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III - moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV - engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante;
V - organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético - ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;
VI - derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM;
VII - célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;
VIII - clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética;
IX - clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo;
X - clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica;
XI - células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.
§ 1º Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.
§ 2º Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante.
A definição legal de células-tronco embrionárias acompanhou a definição científica.
ANTONIO CARLOS CAMPOS DE CARVALHO (2001) esclarece que os organismos pluricelurares são formados por diversos tipos de células, mas todas elas são derivadas de um único tipo, as denominadas células-tronco.
De acordo com o glossário do NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH - NIH (USA, 2005), células-tronco são "cells with the ability to divide for indefinite periods in culture and to give rise to specialized cells" ["células com a habilidade de se dividir por períodos indefinidos em cultura e evoluírem para células especializadas"](tradução livre).
No mesmo sentido, PATRICIA PRANKE (2004): "a célula-tronco (CT) é definida como a célula com capacidade de gerar diferentes tipos celulares e reconstituir diversos tecidos. Além disso, a CT apresenta a propriedade de auto-renovação, ou seja, gerar uma cópia idêntica a si mesma."
Mesmo as células-tronco são originadas de uma única célula-tronco original, que é o óvulo fertilizado ou zigoto (CARVALHO, 2001).
Diante dessa capacidade das células-tronco, os cientistas começaram a vislumbrar sua utilização para substituição ou reconstituição de partes doentes do organismo (PRANKE, 2004; CARVALHO, 2001).
Ocorre que a terapia com célula-tronco, isoladamente, não cura doenças infecciosas ou ambientais, pois, embora possa até restaurar a parte afetada, não é capaz de remover as causas da doença. é necessária sua associação com a remoção dos fatores ambientais e infecciosos (CARVALHO, 2004). Da mesma forma, doenças genéticas exigem terapias celulares conjugadas com terapias gênicas. (CARVALHO, 2004).
Para que possamos prosseguir no estudo do assunto, é imprescindível que sejam esclarecidos os tipos de células-tronco.
Não existe um tipo apenas de células-tronco, assim como não existe somente um critério para classificá-las.
Um dos critérios utilizados tem como parâmetro o seu potencial de derivação ou sua capacidade de diferenciação. De acordo com esse critério, existem, em suma, três tipos de células-tronco: as totipotentes, as pluripotentes e as multipotentes.
As respectivas definições podem ser encontradas no Glossário do INTERNATIONAL SOCIETY FOR STEM CELL RESEARCH (2004):
Totipotent stem cells
Stem cells that can give rise to all cell types that are found in an embryo, fetus, or developed organism, including the embryonic components of the trophoblast and placenta required to support development and birth. The zygote and the cells at the very early stages following fertilization (i.e., the 2-cell stage) are considered totipotent
Pluripotent stem cells
Stem cells that can become all the cell types that are found in an implanted embryo, fetus, or developed organism, but not embryonic components of the trophoblast and placenta (these are usually called extra-embryonic).
Multipotent stem cells
Stem cells whose progeny are of multiple differentiated cell types, but all within a particular tissue, organ, or physiological system. For example, blood-forming (hematopoietic) stem cells are single multipotent cells that can produce all cell types that are normal components of the blood.
[Células-tronco totipotentes
Células-tronco que podem gerar todos os tipos de células encontradas em um embrião, feto ou organismo desenvolvido, incluindo componentes do trofoblasto e da placenta necessários para auxiliar o desenvolvimento e o nascimento. O zigoto e as células dos primeiros estágios após a fertilização (isto é, o estágio celular 2) são considerados totipotentes.
Células-tronco pluripotentes
Células-tronco que podem tornar-se todos os tipos de células que são encontradas em um embrião implantado, feto ou organismo desenvolvido, mas não em componentes embrionários do trofoblasto e placenta (estes são usualmente chamados extra-embrionários).
Células-tronco multipotentes
Células-tronco cuja decendência são múltiplos tipos de células diferenciadas, mas todas dentro de um tecido particular, órgão ou sistema fisiológico. Por exemplo, células-tronco que formam o sangue (hematopoiéticas) são células multipotentes singulares que podem produzir todos os tipos de células que são componentes normais do sangue.] (tradução livre)
No mesmo sentido (WIKIPEDIA, 2005):
There are three types of stem cells:
A single totipotent stem cell can grow into an entire organism and even produce extra-embryonic tissues. Blastomeres have this property.
Pluripotent stem cells cannot grow into a whole organism, but they are able to differentiate into cells derived from any of the three germ layers.
Multipotent (also called unipotent) stem cells can only become some types of cells: e.g. blood cells, or bone cells.
[Há três tipos de células-tronco:
Uma célula-tronco totipotente pode tornar-se um organismo inteiro e até produzir tecidos extra-embrionários. Blastômeros têm essa propriedade.
Células-tronco pluripotentes não podem tornar-se um organismo inteiro, mas elas tem a capacidade de se diferenciar em células derivadas de qualquer das três camadas germinais.
Células-tronco multipotentes (também chamadas unipotentes) somente podem tornar-se alguns tipos de células: por exemplo, células sangüíneas ou células ósseas.](tradução livre)
Pode-se ainda classificar as células-tronco de acordo com sua fonte (WIKIPEDIA, 2005):
Stem cells are also categorized according to their source, as either adult or embryonic.
Adult stem cells are undifferentiated cells found among differentiated cells of a specific tissue and are mostly multipotent cells. They are already being used in treatments for over one hundred diseases and conditions. They are more accurately called somatic (Greek σωμα sōma = body) stem cells, because they need not come from adults but can also come from children or umbilical cords.
Embryonic stem cells are cultured cells obtained from the inner mass cells of a blastocyst. Embryonic stem cell research is still in the basic research phase.
[Células-tronco também são categorizadas, de acordo com sua fonte, em adultas ou embrionárias.
Células-tronco adultas são células não-diferenciadas encontradas entre céluas diferenciadas de um tecido específico e são em sua maioria células multipotentes. Elas já estão sendo usadas em tratamentos para mais de uma centena de doenças e estados de saúde. Elas são mais precisamente chamadas de células-tronco somáticas (Grego σωμα sōma = corpo), porque elas não necessitam ser retiradas necessariamente de adultos mas também de crianças ou de cordões umbilicais.
Células-tronco embrionárias são células obtidas do núcleo da massa das células do blastocisto.] (tradução livre)
As células-tronco conhecidas há mais tempo são as embrionárias (CARVALHO, 2001), mas as pequisas com elas ainda estão em um estágio inicial (USA, 2005).
Essa, pelo menos nos Estados Unidos, é a situação atual (USA, 2005):
Scientists have been able to do experiments with human embryonic stem cells (hESC) only since 1998, when a group led by Dr. James Thompson at the University of Wisconsin developed a technique to isolate and grow the cells. Moreover, Federal funds to support hESC research have been available since only August 9, 2001, when President Bush announced his decision on Federal funding for hESC research. Because many academic researchers rely on Federal funds to support their laboratories, they are just beginning to learn how to grow and use the cells. Thus, although hESC are thought to offer potential cures and therapies for many devastating diseases, research using them is still in its early stages.
[Os cientistas puderam realizar experimentos com células-tronco embrionárias humanas (CTEH) somente a partr de 1998, quando um grupo liderado pelo Doutor James Thompson da Universidade de Wisconsin desenvolveu uma técnica para isolar e cultivar as células. Além disso, fundos federais para auxilar tais pesquisas só estiveram disponíveis a partir de 9 de agosto de 2001, quando o presidente Bush anunciou sua decisão sobre fundos federais para pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. Como muitos pesquisadores acadêmicos dependem de fundos federais para apoiar seus laboratórios, eles estão apenas começando a aprender como cultivar e usar essas células. Assim, embora CTEH sejam cogitadas para oferecer curas e terapias potenciais para muitas doenças devastadoras, pesquisas com tais células ainda estão em seu estágio inicial.] (tradução livre)
Por isso, quando a mídia noticia resultados em humanos pela aplicação de células-tronco, trata-se de células-tronco somáticas, mais conhecidas como adultas.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e LILIAN PIÑERO EÇA (2005), em artigo publicado na Folha de São Paulo de 08/06/2005, mencionam um trabalho científico de RUDOLF JAENISCH, dos Estados Unidos da América, para quem as células adultas agiriam como embrionárias: "O segredo está guardado uma "chave" molecular: o gene Oct-4".
ANTONIO CARLOS CAMPOS DE CARVALHO (2004) também menciona essa descoberta feita em pesquisas com camundongos, segundo a qual mesmo as células-tronco adultas seriam pluripotentes, mas ressalta que essa tese vem sendo contestada mais recentemente por diversos laboratórios.
PATRICIA PRANKE (2004) relata tal refutação á plasticidade das células-tronco somáticas:
Muitos estudos mostram que a plasticidade das CTA [célula-tronco adulta] é uma esperança crescente (24-29), enquanto vários outros questionam a sua plasticidade (10, 30-38). Além disso, outros trabalhos mostram que as CTA apresentam problemas como o fato dessas células não crescerem bem em cultura ou apresentarem maiores problemas de compatibilidade (5, 11). Outra vantagem das CTE [células-tronco embrionárias], quando comparadas com as CTA, é em relação a telomerase, a enzima que restaura os telômeros, a parte final do DNA, o que controla o número de vezes que as células podem se dividir. A telomerase está presente em grandes concentrações nas CTE, mas não nas CTA. Sendo assim, nas CTA os telômeros estão encurtados o que limita a capacidade de proliferação celular (39). Em outras palavras, as células são mais velhas e, portanto, têm uma vida mais curta. Devido a esses fatores, muitos pesquisadores acham necessário estudar as CTE, frente a incerteza da plasticidade das CTA e de sua capacidade regenerativa, pois apenas através da pesquisa as respostas a essas perguntas serão obtidas
Diante disso, acredita-se que o melhor tipo de célula-tronco a ser utilizado com essa finalidade seria a célula-tronco embrionária (PRANKE, 2004).
Conquanto se defenda que a célula-tronco embrionária seria a fonte mais adequada para produção de células novas, sua utilização encontra diversos óbices, seja de natureza ética, conforme será visto no tópico 1.5 infra, seja pelo fato de as pesquisas com esse tipo de células estarem em uma fase inicial.
Nos Estados Unidos da América, atualmente, as únicas aplicações terapêuticas de células-tronco em seres humanos são feitas com células-tronco somáticas retiradas dos ossos para a produção de células de sangue (células-tronco hematopoiéticas). Com essa terapia são tratadas doenças como leucemia, linfoma e muitas desordens sangüíneas hereditárias. (USA, 2005).
Recentemente, um grupo do Centro Cardiológico do Norte, em Saint Denis (França), do qual participa um pesquisador brasileiro, o cardiologista Marcio Scorsin, relatou melhora significativa de um paciente com insuficiência cardíaca em estágio avançado, após o transplante de células-satélite do próprio paciente para o seu coração. (CARVALHO, 2001).
Também no Brasil são encontrados resultados em tratamentos de doenças cardíacas, conforme noticiam LUÍS HENRIQUE WOLFF GOWDAK (2004) e LUCIENE ZANCHETTA (2004):
No Instituto do Coração (Incor) de São Paulo, são realizadas, também com bons resultados, aplicações diretas de células-tronco em pacientes com insuficiência cardíaca, causada por doença de Chagas, hipertensão ou de origem desconhecida. Duas técnicas diferentes foram utilizadas: a aplicação de células-tronco isoladas da medula e a utilização de um hormônio que estimula a liberação das células-tronco da medula óssea para a circulação sanguínea. "A nossa hipótese de trabalho é a de que as células-tronco podem ser estimuladas para se dirigirem, por si mesmas, para as regiões lesadas do organismo" diz Edimar Bocchi, um dos responsáveis pela pesquisa. Existem, até o momento, 12 pacientes tratados pela técnica. Esta é uma pesquisa em andamento, que apresenta resultados muito estimulantes, segundo o pesquisador. "Se realmente se confirmarem esses resultados, esperamos que esse tipo de tratamento possa auxiliar um grande número de pessoas, principalmente entre os pacientes que precisam de transplantes" informa Bocchi.
Em 13/07/05, o site MSN news publicou notícia veiculada pela REUTERS de que "células-tronco podem proteger o cérebro e o sistema nervoso contra danos causados por tumores e doenças como a esclerose múltipla" (2005). Essa descoberta foi feita por pesquisadores do Instituto Científico San Rafaelle de Milão.
Tantas são as promessas que a aplicação das células-tronco já é chamada de "a medicina do futuro" (CARVALHO, 2001).
O NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH (2005) também faz sua previsão:
The Promise of Stem Cells
Studying stem cells will help us understand how they transform into the dazzling array of specialized cells that make us what we are. Some of the most serious medical conditions, such as cancer and birth defects, are due to problems that occur somewhere in this process. A better understanding of normal cell development will allow us to understand and perhaps correct the errors that cause these medical conditions.
Another potential application of stem cells is making cells and tissues for medical therapies. Today, donated organs and tissues are often used to replace those that are diseased or destroyed. Unfortunately, the number of people needing a transplant far exceeds the number of organs available for transplantation. Pluripotent stem cells offer the possibility of a renewable source of replacement cells and tissues to treat a myriad of diseases, conditions, and disabilities including Parkinson's and Alzheimer's diseases, spinal cord injury, stroke, burns, heart disease, diabetes, osteoarthritis and rheumatoid arthritis.
[A promessa das células-tronco
Estudar células-tronco nos ajudará a entender como elas se transformam na fascinante cadeia de células especializadas de que somos feitos. Alguns dos mais sérios estados de saúde, como câncer e defeitos de nascença, são devidos a problemas que ocorrem em alguma parte deste processo. Uma melhor compreensão do desenvolvimento celular normal nos permitirá entender e talvez corrigir os erros que causam estas patologias.
Uma outra aplicação potencial das células-tronco é a fabricação de células e tecidos para terapias medicinais. Hoje, órgãos e tecidos doados são freqüentemente usados para substituir aqueles que estão doentes e comprometidos. Infelizmente, o número de pessoas que precisam de um transplante excede e muito o número de órgãos disponíveis. Células-tronco pluripotentes oferecem a possibilidade de uma fonte renovável de células e tecidos de reposição para tratar uma grande quantidade de doenças, estados de saúde, e debilidades incluindo doenças de Parkinson e Alzheimer, lesão na medula espinhal, derrame cerebral, queimaduras, doenças cardíacas, diabetes, ósteo-artrites e artrites reumatóides. [tradução livre]
Algumas promessas podem ser cumpridas, mas o futuro pode confirmar sua impossibilidade. Só o avanço científico dirá a palavra final, embora, em ciência, "palavra final" seja algo relativo, podendo ceder a descobertas do amanhã.
Os obstáculos que estão presentes hoje nas pesquisas científicas envolvendo células-tronco embrionárias são os seguintes, em síntese:
a) Descobrir como desencadear a derivação das células-tronco, de modo a direcionar seu crescimento para as partes desejadas do corpo.
b) Impedir a rejeição. Esse problema ocorre em razão de os transplantes de células-tronco serem heterólogos, ou seja, de outras pessoas.
Embora se cogite da clonagem terapêutica como solução para a rejeição, por possibilitar transplante homólogo, a própria clonagem é um desafio, uma vez que não se conseguiu até o presente momento a clonagem de um primata, de acordo com ALICE TEIXEIRA FERREIRA (2004).
Além disso, se se tratar de problema genético, a clonagem não será a solução, pois o clone também possuirá o mesmo defeito (FERREIRA, 2004a).
Nada obstante, atualmente a clonagem não é permitida no Brasil, conforme se infere do inciso IV do art. 6.º da Lei n.º 11.105/05.
c) Impedir que não haja qualquer complicação com o uso da célula-tronco. Segundo IVES GANDRA MARTINS e LILIAN PIÑERO EÇA (2005), "há total descontrole das células embrionárias, surgindo diferenciações em tecidos distintos nas placas de cultura, com o que se poderia estar renovando as experiências atribuídas a Frankstein" (destaque do original).
d) Vencer os limites éticos. Ao que tudo indica, o problema não está em se alterar os limites éticos, mas em decidir se as situações que são submetidas a análises com base nesses limites representam ou não uma violação.
Em razão da complexidade desse debate ético, trataremos dele em tópico específico abaixo.
Vale reiterar aqui que toda a polêmica sobre a utilização das células-tronco envolve apenas as células-tronco embrionárias.
As pesquisas e a utilização desse tipo de células-tronco são feitas com embriões na fase do blastocisto, "uma esfera com aproximadamente cem células" (CARVALHO, 2001).
Ocorre que o embrião é sacrificado com a retirada de suas células-tronco (CARVALHO, 2001). Eis o ponto central do debate.
Recentemente, cientistas da WHITEHEAD INSTITUTE FOR BIOMEDICAL RESEARCH (2005) publicaram resultados de um experimento feito com camundongos em que foi possível a extração de células-tronco embrionárias sem destruir o embrião.Porém, isso não garante que haverá sucesso com as células-tronco embrionárias humanas.
Também a clonagem terapêutica gera o mesmo problema, uma vez que a idéia nesse caso é a produção de clones para garantir que não haja rejeição quando as células-tronco embrionárias deste forem utilizadas no tratamento do "matriz". Com isso, o clone é destruído.
Ressalte-se que o problema não diz respeito somente á aplicação terapêutica das células-tronco embrionárias.
Nas clínicas de reprodução assistida, a definição do exato momento em que começa a vida é essencial para garantir segurança jurídica, estabelecendo um limite preciso sobre o que é permitido e o que não é.
Atualmente, a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina traz algumas normas sobre os embriões excedentários do processo de fertilização assistida, como será visto no tópico 1.6.1 infra. Contudo, sem esse fato estar regulado por lei, parece-nos que a segurança desejada não será alcançada.
Enquanto não há uma regulamentação legal clara, é fato notório que essas clínicas continuarão fecundando mais de um óvulo, e sobrarão os embriões não implantados.
Como ficam os embriões não implantados? Seria correto simplesmente congelar os não utilizados? Seria adequado simplesmente descartá-los? Não seria melhor fecundar somente os óvulos a serem implantados?
JESUALDO EDUARDO DE ALMEIDA JÚNIOR chega a questionar a própria existência de uma solução para essas questões (2005:93).
Quanto ao descarte, ALICE TEIXEIRA FERREIRA (2004) noticia a ocorrência de um escândalo envolvendo tal fato, sem que os pais soubessem.
A Lei de Biossegurança, conquanto tenha regulado o descarte e a destruição de organismos geneticamente modificados - OGM, nada dispôs sobre o descarte dos embriões, consoante se infere art. 6.º:
Art. 6º Fica proibido:
I - implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual;
II - engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
III - engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;
IV - clonagem humana;
V - destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua regulamentação;
VI - liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação;
VII - a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise á ativação ou desativação de genes relacionados á fertilidade das plantas por indutores químicos externos.
É vedada a engenharia genética em embriões humanos e até mesmo em células germinais e no zigoto humanos, nos termos do inciso III do art. 6.º retrocitado. Se isso ocorrer, estar-se-á criando um organismo geneticamente modificado a partir de material biológico humano. Com isso, além do ilícito que estará caracterizado, o responsável também estará sujeito ás demais normas que se aplicam aos OGM"s em geral.
Mas vejamos a maior polêmica que envolve a utilização de células-tronco embrionárias:
O blastocisto é um humano?
Qual o números de células que define um humano?
A partir de que momento considera-se que o ser humano existe?
O sacrifício do embrião viola o direito á vida?
O óvulo fecundado in vitro é considerado como vida ou essa só ocorre com o implante no útero?
Todas essas questões podem ser sintetizadas em uma única: quando surge a vida?
Já aqui sentimos um certo desconforto, na medida em que não nos parece aceitável que alguém decida quando começa a vida de outrem.
Além disso, se se parte da premissa de que a vida é indisponível, por arrastamento infere-se ser indisponível o seu conceito. Caso contrário, bastaria a alteração deste para atingir aquele.
Mesmo aqueles que defendem um critério científico para definir a vida, podem ser acusados de estarem sendo místicos, conforme entendimento de ERIC COHEN (2005):
It is certainly the case that destroying embryos and harvesting stem cells is a very rational activity. It involves testing hypotheses about how nature works and seeking to use natural knowledge to develop rational techniques. It also involves a goal -curing disease- that can be rationally defended. But the moral theories that justify embryo destruction -the theories that most stem cell scientists embrace, wheter implicitly or explicitly- are either mystical or revolutionary.
The mystics argue that "personhood" arrives at some murky point along the continuum of development. They appeal to our moral sentiments in claiming that 8-cell embryos should be available for research while 8-pound babies should not be. And they assert that somewhere along the way usable embryos become inviolable infants, even if we cannot say exactly when. But this sensibility -which may be true- is not very rational. It is surely not a scientific argument grounded in biology, but a moral feeling about who is equal and who is not. The scientists are often the mystics, even if they would never admit it.
[é certo que a destruição de embriões e a colheita de células-tronco é uma atividade muito racional. Ela envolve testar hipóteses sobre como a natureza trabalha e procurar usar o conhecimento natural para desenvolver técnicas racionais. Também envolve uma meta -curar doenças- que pode ser racionalmente defendida. Mas as teorias morais que justificam a destruição de embriões -as teorias que a maioria dos pesquisadores (cientistas) das células-tronco adotam, de forma implícita ou explícita- são também místicas ou revolucionárias.
Os místicos argumentam que a "personalidade" começa em algum ponto incerto durante a cadeia contínua do desenvolvimento. Eles apelam para nossos sentimentos morais em defesa de que um embrião de 8 células deveria ser disponível para pesquisas enquanto um bebê de 8 libras[1] não deveria. E eles asserem que em algum momento durante esse processo embriões utilizáveis tornam-se infantes invioláveis, mesmos se nós não pudermos dizer exatamente quando. Mas essa sensibilidade -que pode ser verdadeira- não é muito racional. Certamente não é um argumento científico baseado na biologia, mas um sentimento moral sobre quem é igual e quem não é. Os cientistas freqüentemente são os místicos, mesmo quando eles não admitem.] (tradução livre, destaques do original)
Alguns sustentam que um critério que deveria ser utilizado seria o aparecimento do sistema nervoso, por aplicação a contrario do conceito científico de morte (LORENTZ, 2002:338), considerado o fenônemo que ocorre quando há a morte encefálica, cujos critérios para caracterização estão na Resolução n.º 1480, de 8 de agosto de 1997.
De acordo com JOAQUIM TOLEDO LORENTZ (2002:337/8), "no Brasil, a medicina adota o entendimento de que o início da vida humana se dá com a nidação, argumentando-se que o embrião fecundado em laboratório morre se não for implantado no útero da mulher". A nidação é a fixação do blastocisto na membrana interna do útero.
Esse autor ainda cita a posição dos "concepcionistas", ou seja, os que defendem a concepção como momento do aparecimento da vida (2002:338).
A Igreja Católica Apostólica Romana se encontra aqui, a teor do que se infere do Evangelium Vitae, do Papa João Paulo II (1995: 44/45):
No Antigo Testamento, a esterilidade era temida como uma maldição, enquanto se considerava uma bênção a prole numerosa: « Os filhos são bênçãos do Senhor; os frutos do ventre, um mimo do Senhor » (Sal 127 126, 3; cf. Sal 128 127, 3-4). Para esta convicção, concorre certamente a consciência que Israel tem de ser o povo da Aliança, chamado a multiplicar-se segundo a promessa feita a Abraão: « Ergue os olhos para os céus e conta as estrelas, se fores capaz de as contar (...) será assim a tua descendência » (Gn 15, 5). Mas influi sobretudo a certeza de que a vida transmitida pelos pais tem a sua origem em Deus, como o atestam tantas páginas bíblicas que, com respeito e amor, falam da concepção, da moldagem da vida no ventre materno, do nascimento e da ligação íntima entre o momento inicial da existência e a acção de Deus Criador.
[...]
Como pensar que este maravilhoso processo de germinação da vida possa subtrair-se, por um só momento, á obra sapiente e amorosa do Criador para ficar abandonado ao arbítrio do homem? Não o pensa, seguramente, a mãe dos sete irmãos que professa a sua fé em Deus, princípio e garantia da vida desde a concepção e ao mesmo tempo fundamento da esperança da nova vida para além da morte: « Não sei como aparecestes nas minhas entranhas, porque não fui eu quem vos deu a alma nem a vida e nem fui eu quem ajuntou os vossos membros. Mas o Criador do mundo, autor do nascimento do homem e criador de todas as coisas, restituir-vos-á, na sua misericórdia, tanto o espírito como a vida, se agora fizerdes pouco caso de vós mesmos por amor das suas leis » (2 Mac 7, 22-23).
[...]
45. A revelação do Novo Testamento confirma o reconhecimento indiscutível do valor da vida desde os seus inícios. A exaltação da fecundidade e o trepidante anseio da vida ressoam nas palavras com que Isabel rejubila pela sua gravidez: ao Senhor « aprouve retirar a minha ignomínia » (Lc 1, 25). Mas o valor da pessoa, desde a sua concepção, é celebrado ainda melhor no encontro da Virgem Maria e Isabel e entre as duas crianças, que trazem no seio. (destaques nossos)
Entre as outras teorias sobre o início da vida lembradas pelo autor, estão: a que considera como o 14.º dia desde a fecundação; a que adota a configuração dos órgãos; a "teoria da viabilidade"; e a da infusão da alma no corpo. (2002:338/9)
CLAUDIA CINARA LOCATELI e EDENILZA GOBBO (2005) ordenam essas correntes da seguinte forma: a) do nascimento; b) do início da gestação ou da concepção, seja no útero ou in vitro; c) da concepção no útero ou, no caso de fecundação in vitro, desde a implantação (aos seis dias), sob a alegação de que não haveria vida sem útero; d) por fim, também haveria a corrente que sustenta tal marco após 14 dias, com a formação do plano construtivo do embrião e a rudimentar organização do sistema nervoso central.
Lembra JESUALDO EDUARDO DE ALMEIDA JÚNIOR que tramita no Congresso o Projeto de Lei 90/99, que teria adotado a teoria da nidação (2005:94).
Juridicamente, vida é um conceito convencional, ora delimitado claramente em determinado ordenamento, ora, sem estar expressamente definido, é extraído dele pelos aplicadores da lei.
Mas, sendo convencional, é relativo, variando temporal e espacialmente.
Quanto ao mérito desse relativismo ético, eis a posição da Igreja Católica Apostólica Romana (JOÃO PAULO II, 1995:70/72):
70.[...]
É verdade que a história regista casos de crimes cometidos em nome da « verdade ». Mas crimes não menos graves e negações radicais da liberdade foram também cometidos e cometem-se em nome do « relativismo ético ». Quando uma maioria parlamentar ou social decreta a legitimidade da eliminação, mesmo sob certas condições, da vida humana ainda não nascida, porventura não assume uma decisão « tirânica » contra o ser humano mais débil e indefeso? Justamente reage a consciência universal diante dos crimes contra a humanidade, de que o nosso século viveu tão tristes experiências. Porventura deixariam de ser crimes, se, em vez de terem sido cometidos por tiranos sem escrúpulos, fossem legitimados por consenso popular?
Não se pode mitificar a democracia até fazer dela o substituto da moralidade ou a panaceia da imoralidade. Fundamentalmente, é um « ordenamento » e, como tal, um instrumento, não um fim. O seu carácter « moral » não é automático, mas depende da conformidade com a lei moral, á qual se deve submeter como qualquer outro comportamento humano: por outras palavras, depende da moralidade dos fins que persegue e dos meios que usa. Regista-se hoje um consenso quase universal sobre o valor da democracia, o que há-de ser considerado um positivo « sinal dos tempos », como o Magistério da Igreja já várias vezes assinalou. Mas, o valor da democracia vive ou morre nos valores que ela encarna e promove: fundamentais e imprescindíveis são certamente a dignidade de toda a pessoa humana, o respeito dos seus direitos intangíveis e inalienáveis, e bem assim a assunção do « bem comum » como fim e critério regulador da vida política.
Na base destes valores, não podem estar « maiorias » de opinião provisórias e mutáveis, mas só o reconhecimento de uma lei moral objectiva que, enquanto « lei natural » inscrita no coração do homem, seja ponto normativo de referência para a própria lei civil. Quando, por um trágico obscurecimento da consciência colectiva, o cepticismo chegasse a pôr em dúvida mesmo os princípios fundamentais da lei moral, então o próprio ordenamento democrático seria abalado nos seus fundamentos, ficando reduzido a puro mecanismo de regulação empírica dos diversos e contrapostos interesses.
[...]
72. Também está em continuidade com toda a Tradição da Igreja, a doutrina da necessidade da lei civil se conformar com a lei moral, como se vê na citada encíclica de João XXIII: « A autoridade é exigência da ordem moral e promana de Deus. Por isso, se os governantes legislarem ou prescreverem algo contra essa ordem e, portanto, contra a vontade de Deus, essas leis e essas prescrições não podem obrigar a consciência dos cidadãos. (...) Neste caso, a própria autoridade deixa de existir, degenerando em abuso do poder ». O mesmo ensinamento aparece claramente em S. Tomás de Aquino, que escreve: « A lei humana tem valor de lei enquanto está de acordo com a recta razão: derivando, portanto, da lei eterna. Se, porém, contradiz a razão, chama-se lei iníqua e, como tal, não tem valor, mas é um acto de violência ». E ainda: « Toda a lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural. Se, ao contrário, em alguma coisa está em contraste com a lei natural, então não é lei mas sim corrupção da lei ».
Analisado o fenômeno da origem da vida friamente, o que diferencia o espermatozóide separado do óvulo e o óvulo fecundado? Se o óvulo fecundado é inviolável, porque o espermatozóide e o óvulo também não são? Seria o fato de o zigoto poder se tornar um ser humano, ou seja, uma individualidade?
Se se considera que o homem pode dispor de seu esperma e a mulher, de seu óvulo, porque ambos não podem dispor do zigoto que produziram? Se podem impedir a concepção, porque não poderiam destruir o que foi concebido?
Essas questões possuem respostas baseadas na moral, de modo que podem ser alteradas no decorrer da história.
Devemos admitir que o dissenso é válido, mesmo porque confirma a existência de um pluralismo que, se concorrente com uma estabilidade das instituições, afirma a estabilidade da própria democracia (BOBBIO, 1986:63).
Mas será que a resposta sobre o que seria a vida poderia ser simplesmente a decisão da maioria? A vontade desta valeria para qualquer tipo de questão? Bastaria a vontade da maioria para impor qualquer regra a todo grupo?
Talvez entre a Revolução Francesa e o julgamento de Nuremberg, o pensamento judiciário positivista tendesse a respeitar a ordem vigente, seja ela qual fosse (PERELMAN, 1998:184)
SéRGIO SéRVULO DA CUNHA (In RADBRUCH, 1999:X), prefaciando a obra de GUSTAV RADBRUCH, que foi escrita no período anterior ao nazismo, demonstra claramente as idéias desse autor como retrato do positivismo da época:
"Como não se pode saber o que é justo, alguém precisa determinar o que deve ser Direito. Hoje todos reconhecem que não há Direito que não seja legal, ou positivo"; "a validade jurídica de uma norma independe da justiça do seu conteúdo"; "a tarefa do jurista consiste apenas em indagar o que é Direito, e nunca se ele é justo".
Contudo, esse pensamento pecou por esquecer a lição de ARISTÓTELES (2003:54), segundo a qual se deve buscar o meio-termo, ou seja, afastar-se dos extremos.
Esse erro foi notado quando ocorreram os assassinatos em massa na Alemanha nazista. E esses fatos, internamente naquele país, estavam de acordo com a legalidade (PERELMAN, 1998:184; CUNHA, 1999:XI; MELLO, 2003a:16-7).
Após tais acontecimentos, o meio-termo voltou a ser lembrado, temperando-se o positivismo com o ideal de justiça (PERELMAN,1998:185; CUNHA, 1999:XI), demonstrando um retorno ao direito natural, mas não na sua forma pura (PERELMAN, 1998:185).
ALF ROSS, a esse respeito, escreve em um tópico que denomina "O renascimento do direito natural" (2003:296/7):
Da mesma maneira, as atrocidades de Hitler contribuíram certamente para promover o crescente desejo de confirmar a crença nos direitos humanos, tal como o regime de violência alemão nos países ocupados estimulou a ânsia de afirmar em termos absolutos a diferença entre o direito e o poder e fundamentar o direito numa idéia absoluta.
Contudo, o direito natural que hoje predomina na porção majoritária da filosofia jurídica não é uma ressurreição dos sistemas racionalistas do século XVIII, mas uma linha de escolaticismo que foi retomada.
Enfim, parece que corremos o risco de, ao admitirmos a utilização das células-tronco embrionárias com a destruição de embriões, estarmos permitindo a prática de atos que guardariam pontos em comum com o massacre de Auschwitz.
Note-se que o argumento de que a cura de pessoas doentes estaria sendo barrada se não se pudesse utilizar as células-tronco embrionárias deve ser balanceado pelo fato de as pesquisas com células-tronco adultas já estarem bem mais avançadas e não trazerem, em princípio, qualquer questão ética (MARTINS et EÇA, 2005).
O que parece pesar em desfavor dos embriões consiste no fato de que os seres humanos em fase mais avançada de desenvolvimento, ou seja, os "nascidos" com eles não se identificam, não formando um vínculo sentimental.
Daí que a diferença entre destruir um embrião e um "nascido" nos faz lembrar uma distinção feita entre Auschiwitz e Hiroshima (NEIMAN, 2003:277):
Em muitos contextos, é importante examinar as diferenças entre os tipos de extermínio em massa que marcam nosso mundo. O filósofo judeu alemão Günther Anders, por exemplo, argumentou que crimes como aqueles cometidos em Auschwitz são ameaças maiores á alma humana, enquanto o que aconteceu em Hiroshima constitui uma ameaça maior á humanidade em si. Pois, escreveu ele, é preciso um coração mais duro para conduzir uma criança a uma câmara de gás do que para jogar uma bomba em cima dela.
Apesar desse alerta, na prática, o conceito de vida, como é natural dos conceitos, será convencional, e a convenção é o que se estabelece em dado local em determinada época, seja isso certo ou errado.
Tanto é que já se começam a produzir normas para regular o assunto, ás vezes de forma aparentemente contraditória, a exemplo do Conselho da Europa, que, no art. 18 do Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina, ao mesmo tempo que determina a proteção do embrião in vitro em experimentações permitidas por lei, proíbe a constituição de embriões humanos com fins de experimentação (CASABONA, 2004:142).
A Constituição da República, que é de onde partem as normas, não define a vida ou onde esta começa.
JOSÉ AFONSO DA SILVA (1998:206), tratando do início da vida e da permissão do aborto, afirmou que seria o legislador, principalmente no âmbito do direito penal, que definiria o início da vida.
O Código Civil, por seu turno, dispõe que são assegurados ao nascituro seus direitos desde sua concepção.
Mesmo se se tomar por critério de início da vida uma norma infraconstitucional, é certo que uma lei posterior que permita a violação do óvulo fecundado importará o afastamento ou, conforme o caso, a revogação da norma incompatível pelo critério cronológico de solução de antinomias.
Mas a vida, para efeito de garantia e proteção constitucional, não pode ser interpretada com base em uma norma infraconstitucional, pois uma das regras de hermenêutica diz que a Constituição deve ser interpretada com base nela própria.
A propósito, o Ministro CELSO DE MELLO, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em decisão proferida nos autos da petição 3270/SC, publicada no Informativo do STF n.º 370:
Em suma: o Congresso Nacional não pode, simplesmente porque não dispõe dessa prerrogativa, interpretar a Constituição, mediante simples atividade normativa de caráter ordinário, ainda mais quando essa interpretação, veiculada em sede meramente legal, afetar exegese que o Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guardião da Lei Fundamental, haja dado ao texto da Carta Política. Cabe rememorar, no ponto, a esse respeito, a lição do ilustre magistrado ANDRé GUSTAVO C. DE ANDRADE ("Revista de Direito Renovar", vol. 24/78-79, set/dez 02), que também recusa, ao Poder Legislativo, a possibilidade de, mediante verdadeira "sentença legislativa", explicitar, em texto de lei, o significado da Constituição: "Na direção inversa - da harmonização do texto constitucional com a lei - haveria a denominada 'interpretação da Constituição conforme as leis', mencionada por Canotilho como método hermenêutico pelo qual o intérprete se valeria das normas infraconstitucionais para determinar o sentido dos textos constitucionais, principalmente daqueles que contivessem fórmulas imprecisas ou indeterminadas. Essa interpretação de 'mão trocada' se justificaria pela maior proximidade da lei ordinária com a realidade e com os problemas concretos. O renomado constitucionalista português aponta várias críticas que a doutrina tece em relação a esse método hermenêutico, que engendra como que uma 'legalidade da Constituição a sobrepor-se á constitucionalidade das leis'. Tal concepção leva ao paroxismo a idéia de que o legislador exercia uma preferência como concretizador da Constituição. Todavia, o legislador, como destinatário e concretizador da Constituição, não tem o poder de fixar a interpretação 'correta' do texto constitucional. Com efeito, uma lei ordinária interpretativa não tem força jurídica para impor um sentido ao texto constitucional, razão pela qual deve ser reconhecida como inconstitucional quando contiver uma interpretação que entre em testilha com este.
Embora não constante expressamente na Constituição Federal o conceito de vida, este poderia ser buscado nos tratados que versem sobre direitos humanos, pois, nos termos do §2.º do art. 5.º, da Constituição Federal, "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Com efeito, a melhor interpretação dessa norma nos leva a crer que um tratado em que haja a proteção de um direito da pessoa humana não previsto na Constituição é recebido por ela como norma constitucional.
Isso porque, se esse parágrafo 2.º não existisse, nada impediria a criação de um direito humano por norma infraconstitucional ou mesmo por tratado. Para que esse parágrafo tenha utilidade, é imperativo reconhecer a hierarquia constitucional dos tratados e mesmo normas infra-constitucionais que protejam direitos humanos.
é a conclusão a que chegamos pela aplicação do princípio da máxima efetividade da norma costitucional. A esse respeito, ALEXANDRE DE MORAES aduz que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia conceda-lhe." (2002:109)
Nessa linha, tendo em vista que o Pacto de São José da Costa Rica determina em seu Art. 4.º, 1, que a vida deve ser protegida desde a concepção, teríamos uma norma de hierarquia constitucional definindo que a vida começa em tal momento, tornando inconstitucionais quaisquer disposições em contrário.
O Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em seu voto proferido nos autos do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 79.785-7/RJ, informou que encontrou na doutrina somente CELSO ALBUQUERQUE DE MELLO defendendo tal tese.
Entretanto, nesse mesmo julgado, vemos que também o Ministro CARLOS VELLOSO é partidário de tal corrente.
E ainda temos na doutrina o magistério de ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE (2001):
O artigo 5, parágrafo 2, de nossa Constituição Federal de 1988, resultou de proposta que apresentei, na época como Consultor Jurídico do Itamaraty, á Assembléia Nacional Constituinte, em audiência pública do dia 29 de abril de 1987, tal como consta das Atas das Comissões da Assembléia Nacional Constituinte. Por força desse dispositivo, os direitos e garantias expressos na Constituição Brasileira de 1988 não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja Parte (artigo 5, parágrafo 2). E acrescenta nossa Constituição que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5, parágrafo 1).
As razões que me levaram a formular aquela proposta, e o sentido da mesma, encontram-se relatados em meu livro A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil (1948-1997): As Primeiras Cinco Décadas (2a. edição, Brasília, Editora Universidade de Brasília / Edições Humanidades, 2000, pp. 139-143 e 169-182), e não caberia aqui repeti-las. Hoje, decorridos 13 anos desde que se tornou o parágrafo 2 do artigo 5 de nossa Constituição, ao constatar o descaso com que aquela disposição é tratada pelo poder público, e em particular pelo Poder Judiciário (com raras e honrosas exceções), pergunto-me se não teria sido alçada a nível constitucional por milagre, acidente ou descuido, tamanha a falta de consciência social imperante em nosso establishment legal. Não vejo qualquer obstáculo jurídico a que seja devidamente aplicada, mas sim uma lamentável falta de vontade (animus) em fazê-lo; ao contrário, sua não-aplicação redunda em responsabilidade por omissão de um ou mais dos poderes do Estado.
Na linha de raciocínio dessa corrente, seria inconstitucional o §3.º do art. 5.º da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 45/05:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes ás emendas constitucionais.
Isso porque, conquanto tenha permitido a hierarquia constitucional dos tratados incorporados, exigiu procedimento mais rigoroso para que eles adquirissem tal status do que o adotado normalmente, afrontando a autoridade do §2.º do art. 5.º da Constituição Federal.
Nada obstante, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, antes dessa Emenda Constitucional, já entendia majoritariamente que o tratado incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro seria sempre lei ordinária, independentemente da matéria, ainda que versasse sobre direitos humanos, conforme se verifica na ementa do julgamento da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1480/DF:
SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados á autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política.
Da mesma forma, nos seguintes julgados, dos quais transcrevemos a parte que importa das ementas:
EMENTA: I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, á luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. [...]. 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. [...] (Pleno, RHC 79785 / RJ - RIO DE JANEIRO, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 29/03/2000, maioria, DJ 22-11-2002, p. 57)
E M E N T A: HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL QUE, SEM JUSTO MOTIVO, DEIXA DE RESTITUIR OS BENS PENHORADOS - INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA CARACTERIZADA - POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL NO ÂMBITO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA PROPOSITURA DE AÇÃO DE DEPÓSITO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PACTO DE SÃO JOSé DA COSTA RICA (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS) - RECURSO IMPROVIDO. PRISÃO CIVIL, DEPOSITÁRIO JUDICIAL DE BENS PENHORADOS E INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA. - [...]. A QUESTÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. - A ordem constitucional vigente no Brasil - que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) - não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República. Precedentes. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além de subordinar-se, no plano hierárquico-normativo, á autoridade da Constituição da República, não podendo, por isso mesmo, contrariar o que dispõe o art. 5º, LXVII, da Carta Política, também não derrogou - por tratar-se de norma infraconstitucional de caráter geral (lex generalis) - a legislação doméstica de natureza especial (lex specialis), que, no plano interno, disciplina a prisão civil do depositário infiel.
(2.ª Turma, RHC 80035 / SC, Relator Min. CELSO DE MELLO, j. 21/11/2000, maioria, DJ 17-08-2001, p. 53)
EMENTA: "HABEAS-CORPUS" PREVENTIVO. PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL DECRETADA EM AÇÃO DE DEPÓSITO DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE (ART. 66 DA LEI Nº 4.728/65 E DECRETO-LEI Nº 911/69): ART. 5º, LXVII, DA CONSTITUIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSé DA COSTA RICA), DECR. Nº 678/92. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.[...] II - Mérito.[...]. 4- Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (§ 2º do art. 5º da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por esta razão, o art. 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica, ("ninguém deve ser detido por dívida": "este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar") deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição.
(2.ª Turma, HC 73044 / SP, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 19/03/1996, maioria e unânime, DJ 20-09-1996, p.34534)
Diante disso, não nos parece que venha a julgar inconstitucional o §3.º do art 5.º da Constituição Federal.
Independentemente dessa discussão, entendemos que a fixação da concepção como início da vida pode ser extraída da própria interpretação direta da Constituição Federal, de acordo com a regra de hermenêutica segundo a qual o sentido da norma deve ser o mais singelo, pois a Constituição é a carta do povo, de todo o povo, e não apenas dos doutos.
Por isso, CELSO RIBEIRO BASTOS afirma que "o discurso coloquial da Constituição é voltado para todos os membros da sociedade política" (1990:105).
Se é certo que antes da união do espermatozóide com o óvulo podemos afirmar com certeza que não há vida, o mesmo não podemos dizer após o momento da fecundação.
Mas a fecundação in vitro poderia ser considerada concepção? Teria vida o óvulo fecundado in vitro?
Para P. ESTELLéS (apud SILVA, 2005), "não é mais possível manter uma posição intermediária no sentido de não considerar o concebido um objeto, mas também não lhe reconhecer a qualidade de sujeito".
REINALDO PEREIRA E SILVA (2005) defende direitos iguais ao concebido no útero ou in vitro. No mesmo sentido JOAQUIM TOLEDO LORENTZ (2002:340) e JUSSARA MARIA LEAL DE MEIRELLES (2004:165).
Entendemos que a concepção, mesmo in vitro, gera a vida.
Mesmo que se alegue não ser possível esse óvulo fecundado in vitro tornar-se um ser humano sem sua implantação, ao que parece se trata de uma alegação que toma como ponto de partida o atual estágio da ciência.
Segundo ANTONIO CARLOS CAMPOS DE CARVALHO (2004), somente há aproximadamente 20 (vinte) anos tornou-se possível o cultivo de células-tronco embrionárias em laboratório, mas células-tronco embrionárias de camundongos.
Parece-nos óbvio que se ainda não foi descoberta uma forma de permitir o desenvolvimeto do zigoto sem a nidação, é apenas uma questão de tempo para que isso venha a ocorrer.
Assim, não se trata de impossibilidade absoluta, mas relativa, de um embrião fecundado in vitro se tornar um ser humano completo sem depender do útero.
Poderíamos, ainda, suscitar a aplicação de um princípio para fundamentar nossa posição: o princípio da ordem natural das coisas, princípio este que é extraído da natureza por meio da razão.
De acordo com esse princípio, o homem não deveria alterar o curso que a natureza estabeleceu para o mundo, não porque isso seja impossível, mas pelas conseqüências danosas que podem resultar das alterações.
Daí, por exemplo, as mudanças climáticas e tempestades causadas pelo aquecimento global.
A natureza também indica não ser de acordo com seus ditames abreviar a vida do próximo, mas ela própria nos mostra ser legítima tal abreviação quando ocorre em defesa da própria vida, ou seja, a legítima defesa.
Trazendo esse princípio para o âmbito das células-tronco embrionárias, podemos inferir que a continuidade natural do óvulo fecundado é seu desenvolvimento, ao passo que o espermatozóide e o óvulo, sem a fecundação, estão fadados a fenecer.
Verifica-se, diante disso, não ser aplicável o posicionamento daqueles que defendem que a vida começa com a formação do sistema nervoso com base na alegação de que ela terminaria com a morte encefálica. Ora, após a morte encefálica, o processo natural leva á falência progressiva do corpo, num caminho sem volta, ou seja, vida não mais haverá.
Por outro lado, no caso do óvulo fecundado, a ordem natural das coisas determina a formação do sistema nervoso. Se se alega que vida não haveria antes dessa formação, não se pode alegar que ela não haveria se não houvesse uma interrupção nesse processo.
Em suma, a vida não é um processo de direção dupla. é de único sentido. Assim, a intervenção humana após a morte encefálica não interfere na vida, mas a manipulação dos óvulos fecundados, antes da formação do sistema nervoso, representará, sim, uma alteração da ordem natural.
Nada obstante nossa opinião, o que vale, na prática, é o ordenamento jurídico vigente e sua aplicação.
A título de ilustração, tratando do tema aborto na jurisprudência de constitucional no direito comparado dos Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, Portugal, Espanha, Canadá, bem como na Corte Européia de Direitos Humanos, DANIEL SARMENTO verificou que, de um modo geral, "reconheceu-se estatura constitucional ao interesse na preservação da vida do nascituro, que aumenta na medida em que progride a gestação" (2005:59). Mas, por outro lado, tal reconhecimento foi balanceado diante dos direitos da gestante. Em suma, embora abrangido pelo direito á vida, esse direito não teria a mesma magnitude conferida aos seres humanos nascidos.
Nessa linha, veremos como a recém-editada Lei de Biossegurança, Lei n.º 11.105/05, tratou do assunto.
1.6.1 APLICAÇÕES DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PERMITIDAS PELA LEI 11.105/05 E O DIREITO À VIDA
A Lei 11.105/05 trata predominantemente das atividades envolvendo ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS - OGM.
Nos termos do art. 3.º, V, dessa lei, OGM é o "organismo cujo material genético -ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética". Os OGM também são conhecidos como transgênicos.
Apesar disso, as diretrizes traçadas em seu artigo 1.º aplicam-se também ás células-tronco embrionárias:
Art. 1.º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção á vida e á saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. (destacamos)
O princípio da precaução prega que, na ausência de certeza quanto aos efeitos nocivos de determinada atividade, decida-se por não praticá-la ou que se tome medidas de prevenção, conforme a aceitabilidade ou não dos riscos. Dito de outra forma, deve-se prevenir não apenas quando se sabe, mas principalmente quando se desconhece eventuais riscos (MACHADO, 2002:62).
Embora esse artigo só faça referência a sua aplicabilidade para a proteção do meio ambiente, ele deve ser aplicado também para os seres humanos.
é que meio ambiente, nos termos do art. 3.º, I, da Lei n.º 6938/81, "é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas", o que para nós inclui o próprio ser humano.
Ainda que assim não fosse, não se deve olvidar que a proteção do meio ambiente se faz tendo em vista sua essencialidade para a própria vida humana. Daí a preocupação com a averiguação até mesmo da potencialidade danosa contra esse bem e a determinação para que o Poder Público controle as atividades que possam representar riscos, conforme se depreende do art. 225 da Constituição Federal:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e á coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
No tópico 1.5 supra, verificamos que a utilização de célula-tronco embrionária pressupõe sua retirada do embrião, que, por sua vez, implica destruição deste.
Como o caput do art. 1.º da Lei 11.105/05 prega a proteção á vida e á saúde humana, dessumimos que essa Lei não considera como vida humana nem os "embriões inviáveis" e nem os "embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento", uma vez que nos termos do caput do art. 5.º, foi "permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento".
Como condições para essa utilização, a Lei de Biossegurança exige o consentimento dos genitores e a aprovação do projeto da instituição de pesquisa e serviços de saúde pelos respectivos comitês de ética em pesquisa, conforme parágrafos 1.º e 2.º do art. 5.º. Além disso, proíbe o comércio desses embriões no parágrafo 3.º do mesmo artigo.
Apesar de todo esse condicionamento, estaria ocorrendo ofensa ao direito á vida previsto na Constituição?
Argumenta-se que esses embriões congelados e os inviáveis seriam descartados, de modo que seria melhor utilizá-los para salvar vidas. Esse argumento é lembrado por JOSé ROBERTO GOLDIM (2002):
Os que defendem a realização de pesquisas com células tronco embrionárias humanas utilizam o raciocínio moral de que um bem social, que será útil para muitas pessoas que sofrem de doenças hoje incuráveis, se sobrepõe ao de um indivíduo. Ainda mais quando este indivíduo é um embrião em fases iniciais.
Se considerarmos legítimo esse descarte, então deveremos convir necessariamente que realmente é melhor utilizá-los para um fim mais nobre.
Mas o maior problema de todos, segundo entendemos, não está na utilização ou não desses embriões congelados e inviáveis.
Está no fato de serem produzidos embriões excedentários in vitro, que normalmente, não serão utilizados. Seria admitido por nosso ordenamento tal atividade?
Essa definição é essencial para que haja segurança jurídica para os cientistas, uma vez que não se afasta a possibilidade de alguém vir a alegar que o descarte de embriões pode representar a destruição da vida humana (MEIRELLES, 2004:170) e tentar enquadrar essa conduta incluse nos tipos penais.
A Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina cuida de alguns aspectos do tratamento dos embriões excedentários do processo de fertilização assistida.
Entre outras coisas, prevê que o número ideal de embriões a serem transferidos não exceda a quatro e proíbe a redução embrionária em caso de gravidez múltipla. Até aqui, está de acordo com a proteção da vida, respeitando a proibição ao aborto.
Determina ainda que os embriões excedentes sejam criopreservados e veda seu descarte ou destruição.
Mas só o fato de serem produzidos mais embriões do que serão implantados já constitui, segundo entendemos, ofensa á dignidade da pessoa humana, pois tais seres não deixarão de ser tratados, na prática, como "material biológico", sem falar que não há como garantir que essa criopreservação proteja de fato sua integridade (MEIRELLES, 2004:168).
Voltando ao questionamento acima formulado a respeito de estar havendo violação ao direito á vida pela Lei de Biossegurança, o então Procurador Geral da República, CLÁUDIO FONTELLES, entendeu que sim, o que motivou o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3510, em que pleiteou a declaração da inconstitucionalidade do art. 5.º e respectivos parágrafos da Lei 11.105/05.
Para ele, esses dispositivos violariam o art. 1.º, III, e art. 5.º, caput, da Constituição da República, baseado na tese central de que "a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação", o que abrangeria a fecundação in vitro.
Apesar da forte sustentação do Procurador Geral da República, enquanto não acolhido o pedido da ADI, está permitida a utilização das células-tronco embrionárias nos termos acima mencionados.
2 - RESPONSABILIDADE CIVIL E CéLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
No meio vulgar, responsabilidade abrange a idéia de uma situação de encargo, de cuidado e por vezes de representação, em que se encontra alguém frente a determinados fatos ligados a coisas ou compreendendo atos próprios ou de terceiros.
Em razão dessa vinculação, cabe ao responsável tanto os bônus quanto os ônus decorrentes de sua conduta em relação ao objeto de sua custódia.
Quando um grupo de guerreiros perde uma batalha, normalmente se atribui a derrota ao comandante, mesmo porque aqueles estão subordinados a este. Por outro lado, é justo que em caso de vitória as honrarias sejam atribuídas ao chefe do grupo. Daí, internamente, este distribui as homenagens a seus subordinados.
Nesse quadro, o líder é o responsável.
No meio jurídico, é difícil encontrarmos na doutrina um conceito claro, quer de responsabilidade, quer de responsabilidade civil.
Essa dificuldade também é apontada por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (1998:7/10), mas este autor apresenta seu conceito de responsabilidade civil nos seguintes termos: "A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma" (1998:11).
SÍLVIO DE SALVO VENOSA anota que, em sentido amplo, responsabilidade "encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação" (2004:12).
Também RUI STOCO (2004:118) atrela a idéia de responsabilidade á "necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos."
SéRGIO CAVALIERI FILHO (2003:26) arremata que responsabilidade "designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico".
HANS KELSEN (1994:138), por sua vez, sustenta que responsabilidade é "relação do indivíduo contra o qual o ato coercitivo é dirigido com o delito por ele ou por outrem cometido." Segundo este autor (2005:93), "dizer que uma pessoa é juridicamente responsável por certa conduta ou que ela arca com a responsabilidade jurídica por essa conduta significa que ela está sujeita a sanção em caso de conduta contrária." Nessa linha "responsabilidade -como já foi assinalado- não é uma obrigação mas uma condição pela qual um indivíduo se torna sujeito a uma sanção." (2000:288)
Com esse conteúdo semântico de responsabilidade, diz-se que um sujeito foi responsabilizado em razão de um ilícito.
Mas se assim é, responsável ele já era antes de tal descumprimento. Dito de outra forma: antes de uma norma ser descumprida, já existe responsabilidade.
Por que, então, não é enfocada a responsabilidade antes do descumprimento de um dever?
Porque, se o importante para o direito é que a sociedade se comporte conforme seus ditames, então só lhe terá relevo os comportamentos patológicos, isto é, que lhe são contrários. Daí, a necessidade de reger tais situações, normalmente com as sanções.
Aliás, quando o legislador entende que determinado fato não tem relevância na sociedade, simplesmente não o regula (MELLO, 2003a:14).
Ocorre algo análogo com nosso corpo. Quando temos uma dor de cabeça, dificilmente deixamos de pensar nela, ou melhor, fazemos o possível para curá-la. Mas quando não temos dor de cabeça, não ficamos o tempo inteiro pensando que nossa cabeça não está doendo.
Em suma, o desequilíbrio é que causa movimento em busca do equilíbrio.
Por isso, verifica-se a responsabilidade não tanto no seu aspecto potencial e estático, mas primordialmente no seu lado ativo e dinâmico, ou seja, somente no momento em que há o descumprimento de dever, ou melhor, violação da norma.
Diante disso, verifica-se no caso concreto quais as conseqüências do descumprimento do dever e a quem elas são imputadas.
Essas conseqüências se traduzem em dever sucessivo, como identifica SéRGIO CAVALIERI FILHO (2003:26)
Antes de concluirmos acerca do conceito mais preciso de responsabilidade, vejamos seus fundamentos.
A vida em sociedade traz aos seus componentes benefícios que não seriam conseguidos fora dela. Mas também traz malefícios.
Entre os malefícios, podemos citar a constante possibilidade de surgirem conflitos. Muitos conflitos surgem quando um indivíduo é lesado em seus interesses e o ofensor não quer ou não pode tornar a situação ao estado anterior.
Para que esses conflitos não acabem em batalhas, é necessária a intervenção do Estado.
Um dos instrumentos utilizados para tentar solucionar tais conflitos, num primeiro momento, é a proteção de determinados interesses, impondo uma sanção ao ofensor destes ou ao responsável pela ofensa.
Sanção, contudo, não necessariamente é punitiva ou conseqüência de comportamento contrário ás normas impostas, como assinada HANS KELSEN (1994:26):
A ordem social pode prescrever uma determinada conduta humana sem ligar á observância ou não observância deste imperativo quaisquer conseqüências. Também pode, porém, estatuir uma determinata conduta e, simultaneamente, ligar a esta conduta a concessão de uma vantagem, de um prêmio, ou ligar á conduta oposta uma desvantagem, uma pena (no sentido mais amplo da palavra). O princípio que conduz a reagir a uma determinada conduta com um prêmio ou uma pena é o princípio retributivo (Vergeltung). O prêmio e o castigo podem compreender-se no conceito de sanção. No entanto, usualmente, designa-se por sanção somente a pena, isto é, um mal -a privação de certos bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, valores econômicos- a aplicar como conseqüência de uma determinada conduta, mas já não o prêmio ou a recompensa.
Diante de tantos interesses que são protegidos juridicamente, isto é, diante de tantos direitos na sociedade, há, em contrapartida, para cada um, o respectivo dever de não lesar.
Não é necessário, dessa forma, sustentar a existência de um dever genérico de não lesar baseado nos princípios gerais do direito, notadamente no princípio do leminem laedere, como fazem alguns autores para justificar a responsabilidade extracontratual (GONÇALVES, 2003:28; STOCO, 2004:118), pois tal dever pode ser obtido a partir de cada direito atribuído expressamente pela legislação. ANTÔNIO JEOVÁ DA SILVA DOS SANTOS também tem essa percepção (2001:32)
Partindo desses fundamentos, podemos buscar o conceito de responsabilidade por meio da idéia de responsável. Responsável é o que responde, quem sofre a sanção.
Logo, responsabilidade é situação jurídica de suscetibilidade de sofrer sanção, no plano abstrato. Em concreto, ou seja, quando ocorre o ilícito, responsabilidade é a exigibilidade e sujeição á sanção. A propósito, NORBERTO BOBBIO (2003:154) coloca a sanção como resposta á violação da norma.
O caráter da exigibilidade da responsabilidade serve para diferenciá-la do débito, de acordo com as palavras de SILVIO DE SALVO VENOSA (2004a:428), quando esclarece o contrato de fiança:
Na fiança, existe a responsabilidade, mas não existe o débito, dentro da díade Schuld und Haftung. Lembre-se do que dissemos a respeito da dívida natural, exemplo contrário, a qual possui débito, mas não responsabilidade, pois não é juridicamente exigível...
Também HANS KELSEN (1994:133/4) faz referência á distinção entre dever e responsabilidade, mas focando o sujeito de quem se exige:
Conceito essencialmente ligado com o conceito de dever jurídico, mas que dele deve ser dintinguido, é o conceito de responsabilidade. Um indivíduo é juridicamente obrigado a uma determinada conduta quando uma oposta conduta sua é tornada pressuposta de um ato coercitivo (como sanção). Mas este ato coercitivo, isto é, a sanção como conseqüência do ilícito, não tem de ser necessariamente dirigida - como já se fez notar - contra o indivíduo obrigado, quer dizer, contra o indivíduo cuja conduta é o pressuposto do ato coercitivo, contra o delinqüente, mas pode também ser dirigido contra um outro indivíduo que se encontre com aquele numa relação determinada pela ordem jurídica.
O atrelamento do conceito de responsabilidade com a aplicação terapêutica das células-tronco embrionárias nos leva a afirmar que aquela poderá ser configurada tanto pela utilização ilícita das células-tronco embrionárias, quanto pela utilização lícita mas que cause um dano (ilícito).
Definido o que seja responsabilidade, o que seria então responsabilidade civil?
Quando se diz "responsabilidade civil", o termo "civil" é utilizado para diferenciar esse "tipo" de responsabilidade dos outros "tipos" existentes, que podem ser sintentizados em criminal (ou penal) e administrativa.
Conquanto não separe de forma absoluta em três esferas estanques a responsabilidade, é expressamente prevista na legislação, conforme, por exemplo, o §3.º do art. 225 da Constituição Federal.
Essa classificação é feita de acordo com o objetivo primordial da sanção.
A responsabilidade penal é conseqüência de infração penal, visando a inibir ocorrência de crimes, ou seja, determinados comportamentos não desejados por meio da imposição de penas.
Pune-se para dar exemplo na sociedade, de modo a educar e intimidar o infrator e os outros membros da sociedade para que não cometam outra infração.
Talvez por ter em mente o elemento subjetivo, isto é, o ânimo do indivíduo, na medida em que espera que ele entenda o que é certo e o que é errado e possa dessa forma agir de acordo com os ditames sociais, no âmbito criminal exista ojeriza á responsabilização objetiva, isto é, sem que se leve em conta a intenção do agente como elemento do crime.
A responsabilidade civil, segundo doutrina majoritária, visaria a ressarcir o membro da sociedade que foi lesado (VENOSA, 2003:590; CAVALIERI FILHO, 20003:36; STOCO, 2004:121/2).
É também o posicionamento de HANS KELSEN, para quem "mais fundamental é a diferença de propósito: ao passo que o Direito criminal tem como fim a retribuição ou, segundo a visão moderna, a coibição, i.e., a prevenção, o Direito civil tem como fim a reparação" (2005:72).
Para nós, a sanção abrange não só a penalidade imposta, mas, dependendo do caso, o cumprimento coercitivo do próprio dever que estava inadimplido. Imaginando, por exemplo, a obrigação de entregar um objeto em determinada data sob pena de multa. Caso a norma seja violada, ou seja, caso o objeto não seja entregue na data estipulada, a sanção abrangerá, além da multa, também a busca forçada do objeto e sua entrega ao titular do direito, caso o devedor se negue a fazê-lo espontaneamente. E se o objeto não puder ser entregue, será devido o equivalente, conforme art. 234 do Código Civil.
HANS KELSEN, ao que tudo indica, parece adotar essa posição, quando se refere á execução civil (2005:71).
Porém, não se pode negar que o dever de reparar não deixa de ter caráter punitivo da mesma forma que na responsabilidade criminal. Dito de outra forma, não se nega que também se trata de uma sanção punitiva, de modo a inibir violações á norma.
Se se considera a reparação de um dano como elemento distintivo da responsabilidade civil, vemos, por exemplo, no art. 940 do Código Civil uma hipótese de díficil visualização daquele:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
Não estamos dizendo que não haja dano no plano concreto, mas sim que ele não é elemento do dispositivo legal, isto é, não é requisito para a sanção de pagar em dobro, ou, utilizando-se de termos da ciência criminal, não é elemento típico.
Se se alega que o dever de entregar quantia em dinheiro seria peculiar da responsabilidade civil, veremos que o Código Penal também contempla penas desse tipo:
Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48.
§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro á vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
[...]
Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa.
Obviamente que conseguimos encontrar certas peculiaridades, seja na responsabilidade "civil", seja na "criminal": enquanto na civil é o patrimônio que normalmente é afetado pela responsabilidade (art.942 Código Civil), na penal pode-se afetar a própria liberdade do infrator. Daí que, naquela, se o infrator não tiver condições econômicas de ressarcir, o processo provavelmente será extinto, sem sucesso na satisfação do crédito. Por outro lado, na responsabilidade criminal, até mesmo os indivíduos sem patrimônio podem sofrer a eficácia da sanção. Deve-se mencionar, todavia, que, se a privação de liberdade for convertida em medida de outra natureza, também a responsabilidade criminal poderá estar fadada ao insucesso em relação ao seu papel.
Com base nesse último caráter distintivo, consistente na possibilidade de se atingir a liberdade do indivíduo, poderíamos dizer que a responsabilidade penal seria aquela decorrente de um crime ou de uma contravenção, com base na definição contida no art. 1.º da Lei de Introdução ao Código Penal, Decreto-lei n.º 3914/41:
Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Mas esse critério também é abalado quando se constata no inciso LXVII do art. 5.º da Constituição da República a possibilidade de prisão civil por dívida pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
Uma outra diferença que merece ser mencionada é que o dever decorrente de um ato ilícito para um indivíduo responsabilizado criminalmente não se transfere para seus herdeiros, no que diz respeito á pena. Mas o dever de reparar, ou seja, a responsabilidade civil, acompanha a herança (art. 5.º, XLV, Constituição Federal).
A Lei n.º 11.105/05, conquanto tenha tratado predominantemente das atividades envolvendo organismos geneticamente modificados, também estabeleceu crimes ligados diretamente á utilização de células-tronco embrionárias:
Art. 5º é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
[...]
§ 3º é vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
[...]
Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5.º desta Lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 26. Realizar clonagem humana:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Agrava-se a pena:
I - de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano á propriedade alheia;
II - de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;
III - da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem;
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