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2.1 Geração de resíduos e metabolismo
A geração de resíduos pode ser tratada sob dois aspectos. Primeiro como um importante produto final do metabolismo humano, em função de sua natureza biológica, movida por necessidades primárias como a alimentação. Em segundo lugar, pelo metabolismo social e urbano que caracteriza o homem como ser social e econômico, impulsionado por motivações culturais, como no seu limite, o consumismo (BÉRRIOS, 1999).
O metabolismo social, repleto de significados subjetivos, pode valorizar ainda mais o conceito de material reciclável que procuramos. Nos dias de hoje, as necessidades primárias - motor do metabolismo biológico - estão cada vez mais subordinadas às necessidades secundárias, como um elemento contido no metabolismo social.
A atual forma de organização das sociedades em grandes aglomerações faz aflorar necessidades que estão diretamente ligadas à vida urbana e que raramente são satisfeitas, tais como a necessidade de saneamento e de habitat adaptado à vida urbana. Pelo fato de essas necessidades objetivas resultarem da acumulação de população sobre espaços restritos e/ou disputados, somam-se necessidades secundárias que resultam, em última análise, das modernizações (LACOSTE, 1985).
Por isso, optamos pela generalização do termo metabolismo urbano como uma síntese desta relação entre oferta de espaço e serviços e demanda de necessidades e bem-estar (WOLMAN, 1972).
Ademais, preferimos utilizar a expressão metabolismo urbano por entender a sociedade como um organismo; um organismo que se apropria de ambientes. Nesses ambientes é onde se processam o dia-a-dia dos homens em suas funções biológicas, assim como as multivariadas funções de trabalho, circulação, consumo e, também, as práticas sociais e culturais (AB’SABER, 1995).
De qualquer forma, ambos os tipos de metabolismo geram um produto final, um excremento ou uma matéria residual proveniente de diversos processos de apropriação e reprodução da natureza. No caso do metabolismo urbano, o que temos é uma dinamização desta lógica e um produto final rico em matérias reutilizáveis em outros processos. A Figura 1 procura mostrar o metabolismo urbano como expressão máxima da relação natureza-sociedade na atualidade.
Figura 1 – Metabolismo urbano: receptor de recursos e produtor de resíduos.
Fonte: DIAS et al, 2003.
É importante frisar que essa relação sofre importantes modificações ao longo do tempo. As informações que um depósito de lixo pré-histórico apresenta ao arqueólogo, e que podem em muito ser comparadas às análises estratigráficas dos paleontólogos, são exemplo disso. Algumas análises dos resíduos gerados permitem remontar ao tipo de organização de uma sociedade, quais eram os seus conhecimentos tecnológicos e qual a disponibilidade dos recursos naturais, entre outras características (EISELEY, 1969).
De modo geral, uma análise do passado aponta que as primeiras comunidades humanas eram bastante pequenas: grupos nômades que coletavam diretamente os alimentos e ferramentas, em função das suas necessidades básicas, de um lado, e da disponibilidade e da proximidade espacial em relação aos recursos, de outro. Essas comunidades geravam resíduos. No entanto, parecia haver um equilíbrio entre a disposição de rejeitos e a capacidade de sua absorção e transmutação pelo ambiente. Sobre este período, entendemos que o metabolismo estava em harmonia com a capacidade da natureza. Nas palavras de Rubem Alves (ALVES, 1999: 9): "o lixo estava integrado à vida" .
Com o passar do tempo, através da crescente manipulação tecnológica da natureza e das relações desequilibradas dos homens organizados em sociedade, as formas de utilização dos recursos têm impulsionado o crescimento dos impactos socioambientais negativos.
Alguns autores referiam-se ao passado como era da pedra lascada, era da pedra polida e era dos metais e assim sucessivamente. Atualmente alguns propõem a denominação de "era do descartável" ou "era do plástico", dado que a característica dos tempos atuais é a problemática que se estabelece quando novos e "fantásticos" materiais produzidos pela ciência e pela indústria invadem o nosso cotidiano (MARI, 2000). Outros autores mais radicais, ante o processo tecnológico, têm chamado este período de "era do lixo" (LIEBMANN, 1976).
A produção em massa de bens é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência do consumo em massa, e esta relação engendrou modificações na maneira de se pensar os objetos. Diariamente são criados tantos tipos de necessidades quanto aquelas que a indústria resolve determinar, caracterizando o que se poderia chamar de um aprimoramento da "engenharia de obsolescência" (ASSOCIAÇÃO DOS EX-BOLSISTAS DA ALEMANHA, 1989) a serviço da "produção do supérfluo". (ORTEGA Y GASSET, 1961 apud WATSON, 1997).
Através da criatividade e da propaganda, consegue-se fazer crer à população que os bens que as empresas desejam produzir sejam imprescindíveis à sua existência. A criação de novas necessidades de consumo, de lazer, entre outras, vem acompanhada de datas específicas para a renovação deste ritual, e a valorização crescente da propriedade, em detrimento do ser e sentir humanos, tem alimentado um pensamento de que "consumindo mais, teremos nossa vida enriquecida" (GALEANO, 1994).
Pelo fato de vivermos hoje em um mundo desigual, o resíduo entendido como resultado do metabolismo urbano expõe as diferenças de acesso aos bens de consumo como marcas da desigualdade socioeconômica. O que ocorre é que nem todos podem consumir igualmente e, mesmo se conseguissem, nosso planeta não suportaria. Devido a restrições ambientais cada vez mais fortes, os padrões atuais de consumo dos países desenvolvidos não poderão ser estendidos ao conjunto da humanidade (LACOSTE, 1985).
Alguns setores da sociedade dos países desenvolvidos estão convencidos disto e já aceitaram que o desenvolvimento econômico, nos padrões que conhecemos, está com os dias contados. Uma alteração nos modos de vida parece estar em curso. Neste sentido é que ganha força a idéia de um "desenvolvimento sustentável" que entendemos como sendo um novo modo de vida e ou de produção baseado em cinco sustentabilidades básicas: a social, a econômica, a cultural, a espacial e a ambiental (MONTIBELLER, 2000).
No tema que tratamos aqui o desenvolvimento sustentável da reciclagem deve ser entendido como um arranjo entre a produção industrial baseada em tecnologias alternativas – que alguns denominam tecnologias limpas -, a utilização e a reutilização de insumos e matéria-prima e, a gestação de uma ciência e tecnologia apropriada para o desenvolvimento da igualdade entre os homens (HERRERA et al, 1976).
É neste contexto que vem ganhando força a iniciativa de buscar incorporar os trabalhadores catadores, mediante a elaboração de políticas públicas, na atividade de reciclagem, em direção a um desenvolvimento sustentável. Para que isso seja possível num futuro próximo, entendemos que deve haver uma caracterização do que é o resíduo inservível e o que pode ser reutilizado como matéria-prima em outros processos.
2.2 Resíduo: lixo ou matéria-prima
A economia pode ser definida, de modo bem simples, como o estudo da produção e da distribuição das riquezas. Entretanto a riqueza é o produto da combinação de dois fatores interligados: (1) a inteligência e o trabalho humanos e (2) sua capacidade de exploração das matérias proporcionadas pelo ambiente. Tais matérias, ao serem utilizadas no processo de produção, são definidas como "recursos naturais" (HERRERA, 1977).
Assim, os recursos podem ser entendidos como "aquelas partes da natureza que podem ser aproveitadas num momento dado. É, portanto, um conceito dinâmico, pois são o trabalho e a inteligência humanos que fazem com que a matéria passe à condição de recurso" (BENJAMIM, 1990: 10; apud SILVEIRA, 2000).
Neste sentido, o estudo dos resíduos oferece um rico suporte para a análise das implicações geradas através da natureza. Se "nada se perde e tudo se transforma", temos um sistema fechado onde o resíduo é o resultado da transformação da natureza. Por isto opta-se por falar em resíduos ao invés de lixo.
Na língua portuguesa, o termo resíduo sólido tem substituído a palavra lixo numa tentativa de desmistificar o produto do metabolismo social. A palavra lixo vem constantemente carregada de significados ligados ao que não serve mais e, como sabemos, este não servir é carregado de dinamismo, sendo o lixo o produto na saída de um sistema (output), ou seja, aquilo que foi rejeitado no processo de fabricação, ou que não pode mais ser reutilizado em função das tecnologias disponíveis (BÉRRIOS, 2003).
De uma forma geral, a gestão de resíduos está referida a dois tipos de atitude: (1) aplicação de tecnologias na remedição e tratamento de resíduos pós-consumo e (2) adoção de medidas preventivas para a conservação de recursos e regulação da produção de bens (BÉRRIOS, 2003).
Alguns países desenvolvidos já têm a primeira atitude como plano de gestão obrigatório. Entretanto, para a maioria dos países, é a segunda alternativa que tem motivado o desenvolvimento da reciclagem.
A reciclagem pode ser definida tecnicamente como uma forma de tratamento dos resíduos, que contribui para a minimização dos impactos causados ao ambiente. Por este método, diversos materiais que seriam enterrados retornam ao ciclo de vida de outro produto como matéria-prima. Entre os principais benefícios desta atitude estão: (1) a diminuição de áreas reservadas ao destino final, aterros e lixões; (2) a redução da exaustão dos recursos não renováveis; (3) economia de energia e água ao poupar matéria-prima virgem (OGATA, 1999).
Por outro lado, a reutilização e a reciclagem são conceitos carregados de significados subjetivos, muitas vezes calcados em crenças e tabus relacionados aos conceitos de higiene, de morte e de degradação moral. Como se vê nas obras do artista alemão Hundertwasser pelo seu entendimento da relação natureza-sociedade através das cinco peles – epiderme, roupas, casa, identidade, Terra – e do "Manifesto da Santa Merda" que chama a atenção para o tabu do excremento (RESTANY, 1999).
Isto mexe com questões bastante profundas como, por exemplo, nossos sentimentos religiosos. Se a morte é a fonte de uma nova vida e deve ser vencida pela transformação, pela conquista de uma nova vida como entendem algumas religiões mais antigas, então o próprio resíduo – "vida em abundância" - enquanto algo que quer "renascer" é reintroduzido, através da reciclagem, no "ciclo" da natureza, superando assim a sua "morte" (EIGENHEER, 1989). No mesmo sentido, mas a partir de outra matriz religiosa, se partimos do princípio de que a reciclagem dá aos descartes uma "nova vida". A reciclagem, então, implica em "ressuscitar" materiais, permitir que outra vez sejam aproveitados (CALDERONI, 1999).
Contudo não são estes os motivos que atraem as indústrias a desenvolverem a reciclagem, além da recuperação das propriedades físicas e químicas dos materiais; a reciclagem também reincorpora de certa forma a energia despendida na sua produção. Por outro lado, além da reprodução ampliada do capital empregado na produção, o interesse maior recai sobre a revalorização do trabalho que foi socialmente utilizado em sua produção e que nele continua incorporado. Mais do que recuperar o valor de uso dos materiais, o que interessa nos processos de reciclagem é resgatar o seu valor de troca (LEAL et al, 2002).
Numa tentativa de relativizar estes conceitos de eterno retorno que abrangem a vida e a morte dos materiais e a reciclagem enquanto superação da matéria e transmutação do valor de uso em valor de troca dos materiais, cabe citar um trecho de Karl Marx da obra "O Capital", que é seguidamente lembrado por outros autores. Ele diz, no capítulo 7 do volume I, intitulado "Processo de trabalho e produção de mais-valia", que:
O ferro enferruja, a madeira apodrece. O fio que não se emprega, na produção de tecido ou de malha, é algodão que se perde. O trabalho vivo tem de apoderar-se dessas coisas, de arrancá-las de sua inércia, de transformá-las de valores-de-uso possíveis em valores-de-uso reais e efetivos. O trabalho, com sua chama, delas se apropria como se fossem partes do seu organismo, e de acordo com a finalidade que o move lhes empresta vida para cumprirem suas funções; elas são consumidas, mas com um propósito que as torna elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos que podem servir ao consumo individual como meios de subsistência ou a novo processo de trabalho como meios de produção. (MARX, 1986, p.148)
Assim sendo, podemos dizer que, de uma forma geral, resíduos são porções de materiais sem significado econômico aparente, em função de sua quantidade ou qualidade, sobras de processamentos industriais, domésticos ou comunitários a serem descartados, ou, ainda, qualquer coisa de que se deseje desfazer-se o mais rápido possível.
Finalizando, e para retornar à questão da determinação histórico-social do conceito de resíduo, é interessante notar que não basta verificar apenas quanto e o que tem sido produzido ao longo dos tempos, mas também estudar quais são as relações subjetivas que engendram as formas de produção, bem como as diferentes maneiras de destinação, sejam elas lineares - disposição final em lixões ou aterros - ou cíclicas - reciclagem, reutilização ou compostagem (SILVEIRA, 2000).
Em suma, o que nos interessa destacar em função da abordagem adotada neste trabalho que, como apresentado na Introdução, privilegia o interesse dos catadores, e como porta de entrada aos capítulos que seguem, é que o conceito de resíduo sólido que neles se irá utilizar está referido aos objetivos de inclusão social deste ator.
Este capítulo tem por objetivos caracterizar a geração e o gerenciamento dos resíduos sólidos, situando a questão em diferentes níveis de abordagem: macroescala para o Brasil, meso para o estado do Rio Grande do Sul e micro para o caso do município de Porto Alegre.
Para fins de exposição, resolvemos agrupar a macro e a mesoescalas em um único item. Essa opção deveu-se ao fato de que a base de dados é uma para a escala local e outra para as escalas nacional e regional.
Desta forma, apresentamos então uma primeira seção onde comentamos a metodologia de coleta de dados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tanto para o nível nacional quanto para o estadual. Na segunda seção, apresentamos as macro e meso escalas e, na terceira, o caso local. Para este último nível, a base de dados foi bastante enriquecida através de contatos periódicos com o Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre – DMLU - e o Compromisso Empresarial para a Reciclagem - CEMPRE. Além dessas, outras fontes foram de grande utilidade na delimitação espacial da questão, como veremos a seguir.
3.1 Pesquisas nacionais do saneamento básico
As fontes de dados sobre os resíduos sólidos no Brasil são, em grande parte, compilações de pesquisas primárias realizadas pelos municípios. As Pesquisas Nacionais do Saneamento Básico, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - desde a década de 1990, são exemplo disso. Os dados destas pesquisas são coletados de forma padronizada e compilados segundo as regras do método exigido. Entretanto podemos dizer que a profundidade da análise parece ficar comprometida em função da amplitude da aquisição dos dados.
Os dados publicados dificilmente fornecem subsídios para a interpretação de uma sociedade desigual. A ausência de dados confiáveis sobre o número de catadores e suas carroças na cidade e dos lixões nas periferias são exemplos desta deficiência. A seguir, procuraremos explicitar algumas falhas desses dados oficiais, agregando a eles alguns outros, levantados através de pesquisa bibliográfica.
Na realização das pesquisas do IBGE, a tarefa de coleta de dados fica a cargo das prefeituras, departamentos de limpeza pública, secretarias de meio ambiente, e outros órgãos. Não existe um padrão na forma da coleta nem nos conceitos e definições utilizados, o que pode gerar confusões, decorrentes do tratamento dos dados brutos coletados de forma desigual. Desta maneira, algumas diferenças entre os indicadores municipais não passam de desajustes na metodologia empregada na pesquisa.
Os órgãos responsáveis pela coleta das informações primárias (prefeituras, departamentos de limpeza, secretarias de meio ambiente, etc) não estabelecem um padrão na forma da coleta nem dos conceitos e definições utilizadas. Cabe notar que existem muitas definições diferentes de resíduos sólidos e, dependendo das definições utilizadas em determinado município, podem ser geradas confusões, acarretando uma série de diferenças estatísticas entre as cidades, as quais, na realidade, não existem. Mais adiante falaremos sobre essas diferentes definições.
A seguir, apresentaremos alguns dos dados mais recentes, de 2000, que estão incluídos dentro dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IBGE, 2000), uma atualização da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (IBGE, 2002) realizada no ano de 2000, e publicada dois anos mais tarde, a qual também será utilizada como referência.
3.2 Macro e mesoescalas: Brasil e Rio Grande do Sul
Apesar da escassez de dados sobre a situação dos catadores no Brasil, uma rápida olhada nos lixões nas periferias das cidades grandes e nas ruas das cidades de interior chama a atenção pelo número de trabalhadores que cada vez mais sobrevivem da coleta de lixo.
Dados oficiais apontam que mais de 24 mil brasileiros vivem dentro de áreas reservadas ao destino final dos resíduos sólidos - aterros sanitários e controlados, ou em lixões. Deste total de trabalhadores, quase 8 mil vivem em lixões, como são conhecidas as áreas de disposição final, sem controle administrativo ou técnico, que correspondem a 30% das áreas de disposição no Brasil. São estes trabalhadores que de certa forma colaboram com a limpeza urbana, alimentando-se a partir dos resíduos do metabolismo urbano.
No Rio Grande do Sul, 114 municípios, ou cerca de 24% do total, admitem haver catadores morando em áreas deste tipo. Deste total de municípios no estado, cerca de 30% desenvolvem algum tipo de serviço social com estes trabalhadores (IBGE, 2002).
Os serviços de limpeza urbana existem em quase 100% das cidades brasileiras e empregam aproximadamente 320 mil pessoas, entre serviços públicos e/ou terceirizados (IBGE, 2002). Fontes não-oficiais citam que no Brasil existem entre 200 e 800 mil pessoas que, trabalhando na informalidade e, às vezes, na ilegalidade, contribuem com a limpeza urbana (GRIMBERG, 2002).
De maneira geral, as grandes cidades - com mais de 200 mil habitantes - são as que mais produzem resíduos e também as que têm planos de gerenciamento de resíduos mais qualificados, com sistemas de coleta domiciliar e seletiva bem estruturados. Nestas cidades, a coleta diária de resíduos varia em torno de 1 kg por habitante, ao passo que, em cidades com população inferior a 200 mil, este número cai pela metade (IBGE, 2002).
Estudos demonstram que a produção de resíduos tem relação estreita com o nível de vida da população. Tanto a quantidade quanto a qualidade dos resíduos é diferente em função da variação deste nível. Em Porto Alegre, sabe-se que o resíduo dos bairros ricos é composto de muito material reciclável, ao passo que o resíduo dos bairros pobres tem maior proporção de matéria orgânica biodegradável. Soma-se a isto o fato de que o bairro rico produz um volume total bem maior de resíduos (REIS, 2002).
Os dados produzidos pela pesquisa realizada tendo como referência a microescala podem, com alguns ajustes, ser generalizados para todo Brasil e servir de insumo informacional para trabalhos que temos desenvolvido. O primeiro é utilizar unidades de setores censitários como base de dados socioeconômicos, ao invés dos bairros. Outro ajuste importante seria a correlação dos dados de renda e educação, por exemplo, com informação sobre saúde e saneamento, que poderiam formar um índice de qualidade de vida e de qualidade ambiental. O que temos por certo é que somente o critério de renda, normalmente utilizado nestas pesquisas, se não for correlacionado com outros indicadores, apresenta-se como insuficiente para retratar a complexidade dos processos socioeconômicos e ambientais associados à geração de resíduos.
Os planos de gerenciamento integrado de resíduos sólidos são ainda muito recentes, tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul. Em ambas as escalas, estes planos necessitam de medidas regulatórias que venham a qualificá-los enquanto políticas públicas. Entretanto o que se percebe é que, embora o estado e sua capital estejam necessitando de maior investimento, é justamente nestas localidades aqui que a coleta seletiva tem mais força.
O Mapa 1 apresenta os municípios que possuem programas de coleta seletiva institucionalizada. Percebe-se a cidade de Porto Alegre e sua região metropolitana em posição destacada dentro do contexto nacional da coleta de materiais recicláveis. Apesar de recentes, as iniciativas neste sentido parecem ser de grande impacto, em face do que ocorre no restante do País.
Mapa 1 - Localização dos municípios com coleta seletiva formal.
Fonte: Atlas do Saneamento (IBGE, 2004)
É basicamente em função destas iniciativas de coleta seletiva domiciliar em microescala, que o estado, na meso escala, se apresenta com posição de destaque, como se evidencia no Mapa 2. Este, apesar de diluir as informações através da representação coroplética, nos padrões da série "como enganar com mapas", pode ser didaticamente útil justamente pelo que possui de mais repreensível que é o mascaramento (CÂMARA, 2000).
Mapa 2 - Número de domicílios atendidos com coleta seletiva de resíduos sólidos
LEGENDA
Fonte: IBGE, 2000.
Outras informações importantes sobre este quadro geral são as correlações que podem ser feitas entre a produção de resíduos nos grandes centros urbanos, geralmente localizados na faixa litorânea. Da população urbana no Brasil - 169,5 milhões - apenas 8 milhões de pessoas são abrangidas pela coleta seletiva. Isto é ainda mais grave pelo fato de que as cidades com mais de 200 mil hab. são as que mais geram resíduos totais - cerca de 800 a 1200g hab/dia (IBGE, 2002).
A Tabela 1 apresenta uma parte importante do banco de dados e colaborou para a formação do Mapa 2. No Brasil, a coleta seletiva a cargo do poder público abrange uma pequena parcela de municípios, apenas 8%, o que corresponde a somente 1% de todo o resíduo sólido que é coletado e pesado no País – é importante lembrar que nem todo resíduo que é coletado passa pelas balanças para ser pesado (IBGE, 2000).
Tabela 1 - Dados gerais sobre o serviço de coleta de resíduos sólidos
Serviço de coleta de resíduos sólidos |
|||||||||
Número de municípios |
Número de Residências |
Quantidade de Lixo Coletado |
|||||||
Total |
Coleta Seletiva |
Total |
Coleta Seletiva |
Total (t/dia) |
Coleta Seletiva |
||||
Total |
% |
Total estimado |
% |
Total (t/dia) |
% |
||||
Brasil |
5.507 |
451 |
8 |
44.795.101 |
2.680 |
6 |
228.413,0 |
4.290,0 |
1 |
Rio Grande do Sul |
467 |
138 |
29 |
3.042.039 |
383 |
27 |
7.468,3 |
597,0 |
8 |
Fonte: Extraído da Tabela 78 dos Indicadores de desenvolvimento sustentável (IBGE, 2000).
A Tabela 2 apresenta o número de agentes envolvidos na coleta seletiva, nas cinco regiões do Brasil. A Região Sul, que produz o terceiro maior volume de resíduos no País, é a que tem maior número de agentes envolvidos na coleta seletiva. Cabe destacar o fato de que existem 26 associações que participam na Região Sul, 15 destas em Porto Alegre. Resta saber se a pesquisa considerou estas como parte da prefeitura ou como associações propriamente ditas.
Tabela 2 - Agentes envolvidos na coleta seletiva, nas cinco regiões do Brasil
Agentes envolvidos em iniciativas de coleta seletiva, por Regiões |
||||||
Regiões |
Prefeitura |
Associações |
ONG’s |
Empresas |
Igreja |
TOTAL |
Norte |
50 |
- |
2 |
2 |
- |
54 |
Nordeste |
187 |
9 |
12 |
4 |
1 |
213 |
Sudeste |
510 |
22 |
19 |
16 |
5 |
572 |
Sul |
533 |
26 |
9 |
15 |
5 |
588 |
Centro-oeste |
81 |
- |
1 |
1 |
1 |
84 |
Fonte: Atlas do saneamento (IBGE, 2004)
3.3 Microescala: Porto Alegre
Em Porto Alegre, constata-se uma situação de desequilíbrio entre os dados compilados pelo IBGE e os dados apresentados pelo DMLU. Além da confrontação das estatísticas, a experiência adquirida através da observação empírica e a comparação com outros dados em 1990 - permitem apontar algumas lacunas nesses dados.
Por exemplo, no Quadro 1, consta que apenas 4% do que é coletado é formalmente encaminhado para triagem nas unidades ligadas ao poder público, que totaliza uma média de 60 toneladas por dia. Entretanto ocorre que, desde o ano 2000, este volume é estimado - não pesado - pela Prefeitura; o que gera uma baixa confiabilidade em relação a eles (IBGE, 2002).
Sobre os resíduos orgânicos que são destinados à unidade de compostagem, também não existe informação confiável. Apesar de haver uma unidade deste tipo, ligada à Prefeitura, e operando em escala de produção quase industrial, a pesquisa do IBGE não apresenta informação relativa a esta unidade. Uma análise que não levasse em consideração esses fatos poderia concluir precipitadamente que as unidades de compostagem, no universo de dados, não estão funcionando (IBGE, 2002). Isso mereceria atenção em trabalhos futuros, inclusive tratando de recalcular a viabilidade técnica e econômica da compostagem, muitas vezes questionada.
Quadro 1 - Quantidade de Lixo Coletado destinado à reciclagem
Fonte: Pesquisa nacional de saneamento básico (IBGE, 2002)
Estima-se que o volume de material gerado seja muito superior ao que é apresentado para a coleta formal, configurando-se um desvio na destinação dos resíduos ou o "roubo do lixo" como gostam de publicar os jornais.
A Prefeitura, na propaganda na mídia, aponta que existe coleta em 100% dos domicílios - nos quais vivem mais de 1 milhão de habitantes, considerados urbanos. Mas este dado não pode ser levado a sério. Sabe-se que a entrada do poder público em vilas e favelas é sempre difícil. Para a coleta de resíduos, a coisa não é muito diferente. Em primeiro lugar, não existe motivação para retirar – através da coleta convencional - o material que entope as ruas quando das enxurradas: na vila ninguém reclama. Em segundo lugar, o resíduo que se quer retirar – na coleta seletiva - é, muitas vezes, a fonte de sobrevivência de muitas famílias, e elas não querem perder um dos poucos trabalhos que lhe restou, a catação.
A coleta seletiva foi iniciada em 1990 como uma das propostas do programa de governo do Partido dos Trabalhadores - constituído de políticas públicas bastante audaciosas como esta - em sua primeira gestão da Prefeitura de Porto Alegre. Apesar deste acúmulo de experiência de 14 anos, o que percebemos é que ainda não existe um banco de dados próprio deste órgão. Neste sentido, a grande quantidade de estudos atualizados sobre a questão deverá servir como impulsionador na formulação de um banco de dados que permita estruturar as informações dispersas - em diversos departamentos e secretarias da administração e em diversos trabalhos acadêmicos e jornalísticos - sobre a questão da coleta e comercialização dos materiais recicláveis nesta cidade.
O estudo recente mais aprofundado sobre a questão foi realizado em 1997 e indica que, naquela época, existiam 1140 pessoas coletando informalmente resíduos domiciliares de todo gênero. A pesquisa mostra também que esses trabalhadores eram responsáveis por uma carga de 125 toneladas diárias, equivalente a três vezes a quantidade estimada para a coleta formal (COSTA; SATTLER, 2000).
Notícias jornalísticas apontam para outros números mais recentes. Na sua edição de 19/5/2003, o Correio do Povo, após entrevista com vereadores da cidade, publicou reportagem intitulada "Carroceiro desvia 20 t de lixo por dia", em que é apresentada uma quantidade menor de material coletado informalmente do que a recém-citada, embora o número de catadores seja apontado como sendo de 7 mil pessoas.
Na edição de 7/05/2003, o Jornal do Comércio declara que conversou, alguns dias antes, com o presidente da empresa pública municipal que regula o transporte e a circulação nesta cidade e, em reportagem intitulada "O enquadramento das carroças", aponta a existência de 4200 carroças, equivalente a 15 mil pessoas trabalhando informalmente na cidade. Ou seja, o dobro do que foi apontado pelo Correio do Povo.
De uma forma geral, um aspecto importante é que o número de catadores é hoje apresentado como significativamente maior que o da pesquisa de 1997. Isto é coerente com o que foi prognosticado pelos administradores. O que parece fugir do esperado é a quantidade excessiva de resíduos domiciliares desviados e que, por mais subestimados que possam ser estes valores - de 125 mil toneladas, em 1997, para 25 mil toneladas, em 2003 –, a redução na coleta é uma realidade inegável.
O Gráfico 1 apresenta a evolução histórica da coleta seletiva e da coleta convencional de resíduos domésticos em Porto Alegre, de 1992 a 2002. Pode-se observar um aumento na coleta de resíduos domésticos, compatível com a tendência exponencial de geração, em função do aumento da população e outros. É digno de atenção o intervalo entre 1998-2001, que apresenta uma oscilação e, logo após este período, uma curva descendente que mostra a involução das quantidades coletadas após o ano de 2001.
É importante ressaltar que estes dados referem-se às quantidades de resíduos de todo tipo, incluindo os materiais recicláveis coletados pela Prefeitura. O que concluímos é que isto ocorre menos em função da redução dos resíduos produzidos pela população e mais em decorrência de uma interceptação crescente dos materiais recicláveis dentro do universo de resíduos urbanos gerados e coletados.
Gráfico 1 - Evolução da coleta de resíduos domésticos em Porto Alegre
Fonte: Banco de dados (DMLU, 2004).
O Gráfico 2 apresenta uma outra fonte de dados sobre a coleta formal de resíduos, abarcando também um intervalo de dez anos próximos do anterior. Ele mostra uma projeção do que vem sendo coletado pela Prefeitura em termos de materiais recicláveis. Note-se que justamente os materiais que são interessantes para os catadores informais é que apresentam queda na coleta formal.
A comparação dos dois gráficos permite concluir que não é a quantidade total de resíduos que está decaindo, mas sim o serviço de coleta seletiva que não está conseguindo atender as demandas internas – dos planejadores – e externa – das associações organizadas nas Unidades de Triagem.
Gráfico 2 - Evolução da coleta de materiais recicláveis em Porto Alegre
Fonte: Adaptação de CEMPRE (2004b)
Reportagens do Correio do Povo permitem esboçar um panorama desta questão. No dia 9/02/2003, esse jornal publicou matéria intitulada "Recicladores precisam de auxílio", que aponta a incapacidade da Prefeitura em fornecer quantidades suficientes de materiais às Unidades de Triagem. No dia 25/02/2003 o jornal publicou que "Recicladores solicitam materiais" e forneceu o endereço e o número de telefone de associações que necessitam de ajuda externa, para que os leitores colaborassem espontaneamente. O que sugere que o poder público não estava conseguindo dar respostas ao problema.
4.1 Esclarecimentos iniciais
Os resíduos sólidos podem ser classificados de muitas maneiras, dependendo dos organismos, das instituições, ou dos pesquisadores e atores sociais que elaboram e fazem uso destas classificações. Para o estudo das atividades ligadas aos materiais recicláveis, buscamos analisar nas normas técnicas e nas resoluções ambientais pertinentes aos resíduos sólidos, os conceitos que as fundamentam.
O Quadro 2 apresenta o resultado preliminar a que se chegou durante a comparação entre as diferentes resoluções sobre a questão. No decorrer deste capítulo, esse quadro deverá ser seguidamente consultado como mecanismo auxiliar na análise. De um modo geral, ele procura realçar algumas peculiaridades dos resíduos sólidos e principalmente aquelas que tangem aos materiais recicláveis, especialmente a dificuldade de estabelecer um conceito operacional para os catadores, além de colaborar, no quarto capítulo, com a formulação de uma classificação adequada aos objetivos dos catadores desses materiais.
4.2 Norma técnica ABNT
A definição de resíduos sólidos que orienta a maior parte dos estudos técnicos e acadêmicos chama a atenção, entre outras coisas, por ser a mais antiga. Elaborada em 1987, a NBR 10004 feita pela Associação Brasileira de Normas Técnicas classifica os resíduos sólidos em função de suas características intrínsecas, a partir da identificação dos contaminantes presentes em sua massa. Assim, os resíduos podem pertencer a três classes (Associação Brasileira de Normas Técnicas, 1987):
I – Perigosos: que podem apresentar risco à saúde pública e ao ambiente;
II – Não Inertes: que não se enquadram em nenhuma das outras classes;
III – Inertes: que não possui nenhum de seus constituintes solubilizados, em concentrações superiores aos padrões definidos.
Esta forma de classificação é bastante complexa e, algumas vezes, pouco precisa. Ao exigir a análise das propriedades físicas, químicas ou infecto-contagiosas dos materiais, o que demanda uma série de etapas laboratoriais, esta normatização se torna muito cara, em face das limitações impostas pelos laboratórios nacionais e internacionais, tornando este tipo de classificação impraticável, ou comprometendo sua utilização correta. Atualmente tem-se levantado a proposta de reformulação desta norma técnica, considerando algumas falhas com a que valoriza demasiadamente as características intrínsecas dos materiais.
Uma nova classificação deveria agregar outros fatores como pressupostos adicionais, quanto às características extrínsecas ao material ou substância, isto é, os relativos à forma como ele se apresenta. Pesquisas recentes mostram que a classificação pela forma constitui uma ferramenta bastante útil para o enquadramento de um material residual. Este enquadramento pode ser de três tipos, de acordo com as formas características de cada material, ou parte dele: côncavo-convexa, como pneus ou garrafas; perfurocortante, como agulhas; materiais particulados de granulometria fina e/ou materiais desagregados de elementos maiores, como pós de alumínio. Na prática, esta proposta pode facilitar e proteger o trabalho dos coletores de materiais. Na teoria, a inclusão dessas características permite não só a classificação do resíduo em função dos seus componentes (substância, material ou elemento), mas também, sob outro método de análise, perceber qual o nível de periculosidade que a configuração geométrica apresenta (ROHDE et al, 2004).
Quadro 2 - Aspectos normativos e jurídicos dos resíduos
Fonte: Dados organizados pelo autor.
4.3 Resoluções CONAMA
As classificações contidas nas Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) também são bastante utilizadas no meio técnico, embora não possuam uma metodologia de classificação passível de fácil generalização.
A primeira resolução a classificar os resíduos sólidos data de 1993 e trata dos resíduos provenientes dos serviços relacionados à saúde, estabelecendo uma classificação quanto ao risco ambiental e à saúde pública (BRASIL, 1993). Na Resolução nº 5/1993 os resíduos recebem uma definição ampla, como sendo resíduos nos estados sólidos e semi-sólidos que resultam de atividades, da comunidade, de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços de varrição.
Esta definição reaparece posteriormente na Resolução nº 283/2001 que também lida com resíduos de saúde (BRASIL, 2001). Para estas duas resoluções, os resíduos sólidos podem ser divididos basicamente em duas grandes categorias e depois são subdivididos em grupos, de um lado, aqueles que oferecem algum risco à saúde e ao meio ambiente (Grupos A, B, C) e, de outro, os que não oferecem risco, os "resíduos comuns" (Grupo D). Entretanto o próprio CONAMA parece estimular algumas confusões. Ao tratar dos resíduos da construção civil na resolução n° 307/2002, diz-se que os resíduos recicláveis são aqueles que formam um novo grupo chamado B, enquanto os materiais de construção em geral pertencem aos outros grupos (BRASIL, 2002).
Além disso, ao definir as cores para as lixeiras através da resolução nº 275/2001, confunde-se ainda mais a situação ao determinar que os recipientes para coleta de resíduos deverão apresentar dez cores diferentes para cada tipo de resíduo, totalizando uma subclassificação de dez novos tipos (BRASIL, 2001). Além da abundância de cores, essa resolução apresenta uma outra novidade, um novo tipo chamado de "resíduo geral" que não aparece em resoluções, normas técnicas nem mesmo nas interpretações anteriores. Por essa resolução teríamos uma caixa coletora de cor cinza onde haveria algo como um resíduo incapaz de classificação separação, definição - de origem alienígena e/ou substância desconhecida. Assim estamos separando preliminarmente o resíduo do que é rejeito e inservível.
4.4 Legislação de Porto Alegre
A legislação vigente em Porto Alegre é um mosaico de leis complementares em sobreposição que, umas sobre as outras, procuram sustentar a Lei Orgânica do Município. A primeira Lei Complementar n° 234/1990, classifica os resíduos em função da coleta e limpeza públicas e pode ser incluída dentro do movimento que, viabilizando a coleta seletiva, forneceu instrumentos jurídicos para a reciclagem (PORTO ALEGRE, 1990). A classificação dos resíduos é feita pela identificação dos grupos geradores e pode ser dividida em dois grandes tipos, quanto à coleta, e seus subtipos quanto à origem:
A. Regular (se o resíduo se apresenta acondicionado em sacos plásticos):
+ público - provenientes de vias e logradouros públicos;
+ ordinal domiciliar - produzidos em imóveis.
B. Especial (se o resíduo não está devidamente acondicionado):
+ público ou domiciliar, que não estejam corretamente dispostos para coleta;
+ outro proveniente de: serviços de saúde, de atividades ou eventos instalados em logradouros públicos, de comércio ambulante, de alimentos para consumo imediato, de abastecimento público;
+ todos os outros que não se enquadrem em nenhuma das classificações anteriores. O resíduo industrial e/ou radioativo, não pertence a esta classificação por ser objeto de legislação própria.
Além desta definição, temos outra posterior, a Lei Complementar nº 274/1992 que foi criada para orientar somente os serviços de coleta do resíduo regular do tipo "ordinário domiciliar", como define o Inciso III do Artigo 12 (PORTO ALEGRE, 1992). O Departamento Municipal de Limpeza Urbana – DMLU - conta com esta ferramenta para atingir os geradores domiciliares com uma classificação bastante simples. Esta outra proposta divide o subtipo dos resíduos domiciliares (que pertence ao Tipo "A" - Ordinal), em duas outras modalidades de lixo:
+ "lixo seco": composto de materiais recicláveis;
+ "lixo orgânico": outros materiais não-recicláveis, por sua composição ou por estarem misturados.
Note-se aqui a simplicidade desta classificação dos resíduos que, de maneira binária - é reciclável ou não é reciclável - pode implicar algumas confusões. Uma delas é a dificuldade em definir o limite entre o lixo regular ordinal domiciliar e o regular público, quando um saco é rasgado ou depositado na rua, por desatenção.
Por outro lado, esta classificação pode gerar interpretações equivocadas quanto ao destino final dos resíduos de construção e os inertes. Esses resíduos, de origem pública e particular, coletados de forma regular ou especial podem, muitas vezes, apresentar substâncias tóxicas; em outros momentos, esses resíduos podem apresentar-se genuinamente orgânicos, como aqueles provenientes das podas de árvores ou restaurantes, compostos de matéria, animal ou vegetal, putrescível e biodegradável. O próprio DMLU aplica dois projetos que visam à reutilização destes materiais através da compostagem e da suinocultura. Neste sentido, esta proposta de chamar de orgânico tudo que não é reciclável se apresenta como um desserviço.
4.5 Legislação do Rio Grande do Sul
A legislação estadual que trata de resíduos sólidos apresenta-se como um marco na regulação deste tema. De acordo com a lei n° 9921/1993, os resíduos são definidos, com bastante amplitude, como os provenientes de atividades industriais, comerciais, rurais, urbanas - domiciliar e limpeza pública -, de extração de minerais e de serviços de saúde (RIO GRANDE DO SUL, 1993).
Além disto, ela traz algumas indicações sobre o gerenciamento de resíduos através de procedimentos de coleta seletiva. Neste sentido, o primeiro parágrafo desta lei (RIO GRANDE DO SUL, 1993), apresenta-se como um dos pontos mais importantes:
Art. 1º - A segregação dos resíduos sólidos na origem, visando seu reaproveitamento otimizado, é responsabilidade de toda a sociedade e deverá ser implantada gradativamente nos municípios, mediante programas educacionais e projetos de sistemas de coleta segregativa.
Par. 1º - Os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta do Estado ficam obrigados à implantação da coleta segregativa interna dos seus resíduos sólidos.
Par. 2º - Os municípios darão prioridade a processos de reaproveitamento dos resíduos sólidos, através da coleta segregativa ou da implantação de projetos de triagem dos recicláveis e o reaproveitamento da fração orgânica, após tratamento, na agricultura, utilizando formas de destinação final, preferencialmente, apenas para os rejeitos desses procedimentos.
Ademais, esta lei determina alguns aspectos importantes que foram excluídos quando de sua regulamentação, cinco anos mais tarde no Decreto n° 38356/1998 (RIO GRANDE DO SUL, 1998).
Alguns exemplos são a implantação gradativa da coleta seletiva nos municípios, a obrigatoriedade deste tipo de coleta para os órgãos públicos do estado e a criação de um novo hábito embasado na responsabilização de toda a sociedade.
Por outro lado, o decreto que regulamenta a lei propõe no artigo 1 a formulação de uma meta de "não-geração" de resíduos, na forma de "minimização, reutilização, reciclagem, tratamento ou destinação adequada dos mesmos" (RIO GRANDE DO SUL, 1998).
Este decreto indica, também, algumas formas de implementação dos objetivos expostos, como por exemplo: a implantação de programas de capacitação; a criação de linhas de crédito para auxiliar os municípios no projeto e implantação do reaproveitamento de resíduos; o estimulo à implantação de indústrias recicladoras; o incentivo à criação e o desenvolvimento de associações e/ou cooperativas de catadores e classificadores. Um importante passo em direção a estes objetivos é a criação, no artigo 30, de uma comissão intersetorial e interdepartamental coordenada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (RIO GRANDE DO SUL, 1998).
4.6 A política nacional de resíduos sólidos (e saneamento ambiental)
A proposta de uma legislação federal que conceitue os resíduos sólidos de forma única e inequívoca é o debate que está sendo travado entre legisladores, empreiteiras, setores da indústria e do comércio, além de pesquisadores da área e movimentos sociais interessados. Uma discussão técnica – e por que não, também, política - tem levado muitos defensores de uma política nacional de resíduos sólidos que trate exclusivamente deste assunto a repensarem a importância dos resíduos. Principalmente dentro de um novo contexto mais geral em que a manutenção dos recursos naturais, a inovação na área de mecanismos produtivos, a regulação energética e a preservação dos ambientes e promoção do saneamento básico e da inclusão social estariam todos interconectados à redução, geração e tratamento de resíduos. A partir de um entendimento complexo, mais crítico e abrangente do problema dos resíduos sólidos, estar-se-ia viabilizando a unificação de algumas das resoluções vistas anteriormente, além do direcionamento deste processo político para um novo rumo.
A base do debate legislativo era o Projeto de Lei nº 3606/2000 (BRASIL, 2000) que propunha a formulação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esse projeto vinha somando-se a outras muitas tentativas que, há mais de dez anos, desde o primeiro projeto de lei sobre o tema foi o de nº 203/1991 (BRASIL, 1991) e vem procurando estabelecer as diretrizes do gerenciamento dos resíduos e tentando acertar uma concordância entre as diversas classificações.
Entretanto, em termos práticos, estes projetos de lei se apresentam muito mais como um arremedo das definições anteriores (especialmente do CONAMA e da ABNT), dado que não apresentam nenhuma proposta nova que possa enriquecer a reconceituação dos resíduos. Além disso, esses projetos de lei não têm procurado refletir os anseios de grande parte da sociedade que convive diretamente com o problema, primeiro no momento do descarte e depois, na coleta do resíduo. Uma nova legislação para o tema poderia balizar a discussão entre os atores sociais que tratam do assunto, inclusive sinalizando a mutação do conceito de material reciclável.
Está colocada a necessidade de uma nova lei que trate da inclusão social relacionada ao gerenciamento dos resíduos sólidos, além de incluir este tema dos resíduos dentro de uma pauta maior, como por exemplo, o projeto da Política Nacional de Saneamento Ambiental n° 4147/2001 (BRASIL, 2001). Sabemos que existem diversas críticas sobre os méritos destes dois projetos, tanto no Congresso quanto na base da sociedade, mas é justamente por isto que pensamos que a discussão deva crescer e gerar frutos. Pensamos também que o embate crítico deve guiar o debate legislativo e que as políticas, não só as que tratam dos resíduos sólidos, devem ser elaboradas de forma popular e democrática, para um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável e ser motivo de orgulho para as gerações futuras do nosso país e uma referência em escala mundial. (GRIMBERG, 2002).
As formas como estas normas técnicas ou resoluções incidem sobre a população que deposita o resíduo, de um lado, e dos trabalhadores que coletam, de outro, é um ponto importante que será colocado no próximo capítulo.
Temos visto que grande parte das leis ou resoluções editadas, reeditadas e sobrepostas, sem uma correta delimitação do que seja material reciclável dentro do resíduo sólido, não contribuem para que os processos de reciclagem e de coleta, se dêem de maneiras mais adequadas. Na maior parte dos casos, o que temos é uma grande imprecisão legal e um quase conflito institucional. Tudo isso permeado por motivações de ordem social e econômica, uma vez que o que gera a disputa pela posse dos materiais é o valor de mercado que este material possui quando é encontrado no lixo.
Aqui apresentamos um tema central para os objetivos dos capítulos seguintes, qual seja a necessidade de uma caracterização operacional de material reciclável que esteja vinculada ao funcionamento do ciclo de valorização destes materiais.
5.1 Uma caracterização operacional de material reciclável
Uma caracterização operacional dos materiais pode ser conseguida a partir da análise dos principais constituintes dos resíduos sólidos urbanos. Entendemos que nestes podem ser encontrados basicamente três tipos de resíduo:
- Os resíduos úmidos, formados por: restos de alimentos, cascas de frutas e legumes, guardanapos usados, filtro de papel para café, restos de alimentos, folhas de árvores, plantas e hortaliças. Estes resíduos podem, através da compostagem, ser "reciclados".
- Os resíduos secos, constituídos por: papéis: papelão, revistas, jornais, cadernos, caixas de leite longa vida (TetraPak); plásticos: potes de margarina e outros produtos, embalagens de materiais de limpeza, xampu, sacos; vidros: garrafas em geral, copos, toos os tipos de vidro inteiro ou em cacos (exceto lâmpadas fluorescentes); metais: latas de alumínio, tampas de garrafas, pregos, latas de óleo e de leite, marmitex, grampos, arames, panelas, embalagens de alumínio.
- Os rejeitos, representados por: objetos que não podem participar da reciclagem por serem constituídos de materiais cujo processamento não possua tecnologias apropriadas, em função dos altos custos envolvidos e/ou que possuam propriedades nocivas à saúde humana e/ou nocivas ao ambiente como: papéis higiênicos, papéis molhados ou sujos de gordura, papel de fax, fraldas descartáveis, absorventes higiênicos, isopor, celofane, embalagens compostas da fusão de diversos materiais (papel plastificado, aluminizado, carbono), cerâmicas, espelhos, cristais quebrados, fotografias, cinzas, tocos de cigarro, restos humanos ou de outros animais.
Pela via formal e institucionalizada com a coleta seletiva, os resíduos podem seguir por dois caminhos: aqueles aptos à reciclagem, sendo recolhidos por caminhões de coleta seletiva domiciliar ou entregues em postos de entrega voluntária, distribuídos pela cidade, chegam até as organizações sociais de catadores, divididas em Unidades de Triagem (UTs); os rejeitos, junto com boa parte dos resíduos orgânicos, são destinados à coleta domiciliar convencional que, somada a algumas quantidades de material rejeitado no processo de triagem nas UTs, deverá ser depositado em aterros sanitários.
Importante notar que muito pouco resíduo orgânico é mandado para a Unidade de Triagem e Compostagem (UTC), o que representa um verdadeiro desperdício de material reaproveitável e uma sobrecarga aos aterros.
A Tabela 3 apresenta vários tipos de materiais recicláveis normalmente encontrados no resíduo sólido urbano. Ela correlaciona a quantidade de material que, se reutilizado, pode gerar certa quantidade de matéria-prima reprocessada na indústria, além do seu tempo de decomposição ao natural e de quanta matéria-prima é utilizada para cada tonelada de matéria virgem.
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