruto do autoritarismo bolchevista.[258]

Acercou-se de autores como Trotski, Kautsky, Rosa Luxemburgo, Lukács, Henri Lefebvre, Karl Korsch, G. Nagy, Sultan Galiev, B. Brecht, etc., e procurou caracterizar o marxismo-leninismo como uma perversão do pensamento de Marx, Engels e mesmo de Lênin – embora não o poupe na questão do modelo de partido, considerado como uma apologia da organização (no sentido de dominação da vida social). Infidelidade à práxis e desrespeito à realidade brasileira, eis os problemas cruciais do marxismo-leninismo como ideologia da revolução.

Pouco tempo antes, em artigo publicado na revista Estudos Sociais ("Correntes sociológicas no Brasil", nº 3-4, de set./dez. 1958), Jacob Gorender, então militante do PCB, referia-se às análises do livro de Guerreiro Ramos (A redução sociológica, 1958), afirmando que...

Nós comunistas, consideramos, e já o dissemos numa Declaração [de Março de 1958] que esta contradição [nação x antinação, identificada por Guerreiro Ramos] se tornou a principal, a dominante da sociedade brasileira, no atual período de sua vida. Trata-se de uma contradição que polariza a nação em desenvolvimento, com as suas forças progressistas e revolucionárias em expansão (dentro de marcos capitalistas, únicos possíveis no momento), em oposição ao imperialismo norte-americano e aos círculos econômicos e sociais, que o apóiam internamente [...] O sr. Guerreiro Ramos chegou à essência do processo histórico [...]. (GORENDER, 1996, p. 207-8).[259]

Porém, para o crítico, Guerreiro Ramos não o teria feito "sem padecer de estreiteza específica". Gorender condena-lhe o "ecletismo" e a recorrência às filosofias "burguesas" (como a fenomenologia, o existencialismo) e a autores como Husserl, Heidegger, Jaspers e Mannheim; reprova ainda a concepção de uma "ideologia do desenvolvimento" (cujo formulador seria o ISEB), de uma "sociologia nacional" e o que entendia ser uma tentativa de submeter as massas à ideologia burguesa por meio da dissimulação das contradições de classe. E arremata: "Limitamo-nos a assinalar este fenômeno bem brasileiro: ideólogos da burguesia de um país subdesenvolvido, a qual ainda tem um papel progressista a desempenhar, aceitam como padrão espiritual a filosofia decadente da burguesia imperialista" (GORENDER, 1996, p. 216).

Guerreiro, que naquele momento experimentara de seu próprio veneno, defendeu-se (em prefácio escrito em 1963 para a 2ª edição de A redução sociológica, de 1965) alegando que Gorender recusava Husserl, Heidegger, a fenomenologia, o existencialismo e o "isebianismo" – do qual não se considerava herdeiro – [260]e não propriamente as formulações dele, Guerreiro. Esclareceu então sua relação (e influências) com tais autores e filosofias, e acrescentou que Gorender deveria ler mais detidamente seus livros (principalmente O problema nacional do Brasil, A crise de poder no Brasil e Mito e verdade da revolução brasileira, todos posteriores ao artigo de Gorender), nos quais encontraria as referências ao ponto de vista proletário, à totalidade e à comunidade humana universal. E, finalmente, contrariando os adeptos do "marxismo institucional", sentenciou que a questão não passaria mais por juras de ortodoxia, uma vez que: "Não somos nem marxistas, nem antimarxistas. Somos pós-marxistas" (RAMOS, 1996, p. 35).

Ainda que Guerreiro Ramos muito se concentrasse em cerrar fogo nas posições da esquerda, a direita não foi poupada: teceu críticas às ideologias conservadoras, buscando entender tais práticas em correspondência com as respectivas origens sociais e concepções de mundo. A vida intelectual – para ele – poderia ser abordada em termos de "famílias", grupos de pensadores aproximados por suas afinidades conforme uma "morfologia social do espírito ou da inteligência" (RAMOS, 1960, p. 141). Três dessas famílias são analisadas pelo autor, sendo que duas delas enquadram-se no que se pode nomear como pensamento conservador (MANNHEIM, 1959) ou "de direita": a defesa da ordem e da reação.

No ensaio "A ideologia da ordem", presente em A crise do poder no Brasil (1961), o sociólogo aborda as idéias de um grupo intelectual católico brasileiro – óbvio que nem todos os pensadores católicos de então compartilhavam das idéias dessa estirpe – [261]formado por Jackson de Figueiredo, Hamilton Nogueira, Alceu Amoroso Lima, Alcebíades Delamare, Durval de Morais, Perilo Gomes, Pe. Assis Memória, Cardeal D. Jaime Câmara, Arcebispo D. Helder Câmara, Gustavo Corção, Gladstone Chaves de Melo, Juarez Távora, Eduardo Gomes, Fernando Carneiro, Carlos Lacerda, José Artur Rios e outros, que primariam pela defesa daquela ideologia.

Nota-se a menção a pessoas dedicadas integralmente ao ofício intelectual, "homens de ação", políticos, etc., indicando que Guerreiro Ramos não considerava o pensamento social como algo contemplativo ou profissional, nem media a validez do estatuto teórico pela condição canônica, erudita, rigorosa ou sistemática, mas pela confecção de idéias que representassem uma perspectiva socialmente significativa. Inspirado em Jacques Maritain,[262] que por sua vez retomou a antiga noção escolástica de habitus, Guerreiro Ramos diferenciava entre sociologia (e saber) em hábito e sociologia em ato. Assim, a sociologia em ato já seria algo presente no Brasil, antes mesmo de sua institucionalização acadêmica.

Na gênese daquela "ideologia da ordem", estaria o integrismo, concepção cujo excessivo compromisso temporal tenderia a identificar o catolicismo com a defesa da organização econômica em voga e a "civilização ocidental", aferrando-se a isso como valores e distanciando-se das camadas populares – sua expressão máxima seria o pensamento de Jackson de Figueiredo. Este, fundador do Centro Dom Vital e da revista A Ordem, teria como influências os conservadores de extração católica Joseph de Maistre, Louis de Bonald e Charles Maurras; politicamente, seria um fervoroso conservador, defensor da ordem, do direito divino, da monarquia e de uma teoria aristocrática e antipopular da sociedade. Na sua concepção a política teria um fundamento moral, daí considerar a revolução como algo diabólico, sua posição seria – como ele próprio admitia – "reacionária". O integrismo católico – de Jackson de Figueiredo e outros – [263]teria dado origem intelectual ao integralismo como movimento ideológico.

Já a posterior intelectualidade católica no Brasil – segundo Guerreiro – ainda não teria superado satisfatoriamente as posições de "ideologia da ordem", movendo-se ainda num anti-humanismo e num maniqueísmo político, que satanizaria a revolução e perceberia a política como uma eterna luta entre o Bem e o Mal; as questões sociais reduzir-se-iam a problemas morais cuja solução adviria do esclarecimento dos espíritos ou da purgação dos erros dos culpados, e o máximo ao qual chegariam esses intelectuais – em termos de renovação – seria o reformismo, esboçado nas propostas de distributivismo econômico (de Alceu Amoroso Lima, "Tristão de Ataíde") e de participação nos lucros (de Juarez Távora).[264] Não obstante a caducidade dessas concepções, a "ideologia da ordem" – adverte Guerreiro Ramos (1961, p. 151) – estaria, naquele momento, a dominar num grande Estado do Brasil (Rio de Janeiro) e na Guanabara, onde Carlos Lacerda havia sido eleito governador.

Já em "A ideologia da "Jeunesse Dorée""[265] outra "família" que abominava a revolução é estudada, Guerreiro Ramos sonda ali os limites da visão de mundo (inclusive os caracteres psicológicos) de alguns "bem-nascidos" – daí a designação – intelectuais que não teriam conhecido as agruras da dificuldade material e que, pela sua condição, seriam "induzidos a um certo esteticismo diante de si mesmos e da vida, tentando a perfeição interior pela auto-análise, pelo esclarecimento, pelo exercício do domínio da vontade e, além disso, pela concepção do homem e da sociedade em termos preponderantemente psicológicos" (RAMOS, 1961, p. 153).

Esses autores, frente aos acontecimentos da Revolução de 1930, teriam sido tomados pela angústia, temores, pessimismo e nostalgia ao perceberem que a classe média e o proletariado avançavam no campo das decisões políticas, daí o viés do protagonismo exclusivista (veriam a história em termos de acaso e heroísmo), o racismo e o horror aos mestiços e "desqualificados", e o elitismo – defendiam que o poder deveria ser entregue aos intelectuais, aos iluminados. A análise que fizeram da sociedade brasileira seria calcada numa "psicologia nacional" – predominando conceitos dogmáticos como ethos, alma nacional, caráter nacional – e na abordagem das relações sociais como "relações racionais", atribuindo ao aspecto intelectual um fator modelador da sociedade, donde surgiria a idéia do papel salvador das elites. Dentre os anseios desses autores, estariam: a monarquia, a recristianização e a elevação moral da política.

Tais autores seriam: Alceu Amoroso Lima, Octávio de Faria e Afonso Arinos de Melo Franco e, segundo Guerreiro Ramos, o sentido essencial de suas obras poderia ser assim resumido: "A estrutura econômica e social, na qual a classe dirigente era constituída de grandes proprietários de terras, devia conservar-se imutável, sendo imorais e satânicas as tendências que laboravam por sua transformação qualitativa" (RAMOS, 1961, p. 167, grifos do autor).

Haveria também uma terceira "família" de autores, de importância cabal para o entendimento do processo histórico pós-1930, considerada progressista e tida em alta conta por Guerreiro Ramos, cuja herança intelectual reivindicava: Caio Prado Júnior, José Maria dos Santos, Oliveira Vianna, Martins de Almeida, Virgínio Santa Rosa, Azevedo Amaral. Todavia, a contribuição de vários desses autores – que constituiriam "elo da ciência brasileira, da teoria social brasileira que se vem formando, por acumulação através de João Ribeiro, Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres" (RAMOS, 1961, p. 169) – estaria sendo diminuída por outros que se colocariam como encarnação de uma nova postura, "científica" em rigor e método.

Nos últimos vinte anos adquiriram prestígio, aos olhos do público, certos estudos que se rotulam de "sociológicos" e "antropológicos". Os autores desses estudos timbraram sempre em exibir muita erudição e um conhecimento de técnicas de pesquisa que diziam constituir a última palavra em ciência social. Então passaram a, aberta ou indiretamente, empequenecer as contribuições dos estudiosos dos problemas brasileiros que os tinham precedido. Além disso, afirmando serem a "Sociologia" e a "Antropologia" ciências cuja prática exigia treino especialíssimo, desestimularam muitas pessoas pudicas e, entretanto, capazes de contribuir para o esclarecimento de nossas questões. Resultou de tudo isto que ficaram sem merecida atenção numerosas obras de valia, só porque seus autores não se diziam nem "sociólogos", nem "antropólogos". (RAMOS, 1961, 168).[266]

É nesse ensaio, "O inconsciente sociológico",[267] que Guerreiro – em contrapartida aqueles críticos – analisa algumas das colaborações dessa "família", especificamente as de Martins de Almeida (em Brasil errado, de 1932), Virgínio Santa Rosa (em O sentido do Tenentismo, de 1933) e Azevedo Amaral (O Brasil na crise atual, de 1934, e A aventura política do Brasil, de 1935). Observa que teriam cometido erros, tais como não conseguir ficar distantes da "ciência oficial", incorrer num psicologismo e não construir uma teoria social orgânica, contudo, realça-lhes o vigor e a acuidade de análise – seriam exemplos da sociologia como "saber em ato".

Certa perplexidade e estranheza – à primeira vista – rondam o título do ensaio, a explicação advém de uma passagem – selecionada por Guerreiro Ramos – de Brasil errado, de Martins de Almeida:

"Em lugar de pensarmos os nossos pensamentos, são os nossos pensamentos que nos pensam", diz [...] Martins de Almeida, que, não tendo as categorias técnicas para descrever o desenvolvimento objetivo e necessário da sociedade brasileira se reporta ao que chama de inconsciente sociológico. Ele percebe que existem "forças ocultas" que dirigem inexoravelmente o processo histórico-social e que os pensamentos, as idéias, são fatores componentes integrantes e não determinantes, das situações sociais. (RAMOS, 1961, p. 169-70, grifos nossos).

Martins de Almeida referia-se em Brasil errado – segundo Guerreiro Ramos – a duas formas diferentes de organização da produção em embate naquele momento da sociedade brasileira, uma persistente e outra emergente, e aos entraves à forma emergente, de cuja tensão resultaria um desconforto social.

Sentimos que o País precisa sair desse estado de retenção material, de continência nas relações de produção. Da insatisfação de nossas necessidades concretas resulta um mal-estar generalizado. Freudismo do nosso inconsciente sociológico pelos recalcamentos de ordem material. (Martins de Almeida apud RAMOS, 1961, p. 170).[268]

Ao encampar mais um debate e abrir polêmica contra os novos "sociólogos" e "antropólogos", Guerreiro Ramos procurava dar continuidade à sua luta para retomar certa herança crítica do pensamento social no Brasil, afirmar determinada visão do desenrolar pós-1930 que valorizava positivamente o papel do Estado e da classe média contra as oligarquias, atacar posições liberais e relevar o papel de uma deliberada intervenção racional como construtora institucional, isto é, como forma superior de organização da vida social. E, principalmente, defender o posicionamento e o compromisso político dos intelectuais com a realidade brasileira.

Nesses ensaios, Guerreiro Ramos demonstra seu desapego a fórmulas e certa amplitude na análise do pensamento social, mantém-se fiel a uma abordagem crítica conforme determinada tensão contextual, considera a permanência e influência das idéias nas posteriores construções intelectuais (em "A ideologia da ordem"), a presença de caracteres psicológicos na formação de uma particular visão de mundo ("A ideologia da "Jeunesse Dorée"") e a importância de certa sensibilidade social – ainda que formulada teoricamente de modo precário ou excessivamente generalizador – no tratamento de questões submetidas ao saber sociológico.

Um papel destacado no processo social brasileiro é atribuído por Guerreiro Ramos à atuação da inteligência brasileira, ou seja, do...

[...] conjunto de pessoas que têm exercido em vários papéis, um magistério público orientado para interpretar e configurar o processo de formação do país. Como em outros períodos, na década de 1930 fazem parte dela, ao lado de escritores propriamente, como por exemplo: Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Martins de Almeida, Alceu Amoroso Lima, Octávio de Faria, Plínio Salgado, indivíduos como Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, João Neves de Fontoura, Góis Monteiro, Luís Carlos Prestes, Juarez Távora, Newton Estillac Leal, que, quando muito, são escritores ad hoc ou de ocasião. (RAMOS, 1983a, p. 529).[269]

A inteligência teria uma conformação calcada na peculiaridade brasileira e no exercício da reflexão voltada à intervenção pública, o que implicaria divulgar idéias, esboçar projetos e terçar armas para influir decisivamente nos destinos do país. O exercício intelectual efetuado por essa inteligência não seria, portanto, uma profissão, um ofício, aproximar-se-ia mais de uma missão, um "magistério público" – menos identificado com uma "função" que com uma profunda imbricação "espiritual" com a nação. O compromisso, o envolvimento, definiria a inteligência.

Estaria – segundo o autor – nascendo também no Brasil, devido à afluência do povo, uma intelligentzia, uma intelectualidade tanto desvinculada (com relação aos interesses imediatos, primários) quanto comprometida com os ideais políticos do povo, à qual competiria "organizar um Estado Nacional, ou seja, configurar politicamente o povo brasileiro" (RAMOS, 1961, p. 190). O compromisso dessa intelligentzia não poderia ser estético mas, naquele momento, basicamente político.[270]

Guerreiro Ramos – seguindo as lições de Mannheim – afirma que a intelligentzia teria como característica fundamental o "pensar independente", o esforço para libertar-se do ponto de vista de uma classe, aspirando a uma condição de possibilidade de síntese; afirma, também, que não haveria posição imune ao condicionamento social, entretanto, a consciência crítica militante alcançaria "maior objetividade que o desserviço da auto-reflexão" (RAMOS, 1961, p. 186), uma vez que a perspectiva social localizada (porém de amplitude privilegiada) seria mais efetiva que o "livre-pensar" ou a flutuação descompromissada, inconscientemente caudatária de posições dadas (RAMOS, 1961, p. 186-7).

A aridez do terreno para a contestação seria outra particularidade do processo social brasileiro, em sua relação com a atuação intelectual: "Os intelectuais de origem modesta raramente escapam ao processo cooptativo que, ou os assimila inteiramente, ou os acomoda ao sistema social prevalecente. Por isso jamais se formou no Brasil uma intelligentzia no sentido russo" (RAMOS, 1983a, p. 531).

Não bastasse isso, ainda vigeria no país uma entronizada concepção que pregaria o "saudável" distanciamento do intelectual em relação aos problemas políticos,[271] persistindo em distraí-lo de suas tarefas. Entretanto, Guerreiro Ramos vislumbrava um outro destino para a intelligentzia no Brasil.

[...] formou-se no Brasil uma concepção segundo a qual a vida da inteligência é incompatível com a política [...] Ao contrário, num país como o Brasil, o intelectual que viva profundamente a ética da inteligência, reconhecerá que o seu magistério terá de ser deliberadamente, intencionalmente político. Não é inteligente ser de outra maneira. Há na sociedade brasileira, atualmente, um oco a preencher, que decorre da perda de exemplaridade das idéias, por meio das quais justificava sua dominação uma classe há duas décadas em processo de aposentadoria histórica. Está diante de nós a tarefa de organizar um Estado Nacional ou seja de configurar politicamente o povo brasileiro. Para o intelectual, assumir essa tarefa não corresponde a ser adminículo de uma classe particular. Nas condições atuais da sociedade brasileira, está aberta ao intelectual, pela primeira vez entre nós, a oportunidade de valor por si, na proporção do teor concreto das idéias que exprime. Tais condições necessariamente politizam o trabalho intelectual orientado por um propósito substitutivo. E a intelligentzia não é esteticista. Pretende sempre a fundação de algo e o exercício de tarefa pedagógica. (RAMOS, 1961, p. 190, grifos nossos).

A essa intelligentzia, cuja presença propiciaria a possibilidade de existência de um pensar emancipado em relação às classes dominantes, caberia como tarefa primordial educar o povo, sem tutelá-lo.

Ordinariamente se considera o povo como conjunto de cidadãos em menoridade. Esta concepção é falsa hoje no Brasil. O povo, coletivamente, é o principal titular de capacidade econômica, social, política e cultural. Corresponde a um retrocesso a pretensão de tutelá-lo. (RAMOS, 1961, p. 230).

6. Programa, estratégia e tática na revolução brasileira

A revolução brasileira, conforme os indicativos de Guerreiro Ramos, deveria ser eminentemente nacional e iminentemente burguesa, afirmar a nação em detrimento da antinação, reforçar o movimento das forças centrípetas e destituir de seu eixo as forças centrífugas, deslocar o centro decisório para o âmago do país, elevar a nacionalidade à posição de elemento aglutinador/conscientizador da vida social e relevar a realidade brasileira como espaço vital da existência social plena e autêntica. Economicamente, efetivaria a industrialização, promoveria o desenvolvimento e construiria as bases do capitalismo no Brasil como circuito econômico nacional e autônomo, como capitalismo nacional, cuja existência se concretizaria...

[...] quando se forma, em determinado país, um aparelho de produção orientado prioritariamente para atender ao consumo interno e quando o dinamismo dos recursos aplicados na instalação desse aparelho, sejam de propriedade de nacionais ou de estrangeiros, obedece a um processo endógeno de acumulação de capital. (RAMOS, 1960, p. 62, grifos nossos).

Esse processo econômico renderia frutos não só à burguesia (industrial), haveria uma disseminação de seus benefícios, o que tornaria os trabalhadores interessados diretos no processo. Como assinala o autor, os brasileiros teriam, "como povo, um empreendimento capitalista próprio a realizar" (RAMOS, 1960, p. 61), já que "o nosso capitalismo realiza-se, basicamente, na forma de um processo de industrialização e seus beneficiários não são apenas os donos de bens de produção, mas o povo brasileiro em geral" (RAMOS, 1960, p. 60).

No campo dos que (supostamente) perderiam – e conscientes desse processo se oporiam à revolução –, haveria os grandes proprietários de terra, a burguesia comercial ligada aos interesses estrangeiros, bem como o setor da classe média beneficiária de posições parasitárias – detentora de privilégios ancorados no Estado.

Os setores sociais mais avançados – incluso o segmento esclarecido da classe média (técnicos, militares, intelectuais) – seriam potenciais aliados, já que haveria no país, nas palavras de Guerreiro, "possibilidades reais que permitem unificar numa frente, a burguesia industrial e a massa dos trabalhadores" (RAMOS, 1963, p. 60). Existiria aí então uma sobreposição dos interesses nacionais aos interesses de classe? Os trabalhadores, o proletariado, deveria abdicar da condição de classe oponente à burguesia em favor dos "interesses nacionais"? A dinâmica política dos grupos não se conduziria pela luta de classes, mas pela luta entre nação e antinação?

Em cáustica crítica ao livro Consciência e realidade nacional (1960), de seu ex-companheiro de ISEB Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos assevera:

Proclama-se aí [em Consciência e realidade nacional] incompatibilidade entre a "concepção de luta de classes" e o reconhecimento eventual de existência de uma contradição principal. Não sabe o Sr. AVP [Álvaro Vieira Pinto] que essa conceituação tem caráter metodológico. É procedimento metodológico que serve para aclarar as relações sociais vigentes em qualquer fase, no passado, no presente, no futuro. A classe operária jamais poderia deixar de lado esta concepção, em favor do ponto de vista da nação, porque, deste modo, se exporia à mistificação e postergação de seus interesses. Ademais, é à luz da concepção de luta de classes, que a classe operária pode determinar, segundo suas conveniências, os termos da união com setores da classe dominante, em prol da libertação nacional [grifos nossos]. O Sr. AVP, situando-se no ponto de vista da ideologia burguesa, prega a suspensão do critério metodológico de luta de classes, sem compreender que existe uma relação dialética entre união nacional e luta de classes. Para a classe operária, a união nacional contra o imperialismo é uma união com luta de classes [grifos do autor]. Somente para o nacionalismo burguês é concebível tal união nacional sem luta de classes. (RAMOS, 1963, p. 206-7). [272]

Ou seja: "A nação pode ser válida, enquanto referência do pensar, mas como modalidade particular, episódica, efêmera, subalterna, da comunidade universal ou da totalidade" (RAMOS, 1963, p. 214, grifos nossos), no longo prazo, o nacionalismo seria algo circunscrito, historicamente relativo. Assim, segundo Guerreiro Ramos, embora as tarefas do momento fossem necessariamente nacionais, no horizonte estaria o ponto de vista da comunidade humana universal, ou seja, o socialismo.

Não obstante, Guerreiro Ramos afirmara que a "polaridade fundamental" que definia "o presente momento da vida brasileira" era a "luta entre a nação e a antinação": "duas categorias chaves, à luz das quais se explica a contradição mais saliente em nosso país" (RAMOS, 1960, p. 13). Naquele contexto, para o autor, a luta nacional seria uma posição tática do proletariado no processo revolucionário brasileiro, cumpriria aos trabalhadores – como episódio de sua luta, como passo a caminho do objetivo estratégico (o socialismo) – a criação/consolidação da nação e do capitalismo nacional; daí a aliança, circunstancial, com o setor mais "avançado" da burguesia, todavia, sem abandonar a luta de classes.

Ainda, como tarefa urgente, agendava o sociólogo o estabelecimento de uma particular transformação democrática do país:

No domínio prático, a posição revolucionária brasileira implica tarefa organizatória das massas. É necessário tomemos consciência sistemática da necessidade urgente de institucionalizar esta posição, a fim de que os problemas do poder nacional, que se vão colocar, recebam as soluções justas, consentâneas com as aspirações do povo brasileiro. (RAMOS, 1961, p. 109-10, grifos nossos).

"A revolução está madura hoje no Brasil", "o poder está aberto a revolucionários" (RAMOS, 1963, p. 183-4). Desse modo, Guerreiro Ramos caracterizava a situação em 1963. A máxima orteguiana (reinterpretada) da rebelião das massas tomava corpo – assinalava ele – na inquietação, no mandato das massas que se avizinhava, entretanto, faltava a concretização de um aspecto:

Estão faltando condições subjetivas. A inconsistente liderança do atual movimento emancipador contribui para postergar a revolução brasileira. Na medida em que assim permaneça tal liderança, a revolução, que se proclama inevitável, pode ocorrer, de fato, contudo não de modo orgânico e adulto, mas como expressão impulsiva, mero protesto indistinto e sem força configuradora da nova ordem. (RAMOS, 1963, p. 184).

Mesmo havendo – no entender do autor – um enorme "capital político" para utilização revolucionária naquela conjuntura, haveria – contudo – "ausência de liderança competente e realista" (RAMOS, 1963, p. 184) que conduzisse seriamente a revolução, já que a vanguarda do povo se desapercebia de seus objetivos, as organizações não superavam suas limitações e crescia o risco de o ato de maioridade da nação e independência do povo tornar-se novamente uma jornada de otários.[273]

À crise de direção política e ao conseqüente impasse, somar-se-ia a carência de um centro de poder (configurador), levando o país a uma situação de sociedade exposta, que se caracterizaria...

Quando a minoria dominante, por circunstâncias várias que não convém referir, perde a capacidade de resguardar o caráter secreto dos meios que utiliza, na manutenção de sua posição privilegiada, notadamente em virtude do ingresso de indivíduos na área esotérica do poder, contra a vontade dos poderosos.

[...]

Desfazem-se as fronteiras entre o palácio e a rua, e os governantes e candidatos a governantes são levados à desmedida na busca frenética do favor popular. Em tais circunstâncias, a reserva é impossível, as autoridades falam demais e, por isso mesmo, deixam de ser autoridades, pois o exercício do poder é incompatível com a incontinência verbal. (RAMOS, 1963, p. 180).

A crise seria também "de cultura política", cumpriria processar as demandas de modo compatível com as condições e possibilidades de ação: "A revolução está madura no Brasil, e a nação precisa digeri-la, segundo o seu metabolismo próprio" (RAMOS, 1963, p. 186), caso contrário, "A revolução no Brasil corre o risco de transformar-se em metafísica" (RAMOS, 1963, p. 188).

A revolução deixa de ser séria quando se transforma numa corrida inconseqüente de palavras, de declarações carbonárias não apenas dos que têm razões vitais para fazê-las mas também e sobretudo dos que, a partir dos escalões do governo, tão-só perseguem o benefício da promoção política. (RAMOS, 1963, p. 181).

Em meio ao que considerava volúpia "revolucionária", inconseqüente, Guerreiro Ramos pinta um lúcido retrato do Governo Jango em seus últimos dias e apela à razão em meio ao destempero que vigeria:[274]

A revolução brasileira será mistificada, se e enquanto os que pretendem representá-la e servi-la não se desvencilharem de fetiches verbais. A revolução brasileira hoje está diante do dilema: mito ou verdade. Aos otários – o mito. Façamos a revolução – segundo a verdade da história nacional. (RAMOS, 1963, p. 191).

Reeditava-se – segundo Guerreiro – o risco de tornar a revolução uma jornada de otários. Mas quem seriam os otários de então? Os petardos tomavam a direção do governo, dos demagogos, dos políticos "populistas", de setores da esquerda, do PCB, etc.

Podemos responder que [otários] são todos os que estão falando demais, falando mais do que podem, aventureiros e literatos que, por erro de perspectiva ou por gosto, se vão especializando na desmedida, compelindo muitos a segui-los, por temor de parecerem não-revolucionários, ou inimigos das causas populares. Otários são os que, ingenuamente, se deixam manipular e conduzir pelos corretores da revolução. Otários são todos os que imaginam que a revolução brasileira só poderá efetivar-se mediante a internacionalização do País. (RAMOS, 1963, p. 186).

Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10


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