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Calçados sensuais para mulheres excepcionais:uma reflexão sobre design de calçados para mulheres por (página 3)

Mariana Rachel Roncoletta
Partes: 1, 2, 3, 4, 5

Este modelo, calcado nos valores, ajudaria o aluno a tornar-se um designercidadão, posicionado e atuante, e não somente um cidadão-designer, conformista e obediente. Vale ressaltar que o sistema de valores, segundo Whiteley são evidentes ou naturais do próprio aluno de acordo com suas crenças e compromissos e que tal reflexão transparente refletirá cada resultado híbrido. Para o autor isto não deve ser visto como uma falha no modelo de ensino, mas sim como um índice do seu sucesso na promoção da diversidade e pluralismo da sociedade atual.

Para Victor e Silvia Margolin (2002:44), "O objetivo principal para o designer social é a satisfação das necessidades humanas." Observamos aqui a abrangente tarefa do designer para com a sociedade, responsabilizando seus atos criativos, reflexivos e projetuais, consequentemente culturais. Considerando que os princípios do design socialmente responsável são as melhorias da qualidade de vida do ser humano por intermédio das investigações de suas necessidades, parece-nos que uma das possibilidades é trabalhar em equipes interdisciplinares, como sugerem no seu modelo social.

Segundo os autores, o processo constitui-se em um trabalho de colaboração e, principalmente, de comprometimento do cliente (usuário) e do designer com o objetivo de priorizar as necessidades, e segue a teoria da assistência social em seus seis estágios: compromisso, avaliação, planejamento, implementação, estimativa e finalização. O objetivo primordial é suprir as necessidades de populações carentes.

Os assistentes sociais avaliam as interações entre ambiente e indivíduos levantando e priorizando as necessidades dos clientes em processo colaborativo com os mesmos, e se necessário trabalhando com profissionais de outras áreas. Na fase de compromisso ouve-se o cliente, na de avaliação examina-se de forma mais profunda as relações entre ambiente e cliente. É nesta fase que são listadas algumas necessidades. Na terceira fase, planeja-se o atendimento (utilizando um brainstorming[34]para gerar diversas soluções) e priorizam-se suas necessidades em conjunto com seus clientes, e em seguida as implementam.

Durante a fase de avaliação, o designer poderia identificar os fatores que contribuem para um determinado problema. Na fase de planejamento, ele poderia desenvolver estratégias relacionadas ao ambiente, e, na implementação, o designer poderia criar ou trabalhar com o cliente para desenvolver um produto com o objetivo de amenizar o problema. Os autores acreditam que os designers encontrarão aliados nas áreas de saúde, assistência social, educação, envelhecimento, prevenção do crime, dentre outras. A parceria interdisciplinar entre designers e profissionais de outras áreas como as citadas acima pode desenvolver um trabalho socialmente responsável.

Em outro texto de Margolin (2006:145), O Designer Cidadão, o autor indaga: como desenvolver um conjunto de valores de referência que possa guiá-los [os designers]? Neste artigo, ele discute que algumas das mudanças sociais são hoje vigentes por exigência do consumidor, como o caso do air-bag, bem como dos requerimentos de acessibilidade para cadeiras de rodas, que se tornou lei a partir do Ato dos Americanos com Deficiência, em 1992, nos Estados Unidos. Estas exigências partiram do consumidor cidadão, crítico e consciente, reforçando o caminho de mudanças através do usuário como consumidor moderado e consciente.

Margolin emprestou o conceito de designer cidadão de um artigo antropológico de Stephen Heller e Veronique Vienne:

"Eu vejo o designer como tendo três possibilidades de introduzir seu próprio talento para a cultura. A primeira é por meio do design, que é fazendo coisas. A segunda é por meio de uma articulação crítica acerca das condições culturais que elucidam o efeito do design na sociedade. E a terceira possibilidade é por meio da condução de um engajamento político". (Margolin, 2006:150).

Os valores políticos, éticos e estéticos do contemporâneo são os questionamentos do design baseado nas necessidades humanas.

As questões que permeiam o design social permeiam a responsabilidade em criar artefatos baseados nas necessidades humanas, com princípios ecossustentáveis.

Isso exige do consumidor ou do usuário uma postura de cidadão crítico e consciente, assim como do designer uma postura crítica e consciente em relação aos seus próprios valores. Esta postura híbrida do designer nos auxilia a retratar o universo do design de moda.

Para exemplificá-la, trazemos o caso do designer de moda masculina Geraldo Lima para a marca paulista Urânio. Com loja na Galeria Ouro Fino, suas peças possuem etiquetas em braile localizadas sempre no mesmo lugar, que indicam as cores das peças para os portadores de deficiências visuais.

O projeto (fig. 22, 23 e 24) intitulado "Olhar, Olhares" de Lima foi desenvolvido em parceria com portadores de deficiência visual da Fundação Dorina Nowill, do Instituto Padre Chico e do Instituto São Rafael. A partir da pesquisa com foco nos aspectos táteis e matéricos, desenvolveram-se etiquetas em braile, atualmente na segunda versão. Por meio da atitude do designer, os portadores de deficiência visual podem escolher sozinhos as cores de suas roupas. Poderíamos questionar a razão de o portador de restrição visual querer escolher as cores de suas peças, já que ele mesmo não pode ver. Em primeiro lugar, existem diferentes graus de restrição visual e, em segundo, a maioria de nós se veste não só para nós mesmos, mas também para os outros, pois vivemos em sociedade.

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A exemplo da marca Urânio, podemos especular que designers de moda podem auxiliar no desenvolvimento de artigos para PNEs, inseridos no mercado consumidor, porém desenvolvidos em parcerias com profissionais de diversas áreas e com o envolvimento e comprometimento do próprio usuário. Esta área do design, segundo Jordan (1999), é conhecida como design inclusivo.

Segundo este autor, foram desenvolvidos, no Reino Unido, dois projetos de produtos voltados para PNEs, e que foram pouco aceitos por seus usuários. O primeiro, um carro criado especialmente para pessoas com dificuldades motoras e, o segundo um calçado. Nas palavras do autor:

"Both of these products draw attention to the user"s disability and, because they embody aesthetics that few would accept given a choice, immediately label the user as disabled and underpowered[35]Jordan (Ibidem:174) No caso destes projetos, os aspectos culturais não foram considerados, apenas os aspectos científicos e tecnológicos do objeto. Os aspectos sociais também foram ignorados, já que não houve um comprometimento das reais necessidades do cliente, sugeridos por Margolin.

Jordan, ao enfatizar "o prazer social[36]dos produtos, afirma que estes deveriam levar em consideração os aspectos fisiológicos, sociológicos e psicológicos do usuário. "O enfoque do design inclusivo prazeroso pode eliminar o estigma social associado aos produtos desenvolvidos para pessoas com deficiências". Jordan (Ibidem:173) ressalta que as pessoas com restrições querem se sentir incluídas, sem que tais artigos sejam direcionados especificamente para elas. O autor afirma que o usuário prefere usar um carro adaptado a um carro que enfatize suas restrições.

Aproveitamos aqui para relembrar a importância de se pensar no projeto como sugeriu Margolin: avaliar em conjunto com o usuário suas necessidades e prioridades. Talvez, o nosso usuário de calçados prefira um produto pensado exclusivamente em função de seus interesses. Portanto, só poderemos pensar em tais aspectos em conjunto com o nosso usuário.

Ao serem questionadas sobre este aspecto, nossas colaboradoras disseram preferir produtos que possam ser utilizados por outras pessoas depois de descartados.

Karin enfatiza sua dificuldade em comprar peças com mangas e de adaptá-las de modo que as mesmas possam ser usadas por outras pessoas posteriormente.

Percebemos desde já o desafio projetual no desenvolvimento de calçados para estas mulheres que, por princípio, devem possuir o conceito de design universal, e, ao mesmo tempo, satisfazer as diferentes necessidades físicas de cada uma delas.

Como o próprio nome diz, o design universal é aquele que engloba o maior número de indivíduos possíveis.

3. Projetando calçados

Neste capítulo, realizamos um breve histórico dos designers de calçados do século XX. Investigamos os construtos subjetivos do conforto e prazer dos sapatos nos aspectos físico e fisiológico.

Apresentamos os principais problemas causados por calçados impróprios por meio das entrevistas com ortopedistas e fisioterapeutas. Observamos as adaptações realizadas por esta articulista entre 2002 a 2004 em conjunto com os especialistas, apontamos os requisitos físicos e ergonômicos a serem observados.

E, finalmente, apresentamos um check-list de itens para serem verificados durante a aquisição de um calçado, no intuito de oferecer melhor conforto e prazer físico, seguido de alguns outros itens para que o usuário possa adquirir calçados passíveis de adaptações que satisfaçam suas necessidades físicas.

3.1 Breve histórico dos designers de calçados

Foi no século XX que os designers de calçados ganharam maior prestigio, devido ao comprimento das saias do look la garçonne[37]Foi também neste século, nas décadas de 1920-30 pelas mãos de Ferragamo, e 1950 pelas de Vivier e Perugia, que foram criadas algumas das invenções tecnológicas da construção dos calçados que persistem até hoje.

Os calçados até 1910, segundo Walford (2007:124), em sua maioria ainda eram pretos, marrons ou brancos. Existiam calçados confeccionados para ocasiões especiais, mas a maioria dos usuários utilizava botas em estilo vitoriano (botas de couro, com salto ou sem, de amarrar ou com abotoamento lateral e bico ligeiramente fino). As botas eram práticas, os solados de borracha eram colados nos sapatos industrialmente, mas a montagem dos calçados era manual na Inglaterra no final do século XIX, e nos EUA no início do século XX.

No Brasil, as mulheres de poder aquisitivo elevado distinguiam-se das demais pela quantidade e estilo[38]de seus calçados. Segundo Motta (2005:84), os calçados eram muito mais difíceis de serem copiados, precisavam de fôrmas[39]materiais e maquinário especial: estas só chegaram ao Rio de Janeiro no pós- Primeira Guerra, além do desenvolvimento de um projeto de design.

Os projetistas eram escassos no Brasil, assim como nos EUA, forçando os americanos a comprarem o projeto dos franceses. A escassez de designers de calçados garantiu a soberania do estilo estético francês, argumenta Walford (Op.cit.:150):

"American manufacturers in the 1920s were excellent at producing readymade shoes but there a few American designers. The manufacturers needed designs after which to model ready-mades and French shoemakers." [40]

Os historiadores (McDowell, 1989; Conde, 2004; Motta, 2005; Riello e McNell, 2006; Walford, 2007) parecem concordar que a visibilidade dos calçados nos anos 1920, difundida pelas saias mais curtas, pelo look la garçonne, trouxe aos criadores de calçados o status de designers, até então chamados de shoemakers.

Yanturni, Pinet e Perugia já desenvolviam coleções para alta-costura, e suas criações eram atribuídas aos criadores das maisons[41]

Shoemakers é o termo utilizado pelos historiadores de língua inglesa para denominarem os sapateiros artesãos. Até o final do século XIX e início do século XX, os artesãos tinham o mesmo status de um carpinteiro. O termo designer aparece em referência aos projetos industriais, como os da Brown Shoes; ou relacionados aos nomes dos criadores de calçados para a elite econômica como: Yanturni, Perugia e Ferragamo, ainda no início do século XX.

Paralelamente aos calçados refinados, encontramos a industrialização e a produção de massa de calçados, iniciada na Inglaterra e Alemanha no final do século XIX, e posteriormente introduzida nos EUA. Para Walford (Ibidem:123), os americanos conseguiam produzir couro mais barato e mais rápido que os europeus. A primeira indústria americana de calçados foi a Brown Shoe Company que introduziu em 1909, uma campanha de calçados inspirada na namorada de Buster Brown, Mary Jane. "The campaign was so successful that all shoes of this type became know generically as Mary-Janes[42]O estilo Mary Jane, também conhecido no Brasil como boneca, são calçados que lembram sapatos femininos infantis com tira no peito do pé, bico arredondado e salto grosso.

Interessante observar que as Mary-Janes já eram fabricadas em escala industrial tanto nos EUA quanto na Europa. No pós-Primeira Guerra, com os anos loucos de 1920 e a difusão do look la garçonne, as sandálias bar[43]com suas diferentes variações, podiam ser encontradas nas marcas de elite, como Perugia, dentre outras, ou nas marcas industriais, como a Brown Shoes, estas com solado de borracha.

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No início do século XX, alguns nomes (marcas, grifes ou designers) de calçados eram mundialmente reconhecidos na alta sociedade: Yanturni e Perugia são os primeiros nomes citados pelos historiadores de moda, seguido de Ferragamo e Vivier.

Pietro Yanturni, segundo McDowell (1989:10) nasceu na Calábria – Itália, em 1890. Seus sapatos eram feitos a mão, sob medida e direcionados à elite.

André Perugia, segundo Baudot (2002:97), francês, filho de sapateiro, foi descoberto por Poiret no Hotel Negresco em Nice, que lhe convidou para ir a Paris e desenvolver criações para o próprio. Durante a Primeira Guerra Mundial ele trabalhou numa fábrica de aviões. Em 1920, Perugia abre sua primeira butique em Paris, reforçando seu nome como designer de calçados.

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Ele divide a criação dos saltos stilettos com Vivier. Os stilettos, considerados saltos finos e altos, foram assim batizados como metáfora das excelentes facas Stiletto, (fig. 29) como saltos assassinos, acrescenta Cox (2005:11- 34). Segundo a autora, o protótipo aerodinâmico que reconhecemos como stiletto dos dias de hoje, com o salto de aço retorcido que apresenta a justaposição de ergonomia e elegância, foi patenteado por Perugia em 1952 como corkscrew heel (salto em espiral). Ele registrou várias patentes, comenta Walford (Ibidem:270), dentre elas o articulated wooden sole (solado articulado) usado durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1956, os interchangeable heels (saltos intercambiáveis, na fig. 28).

Para Walford (Ibidem:275), Roger Vivier, francês nascido em 1907 (algumas fontes dizem 1913), estudou escultura na escola parisiense Beaux-Arts, estabelecendo-se antes da Segunda Guerra Mundial. Tinha loja própria em Paris e fazia design freelance para grandes fábricas de calçados, entre elas a suíça Bally e a americana Delman. Trabalhou também com Elsa Schiaparelli na coleção de 1939.

Ele serviu na guerra e, ao retornar, montou sua casa em 1947, em Paris. Vivier é mais conhecido pela criação dos escarpins[44]desenvolvidos a pedido de Christian Dior para a concepção do New Look de 1947. A partir de 1955, suas criações eram assinadas Dior created by Vivier. Era a primeira vez que o nome de um designer de calçados aparecia na etiqueta do couturier, afirma o autor. O historiador McDowell (Op. cit.:183) assim o descreve:

"A good shoes designer requires artistic and scientific skills – his shoes must look and fell right. The balance and comfort and beauty is not always easy to achieve...His creations combine visual deliciousness with mechanical precision...[45]"

Como designer, ele trabalhou as questões técnicas e artísticas relacionadas às funções do produto. A criação técnica do salto stiletto, como conhecemos hoje, pode não ter sido de Vivier, não há consenso entre os autores, mas o desenvolvimento estético lhe é atribuído. Ele literalmente esculpiu o cabedal[46](fig. 27) para que o peito do pé aparecesse e, quanto ao salto, ele o afinou até encontrar equilíbrio entre forma e conforto. Era um perfeccionista, afirma Cox (Op. cit.:31).

Salvatore Ferragamo[47]segundo Ricci (2008:13), nascido em 1898 em Bonito – Itália, já fazia sapatos para sua irmã aos 9 anos de idade. Aos 16 anos, mudou-se para os EUA, onde a indústria calçadista estava iniciando. Alguns anos depois montou sua própria empresa em Boston, uma experiência decepcionante: achava a eficiência americana excelente, mas os resultados relacionados ao estilo e construção dos calçados eram terríveis.

Ele convenceu seus irmãos a se mudarem para Santa Barbara, onde a indústria cinematográfica estava começando. Ferragamo abriu uma pequena loja de reparos de calçados e tinha lições de anatomia dos pés na universidade local: ele queria fazer calçados belos, mas também confortáveis e práticos. Em 1923, foi para Hollywood, abriu outra loja e já trabalhava no cinema, fazendo seus calçados artesanalmente. Em 1927, retornou à Itália e, em Florença misturava técnicas artesanais italianas com o sistema de manufaturas industriais que havia aprendido nos EUA. Ainda utilizou o sistema de numeração de calçados com ½ ponto[48]e aperfeiçoou o sistema de numeração de calçados seguindo seus próprios estudos, afirma a autora.

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Ele foi um inventor, registrou diversas patentes, dentre elas o steel middle sole em 1920, conhecido como alma de aço (fig. 31). É uma das peças estruturais da palmilha de montagem[49]antes feita de madeira, o que tornava o sapato muito pesado. Sua invenção acomodou a curvatura da planta dos pés de acordo com as alturas dos saltos, permitindo a disseminação dos mesmos. Até hoje, como o próprio nome sugere, esta estrutura é considerada a alma do sapato, com o objetivo de acomodar os arcos dos pés nas respectivas alturas.

O cork wedge de 1937 (fig. 32), conhecido como plataformas, foi também uma invenção de Ferragamo em resposta aos tempos de guerra e escassez de materiais. Sem o aço importado da Alemanha para fazer a estrutura do calçado, ele foi pressionando pedaços de cortiça italiana até preencher os espaços entre sola e salto por completo.

Homem de seu tempo, investiu na sua empresa contratando artistas como o futurista Lucio Viena para fazer suas campanhas publicitárias. Fazia peças exclusivas e patenteou todas suas idéias que tinham potencial de produção em massa: são mais de 400 patentes. Calçou atrizes, personalidades e rainhas, inclusive Carmen Miranda.

Muitos outros nomes de designers de calçados são destacados pelos historiadores, entre eles Charles Jourdan que fundou sua empresa em 1921, pertence à geração de inventores modernos e Massaro em 1894, que desenvolveu o clássico bicolor de calcanhar aberto para Chanel em 1957, o design é de Raymond Massaro, neto do fundador. Herbert Levine, fundada em 1948 pela designer Beth e seu marido jornalista Herbert Levine são conhecidos por desenvolverem calçados divertidos, como o da fig. 33. Manolo Blahnik fundou sua empresa em 1972, Stephane Kélian em 1978, Tókio Kumagai em 1980. Jimmy Choo e Christian Loubotin em 1991.

Todos eles desenvolveram projetos de calçados, registraram patentes, trabalharam com as questões técnicas e estéticas, souberam dar valor ao design e também cobrar por isso.

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Outra "revolução tecnológica" para o setor calçadista, que não podemos deixar de comentar, é o desenvolvimento de calçados esportivos iniciada pela alemã Adidas fundada em 1924 que se destacava por fazer diferentes solados de borracha para os diferentes esportes. Seguido da também alemã Puma fundada em 1948, pelos sócios da empresa esportiva Dassler prestadora de serviços até então para a marca Adidas.

O atual empreendimento Nike começou em 1972, criada por treinadores maratonistas que desenvolveram o solado waffle, feito de borracha derretida numa forma de waffle, exemplo de design comportamental[50]desenvolvido pelos próprios usuários. Além de suas linhas específicas para atletas estas empresas hoje corporativas possuem parcerias com designers de moda, como a do inglês Alexander McQueen com a Puma.

As empresas alemã Birkenstock e a americana Dr. Scholl"s também merecem destaque. A Birkenstock, criada há mais de 200 anos, desenvolve sandálias com solado anatômico desde 1908, e a Dr. Scholl"s, empresa fundada por médicos no início do século XX, lançou, em 1956, os tamancos com estruturas de solado anatômicos vendidos até hoje em diversos países. Os produtos destas marcas que privilegiam, em primeira instância, o conforto físico, transformaram-se também em ícones de moda. A alemã foi considerada item básico do guarda-roupa feminino do verão de 2003, e a americana Dr. Scholl"s símbolo da ideologia hippie apropriada pela moda nos anos 1970, segundo Roncoletta (2005:85).

No Brasil, empresas como Alpargatas (fig. 34) e a Montreal faziam calçados para o dia a dia dos anos 1950. A Fenac, feira de calçados do Rio Grande do Sul, expôs pela primeira vez em 1963 a produção calçadista brasileira. Rui Chaves, segundo Motta (Op. cit.:93), foi um dos pioneiros em delicadeza e refinamento. Na década de 1970, a Grendene fabricou a sandália de plástico Melissa e fez parcerias pelo mundo com diversos designers de moda. a ilustração da fig. 36 é um exemplo que foi realizado com Mugler em 1985.

A década seguinte foi marcada pelas pesquisas de tendências internacionais realizadas por indústrias brasileiras como a Czarina, afirma Motta (Ibidem:100).

Nomes como Cândida Andrade, Tereza Gureg, Patrícia Maranhão e Junia Gomes se destacam no desenrolar de nossa história calçadista. Muitas delas fecharam suas portas nos anos 1990. Fernando Pires, Ferri, Beneduci, Franziska Hübener, Serpui Marie se destacaram nas mídias de moda nacionais dos anos 1990. A Studio Arezzo desenvolveu parcerias com muitos designers de moda. A com Lino Villaventura (fig. 35) é um exemplo.

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"A moda brasileira passa a ser observada com atenção. Estudos de mercado apontam o design, entendido como diferenciação de ordem técnica e criativa, como solução para seu futuro." Motta (Ibidem:118).

A afirmação do autor é em relação aos designers de calçados do século XXI, exigindo do profissional brasileiro um desenvolvimento técnico e criativo capaz de competir com o mercado internacional. Neste contexto, Motta cita alguns nomes: Constança Bastos, Francesca Giobbi, Mauricio Medeiros, Paula Ferber e Sarah Chofakian. A indústria calçadista nacional fundou-se pela cópia, afirma o autor, possível até então pela pouca informação de moda divulgada por nossas terras. Essa perspectiva alterou-se com o crescente número de informações sobre moda divulgadas em diversos veículos como em jornais diários e o acesso a internet.

Atualmente, existem diversos museus de calçados espalhados pelo mundo, muitos podem ser visitados online. Relatam a história dos calçados ocidentais e de seus designers; tratam da tecnologia e invenções; relacionam os calçados com costumes, como os sapatos de casamento, ou ainda aspectos de culturas específicas como a exposição "Beauty, Identity, Pride: Native North American Footwear" do Bata Shoe Museum. Os principais museus de calçados são: O belga Shoes or not shoes, encontrado no site: http://dev.shoesornoshoes.com/index.php#, permite pesquisa etnográfica por artistas e por regiões. Contém um pequeno acervo brasileiro.

O Museu Nacional do Calçado é o representante brasileiro da cidade de Novo Hamburgo, disponível no site: http://www.mncalcado.br/site.html, com pesquisa etnográfica por décadas relata brevemente a história dos calçados no Brasil.

A maioria das imagens são apresentadas em fichas técnicas com ano, tipo de calçado, designer e materiais utilizados.

No Bata Shoe Museum, do Canadá disponível no site: http://www.batashoemuseum.ca/, encontramos história do calçados e dos designers, sapatos de trabalho como os de balé, e diversas exposições online (fig. 37) podem ser vistas em imagens 3D.

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O espanhol Museo del Calzado, disponível no site: http://www.museocalzado.com/index.php também torna disponível exposições online e trata da história do calçados.

High Heels Shoes, de origem americana, disponível no site: http://www.highheelshoemuseum.com/index.html, é um acervo virtual de imagens de sapatos de saltos altos que nos direcionam aos sites de seus criadores.

O russo Shoes Icons, disponível no site: http://eng.shoeicons.com/index.htm, além das exibições históricas usuais possui uma área de glossários, ilustrações e anúncios de calçados.

O inglês Ortho Boot and Shoe Emporium, encontrado no site: http://shoesnboots.50megs.com/Page%202.html, é um site de calçados adaptados (fig. 38 e 39) , na maioria botas masculinas para pessoas com necessidades especiais.

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A maioria das marcas aqui apresentadas, é importante ressaltar, são desenvolvidas para o público elitizado, inclusive devido ao próprio custo de um par de sapatos destas griffes. Perguntamo-nos, então, onde está o design de calçados para pessoas com necessidades especiais.

Não esperávamos encontrar na obra de Motta ou de Conde referências aos calçados para PNEs. Ressaltamos que, ainda hoje, os títulos em português que abordam o design de calçados são pouquíssimos, se comparados aos em língua inglesa. Não encontramos citações nem em língua inglesa ou francesa. Por que as encontraríamos? A história de moda é a história dos modismos e das tendências.

Mesmo quando falamos dos hippies e da anti-moda, estes foram apropriados pelo sistema, mas não aquela moda para o corpo do outro que procuramos investigar. Para cartografar estes outros corpos, outros designs paralelos, recorremos à monografia Deformidades Formidáveis, e à internet.

3.1.1 Breve histórico do design de calçados para PNEs

Os estudos dos calçados para PNEs concentram-se em 3 tipos de pesquisas:

  • a. para diabéticos (fig. 40) - tratam-se de estudos ergonômicos e ortopédicos. Os sapatos podem ser encontrados em diversas lojas virtuais como a Fisiostore, Ortopedia Carlita, Ortopedia Palmipé e Laboratório do Pé;

  • b. estudos que desenvolvem palminhas, calcanheiras e calçados chamados antiestresse que privilegiam o conforto físico e as funções de uso, como os da Opananken (fig. 41); e

  • c. desenvolvimento de próteses de membros inferiores[51]encontrados em lojas inclusive virtuais.

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Notamos algumas alterações neste últimos 4 anos nas questões relacionadas às funções estéticas das próteses, ressaltadas pela Dra. Vânia Medina Viera de Freitas[52]Anteriormente muitos produtos eram produzidos imitando o corpo humano, atualmente encontramos próteses coloridas (fig. 42), tatuadas, etc. Aprimoramentos técnicos, como sensores robóticos e mecânicos, também são encontrados como no caso do atleta Oscar Pistorius (pág. 49), mencionado no segundo capítulo.

Quanto aos calçados para as mulheres em questão, tema de nossa dissertação, encontramos algumas empresas que oferecem serviço de adaptação, e alguns sapateiros, como a Sapataria do Futuro, de Pinheiros, da cidade de São Paulo, e o Sr. Beirinha, da cidade de Campinas. Estes profissionais, no primeiro encontro solicitam uma receita médica e apenas adaptam calçados. Relembramos que não existem designers de calçados para esses corpos em questão. Para realizar as adaptações, os sapateiros necessitam que seus clientes saibam selecionar (comprar) os possíveis calçados adaptáveis. Veremos estes requisitos no final deste capítulo.

A empresa Laboratório do Pé desenvolve sapatos sob encomenda. Em seu site, ela disponibiliza alguns modelos demonstrados nas fig. 43 e 44.

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Utilizaremos os calçados bar/boneca para explicarmos os componentes técnicos e requisitos ergonômicos que devem ser observados ao se projetar calçados confortáveis e prazerosos. Segundo entrevistas realizadas[53]com Dr. Túlio Diniz, especialista em pés, as formas apropriadas para os calçados femininos são as de bico redondo ou quadrado, que literalmente não comprimem nossos dedos. Quanto ao tipo de calçado, a papete[54]ou boneca, além de acomodar os dedos permitem, dependendo do material, ajustes no peito do pé e tornozelos. A ideia de conforto, a despeito de ser uma palavra frequentemente usada, não é um consenso acadêmico.

3.2 Sobre conforto e desconforto

A palavra conforto na língua portuguesa origina-se do verbo latino cumfortare, como ato ou efeito de confortar, bem-estar, comodidade material, aconchego, consolação ou auxílio nas aflições (Cunha, 1997). Originalmente, esse foi o significado do francês confort, que no século XIII deu origem ao inglês comfort. A revolução industrial tratou a visão do conforto como uma necessidade lícita comprometida com a modernização "A evolução dos seus significados corresponde à evolução da cultura ocidental, e espelha a mudança dos valores espirituais desde a busca do cristianismo para a busca de bem estar material" (Van der Liden, 2006:01).

O conforto é um dos temas mais importantes para as sociedades contemporâneas, está relacionado ao mercado como valor agregado e a preocupação com a saúde - caso dos calçados para diabéticos.

Desde a década de 1950, a definição de conforto está presente nos estudos ergonômicos relacionados a assentos. A primeira definição operacional de conforto, proposta por Hertzberg, foi a ausência de desconforto (Lueder, 1983 apud Van der Liden, 2006). Com o desenvolvimento da industrialização, e, por consequência, do design, a busca do conforto como item de valor agregado aos objetos tem sido cada vez mais enfatizado nos artigos de design e moda.

Seu conceito é subjetivo. Depende, em grande parte, da percepção da pessoa que está experimentando a situação, não existindo uma definição universalmente aceita. (Lueder, 1983; Slater, 1985; Zhang, 1991). Recentemente, alguns pesquisadores sugeriram que o conforto está relacionado com o prazer, o que apresenta fronteiras mal definidas com a usabilidade e a funcionalidade (Slater, 1995; Jordan, 2000). Simultaneamente, outra corrente assume que o conforto e o desconforto estão em duas dimensões: o conforto associado a sentimentos de relaxamento e bem estar, e o desconforto ligado a fatores biomecânicos e à fadiga (Zhang, 1992; Zhang, et ali, 1996; Goonetilleke, 1999).

Pelos contornos desta pesquisa, estudaremos o conforto, segundo Nicolini (1995), relacionado diretamente à indústria do vestuário:

"O conforto pode ser definido como estado de harmonia física e mental com o meio ambiente, baseado na ausência de qualquer sensação de incômodo. Em relação ao vestuário, o conforto é definido por três aspectos: físico, relacionado às sensações provocadas pelo contato do tecido com a pele e ao ajuste da confecção ao corpo e seus movimentos; fisiológico, ligado à interferência do vestuário nos mecanismos do metabolismo do corpo, em especial o termo-regulador, e o psicológico, função relacionados à estética, aparência, situação, meio social e cultural. Por sua vez, estes fatores relacionados aos três aspectos do conforto descritos não são independentes, mas interagem em função de cada situação." (Nicolini, 1995 apud Martins, 2005:66)

Por estas considerações, projetar um produto confortável o tempo todo nos parece uma tarefa praticamente impossível, já que dependemos de uma harmonia física, psicológica e mental. Relembramos que a ergonomia assume uma postura evolutiva no sentido de aprimoramento, reconhecendo suas limitações como ciência.

Vários estudos vêm considerando os aspectos subjetivos e psicossociais (Jordan, 1998; Iida, 2005; Van der Liden, 2008) do ser humano relacionados às características cognitivas (ergonomia cognitiva) do produto como fatores importantes para dimensionar o conforto.

Quando questionamos nossos entrevistados[55]sobre conforto dos calçados, as respostas foram em relação às funções de uso diretamente relacionadas às questões físicas e fisiológicas, como "este sapato me machuca, faz bolhas, calos", ou ainda "este outro é muito quente", "este aqui aperta meus dedos", ou "este é o único que consigo usar". E ainda, "este tem salto, mas parece que estou descalça".

Apesar da falta de consenso acadêmico sobre o tema, nossas usuárias consideram o conforto um aspecto importante relacionado diretamente ao uso do objeto, relacionados, portanto, à usabilidade e funcionalidade do produto.

Vale relembras que o quesito conforto, e também o prazer são usados em situações sociais, como a de Karin, uma de nossas entrevistadas, com relação ao preconceito que sofreu no shopping de São Paulo: "situação desconfortável", afirmou.

A usabilidade (neologismo traduzido do inglês usability) é definida como "efetividade, eficiência e satisfação com as quais os usuários específicos atingem metas específicas em ambientes particulares", segundo a ISO[56]apud Jordan (2000:07). Não depende das características do produto, mas da interação entre usuário, produto e ambiente. O importante é como usar um produto para fazer alguma coisa. A usabilidade tende a ser limitada, afirma o autor, os critérios de avaliação tendem a enxergar os produtos como ferramentas com usuários realizando tarefas.

Ela é heurística, ou seja, depende da resposta do usuário que nos fornece respostas para determinado problema. Sobre usabilidade dos artigos do vestuário encontramos as pesquisadoras Martins e Silveira.

Martins (2007:03) acrescenta que a usabilidade[57]representa a interface que possibilita a utilização eficaz dos produtos, tornando-os amigáveis e prazerosos. A autora desenvolveu o Oikos: metodologia de avaliação de usabilidade e conforto de vestuário.

Sobre funcionalidade, Silveira (2008:21-39) argumenta: não é uma característica do objeto em si, "mas uma série de relacionamentos complexos entre hábitos e usos, técnicas de fabricação e significados simbólicos." A autora observa a funcionalidade sob o prisma da linguagem, com foco na semiótica por intermédio de Bürdek (2005), esta é indissociável das funções estético e simbólicas do design de produtos.

Neste sentido, podemos entender que a usabilidade e a funcionalidade estão relacionadas diretamente ao uso do objeto e suas funções práticas. Correlacionam-se também com as questões estético-simbólicas do mesmo, ou seja, o uso do objeto depende também da comunicação através do styling, depende do contexto do usuário, de seu repertório de experiências anteriores, aspectos estes subjetivos.

Com relação ao conforto, nossas usuárias identificam as questões físicas e fisiológicas percebidas entre o produto utilizado e seus corpos. Concluímos que nossos sapatos devem ser fáceis de calçar e descalçar, e ainda fáceis de limpar; confeccionados em materiais macios, que permitam a transpiração, e que suas costuras não nos machuquem. Devem também proporcionar segurança, isto é, os calçados devem estar firmes em nossos pés, bem presos pelo cabedal, seus saltos devem proporcionar estabilidade ao marchar com sola anti-derrapante, não provocando a sensação que podem virar o pé, e, por último, seria agradável poder sentir o chão.

3.3 O prazer

Desde o começo da humanidade, nós procuramos por prazer, argumenta Jordan (2000). Da sensação de estar em contato com a natureza, da beleza das flores, sentir a brisa refrescante em nossas peles, outras fontes de prazer advêm dos objetos que nos cercam.

Em sua obra, ele propõe uma abordagem holística aos produtos baseados nos fatores humanos através do prazer. Compreende o ser humano como um todo indivisível que não pode ser explicado pelos distintos componentes físicos e psicológicos, separadamente.

O prazer, construto também abstrato, encontra-se na relação entre o usuário, os produtos e o ambiente onde tais produtos são usados. Os objetos podem ser vistos como objetos vivos com os quais o ser humano se relaciona, podem nos deixar alegres, tristes, seguros, ansiosos, etc. "It"s necessary not only to have understanding of how people use products, but also of the wider role that products play in people"s life[58]Jordan (Ibidem:08). Para compreender esta relação, grandes desafios devem ser observados.

O primeiro é tentar entender o usuário holisticamente: seus processos físicos e cognitivos, racionais e emocionais, como seus valores, gostos, medos e esperanças.

Compreender os usuários e suas necessidades – entender os benefícios emocionais, hedônicos e práticos que os produtos podem trazer aos seus usuários. O segundo é unir as propriedades do produto aos prazeres benéficos – qual propriedade do produto é associada a qual tipo de prazer: fisiológico, social, psicológico e ideológico. E, por último, desenvolver métodos e critérios de investigação do prazer, propõe Jordan.

Os benefícios práticos estão relacionados à usabilidade e funcionalidade do produto entendido como performance positiva, que ofereça satisfação ao usuário. Os aspectos objetivos do conforto e do prazer estão co-relacionados aos níveis físicos e fisiológicos. Usar um calçado fácil de vestir, firme e seguro estimula uma sensação prazerosa e confortável de satisfação.

Em relação aos benefícios emocionais, o autor considera como o produto pode afetar o estado emocional do usuário. Utilizar produtos pode ser excitante, interessante ou divertido. Os calçados de salto alto são famosos pela sensação de poder atribuído às mulheres que os utilizam. Para Semmelhack in Riello e McNelil (2006:224),"os saltos-altos têm sido poderosos desde sua emergência na moda ocidental". Apenas uma de nossas entrevistadas disse não sentir falta do salto alto, três têm medo de usá-los, e duas os utilizam com frequência. Todas as mulheres relacionaram o salto médio, em torno de 4 centímetros, a expressões como elegância, poder e sensualidade.

Os benefícios hedônicos pertencem aos aspectos sensoriais e estéticos do prazer associados ao produto. Uma poltrona pode, por exemplo, ser macia e ao mesmo tempo "bela". Com os sapatos idem, podem ser sensuais e confortáveis ao mesmo tempo. Estas eram algumas das diretrizes que fizeram Perugia, Ferragamo e Vivier desenvolverem tantas patentes. Encontrar um equilíbrio entre o que eles acreditavam ser belo, de acordo com os requisitos estéticos de seu tempo, recurso de materiais e desenvolvimento tecnológico que também proporcionasse conforto em relação aos produtos conhecidos eram suas motivações.

Após a identificação dos benefícios dos produtos, Jordan apresenta os quatro tipos de prazer: físico, social, psicológico e ideológico. Sua teoria está baseada nos estudos antropológicos do canadense Lionel Tiger.

O prazer físico, para Jordan, é derivado da relação do objeto com os órgãos sensoriais. Por exemplo, a textura de um objeto, o cheiro de um carro novo. No calçado, seus componentes materiais.

"It comfort is defined – at least operationally – as an absence of discomfort, them it is clear that the products can offer physiological pleasures that go beyond comfort and into the realms of sensuality...the silk, it"s one example, that the material is a positive sensual experience to wear.[59]" Jordan (Ibidem: 24).

O prazer social é a interação entre várias pessoas proporcionada por um objeto. Uma cafeteira pode proporcionar ao anfitrião e aos seus convidados uma pequena parcela do prazer de servir e receber, se a cafeteira preparar um bom café.

Aqui se encontra também a questão do status. Como as pessoas se relacionam com os produtos faz parte de sua identidade social, afirma Jordan (Ibidem:13).

A questão do conforto é retomada aqui como uma relação social por meio dos objetos. Os modismos podem mais uma vez inserir ou excluir um grupo de indivíduos. Aqueles que não possuem o último lançamento da Apple podem se sentir constrangidos (desconfortáveis) em relação àqueles que possuem.

Muitos produtos desenvolvidos para pessoas com necessidades especiais possuem uma estética médica ou clínica facilmente reconhecida por meio da aparência destes aspectos, ou seja, as aparências de tais produtos comunicam as restrições de seus usuários contribuindo para a exclusão social, e não para inclusão.

Uma situação social de desprazer e desconforto para o usuário, caso dos sapatos para diabéticos (vide fig. 40 pág. 70) que, por sua aparência, denunciam a restrição do usuário, um benefício emocional de valor negativo.

O prazer psicológico está associado às reações emocionais e cognitivas das pessoas em relação ao produto. Refere-se ao prazer da mente em realizar tarefas relacionadas à usabilidade e compatibilidade dos produtos considerados amigáveis.

O desempenho do produto deve ser satisfatório para que os benefícios sejam positivos. Os calçados devem ser fáceis de calçar, considerando indivíduos com restrições motoras, por exemplo. Os benefícios práticos neste caso são associados ao prazer psicológico de realização.

O prazer ideológico está associado aos valores estéticos e éticos de uma determinada cultura, geração ou indivíduo. Encontram-se aqui os valores ecossustentáveis, responsabilidade social, política, moral. Consumir produtos ecologicamente corretos pode trazer prazer para o usuário: demonstra uma preocupação moral com o mundo. Jordan ressalta que tais valores são elásticos e podem ser influenciados pela mídia e modismos.

3.4 Calçados prazerosos e confortáveis: aspectos físicos e ergonômicos

Foram feitas pesquisas em sites acadêmicos: Elsevier (Applied Ergonomics, International Journal of Industrial Ergonomics); SciELO; EBSCO e Science Direct sobre comfortable shoes. Até o momento, encontramos apenas um artigo que relacionava calçados com PNEs, referindo-se à importância de solas antiderrapantes para cadeirantes.

Devido ao contato frequente com especialistas da área biomédica, foram realizados diversos encontros com os ortopedistas: Dr. Túlio Diniz, especialista em pés do HC; e com o Dr. Walter Targa, especialista em prolongamento de membros, com a fisioterapeuta Sandra Scarpin, ambos da Clínica COF; e ainda com a fisioterapeuta/rpgista e especialista em pilates Rita Lazuri. Seus depoimentos ressaltaram as necessidades biomecânicas das usuárias. Por indicação de Nelly, usuária de calçados especiais, ainda conversamos com o fisioterapeuta Nivaldo Baldo, de Campinas.

Os aspectos do prazer e conforto físico e fisiológico são relacionados diretamente à função de uso do objeto de design, suas qualidades técnicas e ergonômicas.

Nos calçados, consideramos que sua estrutura composta pelo solado e cabedal (fig. 30 pág. 64) é capaz de absorver a energia do corpo liberada durante a marcha, responsável pela qualidade técnica.

Segundo Monteiro (1999), o conforto físico e fisiológico são pouco valorizados pelas usuárias femininas, porém, indispensáveis na prevenção das doenças dos pés, tais como: artrites, metatarsalgia (dor nos dedos), proliferação de fungos, infecções, micoses, calosidades, etc. São várias as doenças provocadas por sapatos apertados, acrescentam os entrevistados, e as mais conhecidas são:

a) problemas nas unhas, que encravam, b) o esporão, calosidade formada no calcanhar, c) o halux, popular joanete, d) micoses, e) dores não só nos pés. Dr. Túlio afirma: "Dores pelo corpo todo: articulações, coluna, lombalgia e inclusive enxaqueca." Os calçados, de maneira geral, devem possuir sola anti-derrapante, item de segurança relacionado à usabilidade, permitir a transpiração do pé, assim como a articulação dos músculos e ossos ao caminhar, como prevenção a possíveis doenças.

Ao prazer psicológico e sociológico são necessárias investigações para reconhecer as necessidades socioculturais do ser humano, discutidas no próximo capítulo.

Em relação ao conforto físico, podemos verificar as questões da modelagem do calçado com a anatomia do corpo humano, segundo Yim Lee Au (2007). O movimento biomecânico da marcha (fig. 46), articulações e musculaturas (fig. 45) devem ser respeitados ao modelar o calçado, assim como localização de costuras e acabamentos para evitar que os sapatos nos machuquem.

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Para confeccionar um calçado, normalmente sua modelagem[60]é realizada de maneira tridimensional, utilizando a fôrma com pontos e linhas básicas (fig. 47).

Colocamos uma fita crepe em cima da fôrma e desenhamos suas características de acordo com a ficha técnica e desenho ilustrativo do sapato. Depois retiramos o molde e o planificamos. Caso encontremos algum ponto que iniba os movimentos do corpo, podemos modificá-los. Desta maneira evitamos pontos de pressão que possam nos machucar. Tanto modelagem como ilustrações podem ser realizadas em sistemas computadorizados.

Os sapatos de bico fino devem afunilar o bico depois da primeira falange dos dedos. O ponto C corresponde à base de propulsão do pé (fig. 46), onde metatarsos e falanges se encontram, portanto, o bico fino só pode afunilar-se a 1/3 da linha CI a partir do ponto C em direção ao ponto I.

Os profissionais entrevistados concordaram que o calçado deve ser projetado de acordo com sua atividade física. Existem diferentes tipos de sapatos para diferentes pisadas: pé planado e pé chato, por exemplo; como também para diferentes atividades: correr, caminhar, atividades aquáticas, escalar, etc. Devem, portanto, serem projetados para que o corpo humano execute estes movimentos.

A qualidade das costuras, da cola, a resistência dos materiais utilizados, a espessura da palmilha, os pontos de apoio da alma de aço, os pontos de pressão da modelagem podem ser analisados pelo IBTeC responsável pelo "Selo Conforto".

Os testes biomecânicos são realizados simulando a marcha normal do corpo humano, durante um determinado tempo. Vale ressaltar que nenhum calçado pode proporcionar conforto físico 100%, afinal nossos corpos são volúveis, e dependem de fatores externos como a temperatura ambiente, e, até mesmo o cansaço pode alterar nossa percepção de conforto.

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"As principais propriedades físicas mensuráveis de um tecido estão relacionadas à espessura, peso, elasticidade, flexibilidade e características da superfície". (Nicolini, 1995 apud Martins, Op. cit.:71). O cuidado com materiais requer uma outra dissertação para classificá-los, descrevê-los e analisá-los em laboratório. Os especialistas entrevistados sugerem evitar materiais como plásticos que não permitem a transpiração dos pés, e Nivaldo Baldo ainda acrescenta: "a utilização do couro, de preferência macio como o de ovelha seria ideal, afinal a pele dos animais é o material que mais se aproxima da nossa própria pele".

A temperatura ideal para os pés é de 27,5º C (sem sensação de calor ou frio). Entre 28º C e 33º C ainda são temperaturas consideradas confortáveis. Fora destes limites, acrescidos de umidade, podem provocar intenso desconforto. O aumento da temperatura favorece a proliferação de fungos, bactérias e doenças da pele. (CTCCA: 1994 apud Monteiro, Op. cit.:74-78). Nesse sentido, os materiais utilizados na confecção dos calçados devem permitir a transpiração dos pés.

Mesmo sabendo que o uso prolongado de saltos altos fazem mal à saúde, as mulheres continuam usando-os e, no caso específico dos corpos em questão, os saltos são nossos aliados, já que a diferença de membros inferiores é compensada pelo uso de saltos ou plataformas. Nelly, uma de nossas entrevistadas, utiliza sapatos de salto alto para literalmente cortar os 3,5 centímetros que são sua diferença entre membros.

Deixando o calçado original mais alto para sua perna encurtada e o outro reduzido para a perna normal. Ela ainda acrescenta que fazer estas modificações em sapatos de salto são mais fáceis de camuflar as diferenças estéticas entre os pés de sapato. "É só seguir a linha original do calçado", referindo-se à forma original dos mesmos.

Nos calçados das usuárias em questão, a não utilização de uma compensação pode causar artrose de quadril e joelho irreversíveis, comprometendo futuramente a saúde delas, devido ao desgaste de suas articulações. Segundo o ortopedista Dr. Walter Targa, as diferenças de membros inferiores maiores que três centímetros podem provocar o desgaste mencionado de maneira lenta e gradual, levando em média 30 anos. Ele recomenda a utilização de compensação, seja no calçado ou de maneira cirúrgica, como o processo de alongamento ou enxerto ósseos.

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Com relação ao salto, encontramos uma progressão do peso do corpo e eixo de equilíbrio para os dedos. Segundo Monteiro (Op. cit.:67), o salto ideal é o de 2 cm, quando o peso corporal está dividido entre o Triângulo de Propulsão e o Triângulo de Apolo (fig. 46). O aumento dos saltos causa pressões maiores nos dedos conforme a tabela da fig. 48 favorecendo o encurtamento do tendão de Aquiles, aumento de varizes e lombalgia. Os ortopedistas recomendam utilizar saltos de altura média[61](4 cm) no dia-a-dia. Deve-se observar também se o salto encosta no chão, e se o bico do calçado está levemente elevado em aproximadamente 1 cm do chão, conforme a fig. 49, uma regra geral. Existem tabelas[62]para calcular o tamanho do salto e a elevação de bico, que variam inclusive de acordo com atividade do calçado e flexibilidade da sola.

Por experiência própria e pelos relatos observados, reconhecer qual é o tamanho de sua diferença não é uma tarefa fácil, principalmente se seu corpo já está adaptado a ela. É necessário realizar radiografias panorâmicas, escanometrias e tomografias computadorizadas para obtermos uma possível medição entre um lado do corpo e o outro, porém, estes exames são realizados com o indivíduo parado, não consideram o movimento de nossos corpos. Neste aspecto, podemos realizar o exame de marcha com diferentes alturas de compensações, observando assim, qual seria a medida da sua compensação no calçado durante o movimento, afinal você vai no mínimo andar com o sapato, se não desejar correr.

Estes profissionais que solicitaram estes exames já se preocupam com a qualidade de vida de seus pacientes, além do aspecto saudável. Podemos, assim, considerá-los profissionais mais sensíveis. O Dr. Targa, em nossa entrevista acrescenta: "a saúde está relacionada ao bem estar e a felicidade... pode parecer um pensamento simplista, mas o que quero dizer é que ser saudável é também poder fazer aquilo que lhe faz feliz... senão você fica deprimido." A maioria dos médicos, segundo nossas entrevistadas, apenas observam a biomecânica do corpo: se o eixo de equilíbrio passa entre quadril, joelho e tornozelo, nós, usuários, não deveríamos nos preocupar, e ainda, se o joelho possui amplitude de 90º, é mais do que suficiente para ser funcional. Nós, usuários, buscamos qualidade de vida nos aspectos saúde e bem estar social. Todas as entrevistadas concordaram que se sentir bem é mais do que estar bem de saúde física.

Sobre sensibilidade corporal, Dr. Targa observa que determinados pacientes com a biomecânica funcionando perfeitamente reclamam de alguns aspectos, e outros com o eixo corporal díspar sentem-se ótimos. Ele atribui estas questões a diferentes graus de sensibilidade do ser humano, e as exemplifica através do meu próprio corpo:

"Talvez você tenha nascido com o código cerebral de forma, que seu lado direito deveria ter sido o maior, mas, devido ao acidente, seu corpo tomou outra postura, o esquerdo se desenvolveu, e seu cérebro se adaptou. Depois, nós lhe operamos, e equilibramos seu organismo em duas grandes cirurgias, são grandes traumas... agora precisamos avisar seu cérebro que as coisas mudaram, refazer algumas sinapses. O que o pobre coitado [o cérebro] tinha refeito sozinho nós modificamos ao alterar o eixo de equilíbrio de seu corpo. Ele precisa se reorganizar novamente, o que é mais difícil agora, você já passou dos 30." Ri, o ortopedista.

Seu depoimento confirma que cada indivíduo é único em suas percepções sensíveis, inclusive na visão deste médico. Descobrir o grau de sensibilidade corporal particular com seus pacientes tem sido tarefa que desafia a lógica comum da medicina.

Nivaldo Baldo acrescenta que tirar o salto alto bruscamente da mulher que o usa com grande frequência pode causar traumas musculares. "O ser humano é extremamente adaptável, qualquer mudança muito brusca é compreendida por nossos corpos sensíveis como um trauma". Para saber o tamanho ideal, após os exames realizados, deve-se acrescentar vagarosamente os centímetros, para que o corpo tenha chance de se auto reconhecer.

Além dos aspectos já observados na literatura[63]acrescentamos os seguintes aspectos: sobre a forma do calçado, esta deveria ser de bico quadrado largo ou arredondado, para "garantir" espaço aos nossos dedos. O cabedal deve possuir tiras ajustáveis no peito do pé e/ou no tornozelo. A estrutura de solado, ligeiramente rígida, fornece melhor proteção à coluna. Estas questões nos remetem aos calçados dos anos 1920, que analisaremos sob o viés do conforto e prazer.

3.5 Os calçados dançantes

A silhueta feminina do pós-Primeira Guerra permitia o movimento do corpo, exigia praticidade, e o comprimento das peças colocou em evidência o sapato.

O calçado participou, assim como o look la garçonne (fig. 50) difundido por Chanel, da manifestação de um estilo de vida, portanto, um visual facilitador na inclusão social por meio do design de moda. Podemos constatar que tais mulheres, quando não estavam no salão de baile, ostentavam o mesmo estilo de vida. A estética la garçonne, eleito o visual da década de 1920, simbolizava este estilo de vida, e proporcionava prazer e conforto sociais, como sugeriu Jordan.

Segundo Seeling (Op. cit.:93), "os calçados dos années folles eram concebidos para dançar". O design destes sapatos talvez possam ser considerados um dos primeiros calçados de moda com as qualidades e funções do design caracterizadas por Iida e Löbach.

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O salto era amplo, estável e tinha, no máximo 3 cm, proporcionando estabilização da marcha. O bico levemente arredondado não apertava os dedos. O cabedal possuía aberturas laterais pequenas, permitindo a melhor transpiração dos pés. Concebidos para dançar, deveriam ser resistentes, possuíam tiras reguláveis com fivela, ajustadas nos tornozelos ou no peito do pé, e ainda uma palmilha de couro duro permitia uma melhor sustentação da coluna.

Segundo Conde (Op. cit.:28), os ritmos loucos do charleston e do jazz são acompanhados pelos calçados bar na Europa e nos EUA. No Brasil, dançávamos o maxixe. Na Argentina, o tango. Na visão da autora, as sandálias bar foram levadas para Paris pela Companhia de Dança Argentina e, de lá, para o mundo.

Dentre as qualidades técnicas dos sapatos bar, podemos citar: o salto era amplo e largo, provavelmente de madeira, mantinha o equilíbrio durante a marcha.

Onde atualmente encontramos a alma feita de aço, era confeccionada de couro rígido, já proporcionando uma proteção à coluna cervical. A sola, quando de borracha, era anti-derrapante. As tiras presas ao tornozelo ou peito do pé seguravam o calçado nos pés; e, sobretudo, os bicos arredondados, permitiam espaço aos dedos, inclusive durante a dança. Parece-nos que estes atributos supriram razoavelmente as qualidades técnicas e ergonômicas citadas, proporcionando prazer físico e fisiológico às suas usuárias.

Durante os anos de 2002 a 2004, realizamos diversas experiências com calçados, inspirados no look la garçonne, e o adaptamos, conforme o exemplo a seguir:

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A imagem da fig. 51 nos mostra a modelagem dos calçados com relação à simulação da marcha do corpo humano, mantendo a biqueira do calçado (parte onde se encontram os dedos e o triângulo de propulsão da marcha) com forma arredondada em ambos os pés, proporcionando conforto e prazer durante o caminhar, ou o dançar.

Muitos calçados que aparentam ter bicos redondos, inclusive tênis esportivos com forma redonda, ao caminhar simulam o bico fino, ou seja, quando estamos na parte do passo em que o peso do corpo está nos dedos (na ponta dos pés) a forma do sapato comprime nossos dedos como num bico fino apertado que afunila antes do início das falanges, prejudicial à saúde. O Dr. Túlio, acrescenta: "é muito comum você comprar um tênis e ele te machucar [calos, bolhas]... você não está de tênis, está de scarpin." O legítimo calçado francês, Atelier Mercadal, foi escolhido por sua qualidade de forro, couro, acabamentos nas costuras, e forma de bico arredondado.

Foram acrescentadas tornozeleiras para melhorar a fixação, assim como nos sapatos bonecas. Alteramos no pé direito, na fig. 52, o tamanho do salto com acréscimo de 3 cm fixos, uma compensação na planta do pé em 1cm, e uma calcanheira[64]removível de silicone de 0,5 cm, comprada em loja de produtos ortopédicos, totalizando a diferença variável de 3,0 cm a 3,5 cm do pé direito, utilizados de acordo com a preferência da usuária. A altura do pé esquerdo não foi alterada.

Estas soluções foram mostradas aos especialistas. O Dr. Túlio foi radicalmente contra o uso do salto alto, aprovando as outras alterações. Os fisioterapeutas e o Dr. Targa concordaram com todas as alterações executadas.

Nivaldo Baldo acrescenta que, em vez da calcanheira de silicone, poderia ser utilizado uma forrada de tecido para facilitar a transpiração e evitar que o pé suado escorregue para a frente.

Vale ressaltar que nossos corpos se encontram mais alongados e descansados durante o período matutino, e vão se modificando, inchando ou encolhendo durante o período desperto. A solução da calcanheira removível nos pareceu apropriada para acompanhar estas transformações corporais e proporcionar maior conforto físico. Nos estudos relacionados ao prazer e conforto físico e fisiológico dos calçados, encontramos muitas variáveis, dentre elas a própria variação do corpo humano. Todos os artigos ergonômicos publicados avaliam o uso de um determinado produto, durante determinado tempo, sob determinadas condições térmicas. Nosso corpo físico é muito variável, e parece-nos imprescindível tentar amenizar os desconfortos sociais para que os físicos também sejam amenizados.

3.6 Check-list

Após esta investigação, achamos pertinente elaborar um check-list dos aspectos objetivos, no intuito de indicar alguns itens a serem observados durante a aquisição de calçados que possam torná-los mais confortáveis e prazerosos nos aspectos físicos. Os itens da lista são recomendações às mulheres em geral, com especificações para mulheres que necessitam adaptar seus calçados. Através de compensações. Relembramos que, mesmo estes aspectos objetivos mensuráveis e, de certa forma, palpáveis, estão sujeitos às questões sociais e psicológicas.

1. Ao comprar: opte por comprar calçados depois de algumas horas desperta. Nosso corpo já terá inchado.

2. Peso: observe o peso do sapato. Segundo o Selo Conforto, cada pé deve pesar, no máximo, 360g (nível normal). Leve, de 160g a 260g; muito leve, abaixo de 160g. Os níveis normais, leve e muito leve são as categorias utilizadas quanto às massas do calçado consideradas confortáveis.

3. Segurança: verifique se há espaço para os dedos. Seus dedos não devem apertar enquanto você se movimenta (fig. 54). O ideal é sentir uma firmeza suave, como se os pés fossem "abraçados" na região de articulação (parte dos dedos). O sapato justo e firme é aquele que não aperta seus dedos e que, quando você pisa com o triângulo de propulsão, não deve haver folga no calcanhar. Neste quesito, modelos que possuem tiras com diferentes regulagens no tornozelo ou peito do pé podem auxiliar na sensação de firmeza e segurança dos sapatos.

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O raspar dos materiais também pode provocar bolhas. Neste aspecto, como temos pés de diferentes tamanhos, existem calcanheiras, biqueiras e palmilhas que podem auxiliar no encaixe dos sapatos, disponível em lojas ortopédicas ou casas de reparos de calçados. As mais higiênicas são as de silicone, porém, em contanto direto com a pele, esquentam muito; talvez seja necessário forrá-las ou usar meias.

4. Sola: ainda sobre firmeza e segurança, observe a sola do calçado. A maioria dos sapatos de couro possuem também solado de couro que não tem atrito com o chão, causando a sensação de que vamos escorregar. Se a sola não tiver ranhuras, ou estruturas anti-derrapantes (a maioria é de borracha), peça para o sapateiro colocar um anti-derrapante, ou, então, providencie um adesivo dupla-face com textura de lixa grossa[65]encontrável em lojas de reforma de calçados ou em lojas de materiais de construção.

5. Formas: procure por bicos quadrados ou redondos, certifique-se que os mesmos continuaram arredondados durante a marcha, reveja a fig. 51. Se seu desejo for usar bicos finos, exagere. Adquira calçados com bicos finos iniciados depois da primeira falange do dedão. Observe as fig. 45 na pág. 79 e fig. 57, logo abaixo.

6. Saltos: eles devem encostar totalmente no chão, fig. 56 (independentemente da altura do salto), e seu calcanhar deve estar perpendicular ao mesmo. O eixo de equilíbrio do corpo entre quadril, joelho e tornozelo deve se prolongar pelo sapato.

Se o salto encosta parcialmente, provavelmente alterará o eixo natural do seu corpo, desequilibrando você, provocando a sensação que seus pés viram ou para dentro ou para fora .

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Na da direita, o bico fino inicia-se depois da primeira falange do dedão.

Evite saltos finos, tipo stiletto, mas, se assim o desejar, verifique se ele dá equilíbrio ao seu corpo. O salto fino baixo também desequilibra: ande um pouco e verifique se você não vira o pé. Prefira saltos grossos, costumam ser mais estáveis, afinal, a área de contato com o chão é maior do que a de um salto fino.

Quanto à altura dos saltos: para o dia todo de 2 a 4 cm, mantém as pressões do corpo mais equilibradas, vide fig. 48 na pág. 82. Saltos maiores que 4 cm são recomendados apenas em ocasiões especiais.

7. Conforto: observe as costuras, não devem raspar nas articulações, conforme fig. 45 na pág. 79.

Para os materiais internos, prefira os naturais, normalmente eles permitem maior transpiração, e são mais macios, como o couro de cabra e búfalo. Palmilhas forradas por tecidos, como algodão, absorvem a transpiração. Enchimentos de EVA no calcanhar e na base do triângulo de propulsão, provocam a sensação de pisarmos no macio. Os materiais externos permitem maior variação.

Ainda sobre conforto fisiológico térmico, não temos aparelhos de medições em nossos lares; se o sapato não tiver o Selo Conforto, procure modelos com recortes laterais ou mesmo frontais, que permitem maior ventilação.

Quanto à estrutura do calçado, verifique se, ao caminhar, ele mantém a palmilha de montagem ligeiramente firme. Esta estrutura protege sua coluna durante a marcha. Se desejar plataformas rígidas (fig. 32 pág. 65), anabelas (fig. 58) ou até mesmo chinelos rasteirinhas (fig. 59), verifique se você consegue movimentar seus pés, e fique atenta se, aos usá-los com frequência, eles provocam lombalgia. Lembrese que as estruturas muito rígidas não permitem a movimentação natural dos pés e as muito moles não protegem a coluna.

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Para adaptarmos calçados, podemos acrescentar medidas, conforme as experiências realizadas por mim entre 2002 a 2004, ou podemos tirar centímetros, conforme as de Nelly, analisadas no capítulo seguinte.

Gostaríamos de finalizar este capítulo, com algumas considerações extras para a usuária que pretendem adaptar seus calçados. Conforme as medições previamente observadas pelos especialistas, devemos levar em consideração os seguintes aspectos:

  • 1. Não realizar uma transformação muito brusca; acrescentar ou tirar os centímetros gradativamente.

  • 2. Materiais: os saltos de madeira, recobertos ou não por couro, podem ser facilmente cortados ou ainda trocados por outros. Para saber se a cepa é feita de madeira, ela terá um som oco ao bater. Os saltos anabela e plataforma são geralmente de PU (polieretano, um tipo de plástico rígido), mais resistente e mais duro do que o EVA (material muito utilizado na composição dos solados esportivos). Se forem maciços o sapateiro os adaptará facilmente. Os saltos de EVA ou PU ambos derivado do petróleo, encontrados em calçados esportivos, apesar do limite de coloração podem ser acrescidos de lâminas e moldados de acordo com as formas do calçado.

  • 3. Harmonia: se seu desejo é fazer com que um pé do calçado se pareça com o outro, você deve acompanhar as linhas estéticas originais dos calçados para provocarem sensação de harmonia e fluidez de forma que um pé não contraste com o outro. Na figura 60, os espaços do solado frontal do modelo original foram mantidos na compensação para provocarem sensação de continuidade, portanto, fluidez. A "boa continuidade" é uma das leis da Gestalt[66]responsável pela harmonia formal do objeto. Na figura 61, a compensação da papete recebeu um recorte curvilíneo com a intenção de suavizar a plataforma e assim se parecer mais com o modelo original.Ao acrescentar as compensações, peça para o sapateiro lixar as 2 superfícies antes de colar. A adesão será maior.

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  • 4. Sola: procure manter a sola original dos calçados esportivos. Além de melhor acabamento estético, existem estudos sobre solas que proporcionam maior atrito, e, portanto, aderem melhor ao chão, evitando escorregões e proporcionando maior segurança.

  • 5. Saltos: os saltos grossos ou finos são fabricados de diversos materiais: em até 3 cm podem ser de borracha (SBR). Saltos mais altos podem ser de acrinonitilabutadieno- estireno (ABS), poliestileno (PS), polieretano (PU), poliamida (PA) policarbonato ou ainda de madeira (pouco usado por ser pesado). Na maioria dos casos, será necessário trocar o salto. A maior parte deles possui parafusos de metal internos, ou são de materiais muito duros para serem cortados, exceto os fabricados de madeira ou borracha. Ao trocá-los, são necessários alguns cuidados:

  • a) Encaixe do salto com a entressola ou palmilha de montagem. Existem diferentes números e formas. Por exemplo, o salto de acabamento quadrado não se encaixa numa forma de calcanhar arredondado.

  • b) Ao modificar seus saltos, cuidado para manter o cabedal frontal a 1 cm de altura do chão, para o sapato não parecer de Aladim. Quando se altera a estrutura do calçado, a palmilha de montagem é modificada, e a alma de aço idem, podendo comprometer todo o equilíbrio do mesmo, e os estudos de Ferragamo, Perugia e Vivier foram em vão. Existem tabelas, mas o usuário não andará com ela debaixo do braço. uma dica simples é manter a espessura de um lápis (aproximadamente 1cm) entre o chão e o bico do sapato. Reveja a fig. 49 pág. 82. O salto tem de encostar por inteiro no chão.

4. Investigando as necessidades estéticas das usuárias

Nossas entrevistadas relatam a dificuldade de fazer as adaptações sugeridas pelos ortopedistas nas casas ortopédicas. O procedimento costuma acontecer da seguinte maneira: de posse da receita médica, elas procuram as casas ortopédicas que cobram por centímetro, acrescenta Nelly, e confeccionam o produto sem a menor preocupação estética. "... E além do mais, jamais consegui usar o produto, era feio e me machucava e ainda paguei uma fortuna".

Estas afirmações nos remetem à importância de investigar holisticamente a relação entre um objeto de design e seu usuário: conhecer seus anseios, desejos e vontades é a concentração deste capítulo final. O desejo, na área do design, é compreendido como ato de querer do "sujeito desejante" nos níveis consciente ou inconscientes. Segundo Portinari in Coelho (Op. cit.:70), o desejo é um hiato, "condicionado à possibilidade de simbolização da falta, depende da ordem da linguagem", ou seja, o ato de desejar esta relacionado diretamente a querer aquilo que nos falta como indivíduos socioculturais.

4.1 Funções estético-simbólicas dos calçados

A percepção do objeto acontece como um todo, não sentimos e interagimos com um objeto primeiro de maneira física, depois simbólica ou estética e até mesmo emocional, estas inter-relações e interações se acrescentam de forma que percebamos os aspectos físicos e os aspectos estéticos, e os simbólicos associados ao nosso contexto. Estas categorizações, a nosso ver, são propostas pelos teóricos do design na tentativa de compreender a complexidade do pensar e fazer design. Conceito reforçado por Chauí (Op. cit.:153) com relação à configuração (teoria da Gestalt) e percepção fenomenológica: "... não há diferença entre sensação e percepção porque nunca temos sensações parciais, pontuais ou elementares, isto é, sensações separadas de cada qualidade, que depois o espírito juntaria e organizaria como percepção de um único objeto. Sentimos e percebemos formas, isto é, totalidades estruturadas dotadas de sentido ou de significação".

Podemos ser atraídos primeiro pelas qualidades estéticas de um determinado produto, como a cor vibrante do calçado, ou sua textura macia ou até mesmo a forma sinuosa e sensual de um salto fino que nos remete historicamente ao poder e fetiche dos calçados.

Fetichismo entendido como adoração a objetos animados ou inanimados produzidos pelo homem. Steele in Riello e McNell (2006:250) afirma que os saltos altos exercem um charme poderoso para muitas pessoas, são os substitutos dos corselets da Belle Époque, e estão associado à feminilidade e sensualidade da mulher do século XX.

Os calçados são ferramentas protéticas poderosas no sentido de ampliar os valores simbólicos de nossos corpos, reforçam identidades pessoais ou coletivas.

Nossas entrevistadas identificam o fetiche nos calçados em seus relatos. Nelly disse que a possibilidade de não poder usar sapatos bonitos literalmente a deprimiu.

Os sapatos são as peças mais importante do guarda-roupa feminino, segundo uma pesquisa realizada pelo site Chic[67]de Gloria Kalil, em 2007. A pesquisa teve o objetivo de identificar entre calças, blusas, vestidos e sapatos, qual era o item indispensável na composição do look feminino. Das 1.291 voluntárias, 53% consideraram os sapatos a peça principal.

Relembramos que os produtos de moda utilizam-se dos fatores emocionais[68]intensamente, estes por sua vez são associados à estética. (Norman, 2000). São objetos lúdicos, capazes de satisfazer o usuário através da estimulação sensorial de seus sentidos. O design de moda é um território de sonhos e desejos, adquirir um par de sapatos novos, provavelmente não o será para suprir as necessidades básicas do indivíduo, mais sim desejo, o mesmo vale para não nos desfazermos dos mesmos.

Nossos calçados foram identificados com significativa importância na composição de nossos guarda-roupas. O design com foco na emoção tenta desvendar estas relações entre usuário e produto: o porquê do calçado, em vez da blusa, o porquê deste sapato específico, daquela marca, daquele modelo. As teorias de Jordan com enfoque no prazer são comumente citadas pelos pesquisadores do design e emoção.

Devemos acrescentar que muitas mulheres sacrificam a saúde de seus corpos pelo poder mágico destes aspectos estéticos e simbólicos. As nossas entrevistadas não o fazem mais, admitem que já sacrificaram seus corpos, mas atualmente procuram artefatos mais equilibrados entre suas funções. Devido às suas restrições físicas[69]elas necessitam de calçados seguros, como vimos no capítulo anterior e desejam calçados sensuais. Encontrar estes dois conceitos no mesmo par de calçados é uma tarefa praticamente impossível e extenuante, acrescenta Karin.

4.2 Styling, ferramenta de comunicação

A palavra styling, no campo do design, deriva do style (estilo), introduzido nos EUA entre os anos de 1930-40, segundo Coelho (Op. cit.:37), para estimular o consumismo por meio da maquiagem estética de produtos antigos.

O estilo pode ser representado pela repetição dos aspectos formais encontrados em determinado produto até que o mesmo seja identificado por tais características atribuídas à autoria do produto ou à época. Para o autor, a palavra estilo ainda pode ser empregada para representar valores socioculturais atribuídos a determinado produto.

Partes: 1, 2, 3, 4, 5


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