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Ato III

Quadro VIII

A saleta de Lola

    • Cena I –

Eusébio, Lola

(Eusébio, ridiculamente vestido à moda, prepara um enorme cigarro mineiro. Lola, deitada no sofá, lê um jornal e fuma.)

Eusébio – Isto tá o diabo! Não sei de Dona Fortunata... não sei de Quinota... não sei de

Juquinha... não sei de seu Gouveia... Não tenho corage de entrá em casa!... Se eu me confessá, não encontro um padre que me absorva!... – Lola, Lola, que diabo de feitiço foi este?... tu fez de mim o que tu bem quis!

Lola – Estás arrependido?

Eusébio – Não, arrependido, não tou, porque a coisa não se pode dizê que não seje oba...

Mas minha pobre muié deve está furiosa!... E então quando ela me vi assim, todo janota, co’esta roupa de arfaiate francês, feito monsiú da Rua do Ouvidô... Oh! Lola! Lola! As muié é os tormento dos home! ... (Local que se tem levantado e que tem ido, um tanto inquieta, até à porta da esquerda, volta ao proscênio e vem encostar-se ao ombro de Eusébio.)

Lola - O tormento! Oh! Não...

Coplas

    • I –

Meu caro amigo, esta vida

Sem a mulher nada vai!

É sopa desenxabida,

Sem uma pedra de sal!

Se a dor torna um homem triste,

Tem ele cura, se quer;

A própria dor não resiste

Aos beijos de uma mulher!

    • II –

Ao lado meu, queridinho,

Será ditoso e feliz;

Terás todo o meu carinho,

É o meu amor que to diz.

Se tu me amas como eu te amo,

Se respondes aos meus ais,

Nada mais de ti reclamo,

Não te peço nada mais!

Eusébio – Mas... me diz uma coisa, diabo, fala tua verdade... Tu tá inteiramente curada de seu Gouveia?

Lola – Não me fales mais nisso ! Foi um sonho que passou. (Pausa.) A propósito de sonho... foste ver na vitrine do Luís de Resende o tal broche com que eu sonhei?

Eusébio (Coçando a cabeça.) – Fui... sabe quanto custa?

Lola (Com indiferença.) – Sei... uma bagatela... um conto e oitocentos... (Sobe e vai de novo observar à porta da esquerda.)

Eusébio (À parte.) – Sim, é uma bagatela... a espanhola gosta de mim, é verdade, mas em tão poucos dias já me custa cinco contos de réis! E agora o colar!...

Lola (À parte.) – Que demora! (Alto, descendo.) Mas enfim? O colar? Se é um sacrificío, não quero!

Eusébio – O home ficou de fazê um abartimento e me mandá a resposta.

Lola (À parte.) – É meu!

Eusébio – Se ele deixá por um conto e quinhento, compro! Não dou nem mais um vintém.

Lola (À parte.) – Sobem a escada. É ele!...

Eusébio – Parece que vem gente. (Batem com força à porta.) – Quem é?

Lola – Deixa. Eu vou ver. (Vai abrir a porta. Lourenço entra arrebatadamente. Traz óculos azuis, barbas postiças, chapéu desabado e veste um sobretudo com a gola erguida. Lola finge-se assustada.)

    • Cena II -

Os mesmos, Lourenço

Lourenço – Minha rica senhora, folgo de encontrá-la!

Eusébio – Que é isso?

Lourenço – Fui entrando para não lhe dar tempo de me mandar dizer que não estava em casa! É esse o seu costume!

Lola – Senhor!

Eusébio – Quem é este home danado?

Lourenço – Quem sou?.. Um credor que quer o seu dinhero! Quer saber também quem é esta senhora? Quer saber? É uma caloteira!

Lola – Que vergonha! (Cai sentada e cobre o rosto com as mãos.)

Eusébio – O sinhô é um grande marcriado! Não se insurta assim uma fraca muié que está em sua casa! Faça favô de saí!...

Lourenço – Sair? Eu não saio daqui sem o meu rico dinheiro! O senhor, que tem cara de homem sério, naturalmente há de julgar que sou um grosseirão, um bruto; mas não imagina a paciência que tenho tido até hoje! (Batendo com a bengala no chão.) Venho disposto a receber o meu dinheiro!...

Eusébio – Mas dinheiro de quê?

Lourenço – De quê? Como de quê... Dinheiro que me deve esta senhora! Dinheiro limpo, que me pediu há quatorze meses para pagar no fim de trinta dias!

Lola ( Descobrindo o rosto muito chorosa.) – Com juros de sessenta por cento ao ano.

Lourenço – Eu dispenso os juros! Isto prova que não sou nenhum agiota! O que eu quero, o que eu exijo, é o meu capital, os meus dois contos de réis, que me saíram limpinho da algibeira e seriam quase o dobro com juros acumulados!

Lola (Suplicante.) – Senhor, eu pagarei esse dinheiro logo que puder... Poupe-me tamanha vergonha diante deste cavalheiro que estimo e respeito!

Lourenço – ora deixe-se de partes! Se a senhora não se quisesse sujeitar a estas cenas,solveria os seus compromissos! Mas não passa, já disse, de uma reles caloteira!...

Eusébio – Home, o sinhô arrepare que eu tou aqui! Faça favô de vê como fala!...

Lourenço – Quem é o senhor? É marido desta senhora? É seu pai? É seu tio? É seu padrinho? É seu irmão? É seu parente? Com que direito intervém? Eu tenho ou não tenho razão? Fui ou não fui caloteado?

Eusébio – Home, o sinhô se cale! Olhe que eu sou mineiro!

Lourenço – Não me calo, ora aí está! E declaro que não me retiro daqui sem estar pago e satisfeito! (Senta-se.)

Eusébio – Seu home, olhe que eu...!

Lourenço (Erguendo-se.) – Eh! Lá! Eh! Lá! Agora sou eu que lhe digo que se cale! O senhor não tem o direito de abrir o bico!...

Lola (Chorando.) – Que vergonha! Que vergonha!

Eusébio (À parte.) – Coitadinha!...

Lourenço – A princípio supus que o senhor fosse o amante desta senhora. Vejo que me enganei... Se o fosse, já teria pago por ela, e não consentiria que eu a insultasse!...

Eusébio – Hein?

Lola (Erguendo-se correndo a Eusébio.) – Não! Não! Sou eu que não consinto que tu apagues!... Não! Não tires a carteira! Eu mesma pagarei esta dívida!

Lourenço – Mas há de ser hoje, porque eu não me levanto desta cadeira (Torna a sentar-se.)

Eusébio – Mas eu...

Lola - Não! Não pagues! Esse dinheiro pedi-o para mandá-lo a minha mãe, que está em Valladolid... Eu é que devo pagá-lo (Voltando suplicante para Lourenço.) ... mas não hoje!...

Lourenço (Batendo com a bengala.) – Há de ser hoje!...

Lola – Não posso! Não posso!...

Lourenço - Não pode?... Dê-me esse par de bichas que traz nas orelhas e ficarei satisfeito!

Lola - Essas bichas custaram três contos!

Lourenço – São os juros.

Lola – Pois bem! (Vai tirar as bichas.)

Eusébio (Pegando-lhe no braço.) – Não tira as bichas, Lola!... (Ao credor.) – Seu desgraçado, não tenho dois conto aqui no borso, mas me acompanha na casa do meu correspondente, na Rua de São Bento... vem recebê o teu mardito dinheiro!

Lourenço (Batendo com a bengala.) – Já disse que daqui não saio!

Lola (Abraçando Eusébio.) – Não, Eusébio, meu querido Eusébio! Não...

Eusébio (Sem dar ouvidos a Lola.) – Pois não sai, não sai, desgraçado! (Desvencilhando-se de Lola.) Espera aí sentado, que eu vou buscá teu dinheiro! (Sai arrebatadamente. Lola, depois de certificar-se de que ele realmente saiu, volta, e desata a rir às gargalhadas. Lourenço levanta-se, tira os óculos, as barbas e o chapéu, e também ri às gargalhadas.)

    • Cena III –

Lola, Lourenço

Lola – Soberbo! Soberbo! Foi uma bela idéia! Toma um beijo! (Dá-lhe um beijo.)

Lourenço - Aceito o beijo, mas olhe que não dispenso os vinte por cento.

Lola – Naturalmente.

Lourenço - Você há de convir que sou um grande artista!

Lola – E então eu?

Lourenço –Você também, mas se eu me houvesse feito cômico em vez de fazer cocheiro, estava a estas horas podre de rico!

Tango

    • I –

Ai! Que jeito pro teatro!

Que vocação!

Eu faria o diabo a quatro

Num dramalhão!

Mas às rédeas e ao chicote

Jungido estou!

Sou cocheiro de cocote! (1)

Nada mais sou!

Cumprir o nosso destino

Nem eu quis nem você quis!

Fui ator desde menino

E você foi sempre atriz!

    • II –

Quando eu era mais mocinho

(Posso afiançar!)

Fiz furor num teatrinho

Particular!

Talvez outro João Caetano

Se achasse em mim.

Mas o fado desumano

Não quis assim!

Cumprir o nosso destino, etc...

Lola – Mas por que não acompanhaste o fazendeiro? Era mais seguro!

Lourenço – Pois eu lá me atrevia a andar por essas ruas de barbas postiças! Nada, que não queria dar com os ossos no xadrez!

Lola – Tens agora que esperar aqui a pé firme!

Lourenço – Estou arrependido de ter perdoado os juros. (Batem à porta.)

Lola – Quem será?

Lourenço (Depois de espreitar.) – É o filho-família.

Lola – Ah! O tal Duquinha? Tomaste as necessárias informações? Que me dizes desse petiz?

Lourenço (Abanando a cabeça com ares de competência.) – Digo que no seu gênero não deixa de ser aproveitável... O pai é muito severo, mas a mãe, que é rica, satisfaz todos os seus caprichos... Não digo que você possa dali mundos e fundos, mas é fácil obrigá-lo a contrair dívidas, se for preciso, para dar alguns presentes, e ouro é o que ouro vale.

Lola – Manda-o entrar.

Lourenço – Não se demore muito, porque o fazendeiro foi a todo o vapor e não tarda por aí.

Lola – Temos tempo. A Rua de S. Bento é longe. (Sai. Lourenço tira o sobretudo, a que junta as barbas, os óculos e o chapéu, e vai abrir a porta a Duquinha.)

Cena IV –

Duquinha, Lourenço

(Duquinha tem dezoito anos e é muito tímido.)

Duquinha – A senhora Dona Lola está em casa?

Lourenço (Muito respeitoso.) – Sim, meu senhor... e pede a V. Exa. Que tenha o obséquio de esperar alguns instantes.

Duquinha – Muito obrigado. (À parte.) É o cocheiro... não sei se deva...

Lourenço – Como diz V. Exa.?

Duquinha – Se não fosse ofendê-lo, pedia-lhe que aceitasse... (Tira a carteira.)

Lourenço – Oh! Não!... Perdoe V. Exa... não é orgulho; mas que diria a patroa se soubesse que eu...

Duquinha – Ah! Nesse caso... (Guarda a carteira.)

Lourenço (Que ia sair, voltando.) – Se bem que eu estou certo que V. Exa. Não diria nada à Senhora Dona Lola...

Duquinha ( Tirando de novo a carteira.) – Ela nunca o saberá. (Dá-lhe dinheiro.)

Lourenço - Beijo as mãos de V. Exa. A Senhora Dona Lola é tão escrupulosa! (À parte.) Uma de trinta! O franguinho promete... (Sai com muitas mesuras, levando o sobretudo e demais objetos.)

    • Cena V –

Duquinha – Estou trêmulo e nervoso... É a primeira vez que entro em casa de uma destas mulheres... Não pude resistir!.... A Lola é tão bonita, e o outro dia, no Braço de Ouro, me lançou uns olhares tão meigos, tão provocadores, que tenho sonhado todas as noites com ela! Até versos lhe fiz, e aqui lhos trago... Quis comprar-lhe uma jóia, mas receoso de ofendê-la, comprei apenas estas flores... Ai, Jesus! Ela aí vem! Que lhe vou dizer?...

    • Cena VI –

Duquinha e Lola

Lola – Não me engano: é o meu namorado do Braço de ouro! (Estendendo-lhe a mão.) Como tem passado?

Duquinha – Eu... sim... bem, obrigado; e a senhora?

Lola – Como tem as mãos frias!

Duquinha –Estou muito impressionado. É uma coisa esquisita: todas as vezes que fico impressionado.. fico também com as mãos frias...

Lola – Mas não se impressione! Esteja à vontade! Parece que não lhe devo meter medo!

Duquinha – Pelo contrário.

Lola (Arremedando- o .) – Pelo contrário! (Outro tom.) São minhas essas flores?

Duquinha – Sim.. eu não me atrevia... (Dá-lhe as flores.)

Lola – Ora essa! Por quê? (Depois de aspirá-las.) Que lindas são!

Duquinha – Trago-lhe também umas flores poéticas.

Lola – Uma quê?...

Duquinha – Uns versos.

Lola – Versos? Bravo! Não sabia que era poeta!

Duquinha – Sou poeira sim, senhora; mas poeta moderno, decadente...

Lola – Decadente? Nessa idade?

Duquinha – Nós somos todos muito novos.

Lola – Nós quem?

Duquinha – Nós, os decadentes. E só podemos ser compreendidos por gente da nossa idade. As pessoas de mais de trinta anos não nos entendem.

Lola – Se os senhor se demorasse mais algum tempo, arriscava-se a não ser compreendido por mim.

Duquinha – Se dá licença, leio os meus versos. (Tirando um papel da algibeira.) Quer ouvi-los?

Lola – Com todo o prazer.

Duquinha (Lendo.)

Ó flor das flores, linda espanhola!

Como eu te adoro, como eu te adoro!

Pelos teus olhos, ó Lola, ó Lola!

De dia canto, de noite choro,

Linda espanhola, linda espanhola!

Lola – Dir-se-ia que o trago de canto chorado!

Duquinha – Ouça a segunda estrofe!

És uma santa, santa das santas!

Como eu te adoro, como eu te adoro!

Meu peito enlevas, minhalma encantas!

Ouve o meu triste canto sonoro,

Santa das santas, santa das santas!

Lola – Santa? Eu!... Isto é que é liberdade poética!

Duquinha – A mulher amada pelo poeta é sempre santa para ele! Terceira e última estrofe...

Lola – Só três? Que pena!

Duquinha (Lendo.)

Ó flor das flores! Bela andaluza!

Como eu te adoro, como eu te adoro!

Tu és a minha pálida musa!

Desses teus lábios um beijo imploro,

Bela andaluza, bela andaluza!

Lola – Perdão, mas eu não sou da Andaluzia; sou de Valladolid.

Duquinha – Pois há espanholas tão bonitas que não sejam andaluzas?

Lola – Pois não! O que não há são andaluzas bonitas que não sejam espanholas.

Duquinha – Hei de fazer uma emenda.

Lola – E que mais?

Duquinha – Como?

Lola – O senhor trouxe-me flores... trouxe-me versos... e não me trouxe mais nada?

Duquinha – Eu?

Lola – Sim... Os versos são bonitos... as flores são cheirosas... mas há outras coisas de que as mulheres gostam muito.

Duquinha – Uma caixinha de marrons glacés?

Lola – Sim, não digo que não... é uma boa gulodice... mas não é isso...

Duquinha – Então que é?

Lola – Faça favor de me dizer para se inventaram os ourives.

Duquinha – Ah! Já percebo... Eu devia trazer-lhe uma jóia!

Lola – Naturalmente. As jóias são o "Sésamo, abre-te" destas cavernas de amor.

Duquinha – Eu quis trazer-lhe uma jóia, quis; mas receei que a senhora se ofendesse...

Lola – Que me ofendesse?... Oh! Santa ingenuidade!... Em que é que uma jóia me poderia ofender? Querem ver que o meu amiguinho me toma por uma respeitável mãe de família? Creia que um simples grampo de chapéu, com um bonito brilhante, produziria mais efeito que todo esse:

Como te adoro, como te adoro,

Linda espanhola, linha espanhola,

Santa das santas, santa das santas!

Duquinha – Vejo que lhe não agrada a Escola Decadente....

Lola – Confesso que as jóias exercem sobre mim uma fascinação maior que a literatura, e demais, não sou mulher a quem se ofereçam versos... Vejo que o senhor não é de opinião de Bocage...

Duquinha – Oh! Não me fale em Bocage!

Lola – Que mania essa de não nos tomarem pelo que somos realmente! Guarde os seus versos para as donzelinhas sentimentais, e, ande, vá buscar o "Sésamo, abre-te" e volte amanhã. ( Empurra-o para o lado da porta. Entra Lourenço.)

Duquinha – Mas...

Lola – Vá,vá! Não me apareça aqui sem uma jóia. ( A Lourenço.) Lourenço conduza este senhor até a porta. (Sai pela direita.)

Duquinha – Não, não é preciso, não se incomode. (À parte.) Vou pedir dinheiro a mamãe.

(Sai.)

    • Cena VII –

Lourenço – Às ordens de Vossa Excelência. (.) – A Lola saiu-me uma artista de primeiríssima ordem! – Bem! Vou caracterizar-me de credor, que o fazendeiro não tarda por aí. Quatrocentos mil-réis cá para o degas! Que bom! Hão de grelar esta noite no Belódromo, onde conto organizar uma mala onça! (Sai cantarolando o tango. Mutação.)

Quadro IX

No Belódromo Nacional

    • Cena I –

Lemos, Guedes, um Freqüentador do Belódromo, pessoas do povo, depois amadores, depois S’il vous-plaît, depois Lourenço

(Durante todo este ato, ouve-se a intervalos o som de uma sineta que chama os compradores à casa das pules, à esquerda, e uma voz que grita: "Vai fechar!")

Coro

Não há nada como

Vir ao Belódromo!

São estas corridas

Muito divertidas!

Desgraçadamente

Muito raramente

O povo, coitado!

Não é cá roubado!

Mas o cabeçudo,

Apesar de tudo,

Pules vai comprando,

Sempre protestando!

Tipos aqui pisam,

Mestres em cabalas,

E elas organizam

As famosas malas!

E com artimanha

(Manha mais do que arte)

Quase sempre ganha

Pífio bacamarte! (Entrada dos amadores.)

Coro de Amadores

Aqui estamos os melhores

Amadores

Da elegante bicicleta!

Nós corremos, prazenteiros,

Mais ligeiros,

Mais velozes que uma seta!

A todo o público

Dos belódromos

Muito simpáticos

Se diz que somos

O povo aplaude-nos

Quando vencemos,

Mas também vaia-nos

Quando perdemos!

Aqui estamos os melhores, etc...

O Freqüentador do Belódromo ( A Lemos e Guedes.) – Parece impossível!.. No páreo passado joguei no número 17 por ser a data em que minha mulher morreu, e, por causa das dúvidas, joguei também no número 18, por ser a data em que ela foi enterrada... e ganhou o número 19! Parece impossível!...

Lemos – É verdade! Parece! (A Guedes.) Você já viu velho mais cabuloso?

Freqüentador – Agora vou jogar no 25... Não pode falhar, porque a sepultura dela tem o número 525...

Guedes – É... é isso... vá comprar, vá.

O Freqüentador – Vou jogar uma em primeiro e duas em segundo. (Agasta-se para o lado da casa das pules.)

Lemos – E que me dizes a esta, ó Guedes? O S’il-vous-plaît foi arranjar tudo, e do Lourenço nem novas nem mandados!

Lemos – E que me dizes a esta, ó Guedes? O S’il-vous-plaît foi arranjar tudo, e do Lourenço nem novas nem mandados!

Guedes – Quem sabe se ele teve de levar Lola de carro a algum teatro?...

Lemos – Qual! Não creias! Pois se ele é um cocheiro que faz da patroa o que bem quer!...

Guedes – Está só pelo diabo! Uma mala segura, e não há dinheiro para o jogo! ... Olhem aqui está de volta o S’il-vous-plaît.

S’il-vous-plaît (Aproximando-se, vestido de corredor) – Venho da pista. Está tudo combinado.

Lemos – Sim, mas ainda não temos o melhor! O caixa da mala não aparece!

S’il –vous-plaît – Que diz você? Pois o Lourenço...

Guedes – O Lourenço até agora!

Lourenço (Aparecendo entre eles.) – Que estão vocês aí a falar do Lourenço?

Os Três – Ora graças!...

Lourenço – Vocês sabem que eu sou de palavra... Quando digo que venho é porque venho!

Lemos – Estávamos sobre brasas!

Lourenço – Já estão vendendo?

Guedes – Há que tempos! S’il-vous-plaît – Já se fez a segunda apregoação.

Lourenço – O que está combinado?

S’il-vous-plaît – Ganha o Menelik.

Lourenço – O Félix Faure não corre?

S’il-vous-plaît – Corre.

Lourenço – Se tiver boa máquina, pode ganhar sem querer.

S’il-vous-plaît – Está combinado que ele cairá na quinta volta.

Lourenço – Quantas voltas são?

S’il-vous-plaît – Oito.

Lourenço –. Quem mais corre?

S’il-vous-plaît – O Garibaldi, o Carnot e o Colibri

Lourenço – Que Colibri é esse?

S’il-vous-plaît – É um pequenote... um bacamarte... não vale nada... nem eu o meti na combinação!

Lourenço - Os outros quanto recebem?

S’il-vous-plaît – Quinze mil-réis cada um.

Lourenço – E dez por cento dos lucros para vocês três... Bom. (Dando dinheiro a Lemos.) Tome, seu lemos; vá comprar dez pules... (Dando dinheiro a Guedes.) Tome, seu

Guedes: compre outras dez... Vá cada um por sua vez, para disfarçar... Senão, o rateio não dá para o buraco de um dente! Eu compro três cheques. Vamos. (Afastam-se todos.)

    • Cena II –

Benvinda, Figueiredo

Benvinda – Me deixe! Já te disse que não quero mais sabê do sinhô!

Figueiredo – Por quê, rapariga?

Benvinda – O sinhô co’essa mania de querê me lançá é um cacete insuportave! Tá sempre me dando lição e raiando comigo! Pra isso eu não percisava saí de casa de sinhô Eusébio!

Figueiredo – Mas é para o teu bem que eu...

Benvinda – Quais pera meu bem nem pera nada! Hei de encontrá quem me queira mesmo falando cumo se fala na roça!

Figueiredo – Estás bem aviada!

Benvinda – Eu mesmo posso me lançá sem percisar do sinhô!

Figueiredo – Oh! Mulher, olha que tu não tens nenhuma experiência do mundo. És uma tola... uma ignorantona... não sabes o que é a Capital Federal!

Benvinda – Como o sinhô se engana! Eu já tou meia capitalista-federalista!

Figueiredo – Bom; Tua alma, tua palma! Estou com a minha consciência tranqüila. Mas vê lá: se algum dia precisares de mim, procura-me.

Benvinda – Merci! (Vai-se afastando.)

Figueiredo – Adeus, Fredegonda!

Benvinda (Parando.) – Que Fredegonda! Assim é que o sinhô me lançô! Me deu logo um nome tão feio que toda a gente se ri quando ouve ele!

Figueiredo – É porque não sabem a história! Fredegonda foi uma rainha... era casada com Chilperico...

Benvinda – Pois eu por minha desgraça não sou casada com seu Borge. Ó revoá. (Afasta-se.)

Figueiredo (.) – No fundo, estou satisfeito, porque decididamente não havia meio de fazer dela alguma coisa... Parece que vai chover... mas já agora vou assistir à corrida. (Afasta-se.)

    • Cena III –

Lourenço, Lemos, Guedes, depois o Freqüentador do Belódromo

Lourenço – Bom! Venham as pules. (Lemos e Guedes entregam as pules, que ele guarda.)

Lemos – A mala não transpirou. Félix Faure é o favorito.

Guedes – Queira Deus que o S’il-vous-plaît não dê com a língua nos dentes!

O Freqüentador (Voltando.) – Comprei no 25... Mas agora me lembro... somando o número da sepultura dá a soma de 12. 5 e 2, 7; e 5, 12. Ora 12 e 12 são 24.

Lemos – 24 é o tal Colibri. Não deite o seu dinheiro fora!

O Freqüentador – Aceito o conselho... Já cá tenho o 25... e não pode falhar! O diabo é que parece que vai chover. O tempo está muito entroviscado! (Afasta-se.)

Lourenço (Que tem estado a calcular.) – Se o Félix Faure é o favorito, o Menelik não pode dar menos de sete mil-réis.

Guedes – Para cima!

Lourenço – Separemo-nos. Creio que a diretoria já nos traz de olho... No fim da corrida esperá-los-ei no lugar do costume para a divisão dos lúcaros. Até logo!

Lemos e Guedes – Até logo. (Afastam-se. Benvinda volta passeando.)

    • Cena IV –

Lourenço e Benvinda

Lourenço (Consigo.) – Estes malandretes ganham pela certa... não arriscam um nicolau...

(Vendo Benvinda.) Não me engano: é a celeste Aída do Sábado de aleluia... Reconhecerá ela na minha fisolostria o cocheiro da Lola? Vejamos! (Passa e acotovela Benvinda.) – Adeus, coração dos outros!

Benvinda - Vá passando seu caminho e não bula ca gente!

Lourenço – Tão zangada, meu Deus!

Benvinda – Que deseja o sinhô?

Lourenço – Pelo menos saber onde mora.

Benvinda – Moro na rua das casa.

Lourenço – Não seja má! Bem sei que é aqui mesmo na Rua do Lavradio.

Benvinda – Quem le disse?

Lourenço – Ninguém. Fui eu que lhe vi na janela.

Benvinda – Pois não vá lá que não lhe arrecebo!

Lourenço – Por que não me arrecebe, marvada?

Benvinda – Vou sê franca... Só arrecebo quem quisé me tirá desta vida. Não nasci pra isto. Quero vivê em família.

Lourenço – Ah, seu benzinho! Isso é que não pode ser! Hoje em dia não é possível viver em família!

Benvinda – Por quê?

Lourenço – Por quê? Ainda me perguntas, amor?

Coplas

Lourenço

    • I –

Já não se encontra casa decente,

Que custe apenas uns cem mil-réis,

E os senhorios constantemente

O preço aumentam dos aluguéis!

Ainda o povinho muito inquieto,

E tem – pudera – toda a razão;

Não aparece nenhum projeto

Que nos arranque desta opressão!

Um cidadão neste tempo

Não pode andar amarrado...

A gente vê-se , e adeusinho:

Cada um vai pro seu lado!

    • II –

Das algibeiras some-se o cobre,

Como levado por um tufão!

Carne de vaca não come o pobre,

E qualquer dia não come pão!

Fósforos, velas, couve, quiabos,

Vinho, aguardente, milho, feijão,

Frutas, conservas, cenouras, nabos,

Tudo se vende pr’um dinheirão!

Um cidadão neste tempo etc...

Benvinda – Tenho sede, venha pagá um copo de cerveja.

Lourenço – Com muito gosto, mas da Babilônia, que as alamoas estão pela hora da morte!

Benvinda – Vamo.

Lourenço – Como você se chama, seu benzinho.

Benvinda – Artemisa.

Lourenço – Que bonito nome! Vamos ali no botequim do Lopes. (Saem.)

    • Cena V –

Eusébio, Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, depois Figueiredo

(Eusébio entra no meio das mulheres: traz o chapéu atirado para a nuca, e um enorme charuto. Vêm todos alegres. Acabaram de jantar e lembraram-se de dar uma volta pelo Belódromo.)

Eusébio – Não, Lola! Tu hoje há de me deixá i pra casa! Dona Fortunata deve está furiosa!

Lola – Que Dona Fortunata que nada!

Mercedes – Havemos de acabar a noite num gabinete do Munchen!

Dolores – Não o deixamos!

Blanchette – Está preso!... E, demais, vamos ter chuva!

Eusébio – Na chuva já tou eu, se não me engano. Aquele vinho é bão, mas é veiaco!

Figueiredo (Aproximando-se.) – Olá! viva a bela sociedade!

Lola - Olha quem ele é! O Figueiredo!

Mercedes – O Radamés!

Dolores – Você no Belódromo!

Figueiredo – Por mero acaso... Não gosto disto... No Rio de Janeiro não há divertimentos que prestem! Não temos nada, nada!

Eusébio (Num tom magoado.) – Como vai a Fredegonda, seu Figueiredo?

Figueiredo – A Fredegonda já não é Fredegonda!

Todos – Ah!...

Figueiredo – Tornou a ser Benvinda, como antigamente. Deixou-me!

Todos – Deixou-o?

Figueiredo – Deixou-me, e anda à procura de alguém que saiba lançá-la melhor do que eu!

Eusébio – Uê!

Figueiredo – Deve estar aqui no Belódromo... Acompanhei-a até cá para pedir-lhe que tivesse juízo, mas a sua resolução é inabalável... Pobre rapariga!...

Eusébio (Muito comovido, para o que concorre o vinho que bebeu.) – Coitada da Benvinda!... Podia tá casada e agora... anda atirada por aí como uma coisa à-toa... sem ninguém que tome conta dela... (Com lágrimas na voz.) Coitada... não façum caso... Eu vi ela pequena... nasceu e cresceu lá em casa.. (Chorando.) Minha fia mamou o leite da mãe dela!

Todos – Que é isso?! Chorando?! Ora esta!...

Eusébio (Com soluços.) – Que chorando que nada! Já passou!... Não foi nada!... Que qué vacês! Mineiro tem muito coração!...

Todos – Vamos lá! Que é isso? Então? ...

Lola – Há de passar. São efeitos do Chambertin! – Eusébio, onde... então?... vá comprar umas pules para tomar interesse pela corrida.

Eusébio – Eu não entendo disso!

Figueiredo – Escolha um nome daqueles. Olhe, ali, na pedra... Ligúria, Carnot, Menelik, Colibri e Félix Faure.

Eusébio – Colibri! Eu quero Colibri!

Figueiredo – Ouvi dizer que não vale nada... É o que aqui chamam um bacamarte... Não lhe sorri nenhum dos presidentes da República Francesa?

Eusébio – Não sinhô, não quero outro! Colibri é o nome de um jumento que tenho lá na fazenda.

Dolores, Mercedes e Blanchette (Ao mesmo tempo.) – Não faça isso! Se é bacamarte, não presta! É dinheiro deitado fora!

Lola – Deixem-no lá! É um palpite! Vá comprar cinco pules naquele guichê.

Eusébio – Naquele quê?

Figueiredo – Naquele buraco.

Eusébio – Canto custa?

Figueiredo – Cinco pules são dez mil-réis.

Eusébio – Mas como se faz?

Figueiredo – Estenda o braço, meta o dinheiro dentro do buraco, abra a mão, e diga: "Colibri".

Eusébio – Sim, sinhô. (Afasta-se.)

Figueiredo – Pois é o que lhes conto: estou livre como o lindo amor!

Mercedes – Se me quiser tomar sob a sua valiosa proteção...

Dolores – Se quiser fazer a minha ventura...

Blanchette – Se me quiser lançar...

Lola – Vocês estão a ler! Ele só gosta de...

Figueiredo (Atalhando.) – De trigueira! Eu digo trigueiras, por ser menos rebarbativo... Acho que as brancas são encantadoras, apetitosas, adoráveis, lindíssimas, mas que querem? – tenho cá o meu gênero...

Mercedes – Isso é um crime!

Dolores – Devia ser preso!

Blanchette – Deportado!

Lola - Sim, deportado... para a Costa da África!...

Quinteto

Lola

Ó Figueiredo, eu cá sou franca;

Estou com pena de você!

As outras

Nós temos pena de você!

Figueiredo

Façam favor, digam por quê!

Lola

Por não gostar da mulher branca!

As outras

Por não gostar da mulher branca!

Figueiredo

Meu Deus! Deveras!

Por isso só?

Todas

Somos sinceras!

Causa-nos dó!

Figueiredo

Oh!oh!oh!oh!

Todas

Oh!oh!oh!oh!

Lola

    • I –

Pele cândida e rosada,

Cetinosa e delicada

Sempre teve algum valor!

Figueiredo

Que tolice!

Todas

Sim, senhor!

Lola

A cor branca, pelo menos,

Era a cor da loura Vênus,

Deusa esplêndida do amor.

Figueiredo

Quem lhe disse?

Todas

Sim, senhor!

Figueiredo

Se eu da Mitologia

Fosse o reformador!

Vênus transformaria

Numa mulata!

Todas

Horror!...

Figueiredo

    • II –

A mimosa cor do jambo

Pede um meigo ditirambo

Cinzelado com primor!

Lola

Que tolice!

Todas

Não, senhor!

Figueiredo

Eu com os ovos, por sistema

Deixo a clara e como a gema,

Porque tem melhor sabor.

Lola

Quem lhe disse?

Todas

Não, senhor!

Figueiredo

Se eu da Mitologia

Fosse o reformador

Vênus transformaria

Numa mulata!

Todas

Horror!...

Juntos

Figueiredo As Cocotes

Gosto do amarelo! Gosta do amarelo!

Que prazer me dá! Maus exemplos dá!

Nada mais anelo, Vara de marmelo

Nem aspiro já! Merecia já!

Eusébio (Voltando.) – Aqui está cinco papezinho do Colibri. Custou! Toda a gente queria comprá! Eu meti o dinheiro no buraco, e o home lá de dentro perguntou: "Onde leva?" Eu respondi: "Colibri", e ele ficou muito espantado, e disse: "É o premero que compra nesse bacamarte."

Figueiredo – Vamos ver a corrida lá de cima. Pedirei um camarote ao Cartaxo.

Todos – Vamos! (Saem.)

    • Cena VI -

Benvinda, Lourenço e Povo

Lourenço ( Correndo.) – Correndo ainda apanho; mas olhe que o Menelik... (Desaparece.)

Benvinda – Não sinhô, não sinhô! Não quero Menelik! Compre no que eu disse. (Só, no proscênio.) Não gosto deste home: tem cara de padre... é muito enjoado... Nem deste, nem de nenhum... Não gosto de ninguém... O que eu tenho a fazê de mió é vortá para casa e pedi perdão a sinhá véia. (Ouve-se o sinal do fechamento do jogo.)

Pessoas do povo – Fechou! Fechou! Ora, e eu que não comprei (Dirigem-se todos para o fundo: vão assistir à corrida.)

Lourenço (Voltando.) – Sempre cheguei a tempo de comprar a pule! (Dando a pule a Benvinda.) Mas que lembrança a sua de jogar no Colibri!

Benvinda – É porque é o nome de um burrinho que há numa fazenda onde eu fui passá uns tempo.

Lourenço – Ah! É cabula? (Ouve-se um toque de campanhia elétrica.) Se ele vencesse, você levava a casa das pules! (Ouve-se um tiro de revólver e um pouco de música.) Começou a corrida! Vamos ver! (Afastam-se para o fundo.)

    • Cena VII –

Gouveia, Fortunata e Quinota

Fortunata (Entrando apressada à frente de Gouveia e Quinota.) – Não! Não quero vê meu fio corrê na tá história! ... E logo que acabá a corrida, levo ele pra casa, e aqui não vorta!... Que coisa!... Benvinda desaparece... Seu Eusébio desaparece... Juquinha não sai do Belódromo... Tou vendo quando Quinota me deixa!

Quinota – Oh! Mamãe! Não tenha esse receio!

Fortunata – Que terra! Eu bem não queria vi no Rio de Janeiro!

Quinota – Que vida tão diversa da vida da roça! ( A Gouveia.) Não ficaremos aqui depois de casados.

Gouveia – Por quê?

Quinota – A vida fluminense é cheia de sobressaltos para as verdadeiras mães de família!

Fortunata – Olhe seu Eusébio, um home de cinqüenta ano, que teve até agora tanto juízo! Arrespirou o á da Capitá Federá, e perdeu a cabeça!

Gouveia – Apanhou o micróbio da pândega!

Quinota – Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo... faz-se ostentação do vício... não se respeita ninguém... É uma sociedade mal constituída.

Gouveia – Não a supunha tão observadora.

Quinota – Eu sou roceira, mas não tola que não veja o mal onde se acha.

Fortunata – parece que já está chuviscando... Eu senti um pingo...

Quinota – O senhor, por exemplo, o senhor, se pensa que me engana, engana-se. Conheço perfeitamente os seus defeitos.

Fortunata (À parte.) – Aí!

Gouveia – Os meus defeitos?

Quinota – Oh! São muitíssimos – e o menor deles não é querer aparentar uma fortuna que não existe. Desagradam-me esse visíveis esforços que o senhor faz para iludir os outros. O melhor partido que o senhor tem a tomar... e olhe que este é o conselho da tua noiva, isto é, da pessoa que mais o estima neste mundo... o melhor partido que o senhor tem a tomar é abrir-se com papai... confessar-lhe que é um jogador arrependido...

Gouveia – Oh! Quinota!...

Fortunata – Não tem – ó Quinota – nem nada! É a verdade!...

Quinota – Irá conosco para a fazenda, onde não lhe faltará ocupação.

Fortunata – Sim sinhô; é mió trabaiá na roça que fazê vida de vagabundo na cidade! – Outro pingo!

Quinota – Papai precisa muito associar-se a um moço inteligente, nas suas condições. Sacrifique à sua tranquilidade os seus prazeres; case-se, faça-se agricultor, e sua esposa, que não será muito exigente e terá muito bom-senso, todos os anos lhe dará licença para vir matar saudades daquilo a que o senhor chama o micróbio da pândega.

Gouveia (À parte.) – Sim, senhor, pregou-me uma lição de moral mesmo nas bochechas!

Fortunata – Seu Gouveia, é mió a gente i pro lugá por onde Juquinha tem de saí.

Gouveia – Deve sair por acolá... Vamos esperá-lo na passagem. (Estendendo o braço.) É verdade, já está chuviscando.

(Saem. O final da corrida. Um toque de campanhia elétrica. Pouco depois um pouco de música. Vozeria do povo, que vem todo ao proscênio.)

Coro

Oh! Quem diria

Que ganharia

O Colibri!

Ganhou à toa!

Pule tão boa

Eu nunca vi

Aqui!

    • Cena VIII –

Lemos, Guedes, Lourenço, o Freqüentador do Belódromo, depois Eusébio, Figueiredo, Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, depois S’il-vous-plaît, Juquinha, depois Fortunata, Quinota, Gouveia, depois Benvinda, depois Lourenço.

Lemos – Ganhou o Colibri! Quem diria!

Guedes – O Colibri... que pulão...

Lourenço – Que desgraça!... O Félix Daure caiu de propósito, mas por cima do Félix Faure caiu o Menelik, por cima do Menelik o Ligúria, por cima do Ligúria, o Carnot, e o Colibri, que vinha na bagagem, não caiu por cima de ninguém e ganhou o páreo!

Que palpite de mulata! Onde estará ela? Vou procurá-la. (Desaparece.)

O Freqüentador (A Lemos e Guedes.) – Então? Eu não dizia? Ganhou o 24! Doze e doze, vinte e quatro. ( Com uma idéia.) Ah!

Os Dois – Que é?

O Freqüentador – Fui um asno! 24 é a data da missa de sétimo dia de minha mulher!

(Lemos e Guedes afastam-se rindo.) Ora esta! Ora esta!... E era um pulão! (Abre o guarda-chuva.) Chove... Naturalmente não há mais corridas hoje... (Afasta-se. Há na cena alguns guarda-chuvas abertos. Aparecem Eusébio, Figueiredo e as cocotes. Vêm todos de guarda-chuvas abertos.)

Figueiredo – Bravo! Foi um tiro, seu Eusébio, foi um tiro!... O Colibri vendeu apenas seis pules e o senhor tem cinco!

S’il-vous-plaît (Metendo-se na conversa, e abrigando-se no guarda-chuva de Eusébio.) –

Dá mais de cem mil-réis cada pule!...

Eusébio – Mais de cem mil-réis? Então? Eu não disse? Co aquele nome, o menino não podia perdê! O Colibri é um jumento de muita sorte! ( A S’il-vous-plaît.) O sinhô conhece ele?

S’il-vous-plaît – Quem? O Colibri? Sim senhor!

Eusébio – Vá chamá ele. Quero le dá uma lambuge!

S’il-vous-plaît – Nem de propósito! Ele aí vem. (Chamando Juquinha que aparece.) Ó Colibri! Está aqui um senhor que jogou cinco pules em você e quer dar-lhe uma gratificação.

Juquinha (Aproximando-se muito lampeiro.) – Aqui estou, quê dê o home?

Eusébio – Era o Juquinha!

Juquinha – Papai (Deixa a correr e foge.)

Eusébio – Ah! Tratante! O Colibri era ele! Alembrou-se do jumento! ... E foge do pai! Ora espera lá! (Corre atrás do Juquinha e desaparece. A chuva cresce. O povo corre todo e abandona a cena.)

Lola – Onde vai? Espere! (Corre atrás de Eusébio e desaparece.)

As Mulheres – Vamos também! Vamos também. (Correm atrás de Lola e desaparecem.)

Figueiredo – Então, minhas filhas? Não corram! (Vai atrás delas e desaparece.)

Fortunata (Entrando de guarda-chuva.) - É ele! É ele! É seu Eusébio! (Sai correndo pelo mesmo lado.)

Quinota (Entrando, idem.) – Mamãe! Mamãe! (Corre acompanhando Fortunata.)

Gouveia (Idem.) – Minhas senhoras!... Minhas senhoras! (Corre e desaparece.)

Benvinda (Entrando perseguida por Lourenço, ambos de guarda-chuva.) – Me deixe! Me deixe!... (Desaparece.)

Lourenço ( Só em cena.) – Dê cá a pule, seu benzinho, dê cá a pule, que eu vou receber! (Desaparece. Mutação.)

- Quadro X-

A Rua do Ouvidor

1Ί Literato, 2Ί Literato, Pessoas do Povo, depois

Fortunata, Quinota, Juquinha

Coro

Não há rua como a Rua

Que se chama do Ouvidor!

Não há outra que possua

Certamente o seu valor!

Muita gente há que se mace

Quando, seja por que for,

Passe um dia sem que passe

Pela Rua do Ouvidor!

1Ί Literato – Tens visto o Duquinha?

2Ί Literato – Qual! Depois que se meteu com a Lola, ninguém mais lhe põe a vista em cima!

1Ί Literato – É pena! Um dos primeiros talentos desta geração...

2Ί Literato – Apaixonado por uma cocote!

1Ί Literato – Felizmente a arte lucra alguma coisa com isso... O Duquinha faz magníficos versos à Lola. Ainda ontem me deu uns, que são puros Verlaine. Vou publicá-los no segundo número da minha revista.

2Ί Literato- Que está para sair há seis meses?

1Ί Literato – Oh! Vê que linda rapariga ali vem!

2Ί Literato- Parece gente da roça. (Ficam de longe, a examinar Quinota, que entra com a mãe e o irmão. Vêm todos três carregados de embrulhos.)

Fortunata – Vamo, minha fia, vamo tomá o bonde no largo de São Francisco. As nossa compra está feita. Amenhã de menhã vamos embora!

Quinota – E... seu Gouveia?

Fortunata – Não me fale de seu Gouveia! Há oito dia não aparece! Fez cumo teu pai! Foi mió assim... Havia de sê muito mau marido!

Juquinha – Eu não quero i pra fazenda!

Fortunata – Eu te amostro se tu vai ou não vai! Anda pra frente! (Vão saindo. )

1Ί Literato (À Quinota.) – Adeus, tetéia!

Fortunata – Quem é que é tetéia? Arrepita a gracinha, seu desavergonhado, e verá com le parto este chapéu-de-sol no lombo!... (Risadas.) – Vamo! Vamo!... Que terra!... Eu bem não queria vi no Rio de Janeiro! (Saem entre risadas.)

    • Cena II –

1Ί Literato, 2Ί Literato, Pessoas do Povo, depois Duquinha

2Ί Literato – Tu ainda um dia te sais mal com esse maldito costume de bulir com as moças!

1Ί Literato – Nada disse que a ofendesse. "Adeus, tetéia" não é precisamente um insulto.

2Ί Literato – Pois sim, mas que farias tu se dissessem o mesmo à tua irmã?

1Ί Literato – Não é a mesma coisa! Minha irmã e....

2Ί Literato – Não é melhor que as irmã dos outros. (Entra Duquinha, vem pálido e com grandes olheiras.)

Duquinha – Ah! Meus amigos! Meus amigos! Se soubessem o que me aconteceu? Os Dois – Fala!

Duquinha – O fazendeiro... aquele fazendeiro de quem lhes falei?... Os Dois – Sim!

Duquinha – Apanhou-me com a boca na botija!...

1Ί Literato – Mas que tem isso?

Duquinha – Como que tem isso? Aquele homem é rico! Dava tudo à Lola!

2Ί Literato – Tu também não lhe davas pouco!

Duquinha (Vivamente.) – Dinheiro nunca lhe dei, - nem ela o aceitaria...

1Ί Literato – Pois sim!

Duquinha – Jóias.... vestidos... pares de luvas... leques... chapéus... Dinheiro nem vintém. Quem sempre me apanhava algum era o Lourenço, o cocheiro.

2Ί Literato – És um pateta! Mas conta-nos isso!

Duquinha – Estávamos – ela e eu – na saleta e o bruto dormia na sala de jantar. Eu tinha levado à Lola umas pérolas com que ela sonhou... Vocês não imaginam como aquela rapariga sonha com coisas caras!

1Ί Literato – Imaginamos! Adiante!

Duquinha – Eu lia para ela ouvir os meus últimos versos... aqueles que te dei ontem para a revista....

Depois que te amo, depois que és minha,

Nado em delícia, nado em delícia...

1Ί Literato – Eu sei, Verlaine puro.

Duquinha – Obrigado. – No fim de cada estrofe, eu dava-lhe um beijo... um beijo quente e apaixonado... um beijo de poeta... Pois bem, depois da terceira estrofe:

Oh! Se algum dia, destino fero

Nos separasse, nos separasse...

1Ί Literato (Continuando.)

- O que faria contar não quero...

Duquinha

Que se o contasse, que se o contasse...

No fim dessa estrofe, Lola, que esperava a deixa, estende-me a face, eu beijo-a e o fazendeiro, de pé, na porta da saleta, com os olhos esbugalhados dá este grito: Ah! Seu pelintreca!...

2Ί Literato – E tu?

Duquinha – Eu?... Eu... eu cá estou. Não sei o que mais aconteceu. Quando dei por mim estava dentro de um bonde elétrico, tocando a toda para a cidade!

1Ί Literato – Fizeste uma bonita figura, não há dúvida! Podes limpar a mão à parede!

Duquinha - Por quê?

1Ί Literato – Essa mulher não te perdoará nunca tal covardia!

2Ί Literato – Olha, o melhor que tens a fazer é não voltares lá!

Duquinha – Ah! Meu amigo! Isso é bom de dizer, mas eu estou apaixonado...

2Ί Literato – Tu estás mas é fazendo asneiras! Onde vais tu buscar dinheiro para essas loucuras?

Duquinha – Mamãe tem me dado algum.. mas confesso que contraí algumas dívidas, e não pequenas. – Ora adeus! Não pensemos em coisas tristes, e vamos tomar alguma coisa alegre!

Os Dois – Vamos lá!

(Afastam-se pela direita, cumprimentando Mercedes, Dolores e Blanchette, que entram por esse lado e se encontram com Lola, que entra da esquerda, muito nervosa e agitada. Figueiredo entra da direita, observa as cocotes, pára, e, colocado por trás, ouve tudo quanto elas dizem.)

    • Cena III –

Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, Figueiredo,

Pessoas do Povo, depois Duquinha

Lola – Ah! venham cá. Estou aflitíssima. Não calculam vocês que série de desgraças!

As Outras – Que foi? Que foi?

Lola

Rondó

Com o Duquinha a pouco eu estava

Na saleta a conversar,

E o Eusébio ressonava

Lá na sala de jantar.

O Duquinha uns versos lia,

Mas não lia sem parar,

Que a leitura interrompia

Para uns beijos me furtar;

Mas ao quarto ou quinto beijo,

Sem se fazer anunciar,

Entra o Eusébio, e o poeta vejo

Dar um grito e pôr-se a andar!

Pretendi novos inganos,

Novas tricas inventar,

Mas o Eusébio pôs-se a panos:

Não me quis acreditar!

Vendo a sorte assim fugir-me,

Vendo o Eusébio se escapar,

Fui ao quarto pra vestir-me

E sair para o apanhar.

Mas no quarto vi, de chofre,

- ‘Stive quase a desmaiar! -

Vi as portas do meu cofre

Abertas de par em par!

O ladrão foi o cocheiro!

Nada ali me quis deixar!

Levou jóias e dinheiro!

Que nem posso avaliar!

Blanchette – O cofre aberto!

Dolores – Jóias e dinheiro!

Mercedes – O cocheiro!

Lola – Sim, o cocheiro, o Lourenço, que desapareceu!

Blanchette – Mas como soubeste que foi ele.

Lola – Por esta carta, a única coisa que encontrei no cofre! Ainda por cima escarneceu de mim! (Tem tirado a carta da algibeira.)

Mercedes – Deixa ver.

Lola – Depois! Agora vamos à polícia.Não! À polícia não!

As Três – Por quê?

Lola – Não convém. Logo saberão por quê. Vamos a um advogado! (Julga guardar a carta, mas está tão nervosa que deixa-a cair.) Vamos!

As Três – Vamos! ( Vão saindo e encontram com Duquinha.)

Duquinha – Lola!

Lola (Dando-lhe um empurrão.) – Vá para o diabo!

As Três – Vá para o diabo! (Saem as cocotes. Figueiredo disfarça e apanha a carta que Lola deixou cair.)

Duquinha (Consigo.) – Estou desmoralizado! Ela não me perdoa o ter saído, deixando-a entregue à fúria do fazendeiro! Sou um desgraçado! Que hei de fazer?... Vou desabafar em verso... Não! Vou tomar uma bebedeira!...(Sai.)

    • Cena IV –

Figueiredo, Pessoas do Povo

Figueiredo – Ora aqui está como uma pessoa, sem querer, vem ao conhecimento de tanta coisa! Vejamos o que o cocheiro lhe deixou escrito. (Põe a luneta e lê.)- "Lola. – Eu sou um pouco mais artista que tu. Saio da tua casa sem me despedir de ti, mas levo, como recordação da tua pessoa, as jóias e o dinheiro que pude apanhar no teu cofre. Cala-te; se fazes escândalo, ficas de mal partido, porque eu te digo: 1Ί, que de combinação, representamos uma comédia pra extorquir dinheiro ao Eusébio; 2Ί, que induziste um filho-família a contrair dívidas para presentear-te com jóias; 3Ί, que nunca foste espanhola, e sim ilhoa; 4Ί, que foste a amante do teu ex-cocheiro – Lourenço." Sim, senhor, é de muita força a tal senhora Dona Lola!... Não há, juro que não há mulata capaz de tanta pouca vergonha! (Sai.)

    • Cena V –

Gouveia, Pessoas do Povo, depois Pinheiro

(Gouveia traz as botas rotas, a barba por fazer, um aspecto geral de miséria e desânimo.)

Gouveia – Ninguém, que me visse ainda há tão pouco tempo tão cheio de jóias, não acreditará que não tenho dinheiro nem crédito para comprar um par de sapatos! Há oito dias não vou à casa de minha noiva, porque tenho vergonha de lhe aparecer neste estado!

Pinheiro (Aparecendo.) – Oh! Gouveia! Como vai isso?

Gouveia – Mal, meu amigo, muito mal...

Pinheiro – Mas que quer isto dizer? Não me pareces o mesmo! Tens a barba crescida, a roupa no fio... Desapareceu do teu dedo aquele esplêndido e escandaloso farol, e tens uma botas que riem da tua esbodegação!

Gouveia – Fala à vontade. Eu mereço os teus remoques.

Pinheiro – E dizer que já me quiseste pagar, com juros de cento por cento, dez mil-réis que eu te havia emprestado!

Gouveia – Por sinal, que disseste, creio, que esses dez mil-réis ficavam ao meu dispor.

Pinheiro – E ficaram. (Tirando dinheiro do bolso.) Cá estão eles. Mas, como um par de botinas não se compra com dez mil-réis, aqui tens vinte... sem juros. Pagarás quando quiseres.

Gouveia – Obrigado, Pinheiro; bem se vê que tens uma alma grande e nunca jogaste a roleta.

Pinheiro – Nada! – Sempre achei que o jogo, seja ele qual for, não leva ninguém para diante. – Adeus, Gouveia... aparece! Agora, que estás pobre, isso não te será difícil!... (Sai.)

    • Cena VI –

Gouveia, depois Eusébio

Gouveia – Como este tipo faz pagar caro os seus vinte mil-réis! Ah! Ele apanhou-me descalço! Enfim vamos comprar os sapatos! (Vai saindo e encontra-se com Eusébio, que entra cabisbaixo.) Oh! O Sr. Eusébio!...

Eusébio – Ora! Inda bem que le encontro!...

Gouveia ( À parte.) – Naturalmente já voltou à casa... Como está sentido! ... Vai falar-me de Quinota!...

Eusébio - Hoje de menhã encontrei ela beijando um mocinho!

Gouveia – Hein?

Eusébio – É levada do diabo! Não sei como o sinhô pôde gosta dela!

Gouveia – Ora essa! A ponto de querer casar-me!

Eusébio – Era uma burrice!

Gouveia – Custa-me crer que ela...

Eusébio – Pois creia! Beijando um mocinho, um pelintreca, seu Gouveia!... Veja o sinhô de que serviu gasta tanto dinheiro com ela!...

Gouveia – Sim, o senhor educou-a bem... ensinou-lhe muita coisa...

Eusébio (Vivamente.) – Não, sinhô! Não ensinei nada!... Ela já sabia tudo! O sinhô, sim! Se arrugam ensinou foi o sinhô e não eu! Beijando um pelintreca, seu Gouveia!...

Gouveia – Dona Fortunata não viu nada?

Eusébio – Dona Fortunata?... Uê!... Como é que havera de vê?... Olhe, eu lá não vorto!

Gouveia – Não volta! Ora esta!

Eusébio – Não quero mais sabê dela.

Gouveia – Deve lembrar-se que é pai!

Eusébio – Por isso mesmo! Ah! Seu Gouveia, se arrependimento sarasse... Bem; o sinhô vai me apadrinha, como noutro tempo se fazia cm preto fugido... Não me atrevo a entrá In casa sozinho depois de tantos dias de ofensa!

Gouveia – Em casa? Pois o senhor não me acaba de dizer que lá não volta porque Dona Quinota...

Eusébio – Quem le falou de Quinota?

Gouveia – Quem foi então que o senhor encontrou aos beijos com o pelintreca? – Ah, agora percebo! A Lola!...

Eusébio – Pois quem havera de sê?

Gouveia – E eu supus... Onde tinha a cabeça? ... Perdoa, Quinota, perdoa! Vamos, Senhor Eusébio... Eu apadrinharei, mas com uma condição: o senhor por sua vez me há de apadrinhar a mim, porque eu também não apareço à minha noiva há muitos dias!

Eusébio – Por quê?

Gouveia – Em caminho tudo lhe direi. (À parte.) – Aceito o conselho de Quinota: vou abrir-me. (Alto.) Tenho ainda que comprar um par de sapatos e fazer a barba.

Eusébio – Vamo, seu Gouveia! (Saem. Ao mesmo tempo aparece Lourenço perseguido por Lola, Mercedes, Dolores e Blanchette.)

    • Cena VIII –

Lourenço, Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, Pessoas do Povo

Lola e os Outros – Pega ladrão! (Lourenço é agarrado por pessoas do povo e dois soldados que aparecem. Grande vozeria e confusão. Apitos. Mutação.)

Quadro XI

( O sótão ocupado pela família de Eusébio.)

    • Cena I –

Juquinha, depois Fortunata, depois Quinota

Juquinha (Entrando a correr da esquerda.) – Mamãe! Mamãe!

Fortunata (Entrando da direita.) – Que é, menino?

Juquinha – Papai tá i!

Fortunata – Tá i?

Juquinha – Eu encontrei ele ali no canto e ele me disse que viesse vê se va’mecê tava zangada, que se tivesse, ele não entrava.

Fortunata – Oh! Aquele home, aquele home o que merecia! Vai, vai dizê a ele que não tô zangada!

Juquinha – Seu Gouveia tá junto co ele.

Fortunata – Bem! Venha todos dois. (Juca sai correndo.) Quinota, Quinota!

A voz de Quinota – Senhora?

Fortunata – Vem cá, minha fia. – Eu não ganho nada me consumindo. Já tou véia; não quero me amofiná. (Entra Quinota.) – Quinota, teu pai vem aí... mas o que está arresolvido está: amenhã de menhã vamo embora.

Quinota – E seu Gouveia?

Fortunata – Também vem aí.

Quinota (Contente.) – Ah!

Fortunata – Não quero mais ficá numa terra onde os marido passa dias e noite fora de casa...

    • Cena II –

Fortunata, Quinota, Juquinha, Eusébio, depois Gouveia

Juquinha (Entrando.) – Tá i papai!

Eusébio (Da porta.) – Posso entrá? Não temo briga?

Quinota – Estando eu aqui, não há disso!

Fortunata – Sim, minha fia, tu é o anjo da paz.

Quinota (Tomando o pai pela mão.) – Venha cá. (Tomando Fortunata pela mão.) Vamos! Abracem-se!...

Fortunata (Abraçando-o .) – Diabo de home, véio sem juízo!

Eusébio – Foi uma maluquice que me deu! Raie, raie, Dona Fortunata!

Fortunata – Pai de fia casadeira!

Eusébio – Tá bom! Tá bom! Juro que nunca mais! Mas deixe le dizê...

Fortunata – Não! não diga nada! Não se defenda! É mió que as coisa fique como está.

Juquinha – Seu Gouveia tá no corredô.

Quinota – Ah! (Vai buscar Gouveia pela mão. Gouveia entra manquejando.)

Eusébio – Assim é que o sinhô me apadrinhou?

Gouveia – Deixe-me! Estes sapatos novos fazem-me ver estrelas.

Fortunata – Seu Gouveia, le participo que amenhã de menhã tamo de viagem.

Eusébio – Já conversei co ele.

Gouveia (A Quinota.) – Eu abri-me.

Eusébio – Ele vai coa gente. Não tem que fazê aqui. Tá na pindaíba, mas é o memo. Casa com Quinota e fica sendo meu sócio na fazenda.

Quinota – Ah! Papai! Quanto lhe agradeço!

Juquinha – A Benvinda tá i.

Todos – A Benvinda!

Fortunata – Não quero vê ela! Não quero vê ela!

(Quinota vai buscar Benvinda, que entra a chorar, vestida como no 1Ί quadro, e ajoelha-se aos pés de Fortunata.. )

    • Cena III –

Os mesmos, Benvinda

Benvinda – Tô muito arrependida! Não valeu a pena!

Fortunata – Rua, sua desavergonhada!

Eusébio – Tenha pena da mulata.

Fortunata – Rua!

Quinota – Mamãe, lembre-se de que eu mamei o mesmo leite que ela.

Fortunata – Este diabo não tem descurpa! Rua!

Gouveia – Não seja má, Dona Fortunata. Ela também apanhou o micróbio da pândega.

Fortunata – Pois bem, mas se não se comportá dereto... (Benvinda vai para junto de Juquinha.)

Eusébio (Baixo à Fortunata.) – Ela há de casá com seu Borge... Eu dou o dote...

Fortunata – Mas seu Borge...

Eusébio – Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.) A vida da capitá não se fez para nós... E que tem isso?... É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura que está a vida e o progresso da nossa querida pátria. (Mutação.)

Quadro XII

(Apoteose à vida rural.)

Toda a música desta peça é composta pelo Senhor Nicolino Milano, à exceção das coplas do Ato I - quadro I, cena I e quadro III, cena III , do coro do quadro III, cena I, do duetino do quadro II, cena IV e do quarteto do quadro III, cena IV que foram compostas pelo Senhor Doutor Pacheco, e da valsa do ato I, cena IV, composição do Senhor Luís Moreira.

A

Eduardo Garrido

Mestre e amigo

O.D.C.

Arthur Azevedo

 

Fonte:

AZEVEDO, Artur A capital federal , O badejo , A jóia , Amor por anexins. [Estabelecimento de texto: Prof. Antonio Martins de Araújo]. Rio de Janeiro: Ediouro. (Prestígio).
Texto proveniente de:

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>

A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo

Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:

Selma Suely Teixeira, Curitiba – PR

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para <bibvirt[arroba]futuro.usp.br>.

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