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Fale, e eu esquecerei; ensine-me e eu poderei lembrar; envolva-me e eu aprenderei.
Benjamin Franklin
Neste capítulo apresentar-se-á a organização empresarial, alvo do estudo, a problemática da pesquisa, os objetivos gerais e específicos, bem como, a justificativa para o projeto monográfico.
A seguir apresentam-se os principais dados da Organização Empresarial, da qual um seguimento será examinado sob a ótica da gestão do conhecimento.
Razão Social: Indústrias Romi S.A.
Nome fantasia: Romi.
Localização: Avenida Pérola Byington Nº. 56, Centro, Santa Bárbara D´oeste SP. CEP 13453-900.
Ramo de atividade: Fabricação e comercialização de máquinas-ferramenta, Injetoras de termoplásticos, Fundidos e Usinados e Sistemas para usinagem de furos de alta precisão.
Data de fundação: 30 de Junho de 1930.
N.ºde funcionários: 2330 em 31 de Dezembro de 2005.
Faturamento anual: Seiscentos e Dezessete Milhões em 2005.
Carteira de produtos e serviços: Tornos mecânicos, centros de usinagem, injetoras de termoplásticos, peças fundidas e usinadas e sistemas para usinagem de furos.
Mercado de atuação: Em todo o Brasil com filiais de vendas e Serviços Pós Vendas em 14 estados, representantes no continente sul-americano, subsidiária Romi Machine Tools na cidade de Erlanger no estado norte-americano de Kentucky, subsidiária Romi Europa na cidade de Gross Gerau na Alemanha e inúmeras representantes espalhados pela Europa e Ásia.
Perfil tecnológico: o perfil tecnológico das Indústrias Romi inicia-se na mecânica fina, na qual o milionésimo do metro foi dominado com absoluto controle, conforme se apresenta nos sistemas de usinagem de furos, caracterizado como o extremo da precisão em mecânica. Passa pela fundição e usinagem de gigantescas peças, desde o ferro fundido cinzento até ligas especiais, e passa pelo projeto e construção seriada de máquinas-ferramenta, comandadas por controle numérico computadorizado (CNC) para indústria mecânica, as quais empregam tecnologia de ponta. Essas máquinas são comercializadas desde o MERCOSUL até Ásia, Europa e Estados Unidos, além, de folgada liderança no mercado interno.
Além dos produtos para a indústria mecânica, e empresa produz diversos modelos de injetoras para o seguimento do plástico. Essas máquinas são dotadas de recursos tecnológicos que atendem desde linhas de eletrodomésticos, indústria farmacêutica e aeronáutica e têm a maior aplicação na indústria automobilística.
Síntese histórica da organização: com a missão de prover continuamente a indústria nacional com soluções técnica e economicamente viável, as Indústrias Romi S.A., empresa constituída em abril de 1938, sucessora de Máquinas Agrícolas Romi Ltda., nasceu com a fundação de uma oficina mecânica em junho de 1930.
A fabricação de bens industriais iniciou-se em 1941 com o lançamento de tornos universais, comercializados inicialmente com a marca "IMOR" e, posteriormente, também com a marca "ROMI". Em 1944, inicia-se a exportação, hoje as máquinas-ferramentas ROMI são conhecidas em 54 países, distribuídos por todos os continentes, alcançando o expressivo número de cerca de 123.500 unidades instaladas no país e de 26.000 unidades em operação no exterior que representam também a exportação de mão-de-obra, qualidade e tecnologia brasileira.
Em 1972, a empresa tornou-se uma sociedade anônima de capital aberto que tem atualmente com cerca de 500 acionistas. A empresa de capital totalmente nacional possuía em Dezembro de 2005 um patrimônio líquido superior a 364 milhões de Reais e um quadro de 2.330 colaboradores concentrados em suas unidades fabris.
Com uma capacidade de produção anual acima de 3.000 máquinas, a linha de produção da Romi constitui-se de tornos paralelos universais, tornos e centros de usinagem CNC e injetoras de termoplásticos. Produz também sistemas de mandrilamento de altíssima precisão, partes, peças e acessórios fundidos além de equipamentos para atender sua linha de máquinas.
Com a administração de vendas para o mercado interno sediada em São Paulo, a empresa comercializa diretamente a sua produção contando com uma rede de distribuição de 33 unidades entre filiais e escritórios para vendas e assistência técnica cobrindo todo o território nacional. Esse aspecto é fundamental para o sucesso de qualquer empresa do seguimento de máquinas-ferramenta e máquinas injetoras de plásticos e que a coloca em vantagem com relação aos concorrentes estrangeiros que não dispõe dos mesmos recursos.
A empresa exporta seus produtos para vários países da América Latina, América do Norte, Europa e Ásia por meio de exportações diretas, subsidiárias de vendas, revendedores e trading companies. Para ampliar sua presença no mercado externo, a Romi revitalizou sua subsidiária nos Estados Unidos da América, a Romi Machine Tools Ltd.
Para o continente europeu uma nova subsidiária integral foi aberta na Alemanha denominada Romi Europa GmbH, com objetivos de vendas, distribuição e assistência técnica aos produtos já comercializados.
Em 2005 as exportações, da ordem de 31 milhões de Reais, dos quais, 30% foram para a Europa, 49% para os Estados Unidos da América, 16% para os países do MERCOSUL e, 5% distribuídos entre América Central, México, Ásia e Oceania. O parque fabril da empresa se apresenta dividido conforme a área de negócios, a saber: máquinas-ferramenta CNC e convencionais, injetoras de termoplásticos, fundidos e usinados, sistemas de mandrilamento de furos de ultra-precisão, e de serviços de usinagem e restauração de máquinas.
O processo produtivo de uma máquina-ferramenta CNC voltada para a indústria mecânica em geral, encerra-se com a instalação e demonstração das funcionalidades do equipamento na planta fabril do cliente. Em geral, as máquinas CNC apresentam diversidade de modelos, de características técnicas, de peculiaridades tecnológicas e de curto intervalo de tempo entre os lançamentos de novos produtos. Com isso, se torna necessário uma cuidadosa metodologia de geração, disseminação e retenção do conhecimento imprescindível ao agente técnico, a fim de desempenhar, adequadamente, suas funções. Compete ao Departamento de Serviços Pós Venda (DSPV), entre outras, duas funções específicas, a saber:
O DSPV é o principal agente da próxima transação comercial com o cliente, pois, grande parte da imagem do produto e da empresa é construída pela qualidade da entrega e instalação do equipamento adquirido, como também, pela assistência técnica prestada durante sua vida útil.
O problema de estudo parte da seguinte indagação: quais são as práticas relacionadas à geração, disseminação e retenção do conhecimento necessário para os agentes técnicos que encerram o processo produtivo e prestam assistência técnica num seguimento de alta tecnologia que reúne mecânica fina, eletrônica e informática para produzir bens industriais destinados à produção de componentes mecânicos?
Muito se espera de um estudo dessa magnitude. O momento e as circunstâncias em que este se realiza, propicia extraordinária oportunidade de crescimento do capital intelectual do autor e reúne contribuições que poderão ser implantadas na organização empresarial que sediará o estudo.
Estudar o processo de aquisição e retenção de conhecimento observado nos agentes técnicos de um seguimento específico na empresa e, de que forma estes contribuem para a imagem e desempenho da organização empresarial.
1 - Analisar e descrever o processo de aprendizagem incluindo a aquisição e a divulgação do conjunto de conhecimentos necessários aos técnicos de serviços.
2 - Evidenciar as dificuldades sistêmicas relacionadas ao conhecimento técnico e à prática operacional para os agentes técnicos que encerram o processo produtivo ao instalar e demonstrar as funcionalidades de equipamentos industriais de alta concentração tecnológica, e aos agentes que prestam assistência técnica nesses equipamentos.
O presente estudo se justifica pela importância, tanto para formação profissional quanto acadêmica do autor na medida em que ambas se complementam para posicioná-lo num degrau superior do saber. No âmbito acadêmico representa uma amostra da ampliação da visão sistêmica, bem como, do melhor discernimento proporcionado pelo Curso de Administração de Empresas. No âmbito profissional representa extraordinária oportunidade de corroborar a teoria com a prática e quiçá contribuir para a ampliação da integração de conhecimentos num setor da organização empresarial em que o autor desempenha a função de líder.
A importância desse estudo se relaciona à estruturação de uma metodologia de geração, disseminação e retenção de conhecimento técnico específico, que contribuirá para a maximização do desempenho nas funções dos técnicos de serviços. Contribuirá também ao examinar as características do compartilhamento de conhecimentos e ao sugerir rituais de trocas de experiências entre os agentes técnicos. Contribuirá ao propor uma forma simples e eficiente de transformação de conhecimento tácito em explícito além de estabelecer uma rede formal de compartilhamento desse conhecimento utilizando os recursos tecnológicos já disponíveis na organização.
A ampla literatura existente sobre gestão do conhecimento aborda, essencialmente, o conhecimento organizacional no sentido mais amplo. Esse trabalho se justifica pela abordagem que fará a esse tema, porém no sentido micro, pontual, ou seja, o conhecimento que um profissional especializado utiliza ao instalar ou diagnosticar falhas em um equipamento industrial de alta concentração tecnológica nas instalações fabris do cliente. De certa forma, visto deste paradigma, esse conhecimento se faz notável e deixa pouco visível todo o conhecimento organizacional por traz do equipamento em questão para destacar o conhecimento pessoal do agente técnico, este sim, que na percepção do cliente poderá modificar a imagem que ele faz de seu fornecedor.
(...) os sábios de todos os tempos sempre dizem as mesmas coisas, e os tolos, ou seja, a grande maioria de todas as épocas fazem o contrário e é assim que tudo funciona.
Schopenhauer
Destaque-se antecipadamente que esse trabalho, embora referencie diversos autores, está fundamentado essencialmente na CRIAÇÃO DE CONHECIMENTO NA EMPRESA, uma obra prima de dois pesquisadores japoneses, Nonaka e Takeuchi (1995). Esse livro é um clássico e representa um marco no estudo do conhecimento. É referência para a maioria dos autores pesquisados.
No outono de 1976, Peter Ferdinand Drucker finalizou o prefácio de uma edição da seguinte forma: "(...) é aos administradores do Brasil de hoje e de amanhã que dedico esta nova edição de Prática da Administração de Empresas. Espero que os auxilie a enfrentar o grande desafio e a grande oportunidade que os aguarda" (DRUCKER, 1981, p. xi).
Passados trinta anos daquela afirmação, a sociedade como um todo se encontra mergulhada na verdadeira e definitiva era em que informação e conhecimento distinguem as organizações empresariais bem sucedidas daquelas que sobrevivem sem expansão. Por mais variadas e amplas, todas e quaisquer afirmativas que tenham como essência o conhecimento e a informação como principais ativos de uma empresa, estarão ao alcance do senso comum de administradores profissionais. Portanto, no desenvolvimento desse trabalho abster-se-á de repetir esse enfoque, por mais que se possa vislumbrá-lo de diferentes paradigmas e, tentar-se-á apresentar, eventualmente, novas nuances. Limitar-se-á à revisão da estrutura básica de sustentação já desenvolvida por grandes pensadores de forma a, no final, possibilitar o enfoque preciso pretendido e delineado na problemática e justificativa, deste trabalho.
A discussão, no presente trabalho, se inicia com a retomada dos aspectos gerais do vasto universo da aplicação do conhecimento no mais amplo contexto de uma organização empresarial genérica, o que será denominado, neste trabalho, como "macro conhecimento". Não se aprofundará discussões nesse sentido por não ser este o foco, porém, pretende-se criar uma base que propicie analisar, de forma mais cuidadosa e num contexto reduzido, o que será chamado de "micro conhecimento". Neste sentido serão examinadas as práticas de quem operacionaliza tarefas técnicas circunscritas no tempo e no espaço, independentemente, do macro conhecimento do qual se serve à empresa para manter-se no negócio. Considerar-se-á a crescente agressividade dos competidores, globalização e outras peculiaridades da economia, da política e da engenhosidade das organizações que criam diferenciais favoráveis e vantagens competitivas, porém, rapidamente superadas pela crescente dinâmica dos negócios.
O termo "conhecimento" é, provavelmente, tão antigo quanto à comunicação por meio de sons entre os humanos. Encerra uma imensa gama de discussões e, hoje, para Mendes (2005, p. 4):
[...] está estreitamente vinculado à competitividade, mas nem sempre foi assim. Só muito recentemente o conhecimento recebeu a alcunha de ativo intangível e, por conseqüência, trouxe uma valorização dos métodos de compartilhamento e gestão.
Acrescenta que as discussões filosóficas sempre mantiveram em pauta a questão da gênese do conhecimento desde os períodos pré-socráticos até os dias atuais.
Um dicionário oferece bom ponto de partida ao esclarecer significados do termo. Entre cerca de vinte abordagens, sob a rubrica da filosofia, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2002), o termo conhecimento significa:
(...) na tradição metafísica, esp. no platonismo, apreensão intelectual das essências eternas e imutáveis de todas as coisas, para além de suas aparências sensíveis", ou ainda: "na tradição influenciada pela ciência moderna, tal como o empirismo, criticismo ou positivismo, representação elaborada pela inteligência exclusivamente a partir de impressões sensíveis.
E, finalmente:
(...) procedimento compreensivo por meio do qual o pensamento captura representativamente um objeto qualquer, utilizando recursos investigativos dessemelhantes – intuição, contemplação, classificação, mensuração, analogia, experimentação, observação empírica etc. – que, variáveis historicamente, dependem dos paradigmas filosóficos e científicos que em cada caso lhes deram origem.
Com esta noção preliminar do que significa conhecimento, convém examinar o termo com maior abrangência, ainda sob a luz da filosofia, como se verá a seguir.
Para Nonaka e Takeuchi (1995, p. 24-25) esta é a pergunta cujo processo de busca de uma resposta tem caracterizado a história da filosofia desde o período grego. Conhecimento é a crença verdadeira justificada, concordam os filósofos apesar das diferenças entre racionalismo e empirismo. Esses autores dizem que essa definição de conhecimento, "no entanto, está longe de ser perfeita em termos lógicos". De fato, "nossa crença na verdade de uma coisa não constitui nosso verdadeiro conhecimento dessa coisa", asseguram eles, logo existe uma chance, ainda que pequena, de que nossa crença esteja errada. Para descobrir o conhecimento fundamental sem prova ou indício, sobre o qual seria possível assentar todo e qualquer conhecimento, os filósofos ocidentais buscaram, embora carregados de ceticismo, um método que os ajudasse a estabelecer a verdade indubitável do conhecimento (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 24).
Os autores continuam dizendo que segundo o racionalismo "o verdadeiro conhecimento não é produto da experiência sensorial, mas sim de um processo mental ideal". Assim, "existe um conhecimento a priori que não precisa ser justificado pela experiência sensorial". A matemática é um exemplo clássico da argumentação racional, segundo a qual se deduz a verdade absoluta baseada em axiomas. Por outro lado, o empirismo defende que não existe conhecimento a priori e, a única fonte de conhecimento é a experiência sensorial. O empirismo tem a ciência experimental como fato clássico representante dessa visão.
Racionalismo e empirismo diferem, portanto, radicalmente, quanto ao que constitui a verdadeira fonte de conhecimento. Diferem pelo método, através do qual se obtém o conhecimento. Enquanto o racionalismo alega que se pode obter o conhecimento por dedução recorrendo-se a construções mentais como conceitos, leis ou teorias, o empirismo argumenta que a partir de experiências sensórias específicas se obtém o conhecimento por indução (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 25).
Continuando com Nonaka e Takeuchi (1995, p. 25), a teoria de "idéia" como forma vista por meio do olho mental puro constituiu elaborada estrutura de pensamento sobre o conhecimento de uma perspectiva racionalista desenvolvida por Platão.
Quem, senão aquele que utilizando-se da razão em si mesma, por si mesma, emprega esta razão pura e absoluta na tentativa de buscar a essência pura e absoluta das coisas e que se afasta o máximo possível dos olhos e ouvidos, e em uma única palavra, de todo o seu corpo, porque acha que sua companhia perturba a alma e a impede de chegar à verdade e sabedoria? Não seria esse homem, Símias, a alcançar o conhecimento da realidade? (FOWLER, 1953, p. 229 apud NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 25)
Platão entende que "o mundo físico é mera sombra do mundo perfeito das ‘idéias’. Os seres humanos aspiram as ‘idéias’ eternas, imutáveis e perfeitas" que se pode conhecer somente através da razão pura (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 26).
Aristóteles discordou de Platão e argumentou que a conceitualização de "idéia" como "forma" ou de objeto supersensível estava errada. "(...) a coisa individual consiste em sua forma e objeto ou matéria, e o conhecimento das formas é sempre ocasionado pela percepção sensorial" (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 26).
Assim, da percepção sensorial surge o que chamamos de lembranças, e das lembranças da mesma coisa, repetidas com freqüência, desenvolvemos a experiência; pois diversas lembranças constituem uma única experiência. Da experiência novamente — ou seja, de sua totalidade universal, e hoje estabilizada dentro da alma, um ao lado dos muitos que constituem uma única identidade dentro de todos eles — origina-se a habilidade do artesão e o conhecimento do cientista, a habilidade na espera do que virá a ser a ciência do ser. Concluímos que essas etapas do conhecimento não são inatas de uma forma determinista nem se desenvolveram a partir de estados superiores do conhecimento, mas sim a partir da percepção sensorial. (MOSER; NAT, 1987, p. 59; JORDAN, 1987, p. 136, apud NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 25).
De acordo com Nonaka e Takeuchi (1995, p. 290), "(...) embora o argumento de Aristóteles seja empírico, ele é considerado uma autoridade em lógica e no pensamento racional". Esses autores observam ainda que "Moser e Nat (1987, p. 17) consideraram Aristóteles racionalista, enfatizando que só se pode adquirir o conhecimento sobre as ‘formas’ e suas relações através do pensamento racional".
Nonaka e Takeuchi (1995, p. 26) indicam que as visões platônica e aristotélica foram herdadas pelas duas principais correntes da epistemologia moderna representadas por filósofos intermediários. Quatro regras gerais para o pensamento racional foram propostas por René Descartes, um racionalista continental:
A primeira delas era não aceitar nada como sendo verdadeiro que eu não reconhecesse claramente como o sendo: ou seja, evitar cuidadosamente julgamentos precipitados e preconceituosos e aceitar neles nada além do que foi apresentado à minha mente de forma tão nítida que eu não pudesse ter chance de duvidar.
A segunda era dividir cada uma das dificuldades que examinava no maior número de partes possível, e conforme parecesse necessário, para que elas pudessem ser resolvidas da melhor forma possível.
A terceira era refletir nos momentos certos, começando com objetos mais simples e mais fáceis de entender, a fim de chegar pouco a pouco, ou por etapas, ao conhecimento domais complexo, presumindo uma ordem, mesmo que fictícia, para as questões que não seguem uma seqüência natural com relação umas ás outras.
A última era, em todos os casos, fazer enumerações tão completas e análises tão gerais que me permitissem ter certeza de não ter omitido nada. (HALDANE; ROSS, 1911, p. 92 apud NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 27).
Na tentativa de criar sua própria filosofia a partir do nada Descartes desenvolveu o método da dúvida. "O que posso manter como verdade acima de qualquer dúvida?" Ele concluiu que podia questionar todas as crenças, exceto a existência do questionador e que a verdade definitiva só poderia ser deduzida a partir da verdadeira existência de um "eu pensante". Ele pressupôs que o "eu pensante" é independente do corpo e da matéria, já que corpo e matéria possuem extensão ou existência que podemos ver e tocar, mas não pensa, a mente não tem extensão, mas pensa. Descartes argumentava que as qualidades da cera do mel, como o sabor, cheiro e tamanho aparentes aos sentidos, se alteram quando aproximados do fogo, portanto, a cera em si, não pode ser perceptível aos sentidos. Assim, só a mente e não os sentidos pode obter o verdadeiro conhecimento quanto às coisas externas (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 27).
John Locke, fundador do empirismo criticou Descartes ao afirmar que as coisas que existem no mundo real são objetivas na natureza. Uma folha de papel em branco, sem nenhuma idéia ou pensamento se assemelha à mente humana, comparou Locke. Portanto, o argumento racionalista de que a mente humana já vem equipada com idéias ou conceitos inatos foi rejeitado. Só experiências podem proporcionar idéias à mente e existem dois tipos de experiência: sensação e reflexão. Sensação, para Locke, dizia respeito à percepção sensorial, que constitui "a grande origem da maior parte das nossas idéias" e reflexão "à percepção da operação de nossa própria mente dentro de nós", que é "a outra origem a partir da qual a experiência supre de idéias a compreensão" (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 27).
Numa tentativa de síntese, segundo Nonaka e Takeuchi (1995, p. 28), Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII, reuniu essas duas correntes do racionalismo e do empirismo concordando que a experiência é a base do conhecimento, mas não aceitou o argumento empirista de que a experiência seria a única fonte do conhecimento. Embora todo o conhecimento humano comece com a experiência, isso não quer dizer que todo o conhecimento surja da experiência e o conhecimento só surge quando o pensamento lógico do racionalismo e a experiência sensorial do empirismo trabalham juntos. Kant não tratava a mente humana como folha de papel em branco passiva, mas sim como um mecanismo ativo que ordena as experiências sensoriais no tempo e no espaço e produz conceitos como ferramentas para sua compreensão (RUSSEL, 1961, p. 680 apud NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 28).
Embora Kant estivesse mais próximo do racionalismo do que do empirismo ele acreditava que só se podia conhecer o "fenômeno" ou nossa percepção sensorial do "objeto transcendental" ou "coisa em si" que transcende a experiência.
Nonaka e Takeuchi (1995, p. 28) continuam indicando que George W. F. Hegel rejeitou o conceito da "coisa em si" da filosofia kantiana ao argumentar que tanto a mente quanto a matéria derivam do "Espírito Absoluto". Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, a dialética é a criação de uma síntese por meio da conciliação da tese com a antítese ou da rejeição do que não é racional e manutenção do que é racional. Para Hegel, o conhecimento começa com a percepção sensorial, que se torna mais subjetiva e mais racional através da purificação dialética dos sentidos; por fim, chega ao estágio do autoconhecimento do "Espírito Absoluto" (RUSSEL, 1961, p. 704 apud NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 28).
A autoconsciência do "espírito Absoluto" é a forma mais elevada de conhecimento. Nesse sentido, se aproxima mais do racionalismo do que do empirismo. Com esse idealismo absoluto, ele tentou superar o dualismo cartesiano entre sujeito e objeto.
Continuando com os autores, outra tentativa de síntese entre racionalismo e empirismo foi tentada por Karl Heinrich Marx, outro filósofo e cientista social alemão ao integrar a dinâmica dialética de Hegel com as ciências sociais emergentes na época. A filosofia idealista e abstrata de Hegel foi rejeitada porque para Marx ela não conseguia explicar o relacionamento dinâmico e interativo entre o homem e seu ambiente. Marx entendia a percepção como uma interação entre o conhecedor (sujeito) e o conhecido (objeto). Tanto o sujeito quanto o objeto estão em um processo contínuo de adaptação mútua na busca do conhecimento, pois ao se tornar conhecido, o objeto é transformado. Quanto ao sujeito, o que os empiristas conceberam como "sensação" poderia ser melhor chamado de "observação", de modo a implicar atividade. Observam-se as coisas no processo de agir sobre elas e assim obtém-se o conhecimento por meio da manipulação das coisas ou "ação" e sua verdade deve ser demonstrada na prática (RUSSEL, 1961, p. 749 - 750 apud NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 28 - 29).
A tradição filosófica norte-americana enfatiza também o relacionamento entre conhecimento e ação. Se uma idéia funciona, é verdadeira desde que faça diferença para a vida em termos de valor real, argumentou William James. John Dewey aperfeiçoou esse ponto de vista pragmático ao opor a teoria do conhecimento que separa "teoria e prática, conhecimento e ação". Ele argumentou que "as idéias não tem valor exceto quando passam para as ações que rearrumam e reconstroem de alguma forma, em menor ou maior medida, o mundo no qual vivemos". Assim, o pragmatismo tentou desenvolver um relacionamento interativo entre os seres humanos e o mundo através da ação humana, do experimento e da experiência (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 31).
Ainda sem poder se afastar da filosofia, baseando-se em discursos de Platão em Ménon, Pédon e Teeteto. Nonaka e Takeuchi (1995, p. 24) indicam que "apesar das diferenças fundamentais entre o racionalismo e o empirismo, os filósofos ocidentais em geral concordam que o conhecimento é a ‘crença verdadeira justificada’ ". Mais adiante os autores reforçam a idéia de que "o conhecimento, ao contrário da informação, diz respeito a crenças e compromissos", é específico ao contexto o que o torna, portanto, "função de uma atitude, perspectiva ou intenção específica", e que o relaciona à ação e diz respeito ao significado.
Definição análoga é apresentada com outras palavras por Dijk (1998, p. 109) apud Rodrigues (2001, p.89) como "uma das definições mais tradicionais do conhecimento", identificada como "verdade e fé justificadas", que significa, segundo a autora, "(...) que o conhecimento tem que ser justificado em termos de um critério de verdade socialmente aceito. Com a avaliação formal de fatos e eventos ou apresentação de dados".
Outra abordagem é apresentada por Cruz (2002) apud Kukla e Kruglianskas (2003, p.149) que conceitua o conhecimento como: "O entendimento obtido por meio da inferência realizada no contato com dados e informações que traduzam a essência de qualquer elemento".
Fleury e Oliveira Jr. (2001, p. 14-18) asseguram que "conhecimento é fruto de um processo de aprendizagem"; a seguir apontam que "o conhecimento pode ser entendido como informação associada à experiência, intuição e valores" e o correlacionam ao conceito "competências essenciais". Afirmam os autores:
Quando esse conhecimento existente na empresa não pertence a apenas um individuo e sim a um grupo de indivíduos, e também não está explicitado, ou seja, é tácito porque está na cabeça das pessoas na organização e não em uma norma escrita, por exemplo, ele é a base das competências essenciais da empresa (Fleury e Oliveira Jr. (2001, p. 14-18).
Com essa aproximação do conhecimento no âmbito organizacional, pode-se examinar as duas principais categorias do conhecimento, conforme descritos a seguir.
Na vasta literatura freqüentemente depara-se com a distinção entre conhecimento tácito e conhecimento explícito, provavelmente devido à abrangência de peculiaridades relativas a cada um desses tipos. Embora a grande maioria referencie a obra de Nonaka e Takeuchi (1995) esses autores, no entanto, se basearam, quanto à dimensão epistemológica do conhecimento, em Michael Polanyi (1966). Afirmam eles:
Polanyi observa que os seres humanos adquirem conhecimentos criando e organizando ativamente suas próprias experiências. Assim, o conhecimento que pode ser expresso em palavras e números representa apenas a ponta do iceberg do conjunto de conhecimentos como um todo. Como diz Polanyi (1996), "Podemos saber mais do que podemos dizer" (NONAKA; TAKEUCHI, 1995, p. 65).
A afirmativa de Polanyi apud Terra (2001, p. 69) indica que "muito do que sabemos não pode ser verbalizado ou escrito em palavras". Polanyi apud Nonaka e Takeuchi (1995, p. 65) relaciona o conhecimento tácito e sua importância na cognição humana "ao argumento central da psicologia Gestalt que afirma ser a percepção determinada em termos da forma na qual é integrada no padrão geral ou gestalt". Terra (2001, p. 69) acrescenta que gestalt seria o resultado de um amplo esforço pessoal envolvendo o corpo e todos os sentidos na busca do conhecimento o que significa envolvimento e compromisso.
Já Nonaka e Takeuchi (1995, p. 7) definem o conhecimento tácito como sendo "altamente pessoal e difícil de formalizar, o que dificulta sua transmissão e compartilhamento com outros". Assim, as ações, experiências, valores, emoções ou ideais de um indivíduo é que sustentam o seu conhecimento tácito. As conclusões, "insights", e palpites subjetivos fazem parte dessa categoria de conhecimentos. E, continuando nessa linha de raciocínio, esses autores destacam:
Para ser mais preciso, o conhecimento tácito pode ser segmentado em duas dimensões. A primeira é a dimensão técnica, que abrange um tipo de capacidade informal e difícil de definir ou habilidades capturadas no termo "know how". Um artesão, por exemplo, desenvolve uma riqueza de habilidades, suas "mãos maravilhosas" depois de anos de experiência. Mas freqüentemente, é incapaz de articular os princípios técnicos ou científicos subjacentes ao que sabe. Ao mesmo tempo, o conhecimento tácito contém uma importante dimensão cognitiva. Consiste em esquemas, modelos mentais, crenças e percepção tão arraigadas que os tomamos como certos. A dimensão cognitiva do conhecimento tácito reflete nossa imagem da realidade (o que é) e nossa visão do futuro (o que deveria ser). Apesar de não poderem ser articulados muito facilmente, esses modelos implícitos moldam a forma com que percebemos o mundo à nossa volta. (Nonaka e Takeuchi, 1995, p. 7).
Esse conhecimento inconsciente guarda estreita relação com a solução e identificação de problemas, bem como predição e antecipação, que podem ser vistos como pilares da inovação.
No pilar solução de problemas o conhecimento tácito está associado a intuição, segundo a qual se toma decisões pouco explicáveis. Acrescente-se que o que no cotidiano é referenciado como "feeling" ou sentimento que estaria relacionado ao conhecimento tácito. A sensação de desconforto expressa por algumas pessoas em face de uma situação se associa ao pilar identificação de problemas enquanto a "predição e antecipação seriam os resultados dos períodos de preparação e incubação característicos dos processos criativos, ou seja, os ‘insights’ criativos" (TERRA, 2001, p. 69-70).
Percebe-se que essa modalidade de conhecimento é de capital importância para as organizações e embora faça sentido, não raro alguns gerentes se deparam com dificuldades ao abordar o conceito de conhecimento tácito no nível prático possivelmente porque este conhecimento não pode ser diretamente beneficiado pela tecnologia da informação, como será visto adiante.
Krogh, Ichijo , Nonaka (2001, p.15) enfatizam:
Admitir o valor do conhecimento tácito ou descobrir como utilizá-lo é o principal desafio da empresa criadora de conhecimento, exigindo amplas conversas e bons relacionamentos pessoais — ou seja, a capacitação para o conhecimento.
Os autores citados acima reconhecem a relevância do conhecimento tácito e inserem uma idéia que segundo a qual há imprescindíveis pré-requisitos para o respectivo desenvolvimento.
Terra sublinha que a principal vantagem competitiva das organizações:
[...] baseia-se no capital humano ou ainda no conhecimento tácito que seus funcionários possuem. Este é difícil de ser imitado, copiado e "reengenheirado". É ao mesmo tempo individual e coletivo, leva tempo para ser construído e é de certa forma invisível, pois reside na "cabeça das pessoas" (TERRA 2001, p. 214).
Portanto, mapear, facilitar e estimular sua explicitação, como atrair, selecionar e reter pessoas com esse conhecimento, constitui alguns dos imensos desafios para os administradores nessa era que vem sendo denominada como "era do conhecimento".
Visto como formal e sistemático, o conhecimento explícito pode ser transferido e distribuído entre pessoas e áreas numa organização. É expresso em palavras e números, codificado e armazenado em diferentes mídias, sob a forma de manuais, regras, normas, desenhos e tabelas. Arquivos de vídeo e áudio, embora carregados da dimensão tácita do conhecimento, representam também o conhecimento explícito.
Nonaka e Takeuchi (1995, p. 7) destacam que esse conhecimento "é visto como sinônimo de um código de computador, uma fórmula química ou um conjunto de regras gerais". Por suas características gerais essa categoria de conhecimento cresce continuamente pelos benefícios da tecnologia da informação, por exemplo, ao ser retido na organização após o afastamento de um dos seus agentes. Constitui assim, analogamente ao conhecimento tácito, patrimônio de alto valor, embora não facilmente mensurável.
Da interação entre conhecimentos tácito e explícito surgem quatro modos específicos de conversão do conhecimento que constituem o que Nonaka e Takeuchi (1995, p. 62) chamaram de "espiral do conhecimento" que será abordado num tópico específico .
De quem seria a responsabilidade pela criação do conhecimento? Nonaka e Takeuchi (1995, p. 15) debatem que a criação do conhecimento não é responsabilidade exclusiva de um grupo de especialistas ou departamento. Funcionários da linha de frente, gerentes de nível médio e gerentes seniores, cada qual tem que fazer a sua parte o que deve resultar num amplo processo de interação dinâmica entre ambos. Portanto, para a criação do conhecimento não há diferenciação entre os papeis; esta seria uma das principais peculiaridades das empresas japonesas.
Para esses autores "os funcionários da linha de frente estão diariamente imersos nos detalhes de determinada tecnologia, produtos ou mercados específicos". Logo, boa parte do conhecimento necessário à concepção ou melhoria de produtos já existentes, ou para novas abordagens mercadológicas podem advir desses funcionários, o que os torna agentes na criação do conhecimento.
Portanto, "faz sentido dar-lhes liberdade, pois não há maior especialista na realidade dos negócios de uma empresa do que eles". Mas apesar disso, por conta das limitadas perspectivas desses funcionários, pode ser-lhes difícil comunicar a importância das informações nos diferentes contextos. Aparece aqui relevante função dos gerentes como agentes na criação do conhecimento. Cabe a eles "prover os funcionários de uma estrutura conceitual que os ajude a dar sentido à própria experiência". Nonaka e Takeuchi (1995, p. 16).
Nonaka e Takeuchi (1995, p. 16) indicam que a gerência intermediária desempenha papel fundamental na criação do conhecimento ao resumirem o conhecimento tácito tanto dos funcionários da linha de frente quanto dos executivos seniores tornando-o explícito e incorporando aos novos, processos, tecnologias e produtos. Assim esses gerentes atuam como elos entre as idéias visionárias da alta gerência e a realidade dos funcionários da linha de frente.
Numa visão da empresa baseada no conhecimento, "empresas são comunidades sociais cujo principal papel é administrar seu conhecimento de forma mais eficiente que seus competidores". Essa abordagem — continua o autor — "apresenta o conhecimento da empresa como seu ativo mais relevante estrategicamente". (OLIVEIRA JR, 2001, p. 121-131).
Há uma corrente de autores que aponta o conhecimento como atributo exclusivo das pessoas a elas inerente, portanto, pertencente às pessoas. A empresa, enquanto instituição jurídica e social é tratada aqui como órgão capaz de "dar vida" às idéias das pessoas que a compõe por meio de seus ativos.
A empresa transforma essas idéias em produtos e serviços úteis à sociedade, além de financiar a geração de informações que poderão se desdobrar em conhecimento realimentando a perenidade da organização. Assim vista, parece apropriado designar a empresa como agente de criação do conhecimento, na medida em que sem ela, o conhecimento das pessoas não se transforma em utilidades desejáveis a quem quer que seja.
Essa observação é congruente com o que Kogut e Zander (1993, p. 627) apud Oliveira Jr. (2001, p. 131) apontam:
(...) empresas são meios eficientes pelos quais o conhecimento é criado e transferido". Oliveira Jr. conclui que "cabe à organização, portanto, atuar como agente organizador do conhecimento existente, tornando-o aplicável e gerando novo conhecimento, desempenhando essa tarefa de forma superior à da concorrência.
Uma das grandes tarefas e desafios da administração nos dias atuais se relaciona aos "trabalhadores do conhecimento". Esse termo foi conceitualmente desenvolvido por Peter Drucker na década de 80 e desde então tem sido tema abordado por autores de diversas correntes de pensamento.
A administração a partir do trabalho de Taylor — talvez o primeiro grande trabalhador do conhecimento — multiplicou por 50 a produtividade do trabalhador manual, e, sua maior contribuição no século XXI será, analogamente, "elevar a produtividade do trabalho e do trabalhador do conhecimento" (DRUCKER, 2001, p. 111).
Esse mesmo autor observa que "os ativos mais valiosos de uma empresa do século XX eram seus equipamentos de produção. Os mais valiosos ativos de uma instituição do século XXI, seja empresa ou não, serão seus trabalhadores do conhecimento e sua produtividade". Em sua última entrevista no final de 2005 Drucker enfatizou que:
[...] são as pessoas que realizam o trabalho. Não é o dinheiro, não é a tecnologia. Portanto, a principal tarefa do executivo — ou, eu diria seu principal desafio — é tornar as pessoas produtivas. Isso vai ser um desafio ainda maior com o passar do tempo, pois os trabalhadores do conhecimento não se vêem como empregados, e sim como parceiros das empresas. (DRUKER, 2006, p. 21).
Para Drucker, os trabalhadores do conhecimento são, essencialmente, os tecnólogos como: os fisioterapeutas, tecnólogos de fábrica, tecnólogos de escritórios, de informática, tecnólogos médicos. "Essa é a força de trabalho que mais cresce", assegura Drucker.
Zabot e Silva (2002, p. 75-76) apontam que, embora "ainda seja relativamente complicado entender como o conhecimento modifica a economia e os indivíduos", ao longo da história o conhecimento sempre teve papel de fundamental importância para quem o detinha. Isso é reconhecido hoje quando indivíduos e empresas vivenciam uma revolução econômica emergente da era da informação. Acrescentam que "um dos aspectos mais dramáticos da transformação da economia industrial para a economia de conhecimento é a velocidade com que as mudanças ocorrem".
Stewart (1998, p. 5) apud (ZABOT; SILVA, 2002, p. 75) afirma que "o conhecimento tornou-se um recurso econômico proeminente, mais importante muitas vezes que o dinheiro". Para Terra (2001, p.20), o conhecimento, embora indiscutivelmente represente um poderoso ativo das organizações, e por isso mesmo buscado com intensidade, não é tão facilmente compreendido, classificado e medido. "Trata-se de um recurso invisível, intangível e difícil de imitar". O autor indica que:
Uma de suas características mais fundamentais, porém, é o fato de esse recurso ser altamente reutilizável, ou seja, quanto mais utilizado e difundido, maior o seu valor. O efeito depreciação funciona, portanto, de maneira oposta: a depreciação se acelera se o conhecimento não é aplicado. De fato, pode-se dizer que se não se está adquirindo conhecimento, é bem provável que se esteja perdendo conhecimento (TERRA, 2001, p. 20).
Sveiby (1998, p. 27) apud (ZABOT; SILVA, 2001, p. 76) concorda com Terra ao dizer que "também ao contrário do petróleo e do ferro, o conhecimento e a informação crescem quando são compartilhados; uma idéia ou habilidade compartilhada com alguém não se perde, dobra. Uma economia baseada no conhecimento e na informação possui recursos ilimitados". Zabot e Silva concluem que: "informação e conhecimento não são produtos intrinsecamente escassos. Eles podem ser produzidos pela mente humana a partir do nada".
Segundo Drucker (2001, p. 116) "o trabalho na produtividade do trabalhador do conhecimento mal começou"; para ele o ano 2000 estava para a produtividade do trabalhador do conhecimento assim como a ano de 1900 estava para o trabalhador manual. O autor acrescenta que já se sabe infinitamente mais a respeito da produtividade do trabalhador do conhecimento do que se sabia da produtividade do trabalhador manual.
Drucker (2001, p. 116) descreve os imensos desafios cujas respostas ainda são desconhecidas e em cujas buscas é preciso trabalhar, apresenta fatores importantes que determinam a produtividade do trabalhador do conhecimento, da seguinte forma:
(1) A produtividade do trabalhador do conhecimento requer que se faça a pergunta: "Qual é a tarefa?".
(2) Ela exige que se coloque a responsabilidade pela produtividade nos próprios trabalhadores do conhecimento. Eles precisam gerenciar a si mesmos.
(3) A inovação continuada tem de fazer parte do trabalho, da tarefa e da responsabilidade dos trabalhadores do conhecimento.
(4) O trabalho do conhecimento requer aprendizado contínuo por parte do trabalhador, mas também ensino contínuo.
(5) A produtividade do trabalhador do conhecimento não é — ao menos principalmente — uma questão de quantidade produzida. A qualidade é no mínimo igualmente importante.
(6) Finalmente, a produtividade do trabalhador do conhecimento requer que ele seja visto e tratado como um "ativo", e não como "custo", e que os trabalhadores do conhecimento queiram trabalhar para a empresa.
Drucker conclui: "cada um desses requisitos — com exceção talvez do último — é quase o oposto daquilo que é necessário para se elevar a produtividade do trabalhador manual" (2001, p. 116).
Embora seja, provavelmente, apenas por uma questão semântica, observa-se certa discordância entre alguns autores quanto à abrangência do termo "gestão do conhecimento". Gestão é sinônimo de administração, direção e, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001) significa, no sentido figurado de direção, "conjunto de esforços com o objetivo de formação, orientação (de educandos)", e assim sendo, o termo parece apropriadamente aplicado.
Contudo, enfatiza Krogh, Ichijo e Nonaka (2001, p. 6), "o termo gestão implica controle de processos que talvez sejam intrinsecamente incontroláveis ou, pelo menos, que talvez sejam sufocados por um gerenciamento mais intenso". Esses autores asseguram que estão "absolutamente convencidos de que não se gerencia o conhecimento, apenas capacita-se para o conhecimento". Sob suas perspectivas "os gerentes devem promover a criação do conhecimento, em vez de controlá-la". Essa abordagem está em conformidade com o que pensa outros autores.
O senso comum aponta para gestão do conhecimento como uma coleção de processos que governa a criação, a disseminação e a utilização do conhecimento para atingir plenamente os objetivos da organização ou do próprio indivíduo. Fleury e Oliveira Jr. (2001, p. 19) entendem por gestão estratégica do conhecimento:
A tarefa de identificar, desenvolver, disseminar e atualizar o conhecimento estrategicamente relevante para a empresa, seja por meio de processos internos, seja por meio de processos externos às empresas. (...) deve servir como uma linha-mestra norteadora das ações estratégicas das empresas que se pretendem manter competitivas na "economia do conhecimento".
Para consolidar a opinião de Fleury e Oliveira Jr., Cruz (2002) apud Kukla e Kruglianskas (2003, p. 149), refere-se à gestão do conhecimento como "um conjunto formado por metodologias e tecnologias que têm por finalidade criar condições para identificar, integrar, capturar, recuperar e compartilhar conhecimento existente em qualquer tipo de organização".
Conclui-se, portanto, que a gestão do conhecimento está ligada à capacidade de uma organização de utilizar e combinar as diversas fontes de conhecimento para, em síntese, se manter competitiva, passando obrigatoriamente pela compreensão das características e demandas do ambiente; ambiente este que se apresenta cada vez mais dinâmico exigindo a reinvenção das vantagens competitivas (TERRA, 2001, p. 214).
A gestão do conhecimento no ambiente das organizações conforme abordagem de Terra (2001, p. 213-215), implica em práticas gerenciais que envolvem coordenação de esforços nos planos organizacionais e individuais além de estratégicos e operacionais e as normas formais e informais. Segundo o autor, essa abordagem se associa às práticas gerenciais voltadas para as conversões de conhecimento conforme proposto por Nonaka e Takeuchi em 1995. O autor prossegue indicando que entre os focos da gestão do conhecimento destacam-se os seguintes:
Aprendizado individual e organizacional;
Relações entre pessoas, diferentes áreas da empresa, diferentes empresas e o ambiente;
Desenvolvimento de competências individuais e organizacionais;
Mapeamento, codificação e compartilhamento do conhecimento organizacional;
Conectividade entre as pessoas;
Alavancagem dos avanços em informática e em telecomunicações;
Mensuração do capital intelectual da organização.
É imprescindível compreender as características do ambiente competitivo, sobretudo nessa época em que as organizações vivem cada vez mais intensamente a dinâmica empresarial na qual "setores de baixa intensidade em tecnologia e conhecimento perdem, inexoravelmente, participação econômica". O desafio de produzir mais e melhor tem sido suplantado por outro desafio ainda maior, ou seja, "criar novos produtos, serviços, processos e sistemas gerenciais". E ainda, continua o autor, "a velocidade das transformações e a complexidade crescente dos desafios não permitem mais concentrar esses esforços em alguns poucos indivíduos ou áreas das organizações". (TERRA, 1999 apud TERRA 2001, p. 214).
Figura 1: Modelo conceitual sobre gestão de conhecimento
Fonte: TERRA (2001, p. 215).
Para Terra (2001, p. 216) as sete dimensões da prática gerencial exibidas na figura acima permitem entender a gestão do conhecimento, a saber:
1 - A alta administração desempenha papel fundamental ao definir os campos de conhecimento nos quais seus funcionários devem concentrar esforços de aprendizado, além de manter clara a estratégia empresarial e de definir "metas desafiadoras e motivantes" (NONAKA; TAKEUCHI, 1995 apud TERRA, 2001, p. 216);
2 - A cultura organizacional centrada em inovar, experimentar, aprender continuamente, comprometimento com resultados de longo prazo, e "otimização de todas as áreas da empresa deve ser uma das preocupações fundamentais da alta administração". (HAMEL; PRAHALAD, 1994; MINTZBERG, 1998 apud TERRA, 2001, P. 216);
3 - Estruturas organizacionais baseadas no trabalho de equipes multidisciplinares com alto grau de autonomia são adotadas "para superar os limites à inovação, ao aprendizado e à geração de novos conhecimentos, impostos pelas tradicionais estruturas hieráquico-burocráticas" (BIAZZI, 1994 apud TERRA, 2001, p. 216);
4 - A gestão de pessoas voltada à aquisição de conhecimentos, geração, difusão e armazenamento dos conhecimentos da empresa, particularmente as seguintes iniciativas:
Melhorar a capacidade das organizações de atrair e de manter pessoas com habilidades, comportamentos e competências que adicionam valor a seus estoques e a seus fluxos de conhecimento. Isso ocorre no momento em que as empresas adotam processos seletivos altamente rigorosos — Seleção de pessoal é considerada a área na qual ocorreram as principais mudanças nos processos de RH no Brasil nos últimos anos (Fischer, 1999) — e que buscam aumentar a diversidade de "backgrounds" nas contratações (LEONARD-BARTON, 1995; DE MASI, 1999 apud TERRA, 2001, p. 217);
Estimular comportamentos alinhados com os requisitos dos processos individual e coletivo de aprendizado, assim como aqueles que resguardem os interesses estratégicos e de longo prazo da empresa no que tange ao fortalecimento de suas "core competencies". Nesse sentido, são destacados planos de carreira e treinamentos que ampliam as experiências, assim como contatos e interações com outras pessoas de dentro e fora da organização (TERRA, 2001, p. 217);
Adotar esquemas de remuneração, cada vez mais, associados à aquisição de competências individuais, ao desempenho da equipe e de toda a empresa no curto e no longo prazo (TERRA, 2001, p. 217).
5 - inúmeras possibilidades têm surgido graças aos avanços na informática e tecnologias de comunicação embora ainda sejam essenciais o papel do contato pessoal e do conhecimento tácito bem como um ambiente de elevada confiança, transparência e colaboração. Os processos de geração, difusão e armazenamento de conhecimentos, embora dependentes de entradas individuais, são altamente beneficiados pelos sistemas de informação (TERRA, 2001, p. 217);
6 - "esforços recentes de mensuração de resultados sob várias perspectivas e em sua comunicação por toda a organização". Autores e empresas têm envidado esforços para avaliar várias dimensões da capital intelectual. (EDVINSON; MALONE, 1997; SVEIBY, 1997 apud TERRA, 2001, p. 217);
7 - o estreitamento das relações com os clientes que propicia uma aprendizagem com o ambiente num amplo engajamento e ainda por meio de alianças com outras empresas (KANTER, 1996 apud TERRA, 2001, p. 217);
A mola propulsora da geração de conhecimentos e da geração de valor nas empresas é composta pelo capital humano que é "formado pelos valores e normas individuais e organizacionais bem como pelas competências, habilidades e atitudes de cada funcionário". Portanto, é necessário "reconhecer a necessidade de se fomentar valores apropriados à inovação e ao compartilhamento de conhecimentos e estimular a motivação intrínseca, o estabelecimento de contatos pessoais e abertura para a efetiva comunicação" (TERRA, 2001, p. 218).
"A idéia de gerenciar o conhecimento está ultrapassada. A ordem agora é nutrir culturas de conhecimento", afirma Karl Albrecht (2004, p. 30). Acrescenta ele: "Por sorte, a onda inicial de gestão do conhecimento (KM, na sigla em Inglês, de "knowledge management") perdeu o fôlego rapidamente, à medida que as abordagens tecnomíopes fracassaram repetidas vezes".
Por algum tempo a gestão do conhecimento foi entendida, essencialmente, como maciços investimentos em infra-estrutura de tecnologia da informação, poderosos computadores, redes, etc. Nesse sentido, as abordagens inadequadas apontadas por Albrecht (2004, p. 31) ratificam as afirmações de Terra (2001, p. 237) e destacam que "o uso dessas tecnologias, no entanto, embora necessário, está longe de ser suficiente. A gestão do conhecimento focada prioritariamente nos investimentos em infra-estrutura tende a resultar em fracassos". Para Albrecht (2004, p. 31) "gestão pressupõe impor algum tipo de ordem sobre o conhecimento, exatamente o que não se deve fazer. O que as empresas devem fazer é gerenciar as circunstâncias em que o conhecimento pode prosperar, ou seja, gerenciar as culturas de conhecimento".
Surge concordância ao se confrontar a opinião de Albrecht (2004, p. 32) com o que dizem Krogh, Ichijo e Nonaka (2001, p. 6) ao afirmarem que "o termo gestão implica controle de processos, que talvez sejam intrinsecamente incontroláveis ou, pelo menos, que talvez sejam sufocados por um gerenciamento mais intenso". Sob a perspectiva desses autores "os gerentes devem promover a criação de conhecimento, em vez de controlá-la, e os aspectos específicos sobre por que e como fazê-lo chamam de ‘capacitação para o conhecimento’" que será visto em tópico específico.
Consoante ao que afirmam os autores acima, Terra (2001, p. 239) diz que:
[...] a efetiva gestão do conhecimento requer a criação de novos modelos organizacionais (estruturas, processos, sistemas gerenciais), novas posições quanto ao papel da capacidade intelectual de cada funcionário e uma efetiva liderança, disposta a enfrentar, ativamente, as barreiras existentes ao processo de transformação.
Para Albrecht (2004, p. 30), um dos grandes desafios da atualidade se relaciona à necessidade de atrair e reter pessoal de grande capacidade intelectual, pois "o sucesso na maioria das organizações depende da capacidade intelectual de um número relativamente pequeno e altamente preparado de trabalhadores do conhecimento". Destes trabalhadores é que dependerá o planejamento, a gestão, análise, decisão, inovação e a liderança.
O conceito de "trabalhadores do conhecimento", originalmente desenvolvido por Peter Drucker ganha, na visão de Albrecht (2004, p. 31), maior abrangência. Diz ele que "quem lida com dados e informações como matéria-prima sem agregar valor significativo por seus próprios processos mentais, não é um trabalhador do conhecimento no sentido emergente do termo". Para esse autor dados são a matéria-prima da qual o conhecimento emerge, portanto, há grande diferença entre ambos. Ele raciocina "a partir de uma pirâmide, ou hierarquia de conhecimentos, que ascende a níveis de valor agregado progressivamente mais altos". Assim, segundo Albrecht (2004, p. 30-34) os níveis de valor agregado são:
Nível 1 — Dados: a matéria prima essencial; quase uma substância física a ser armazenada, movimentada e manipulada;
Nível 2 — Informações: uma associação de elementos de dados que adquire significado em algum contexto particular. As informações dizem algo.
Nível 3 — Conhecimento: a conseqüência mental de angariar informações. O conhecimento só existe no cérebro humano, e todos os conhecimentos são peculiares aos cérebros que os contém;
Nível 4 — Sabedoria: Conhecimento de ordem mais alta; capacidade de ir além dos conhecimentos disponíveis e chegar a novas descobertas com base no aprendizado e na experiência’.
De acordo com Albrecht, em geral, as pessoas do nível 4 são mais bem recompensadas que as do nível 3. Estas por sua vez também são mais reconhecidas que as do nível 2 e essas inevitavelmente são mais bem pagas que aquelas que lidam com dados. "Sabedoria e conhecimento continuarão a ser escassos no futuro próximo", assegura Albrecht. Assim, "cada vez mais o trabalhador do conhecimento estará no centro da atenção da empresa (TAYLOR apud ALBRECHT, 2004, p.30)".
Figueiredo (2005, p. 6-7) apresenta uma lista de doze itens que representam uma síntese da gestão do conhecimento e que coaduna com a maioria dos autores já citados. Para ele "nem a gestão do conhecimento nem o próprio programa terão êxitos, se não existir uma vontade e razão pessoal dos líderes da empresa, se não for adequadamente compreendida pelos colaboradores e se não for incorporada genuinamente por todos na empresa". Para esse autor "um bom programa de gestão do conhecimento, num primeiro instante, deve:"
Considerar as pessoas e a cultura organizacional;
Atender os objetivos estratégicos de negócios da empresa;
Focar-se nos "stakeholders", no trabalho, no mercado e suas forças;
Construir uma cultura do conhecimento favorável e em torno da aprendizagem contínua;
Considerar que as pessoas representam o maior patrimônio do conhecimento e, portanto, constituem o ponto central mais importante em qualquer iniciativa;
Facilitar a criação, uso, transferência e alavancagem do conhecimento tácito entre as pessoas;
Considerar a importância da tecnologia na medida certa. É importante reconhecer o quanto o sucesso depende da criação de uma infra-estrutura de tecnologia da informação que apóie e facilite as práticas de festão do conhecimento;
Dedicar-se ao cultivo do conhecimento;
Considerar os fluxos de conhecimento na empresa e a relação deles com os processos e vice-versa;
Valorizar o contato entre as pessoas como potencial de aprendizagem, criação, transferência e uso de conhecimentos (socialização / personalização);
Reconhecer o valor da experiência;
Promover o "just in time learning".
Terra (2001, p. 238) apresenta forte ênfase na cultura organizacional tendo as pessoas como chave e corrobora a relevância dada por Figueiredo ao destacar a questão. Para Terra:
[...]sem um ambiente que torne o aprendizado, a colaboração e o compartilhamento de conhecimentos (tácitos ou explícitos) parte do dia-a-dia de todos os funcionários, as estratégias corporativas e os investimentos em infra-estrutura dificilmente atingirão seus objetivos relacionados ao desenvolvimento e alavancagem de vários níveis e formas de conhecimento.
Assim, a cultura de conhecimento, muito mais que tecnologia da informação, depende fundamentalmente das pessoas.
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