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Apesar do crescente desenvolvimento muitos ainda não consideram a jurisprudência como um meio de criação do direito no sistema brasileiro, dando - lhe um caráter somente acessório, de impulso para a elaboração da lei. Nesse sentido, entende Orlando Gomes mesmo admitindo o "alargamento dos poderes dos magistrados". Expõe o autor, que a jurisprudência não poderia ser fonte formal de direito, pois os comandos jurisprudenciais não possuem abstração, permanência e generalidade. (2008, p.43).
Por óbvio que muitas mudanças legislativas ocorreram em virtude do esforço progressivo e continuado dos tribunais. Somente a titulo elucidativo, é possível citar alguns dispositivos que foram inseridos e modificados devido à renovação trazida pela jurisprudência. Cuida-se do exemplo exposto no art. 358 do CC/16 já revogado[82](MONTEIRO, 2005, p.22). Dispunha o dispositivo que não podiam ser conhecidos os filhos oriundos de relacionamento incestuoso ou adulterino. Os tribunais contrariando o disposto passaram a proferir julgados no sentido de reconhecer as filiações mesmo decorrentes de relacionamentos pouco aceitáveis na sociedade.
Os julgados desembaçaram a visão do poder legislativo que pelo Decreto-Lei nº. 4.3737/42 aceitou o reconhecimento dos filhos mesmo após a dissolução conjugal, sendo atualmente repudiada qualquer discriminação quanto à origem da filiação, como se coaduna na expressão do art. 227,§ 6º da CF.[83]
As fundamentações para a exclusão da atividade jurisprudencial como fonte formal são as mais diversificadas. Para quem ainda acredita no império da lei, justifica-se a supressão, pela idéia de subordinação da atividade jurisdicional à norma.
A atuação do magistrado se resumiria a subsunção da lei ao caso concreto. Há ainda o entendimento que não reconhece o caráter vinculativo das decisões judiciais. Como bem registra Orlando Gomes[84]somente as partes se submetem ao julgado, mensurado pelo princípio da autoridade relativa da coisa julgada. (2008, p. 43). Até mesmo os precedentes não detêm força vinculativa, porquanto não são os juízes obrigados a seguirem o posicionamento adotado por outros julgados na ocorrência de causas semelhantes.
A atualidade já não permite essa visão restritiva quanto à atuação da jurisprudência na criação do direito. Embora os precedentes sirvam apenas como orientação, já é possível delinear sua forma vinculativa que reformam o direito posto e permite que o magistrado atue em conformidade com o direito real, compatível com os valores e princípios que regem aquela sociedade em determinado período. Seria o direito vivente, denominação trazida por Pietro Perlinguieri para definir o direito renovado. Obtempera o autor:
O principio da legalidade mente à lei (art.101 da Const.), e a decisão do juiz, a sentença não é "lei". Daí a crítica às tendências que acentuam o especial papel das decisões jurisprudenciais. O conjunto das decisões representaria o direito vivente, sociologicamente recuperável; as regras e os princípios, ao contrário, concerniriam um mundo irreal ou constituiriam, quando muito, uma simples linha tendência. O juiz seria vinculado ao direito vivente. Desse modo, se existissem regras ditas abstratas que não pudessem ser aplicadas, o juiz ou advogado não seriam de fato obrigados a aplicá-las, porque somente o direito vivente empenharia o juiz e vincularia o intérprete. (2002, p.20).
Por tais razões, alguns autores como Carlos Maximiliano (2003) sustentam que a jurisprudência nos dias atuais possui três funções precípuas. A primeira delas, seria aquela defendida pelo movimento positivista de aplicação da lei. A outra, derivaria da necessidade de renovar a lei. Nessa função, cuidaria a jurisprudência da adaptação da norma à realidade, ou seja, o texto seria interpretado de acordo com a vida prática[85]Como afirma o autor, "poria a lei em harmonia com as idéias contemporâneas e as necessidades modernas". (2003, p.146). Por último, encontrar-se–ia a função criadora em que atuam os julgados como preenchedores das lacunas da lei[86]
O advento da Constituição solidária de 1988 tornou ainda mais evidente o papel da jurisprudência como fonte criadora e renovadora do direito. Percebeu-se que as deliberações do Poder Legislativo possuíam um cunho muito mais político que raramente se orientava pelo intuito de justiça social presente na Magna Carta. O espírito da Constituição foi seguido pelos julgados que passaram a consagrar valores basilares como a dignidade humana. Os precedentes eram orientações cada vez mais acolhidas e aquela antiga idéia que destituía os julgados de força vinculativa foi perdendo espaço. Por ora que os casos se repetem o que facilita a atividade do magistrado ao se deparar com um leque de situações semelhantes que apresentam decisões compatíveis ao conflito que se pretende dirimir. Nesse contexto, importa trazer as considerações de Ronald Dworkin (2002) que justificam essa força adquirida pelos precedentes. Aduz o autor que a relevância dos precedentes ocorre por uma questão de respeito à equidade em tratar igualmente casos semelhantes. Não pareceria razoável que juiz condenasse uma empresa no pagamento de indenizações aos prejudicados por existir defeitos nos produtos que disponibiliza e não fazer o mesmo com uma fábrica que se apresenta em situação similar.
Traz ainda o autor, interessante reflexão comparativa entre a atuação do poder legislativo e os integrantes do poder judiciário, ressaltando outra razão para a mantença da força geral dos precedentes. Assim ensina.
É muito comum que o legislador se preocupe apenas com questões fundamentais de moralidade ou de política fundamental ao decidir ou votar alguma questão específica. Ele não precisa mostrar que seu voto é coerente com os votos de seus colegas do poder legislativo, ou com os de legislaturas passadas. Um juiz, porém, só muito raramente irá mostrar esse tipo de independência. Tentará sempre, associar a justificação que ele fornece para uma decisão original às que outros juízes e funcionários tomaram no passaram. (2002, p.175).
Foi, portanto, com fito de enfatizar esse valor da atuação dos tribunais que a emenda 45/2004 consagrou as súmulas vinculantes.[87]
Ao definir a natureza jurídica das súmulas vinculantes, Nelson Nery Júnior revelou a incontestável inserção da jurisprudência sistemática como fonte formal de direito. (2006, p. 300).
Por óbvio que todo prestígio e autonomia adquiridos pela jurisprudência não afastou a necessidade de obediência à lei. Mesmo nos casos em que a jurisprudência atua como fonte originária de direito é preciso que sua atuação esteja em conformidade com as normas expressas. Como explana Sálvio de Figueiredo Teixeira
[...] na interpretação da lei, sem estar autorizado a desprezar as normas, aplicador deve apreciar a realidade que o cerca, estimar juízos de valor existentes na ordem jurídica, e "as pautas axiológicas que não desprezem a história e o legado da experiência, orientação, diga-se de passagem, magistralmente esculpida no art. 5º da lei de introdução ao código civil ("Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"). (1981, p.15).
Nesse sentido, para a jurisprudência exercer sua função de renovadora do direito em respeito ao direito posto, mostra-se imprescindível a existência de mecanismos que tornem as normas passiveis de adaptabilidade a vida social. Esses mecanismos que permitem a materialização de valores consagrados, e possibilitam a ampliação dos poderes que exercem a jurisprudência são revelados pelos conceitos indeterminados e as claúsulas gerais, dentre elas a boa-fé objetiva.
Nos dizeres de Pietro Perlingieri
Se se analisa o papel da jurisprudência como fonte, verificar-se-á que não é tanto o ato jurisdicional a criar o direito, mas, sim, a sua ratio decidendi, isto é, o princípio que representa a idéia sobre a qual se funda a sentença; idéia, aliás, sempre ligada à fattispecie concreta, às suas peculiaridades que, frequentemente, são únicas. (2002, p.20).
Essa participação criativa do juiz na aplicação dos conceitos de substratos fluídos, perpassa pelo exercício da discricionariedade do magistrado, e como os juizes utilizam essa prerrogativa para revigorar o direito. [88]É o que se verá a seguir.
5.2 AS MODALIDADES DE ATOS ILÍCITOS E A DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO.
Viu-se que as modalidades de atos ilícitos objetivamente considerados são oriundas da interpretação a contrariu sensu da claúsula geral da boa-fé objetiva. Dessa forma, a incidência da supressio, venire contra factum proprium ou tu quoque reclama uma afronta à confiança e lealdade elementos que caracterizam o modelo de conduta criado pela bona fides.
Vale lembrar, que as cláusulas gerais se consubstanciam como enunciados normativos que possuem conteúdo propositalmente indeterminado, com fito de proporcionar uma oxigenação do sistema.
Não se pode olvidar que é indispensável o trabalho do magistrado na concretização e delimitação da matéria no caso concreto. É ele quem vai verificar se houve a observância dos preceitos colhidos na cláusula geral e dirimir o conflito, para o alcance da almejada paz social. Na contextualização do direito civil atual, a tendência legislativa é a de prevê cada vez mais normas de conteúdos fluídos para acompanhar o dinamismo da sociedade, além de otimizar a atuação do magistrado e do legislador. Como bem infere Celso Antônio Bandeira de Melo além da impossibilidade do legislador positivar todas as situações passíveis de incidência da jurisdição, seria um sacrifício para exercer sua função legiferante. (2008, p. 951).
Notoriamente, as disciplinas vigentes não restringem a atuação do julgador a somente aplicar a lei estrita. É preciso que haja do magistrado o exercício de um poder criativo, um preparo que possibilite a criação de um vínculo entre a norma e o conflito de interesses. Essa atividade fecunda do julgador através da discricionariedade.
Trava-se na doutrina relevantes discursões acerca do tema, contudo, o que se averiguará nesta ocasião é se existiria limitação na atuação do magistrado ao se deparar com os atos ilícitos objetivamente considerados, quando da aplicação da cláusula geral da boa-fé objetiva. Em outras palavras, questiona-se se a definição dos atos ilícitos ora estudados limitaria o poder discricionário do juiz, no momento em que se depara com a aplicação da claúsula geral da boa-fé. Antes de examinar tal controvérsia é preciso se investigar se há efetivamente uma atuação discricionária do magistrado no momento em que preenche normas de conteúdo vago, como é o caso da boa-fé e os contornos dogmáticos do conceito de discricionário no ato judicial.
No vernáculo, discricionariedade significa "livre de condições, aquilo que é ilimitado, ou que depende da discrição, avaliação da autoridade". No direito, entretanto, a concepção não é tão irrestrita e guarda em si, diversas controvérsias.
Entende-se como discricionariedade judicial a faculdade que possui o aplicador do direito em utilizar de meios razoáveis e precisos em busca da solução apta ao caso concreto em respeito à finalidade da lei. (MELLO, p. 948). Com ligação intrínseca ao Direito Administrativo, o conceito de discricionariedade não afasta a reverência à legalidade. Ao revés; a complementa, à medida que ao magistrado assentar a finalidade da lei nas situações em que o texto não a expressa.
Nesse diapasão, interpreta Celso Antônio Bandeira de Mello
Com efeito, discricionariedade só existe nas hipóteses em que, perante a situação vertente, seja impossível reconhecer de maneira pacifica e incontrovertível qual a solução idônea para cumprir excelentemente a finalidade legal. Ou seja: naquelas em que mais de uma opinião for razoavelmente admissível sobre medida apropriada para dar melhor satisfação ao objetivo da lei. Em suma, está-se aqui a dizer que a discricionariedade é pura e simplesmente o fruto da finitude, isto é da limitação da mente humana. Á inteligência dos homens falece o poder de identificar sempre, em toda e qualquer situação, de maneira segura, objetiva e inobjetável , a medida idônea para preencher de modo ótimo o escopo legal. (2001, p. 948).
Pela noção projetada no direito administrativo, a discricionariedade remete ao exercício de atos administrativos que estão sujeitos à avaliação no que concerne as opções de agir. Em outras palavras, atuaria a Administração Pública sob os critérios da conveniência e oportunidade, nas hipóteses em que a lei dê margem para opções diversas de agir. A avaliação desses critérios formaria o mérito administrativo.
Aqueles que não restringem o conceito de discricionariedade ao âmbito do mérito administrativo, não reconhecem a incidência do poder discricionário do juiz no preenchimento de normas abertas como as cláusulas gerais. Compreendendo a discricionariedade do magistrado como representação do binômio conveniência e oportunidade, não seria possível a atividade judicial se basear em tais critérios, já que o juiz atuaria com uma liberdade que fugiria do controle das partes. Nesse diapasão, defende Maria Elizabeth de Castro Lopes
Também não há que se confundir conceitos vagos com discricionariedade. A utilização de conceitos vagos é uma técnica que concede ao aplicador certo espaço para fixar conteúdo da norma no caso concreto, atendendo às suas peculiaridades, mas sem abandonar os critérios jurídicos de interpretação.
Por exemplo, expressões como "justa indenização", "prova inequívoca", "dano de difícil reparação" têm conteúdo vago e, por isso, necessitam de explicitação pelo julgador. Mas ele não poderá fixar o valor da indenização em desapropriação baseado na conveniência do réu, nem conceder a tutela antecipada somente porque considera a medida oportuna. (2008, p.95-96).
Sob a ótica da discricionariedade como mérito administrativo, entende-se que os atos decorrentes do poder discricionário do juiz não são passíveis de recurso, de novo exame. Seria portanto, somente admissível nas hipóteses em que houvesse vício de forma, ou seja, se essa discricionariedade ocorreu dentro dos limites legais.
Firmando esse posicionamento quanto a irrecorribilidade das decisões fundadas em discricionariedade, o STF, após reiteradas decisões, editou a súmula 622 em 2003, versando que "não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança." Impende ressaltar que a edição da súmula foi o reconhecimento da discricionariedade nas hipóteses que apontam conceitos indeterminados ou normas de conteúdo aberto.[89] Notadamente os requisitos do writ (fumus boni iuris e periculum in mora) constituem conceitos vagos e para os tribunais, são revelados por decisões discricionárias.
Nesse mesmo sentido, empreende Celso Antonio Bandeira de Mello ao propagar uma definição de discricionariedade mais ampla, abarcando além das situações de apreciação da conveniência e oportunidade, os fatos que envolvem normas de conteúdos vagos. Dispõe o autor:
Não se adscreve ao campo das opções administrativas efetuadas com base em critérios de conveniência e oportunidade – tema concernente ao mérito administrativo.certamente o compreende, mas não se cinge a ele, pois , que são incorretos – por insuficientes- os conceitos de discricionariedade que a caracterizam unicamente em função do tema mérito administrativo, isto é, da conveniência e oportunidade do ato. (1992, p. 28).
Transportando esse entendimento, nas hipóteses concernentes à boa-fé, ainda que pendente da apreciação de alguns critérios, sua aplicação impenderia uma ampla margem discricionária ao julgador, sobretudo quanto às delimitações das fattispecies decorrentes da violação desse princípio. (CORDEIRO, 2001, p. 1.192). Verifica-se contanto, que nos casos dos atos ilícitos objetivamente considerados, por não serem proposições expressas e pairarem na órbita do ordenamento, seria o poder discricionário de julgador, que revelaria esses institutos no caso concreto.
Ver-se que a compreensão admitida pela jurisprudência confere ampla margem de liberdade ao magistrado, que poderá aplicar a norma ao caso concreto sem padecer com os tormentos de encontrar a interpretação literal da regra, vez que, isso sequer é inteiramente possível. Essa liberdade, contanto, não é ilimitada, pois tem fincado seus limites na lei, e por tal razão, não se cogita confundir discricionariedade com arbitrariedade. Como traduz Ronaldo Cramer "discricionário é o ato praticado mediante autorização da lei e nos limites da lei. Arbitrário é o ato discricionário exercido sem permissão legal e fora dos limites impostos pela lei". (2008, p.110).
A despeito do posicionamento pacificado pelos tribunais, a doutrina ainda apresenta severas críticas e não admite que exista discricionariedade quando o juiz aplica ao caso concreto claúsulas gerais e/ou conceitos indeterminados. À frente daqueles que censuram a discricionariedade está Ronald Dworkin sustentando que nos casos difíceis[90]o juiz está sempre adstrito a lei, inexistindo espaço para ato decisório discricionário. Mesmo se a lei não fornecer no texto a exata fórmula para a solução do conflito, existiriam os princípios que devem ser considerados na forma como se apresentam no ordenamento, e não através da concepção pessoal do magistrado. (2002, p. 175).
Repelindo de mesmo modo, a existência de ato discricionário na aplicação de conceitos vagos, Teresa Arruda Alvim Wambier defende que o juiz ao preencher claúsulas gerais, estaria interpretando a norma e não atuando discricionariamente. Para a autora, quando a autoridade atua sob o poder discricionário tem a sua disposição uma pluralidade de opções, ao ponto que, nas cláusulas gerais não existiria a vontade do julgador, mas tão somente a busca pela solução adequada do conflito, que é única.
Esclarece a autora:
A liberdade do juiz em decidir não se confunde com o exercício de poder discricionário, em hipótese alguma, com aquela que existe quando se exerce o poder que se convencionou chamar de discricionariedade. Para o magistrado, há nesses casos, em que habitualmente a doutrina assevera que estaria exercendo poder discricionário, liberdade que é uma só, em face do caso concreto. (2001, p. 357).
A construção jurisprudencial da boa-fé e, por conseguinte dos institutos sucedâneos à sua violação seria conseqüência de uma atuação hermenêutico-interpretativa feita pelos magistrados. Por certo que não se pode compreender essa interpretação como ato discricionário, pois mesmo estando o julgador guarnecido de todos os preconceitos que o acompanha, ainda assim, ter-se-á na aplicação desses institutos apenas uma valoração ao principio da boa-fé dentro dos parâmetros instituídos pela lei. Sobre a abertura semântica das cláusulas gerais e ao papel do juiz para a sua delimitação, dispõe Judith Martins Costa:
Não se trata – é importante marcar desde logo este ponto – de apelo à discricionariedade: as claúsulas gerais não contêm delegação de discricionariedade, pois remetem para valorações objetivamente válidas na ambiência social. Ao remeter o juiz a estes critérios aplicativos, a técnica das clausulas gerais enseja possibilidade de circunscrever em determinada hipótese legal (estatuição), uma ampla variedade de casos cujas características especificas serão formadas por via jurisprudencial e não legal. (1999, p. 229).
Para a autora essa valoração feita pelo magistrado ocorre através de uma averiguação de qual concepção que é efetivamente vigente do juiz. Assim, mesmo quando o julgador incute na sua decisão preceitos que entende mais adequado, esse juízo não pode ser feito de forma que desconsidere os posicionamentos que vigoram, seja no direito judicial ou na doutrina.
Decerto, parece ser esse o posicionamento mais razoável. Ao que tudo indica a jurisprudência tão logo percebeu que seus poderes haviam sido ampliados, sentiu-se seduzida a torná-los ainda mais extensos, reconhecendo na sua atuação referente às normas abertas, uma discricionariedade que não é evidente como se pretende sustentar. Esse reconhecimento de um poder discricionário às normas abertas embora pareça algo impositivo, não coaduna com o verdadeiro propósito dos tribunais, que em momento algum foi atuar de forma absoluta. Em verdade, tenta a jurisprudência a todo modo assegurar o respeito aos princípios em detrimento do emprego mecânico da norma em seu sentido literal, mesmo que isso implique em uma maior discrição do juiz.
Prudentes contanto, as críticas da doutrina que reconhecem a importância do papel da jurisprudência no preenchimento das normas de conteúdo vago, mas não a classifica como um poder discricionário, já que esse remete a um desígnio muito mais amplo que uma atividade interpretativa.
Retornando ao questionamento de linhas passadas, não há, portanto, em se falar em limitação da discricionariedade do magistrado, quando o juiz se depara com os atos ilícitos decorrentes da boa-fé objetiva, vez que sequer existe atuação discricionária no preenchimento de claúsulas gerais. Há sim, uma interpretação do dispositivo à luz dos princípios e posicionamentos já adotados, refletindo uma obediência a estrutura lógica do sistema. Ao contrário do ato discricionário, a interpretação permite o controle das partes, caso o julgador delimite as fattispecies não correspondendo ao que fora esperado, ou seja, dentro dos ditames já previstos nos usos e costumes do tráfico jurídico.
Conclui-se que as definições dos atos próprios se constituem como mais um recurso de facilitação do aplicador do direito para o preenchimento da boa-fé objetiva. É nesse sentido que se mostra conveniente examinar como os tribunais vêm conduzindo o emprego desses atos ilícitos e de se houve efetivamente o reconhecimento da boa-fé objetiva como verdadeiro standart jurídico.
5.3 A UTILIZAÇÃO DOS ATOS ILÍCITOS Á LUZ DA BOA-FÉ OBJETIVA NA JURISPRUDENCIA NACIONAL: CONSIDERAÇOES CRÍTICAS.
Exercendo sua função, a jurisprudência apostou no preenchimento da cláusula geral de boa-fé objetiva. Por uma virada jurisprudencial trouxe ao judiciário as modalidades de atos ilícitos objetivamente considerados mesmo antes da consagração dessa vertente da boa-fé pelo ordenamento pátrio[91]
No Brasil, como já mencionado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal em 1978 já havia reconhecido a incidência do venire contra factum proprium, como sendo um princípio geral do direito, sem qualquer expressão concernente à boa-fé objetiva. Quiçá tenha sido em razão desse posicionamento, que a primeira aplicação do instituto tenha ocorrido no âmbito do Direito das Famílias e não no direito contratual como vem se apresentando atualmente, como se extrai da ementa abaixo.
Casamento. Regime de bens. Interpretação do artigo 7, par-4., da lei de introdução ao código civil brasileiro. 1) nubentes que, sem impedimento para casar, contraem matrimonio no Uruguai, depois de preencher, pela lei uruguaia, os requisitos exigidos para a fixação de domicilio nesse pais. decisão onde se reconhece que o domicilio se estabeleceu no lugar do casamento também segundo a lei brasileira. conclusão que assentou, neste ponto, no exame da prova, sendo, pois, irreversível em sede de recurso extraordinário (súmula 279). Inexistência, pois, de ofensa ao artigo 7., par-4., da lei de introdução ao código civil brasileiro. 2) da interpretação razoável, por outro lado, a esse dispositivo legal, o aresto impugnado, quando sustenta que não importa ofensa ao aludido preceito da lei de introdução, no que toca ao regime de bens, casamento efetuado no estrangeiro, segundo a lei local, para que incida determinado regime de bens, quando este e admitido, também, pela lei brasileira. no caso, o matrimonio efetuou-se no Uruguai, onde o regime comum e o da separação de bens, para que este fosse o regime do casamento, regime também admitido pelo nosso direito. 3) infração ao princípio geral de direito segundo o qual não pode a parte "venire contra factum proprium". Recurso extraordinário não conhecido. (RE 86787 / RS - RIO GRANDE DO SULRecurso Extraordinário Relator(a): Min. Leitão de Abreu Julgamento: 20/10/1978 Órgão Julgador: Segunda Turma.
Mesmo não vinculando o instituto à boa-fé objetiva, nota-se que foi uma importante decisão do Tribunal Superior que poderia ampliar os horizontes do tráfico jurídico. Em um momento que todo o ordenamento persistia na análise do elemento anímico nas relações, o acórdão traria uma intencional introdução do que seria uma tentativa objetivação das condutas.
Em verdade, a decisão do STF refletiu uma tendência já empenhada pelo Tribunal do Rio Grande do Sul, notadamente o conselho que implementa e cria para o direito pátrio as inovações mais relevantes para o sistema. Tanto que o acórdão proferido pelo STF traz poucas considerações, resumindo a transcrever a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância gaúcho.
Não obstante o Supremo Tribunal Federal ter reiterado o acórdão gaúcho, as expectativas de ampliar a utilização do venire para os outros tribunais foram frustradas. A decisão que era para iniciar uma nova concepção se tornou inócua e isolada. Até o início da década de 90, somente o Tribunal do Rio Grande do Sul continuou aplicando os atos ilícitos decorrentes de violação à boa-fé objetiva, sobretudo o venire contra factum proprium. A inexistência das fattispecies não foram empecilho para o advento da boa-fé objetiva em sentido amplo. Já era possível encontrar expressas referencias a boa-fé objetivada, inclusive aplicando os deveres decorrentes desse princípio. Tome-se como exemplo, o acórdão proferido pelo STJ em 1994, in verbis:
Responsabilidade civil. Estacionamento. Relação contratual de fato.
Dever de proteção derivado da boa-fé. Furto de veiculo. O estabelecimento bancário que põe a disposição dos seus clientes. Uma área para estacionamento dos veículos assume o dever, derivado
Do principio da boa-fé objetiva, de proteger os bens e a pessoa do usuário. O vinculo tem sua fonte na relação contratual de fato assim estabelecida, que serve de fundamento a responsabilidade civil pelo dano decorrente do descumprimento do dever.
Agravo improvido. (AgRg no Ag 47901/SPAgravo Regimental No Agravo De Instrumento1994/0002527-0 - Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR -Quarta Turma. Data do Julgamento 12/09/1994.
Na Bahia, a situação era distinta. Mesmo com o Superior Tribunal de Justiça firmando entendimento acerca da existência de deveres gerais de conduta, o tribunal baiano ainda possuía a perspectiva subjetiva, com a comprovação do elemento anímico, constatação laboriosa e abre margem para inúmeras verdades para o caso concreto. Assinando esse entendimento, ver-se a ementa do julgado proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia assim disposto:
Ementa: tem direito de ver-se reembolsado do valor por ele efetivamente pago, atualizado monetariamente, aquele que, de boa-fé, adquiriu veículo furtado, depois apreendido pela autoridade policial. Todavia, somente prova cabal da ma-fé do vendedor autoriza o magistrado a impor condenação por perdas e danos, ao argumento de que o comprador era motorista de táxi e, com a apreensão, se vira impedido de exercer a profissão. Processo/Ano: 13.164-4/94. Relator: des. Paulo Furtado. Data de Julgamento: 20/04/94 - Órgão Julgador: 4ª Câmara. Cível.
Nota-se que a comprovação da má-fé no caso em comento seria desnecessária se houvesse a identificação do dever de cuidado e lealdade por aquele que efetuou a venda. A má-fé, portanto, seria apenas um agravante, já que o ilícito já estaria comprovado com a afronta aos deveres objetivos da boa-fé.
Após o desenvolvimento desses deveres correlatos, a jurisprudência encontrou no direito obrigacional um ambiente fértil para cultivar os atos ilícitos objetivamente considerados. No Processo Civil[92]Direito Administrativo[93]e Contratual também era possível verificar a incidência desses institutos. O mesmo não se pode dizer em relação ao direito do consumerista que mesmo com a consagração da boa-fé objetiva no CDC não reconheceu a aplicação desses atos nas relações de consumo. Curiosamente preferiram os tribunais adotar no direito do consumidor, tão somente o empregos dos deveres decorrentes da boa-fé, ao ponto que só eram considerados aqueles atos que violassem essas regras de conduta. Poucos foram os julgados que reconheceu a existência de abuso de direito ou mais precisamente os atos ilícitos por violação a boa-fé, ainda que fossem passíveis de aplicação nas relações consumerista sob a égide da jurisdição.
As maiores méritos notadamente se reservam aos tribunais do Rio grande do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal que definiram os contornos dogmáticos de aplicação desses atos ilícitos mesmo com todos os percalços existentes. A exemplo se pode citar o julgado proferido em 12 de setembro de 2007, em que não fora reconhecida a aplicação da supressio por absoluta ausência de provas e de subsunção dos seus requisitos no caso em deslinde. A ação propunha a renovação da matrícula de uma estudante do curso de enfermagem que pretendia o reconhecimento da supressio tendo em vista que se encontrava inadimplente e a Universidade não se manifestou a respeito. A decisão negou provimento ao apelo da estudante, vez que não reconheceu a inércia da Universidade quanto à inadimplência da autora. Eis os termos da decisão:
Compulsando os autos, verifica-se que o Apelante não conseguiu efetuar sua renovação de matrícula junto à instituição educacional, tendo em vista que deixou de cumprir com sua obrigação em março de 2005. Em conseqüência, foi impedido de freqüentar as aulas, segundo relata na inicial, vez que "a Requerida não o deixa passar pela cancela e adentrar no estabelecimento de ensino, causando constrangimentos e prejuízos de toda a sorte para o Autor".
Assim, não prospera a alegação de que houve tolerância da instituição com tal situação, ou inércia por longo tempo, conforme quer fazer crer o Apelante.
A Apelada afirma ainda, em sede de contestação, que "a tempo e modo todo corpo docente e discente foi devidamente avisado sobre a não renovação de matrícula de alunos inadimplentes, bem como foi afixado em todos os murais do campus, cartazes informando que os alunos em situação irregular não poderiam assistir aulas e consequentemente realizar as avaliações e em caso de burla os atos dos alunos não seriam reconhecidos".
Mesmo sabendo que não detinha o direito de assistir as aulas, o Apelante continuou a freqüentar o curso de forma irregular. Portanto, não obstante ter participado de atividades acadêmicas, deve arcar com as conseqüências de seu ato. (Processo nº 2006 01 1 058181. 5ª Turma Cível. Relator Des. Romeu Gonzaga Neiva. Julgado em 12.09/2007. Tribunal de Justiça do Distrito Federal).
Outra grande contribuição da jurisprudência foi a objetivação do instituto do tu quoque, até então, retratado como uma figura vinculada a idéia de ardil, denotando um aspecto subjetivo ao instituto. Nesse sentido, o Tribunal de Minas Gerais obteve o resultado mais satisfatório, aplicando em inúmeras decisões uma vertente objetiva do instituto. Observa-se o julgado proferido em 04 de novembro de 2007 ratificando esse entendimento.
APELAÇÃO CÍVEL - ANULAÇÃO DE CONTRATO - VÍCIO NA REPRESENTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA - DESCABIMENTO - TEORIA DA APARENCIA - COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO - ABUSO DE DIREITO - TU QUOQUE - IMPROVIMENTO. Aplicação da Teoria da Aparência, a fim de que se proceda à defesa da credibilidade dos negócios jurídicos comutativos, como o da espécie. E ""é exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, e por isso sempre em antagonismo com o formalismo, que a todo instante o terceiro que contrata com uma sociedade comercial solicite desta a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do gerente"". (Rubens Requião, in ""Curso de Direito Comercial""). Verifica-se a configuração da tu quoque, espécie de abuso do direito, quando da adoção indevida pela apelante de uma primeira conduta que se mostra incompatível com a conduta posterior, comportamento contraditório este que deve ser combatido, sob pena de estar-se privilegiando a torpeza da mesma e, até mesmo, o seu locupletamento. (Processo nº 1.0024.05.863126-8/001. Relator: HILDA TEIXEIRA DA COSTA. Data do Julgamento: 14/11/2007).
Nota-se, portanto, que a maioria dos julgados não obstante as grandes contribuições, restringiram-se à aplicação desses atos ilícitos, principalmente no Direito Obrigacional e Contratual. Essa vertente se tornou ainda mais transparente após o advento do novo Código Civil que consagrou nesse âmbito do direito, a cláusula geral da boa-fé. Adverte-se que mesmo sendo aplicável aos outros ramos do direito civil, como o direito real e de família, a jurisprudência ainda persiste em ocultar para nessas vertentes a existência das figuras do venire, supressio e tu quoque. O notável precedente agregado pelo STF em 1978 no direito de família foi alvo de esquecimento até para os tribunais que já possuíam a detinham o espírito do direito contemporâneo.
Por outro lado, poucos foram os tribunais que aderiram a esses atos ilícitos ainda que somente no direito obrigacional. O reconhecimento dos tribunais superiores não foi suficiente para firmar uma orientação jurisprudencial que atingisse todos os tribunais, restando ainda estabilizar o tema nos limites do direito judicial.
Demonstra-se que a atuação da jurisprudência foi inovadora e necessária para adequar o direito judicial à realidade jurídica existente. Os obstáculos contanto, ainda persistem o que infunde na jurisprudência um maior empenho para propagar esses institutos, sejam com a edição de súmulas ou com a divulgação mais ampla das decisões que estabeleceram essa virada jurisprudencial.
Ao longo de toda a pesquisa foram apresentados importantes posicionamentos sobre algumas das matérias expostas, das quais, foram extraídas algumas conclusões. São essas idéias finais que serão aqui alocadas de maneira breve e objetiva.
1. No primeiro momento, fez-se uma viagem até a Roma Antiga demonstrando o desenvolvimento histórico da boa-fé. Viu-se que no primeiro momento a boa-fé possuía várias vertentes, inclusive a concepção religiosa que entendia a bona fides como a ausência de pecado. O instituto se transformou e com o incremento das relações mercantis a iudicia bonae fidei a boa-fé romana era concebida como fidelidade ao que fora pactuado. Adquiriu uma essência objetiva, guardando grande semelhança com o principio da boa-fé objetiva atual.
2. A era das codificações tornou mais destacada as duas diferentes acepções da boa-fé, a subjetiva trabalhada no Código Francês de Napoleon e a objetiva evidenciada no Código Alemão, o BGB. A boa-fé germânica foi definida pelo binômio lealdade e confiança (Treu e Glauben), sendo assim entendida até os dias atuais.
3. Viu-se que no Brasil a boa-fé possuía uma vertente subjetiva e foi prevista no antigo Código de Beviláqua, influenciado pelo Código Francês. Enquanto a maioria dos ordenamentos já seguia também a vertente objetiva do instituto pela herança do BGB, o Brasil só consagrou a acepção objetiva efetivamente no Código de Defesa do Consumidor. Antes disso, havia ainda a disposição tímida do Código Comercial que mesmo prevendo uma boa-fé objetiva não possuía a roupagem que tem o instituto atualmente.
4. Após o advento do CDC, a jurisprudência criou a "boa-fé consumerista" que viabilizava o reequilíbrio das relações não-paritárias, tanto nas relações de consumo, como nas relações cíveis em que existia uma parte vulnerável. Criou-se um impasse, vez que nas relações paritárias não era possível entender a boa-fé como proteção a parte vulnerável. O problema foi resolvido com o advento do novo Código Civil que afastou a visão protetiva e consagrou a boa-fé objetiva como cláusula geral.
5. Após o breve histórico, foram evidenciadas as distinções entre as duas acepções da boa-fé. Sustou-se que a boa-fé subjetiva se caracteriza pela presença do elemento anímico que oculta para o agente a existência de algum vício que corrompe determinado ato ou situação que vivencia. Por sua vez, a boa-fé objetiva dispensa a situação psicológica, e se consubstancia como verdadeiro standart jurídico pautado em um juízo de lealdade e confiança criados pela relação firmada entre as partes. Compõe uma regra de comportamento, um modelo de conduta fincada na honestidade e lisura. Além de distinções, é possível também constatar conexão entre as vertentes da boa-fé, vez que uma atuação dentro dos padrões de condutas leais e honestos, induz a uma conduta bem intencionada.
6. Como forma de facilitar a definição da boa-fé objetiva foram apresentadas as suas funções. São elas: a função limitadora ao exercício de direito subjetivos, a função cânone hermenêutico-integrativo e a criadora de deveres jurídicos. Na primeira função, a boa-fé poria limites ao exercício da autonomia privada. Na função hermenêutico-integrativa a boa-fé integraria eventos que não foram dispostos, preencheria as lacunas existentes seja no texto legal ou nas negociações firmadas entre as partes. Decorrente dessa função surgiria à última delas, a criadora de deveres jurídicos na qual o juiz para atender a finalidade da norma ou avença estabeleceria deveres correlatos, sendo os mais freqüentes os deveres de informação, aviso ou esclarecimento, dever de proteção e o de cooperação.
7. Como princípio que buscar tutelar a ética e o respeito à outra parte nas relações a boa-fé objetiva possui intima relação com os princípios da eticidade e solidariedade social. Apesar da relação existente eles não se confundem. A eticidade seria o apreço aos valores morais que devem nortear as relações jurídicas e por isso é muito mais abrangente que a boa-fé objetiva que só assinala a lealdade e confiança. Por sua vez, a solidariedade constitucional contempla uma necessidade de assistência à outra parte.
8. Constatou-se que a boa-fé objetiva possui natureza jurídica dúplice. Ora se apresenta como cláusula geral, ora como princípio. Como princípio, a boa-fé revelaria um caráter finalístico, sendo diretriz para relações existentes. Como cláusula geral, funcionaria como elemento instrumentalizador desse princípio, revelando uma boa-fé otimizadora da letra da norma.
9. A análise posterior foi acerca do abuso de direito, inicialmente compreendido como a conduta do titular de direito que tem intuito de prejudicar terceiro. Viu-se ainda a teoria negativista que entende não sendo possível abusar de um direito que lhe assiste, tendo como representante Marcel Planiol. Como contraponto, surgiram os afirmativistas e dentre eles Josserand, que guiou o conceito do instituto para uma vertente mais objetiva, compatibilizando com a tendência atual. O abuso do direito passou então a ser compreendido como a violação ao caráter axiológico da norma que são formados pela boa-fé, bons costumes e função econômica e social. Desse modo, se o titular do direito violar a boa-fé no momento em que o exerce, haverá ato abusivo.
10. Constatou-se que pela definição do abuso de direito era possível qualificá-lo como ato ilícito, juízo que foi expresso no disposto do art. 187 do Novo Código Civil. Seria ato ilícito todo ato humano contrário ao direito que ensejasse danos a outrem. Considerando que a contrariedade ao direito abrange também a afronta aos elementos axiológicos que compõem a norma, conclui-se que abuso de direito é também ato ilícito.
11. Não obstante ser o abuso do direito aqui considerado como ato ilícito há ainda posições contrárias. Numa tentativa de manter a autonomia dogmática do instituto parte da doutrina sustenta o abuso do direito como categoria de antijuridicidade. A disposição do art. 187 que dispõe sobre o abuso direito o prevê no titulo do ato ilícito e essa alocação não retirou do instituto a sua relevância no Direito.
12. É perceptível que o ordenamento prevê de forma casuística hipóteses em que se verificam atos ilícitos decorrentes da violação à boa-fé objetiva. A título elucidativo, tem-se as disposições dos art.s 476 e 679 parágrafo único do Novo Código Civil. viu-se que a problemática de previsão casuística do ordenamento era sanada pelo definição trazida pela jurisprudência e doutrina dando a matéria os contornos de sua teoria geral.
13. A análise pontual dos institutos começou pela exceptio doli. O instituto se constitui como meio defesa em face das condutas dolosas da parte adversa. A jurisprudência alemã atribui grande relevância a essa figura, mas ainda assim, não foi bastante para que não houvesse seu declínio. A introdução no ordenamento de outros meios de defesa e a intrínseca relação dessa modalidade com a presença do dolo foram decisivas para o enfraquecimento da exceptio doli. O declive do instituto deu lugar às outras modalidades que se amoldavam melhor como hipóteses de violação à boa-fé objetiva.
14. O venire contra factum proprium compreende a vedação ao comportamento contraditório. Não se trata de qualquer comportamento contraditório, mas tão somente aquele que quebre a confiança e frustre as legitimas expectativas criadas em outrem. Notou-se que esse foi o instituto que mais se destacou na jurisprudência tendo sido aplicado pelos tribunais muito antes da consagração efetiva da boa-fé objetivamente considerada.
15. Constatou-se ainda a relação existente entre o venire contra factum proprium e criação doutrinária aperfeiçoada pela jurisprudência denominada inelegabilidade das nulidades formais. As inelegabilidades constituem a possível convalidação de situação jurídica eivada de vício em respeito à tutela da boa-fé objetiva. Os vícios deverão ser formais, não podendo atingir a substância da situação, já que a convalidação de atos nulos substanciais traria uma insegurança jurídica e esvaziamento do sistema de nulidades que não encontra amparo no ordenamento.
16. As outras modalidades apesar das similitudes com o venire não se consubstanciam como subespécies desse. Possuem caracterisitcas próprias e devem assim serem tratadas justamente para facilitar a aplicação pelo julgador. Entender supressio e o tu quoque como partes do gênero "venire" traria ao magistrado uma confusão teleológica. Poderia o juiz entender que tudo era passível de aplicação da proibição ao comportamento contraditório, mesmo nas hipóteses de incidência de outra modalidade.
17. A supressio compreende o exercício retardado do direito que frustre as legítimas expectativas criadas na outra parte. Distingue-se a supressio dos institutos da renuncia, decadência e prescrição, vez que na supressio inexiste o elemento anímico presente na renúncia e o prazo determinado da prescrição e decadência. Em decorrência desse prazo determinado existente na caducidade e a prescrição é que a supressio tem aplicação subsidiária em relação a eles.
18. A surrectio e a supressio são "dois lados de uma mesma moeda". A supressio é o próprio o ato ilícito que enseja a perda do direito para o titular, em razão de sua inércia. Já a surrectio é vista pelo lado de quem sofreu o prejuízo pela ocorrência da supressio, pois se consubstancia como a aquisição de direito pela outra parte que fora lesada pelo exercício tardio do direito pelo titular.
19. Como outra modalidade de ato ilícito foi apresentada o tu quoque. Incide nesse instituto, aquele que viola a norma jurídica e depois tenta se beneficiar da própria norma que transgrediu. A definição do instituto como algo relacionado à malícia, ardil desvirtuou a sua compreensão do tu quoque, tendo a jurisprudência essencial função ao circunscrever os contornos objetivos da matéria.
20. A jurisprudência se tornou importante fonte primária de direito e seu papel é fundamental no preenchimento de cláusulas gerais como a boa-fé objetiva. A aplicação dessas cláusulas gerais nos casos concretos não advém do poder discricionário do juiz, mas de uma atividade interpretativa relevando contexto da norma. É a busca pela solução adequada dentro dos parâmetros fixados pela lei e em conformidade com os posicionamentos firmados pela doutrina e jurisprudência.
21. Através da definição dos atos ilícitos decorrentes da boa-fé objetiva, os tribunais facilitam a busca pelos precedentes. Não há uma limitação a atuação do juiz nem a perda da finalidade da cláusula geral por apresentar fattispecies. O conteúdo da norma continua fluído, permitindo seu preenchimento de acordo com os anseios e a dinamicidade das relações travadas.
22. A jurisprudência realizou uma verdadeira virada no ordenamento ao introduzir na prática forense, os atos ilícitos cíveis à luz da boa-fé objetiva. Inovou ao tratar o tu quoque de maneira objetiva desvencilhando o instituto da idéia de malícia que tratava a doutrina clássica. Não obstante as inovações, a virada jurisprudencial não obteve os êxitos esperados. A introdução desses atos foi contemplada por somente aqueles tribunais que já possuíam reconhecidamente uma visão mais contemporânea do direito. Os tribunais superiores nas decisões que reconheceram esses institutos não foram satisfatórios, pois não houve uma consolidação desses precedentes, resultando no esvaziamento do caráter orientacional dessas decisões.
23. A jurisprudência nacional ensaiou os primeiros passos em direção a um direito contextualizado, mas a consagração efetiva dos atos ilícitos cíveis ainda não alcançou a extensão desejada. Certamente os empenhos seriam mais proveitosos se a jurisprudência retirasse esses institutos da órbita do Direito Contratual e expandisse sua aplicação, para todos os ramos do Direito Civil.
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À
Vocês, minha família, que mesmo quando não quis, foram exemplos de tudo que foi positivo para a minha formação: mãe, Vagner, Vanina, sobrinhos e principalmente ao meu pai. Ao meu amor... grande amor, Judson e todos que acompanharam toda minha trajetória, Carlinha, Liz, a Prima, Flávio Farah, Luiz e Thomaz grandes e verdadeiros amigos
AGRADECIMENTOS
Assim como tudo na vida, esse trabalho não foi realizado somente por mim. Muitas pessoas auxiliaram mesmo que indiretamente para essa pesquisa e é por isso, atuando na mais nítida boa-fé que dedico esse espaço a todos que confiaram e ajudaram de alguma forma. Primeiramente, como não poderia deixar de ser, agradeço ao meu orientador, o Professor Roberto Figueiredo que prestou toda a assistência necessária, indicando bibliografia, emprestando livros e corrigindo o texto. Gratidão também devo aos meus pais Auxiliadora e Erizan, por todo apoio moral e por se mostrarem compreensíveis quando estava escrevendo. Ao meu irmão Vagner, que nos momentos de desespero, recuperou o arquivo que tinha perdido com todo o trabalho pronto, e mesmo não atuando no ramo jurídico, auxiliou na pesquisa. A Judson, verdadeiro companheiro, por me ensinar as regras da ABNT e por acompanhar todo o trabalho de perto. A minha irmã Vanina, por me emprestar sua casa, seu computador e toda sua paciência quando tinha que escrever. A todos que colaboraram emprestando livros que foram fundamentais, como Dr. Archimedes, Professor Rodrigo Salazar (com a atenção especial, por estar sempre disposto a discutir sobre o tema comigo), Luiz, Thomaz e Fernanda Rivas (minha irmã na boa-fé). Aos professores, Thiago Borges e Luciano Figueiredo pelo auxílio na delimitação do tema. A Dra. Débora, Cianna, Laís, Dr. Frederico Andrade, Jaime Caramelo e Renato Dantas por me darem dicas que auxiliaram na estruturação da pesquisa. A Dr. Paulo André por entender as minhas necessidades e deixar minhas tardes livres para poder escrever. Àquele que nem conheço, mas inseriu no site do STF e STJ a "busca avançada", que facilitou consideravelmente na pesquisa pelos julgados utilizados. A Lúcia da biblioteca da Unifacs, que adivinhava os livros que eu queria. E por fim, a todos os meus colegas que por tanto tempo me agüentaram profetizando a boa-fé objetiva, e principalmente aqueles que me alertaram para as vertentes que ainda não tinha conhecido. A todos vocês, o meu muito obrigada.
UNIVERSIDADE SALVADOR UNIFACS
DEPARTAMENTO DE CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
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SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Hermenêutica filosófica e direito. O exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no direito contratual. Rio de janeiro. Ed 2005
STOCO, Rui. Abuso de direito e má-fé processual. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002.
TARTUCE, Flavio O principio da boa-fé objetiva em matéria contratual - apontamentos em relação ao novo código civil e visão do projeto nº 6.960/2002. Flavio Tartuce, 14 mai. 2002. Disponível em:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A jurisprudência como fonte do direito e o aprimoramento da magistratura. Revista Brasileira de Direito processual,v. 28; 1981.
TEPEDINO, Gustavo. O código civil, os chamados microsistemas e a Constituição; premissas para uma reforma legislativa. Problemas de Direito Civil. 2001. Disponível em
VINCENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil, São Paulo. Ed. Atlas. 2003.
AGRADECIMENTOS
Assim como tudo na vida, esse trabalho não foi realizado somente por mim. Muitas pessoas auxiliaram mesmo que indiretamente para essa pesquisa e é por isso, atuando na mais nítida boa-fé que dedico esse espaço a todos que confiaram e ajudaram de alguma forma. Primeiramente, como não poderia deixar de ser, agradeço ao meu orientador, o Professor Roberto Figueiredo que prestou toda a assistência necessária, indicando bibliografia, emprestando livros e corrigindo o texto. Gratidão também devo aos meus pais Auxiliadora e Erizan, por todo apoio moral e por se mostrarem compreensíveis quando estava escrevendo. Ao meu irmão Vagner, que nos momentos de desespero, recuperou o arquivo que tinha perdido com todo o trabalho pronto, e mesmo não atuando no ramo jurídico, auxiliou na pesquisa. A Judson, verdadeiro companheiro, por me ensinar as regras da ABNT e por acompanhar todo o trabalho de perto. A minha irmã Vanina, por me emprestar sua casa, seu computador e toda sua paciência quando tinha que escrever. A todos que colaboraram emprestando livros que foram fundamentais, como Dr. Archimedes, Professor Rodrigo Salazar (com a atenção especial, por estar sempre disposto a discutir sobre o tema comigo), Luiz, Thomaz e Fernanda Rivas (minha irmã na boa-fé). Aos professores, Thiago Borges e Luciano Figueiredo pelo auxílio na delimitação do tema. A Dra. Débora, Cianna, Laís, Dr. Frederico Andrade, Jaime Caramelo e Renato Dantas por me darem dicas que auxiliaram na estruturação da pesquisa. A Dr. Paulo André por entender as minhas necessidades e deixar minhas tardes livres para poder escrever. Àquele que nem conheço, mas inseriu no site do STF e STJ a "busca avançada", que facilitou consideravelmente na pesquisa pelos julgados utilizados. A Lúcia da biblioteca da Unifacs, que adivinhava os livros que eu queria. E por fim, a todos os meus colegas que por tanto tempo me agüentaram profetizando a boa-fé objetiva, e principalmente aqueles que me alertaram para as vertentes que ainda não tinha conhecido. A todos vocês, o meu muito obrigada.
Autora:
Vanessa Santos Lopes
souvanessa.lopes[arroba]gmail.com
Orientador: Prof. Roberto Figueiredo.
Salvador 2008
[1] Denominação dada aos integrantes da classe romana "clientela" que avocavam deveres de obediência e lealdade aos senhores -patrões.
[2] O império bizantino foi formado pelos romanos do oriente após a divisão do império romano. A Roma do Ocidente foi destruída pela invasão dos bárbaros.
[3] Destaca José Carlos Moreira da Silva a influência da lógica matemática e cartesiana da sistemática utilizada pela escola de exegese para o esvaziamento da boa-fé objetiva no Direito Civil Francês. (2006, p.161). Incrementa ainda, Aldemiro Rezende Dantas Junior ao visualizar que a aparente facilidade trazida pela idéia de compilação de todo o direito civil acabaram por extinguir os preceitos gerais e a atividade jurisdicional pela valorização exacerbada da atividade legislativa. (2007,p. 63)
[4] Art.1.134 / 3º. "eles (lês coventions) doivent être axecutée de bonne foi". (as convenções devem ser executadas de boa-fé).
[5] Nas palavras de Miguel Reale "o que se critica é o exclusivismo jurídico dominante na visão positivista do direito, que se contenta com princípios e regras de caráter empírico ou factual". Não se trata de aversão a elaboração de "categorias jurídicas" disciplinadora dos fatos, mas sim da desconsideração aos fins da norma, quais sejam o bem comum, a ética e as conseqüências econômicas e sociais. (2003, p.01).
[6] § 242 - O devedor deve cumprir a prestação tal como o exija a boa-fé com consideração pelos costumes do trafego jurídico. Tradução apresentada por Menezes Cordeiro.
[7] Maiores considerações sobre o tema, serão explanadas no tópico posterior (boa-fé objetiva x boa-fé subjetiva), em que se discorrerá acerca dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva.
[8] Art.131,I - Sendo necessário interpretar as clausulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1 - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme a boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer á rigorosa e restrita significação das palavras.
[9] Art. 1.443 do CC/16 - O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes".
[10] O Código francês foi elaborado no auge do liberalismo político e econômico. A economia se fincava no capitalismo concorrencial consolidando a livre iniciativa. Acreditava-se que a busca pelo lucro individual traria o desenvolvimento coletivo. Esse pensamento transcendeu o aspecto meramente econômico, para se projetar inclusive nas dimensões ideológicas e políticas. A autonomia da vontade era exasperada e o estado intervinha minimamente nas relações. Por sua vez, o Código Civil brasileiro de 1916 foi concebido em plena degeneração do capitalismo concorrencial em razão das formações dos agentes econômicos monopolizadores do mercado. Pontualmente, a conservação de um código, como o diploma de Beviláqua, parecia incompatível com a realidade vigente. Era necessária uma mitigação á autonomia privada, que só passou a existir com o renascimento de princípios e regras viabilizadores da efetividade á justiça material e a própria isonomia paritária. Desponta o momento ideal para o incremento da boa-fé objetiva.
[11] Art. 490 do CC/16 - é de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído.
[12] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito á sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
[13] Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[14] . Os acontecimentos do século XX, como as duas guerras mundiais, o holocausto, o agravamento da miséria, além de tantos outros, gerou a necessidade de se repensar nos ideais liberais defendidos desde o século XIX.. As relações interpessoais massificadas e o processo de urbanização desenfreada intensificaram a dessacralização do homem como centro do mundo. Percebeu-se que o mundo passava por um processo gradativo de perda da humanização, em que não eram havia certeza de garantia nem das mínimas condições de sobrevivência. Era preciso a efetivação de determinados parâmetros com o fim maior de proteção á dignidade de pessoa humana. o implemento da boa-fé objetiva, a função social do contrato e da propriedade foram alguns dos preceitos que marcaram a busca dos objetivos do Estado Social. Como preceitua Gisele Leite, " o principio da boa-fé assenta-se na clausula geral da tutela da pessoa humana inserida no art.1º da CF/1988, que ao lado da cidadania compõe a atual tabua axiológica praticada pelo direito civil contemporâneo " (2008, p.01/02)
[15] Nesse contexto, relevante a consideração de Anderson Schreiber, ao inovar trazendo a expressão "superutilização da boa-fé objetiva", definindo-a como "um processo de invocação arbitrária da boa-fé como justificativa ética de uma série de decisões judiciais e arbitrais, que nada dizem tecnicamente com seu conteúdo e suas funções" (SCHEIRBER: 2007, p.121).
[16] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[17] Art. 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos. Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.
[18] Relevante a consideração trazida por Judith Martins Costa, quanto á divergência existente entre o "agir de boa-fé" e "agir segundo a boa-fé". Para a autora, a primeira expressão retrata a boa-fé subjetiva enquanto que a segunda traz consigo a conotação da boa-fé objetiva. (2002, p. 612).
[19] Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito ás despesas da produção e custeio.
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