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Figueiredo, Lola
Lola Oh! Estimo encontrá-lo! Pode dar-me uma palavra?
Figueiredo Pois não, minha filha!
Lola Não o comprometo?
Figueiredo De forma alguma! Vossemecê já está lançada!
Lola Como?
Figueiredo Vossemecês só envergonham a gente antes de lançadas.
Lola Não entendo.
Figueiredo Nem é preciso entender. Que desejava?
Lola Lembra-se de mim?
Figueiredo Perfeitamente. Encontramo-nos um dia no vestíbulo do Grande Hotel da Capital Federal.
Lola ( Apertando-lhe a mão.) Nunca mais me esqueci da sua fisionomia. O senhor não é bonito... oh! não! mas é muito insinuante.
Figueiredo (Modestamente.) Oh! filha! ...
Lola lembra-se do motivo que me levava àquele hotel?
Figueiredo Lembra-me. Vossemecê ia à procura de um moço que apontava na primeira dúzia.
Lola Vejo que tem boa memória. Pois é na sua qualidade de hóspede do Grande Hotel da Capital Federal que me atrevo a pedir-lhe uma informação.
Figueiredo Mas eu há muitos dias já lá não moro! Era um bom hotel, não nego, mas que quer? Não me levavam o café ao quarto às sete horas em ponto! Entretanto, se for coisa que eu saiba...
Lola Queria apenas que me desse notícias do Gouveia.
Figueiredo Do Gouveia?
Lola O tal da primeira dúzia.
Figueiredo Mas eu não o conheço.
Lola Deveras?
Figueiredo Nunca o vi mais gordo!
Lola Que pena! Supus que o conhecesse!
Figueiredo Pode ser que o conheça de vista, mas não ligo o nome à pessoa.
Lola Tenho-o procurado inúmeras vezes no hotel... e não há meio ! Não está! Saiu! Há três dias não aparece cá! Um inferno!...
Figueiredo Continua a amá-lo?
Lola Sim, continuo, porque a primeira dúzia, pelo menos até a última vez que lhe falei, não tinha ainda falhado; mas como não o vejo há muitos dias, receio que a sorte
afinal se cansasse.
Figueiredo Então o seu amor regula-se pelos caprichos da bola da roleta?
Lola É como diz. Ah! Eu cá sou franca!
Figueiredo Vê-se!
Coplas
Lola
Este afeto incandescente
Pela bola se regula
Que vertiginosamente
Na roleta salta e pula!
Figueiredo
Vossemecê o moço estima
Dando a bola de um a doze;
Mas de treze para cima
Ce nest pas la même chose!
É Gouveia um bom pateta
Se supõe que inda o quisesse
Quando a bola da roleta
A primeira já não desse!
Figueiredo
A mulata brasileira
De carinhos é fecunda,
Embora dando a primeira,
Embora dando a segunda!
Lola E, por outro lado, ando apreensiva...
Figueiredo Por quê?
Lola Porquê... O senhor não estranhe estas confidências por parte de uma mulher que nem ao menos sabe o seu nome.
Figueiredo Figueiredo...
Lola - Mas, como já disse, a sua fisionomia é tão insinuante... simpatizo muito com o senhor.
Figueiredo Creia que lhe pago na mesma moeda. Digo-lhe mais: se eu não tivesse a minha especialidade ... (À parte.) Deixem lá! Se o moreno fosse mais carregado...
Lola Ando apreensiva porque a Mercedes me contou que há dias viu o Gouveia no teatro com uma família que pelos modos parecia gente da roça... e ele conversava muito com uma moça que não era nada feia... Tenho eu que ver se o tratante se apanha com uma boa bolada arranja casório e eu fico a chuchar o dedo!
Figueiredo (À parte.) Ela exprime-se com muita elegância!
Lola Dos homens tudo há que esperar!
Figueiredo Tudo, principalmente quando dá a primeira dúzia.
Lola (Estendendo a mão que ele aperta.) Adeus, Figueiredo.
Figueiredo Adeus... Como te chamas?
Lola Lola.
Figueiredo Adeus, Lola.
Lola (Com uma idéia.) Ah! uma coisa: você é homem que vá a uma festa?
Figueiredo Conforme.
Lola Eu faço anos sábado...
Figueiredo Este agora?
Lola Não; o outro.
Figueiredo Sábado de aleluia?
Lola Sábado de aleluia, sim. Faço anos e dou um baile à fantasia.
Figueiredo Bravo! Não faltarei!
Lola Contanto que vá fantasiado! Se não vai, não entra!
Figueiredo Irei fantasiado.
Lola Aqui tem você a minha morada. ( Dá-lhe um cartão.)
Figueiredo Aceito com muito prazer, mas olhe que não vou sozinho...
Lola Vai com quem quiseres.
Figueiredo Levo comigo uma trigueira que estou lançando, e que precisa justamente de ocasiões como essa para civilizar-se.
Lola Aquela casa é tua, meu velho! (Vendo Gouveia que entra do outro lado, cabisbaixo, e não repara nela.) Olha quem vem ali!
Figueiredo Quem?
Lola Aquele é que é o Gouveia.
Figueiredo Ah! é aquele?.... Conheço-o de vista... É um moço do comércio.
Lola Foi. Hoje não faz outra coisa senão jogar. Mas como está cabisbaixo e pensativo!
Querem ver que a primeira dúzia...
Figueiredo Adeus! Deixo-te com ele. Até sábado de aleluia!
Lola Não faltes, meu velho! (Apertam-se as mãos.)
Figueiredo (À parte.) Dir-se-ia que andamos juntos na escola! ( Sai.)
Lola, Gouveia
Gouveia (Descendo cabisbaixo ao proscênio.) Há três dias dá a segunda dúzia...
Consultei hoje a escrita: pedi em noventa e cinco bolas o que tinha ganho em perto de mil e duzentas! Decididamente aquele famoso padre do Pará tinha razão quando dizia que não se deve apontar a roleta nem com o dedo, porque o próprio dedo pode lá ficar!
Lola (À parte, do outro lado.) Fala sozinho!
Gouveia Hei de achar a forra! O diabo é que fui obrigado a pôr as jóias no prego. Venho neste instante da casa do judeu. É sempre pelas jóias que começa a esbodegação...
Lola (À parte.) Continua... Aquilo é coisa...
Gouveia Com certeza vão dar por falta dos meus brilhantes... Pobre Quinota! Se ela soubesse! Ela, tão simples, tão ingênua, tão sincera!
Lola (Aproximando-se inopinadamente) Tu estás maluco?
Gouveia Heim?... Eu... Ah! és tu? Como vais?...
Lola Estavas falando sozinho?
Gouveia Fazendo uns cálculos...
Lola Aconteceu-te alguma coisa desagradável? Tu não estás no teu natural!
Gouveia Sim... aconteceu-me... fui roubado... um gatuno levou as minhas jóias... e eu estava aqui planejando deixar hoje a primeira dúzia e atacar dois esguichos, o
esguicho de 7 a 12 e o esguicho de 25 a 30, a dobrar, a dobrar!
Lola (Num ímpeto.) A primeira dúzia falhou?
Gouveia Falhou... ( A gesto de Lola.) Mas descansa: eu já a tinha abandonado antes que ela me abandonasse.
Lola Tens então continuado a ganhar?
Gouveia Escandalosamente!
Lola Ainda bem, porque sábado de aleluia faço anos...
Gouveia É verdade... fazes anos no sábado de aleluia...
Lola É preciso gastas muito dinheiro! Tenho te procurado um milhão de vezes! No hotel dizem-me que lá nem apareces!
Gouveia Exageração.
Lola E outra coisa: quem era uma família com quem estavas uma noite destas no S. Pedro? Uma família da roça?
Gouveia Quem te disse?
Lola Disseram-me. Que gente é essa?
Gouveia Uma família muito respeitável que eu conheci quando andei por Minas.
Lola Gouveia, Gouveia, tu enganas-me!
Gouveia Eu? Oh! Lola! Nunca te autorizei a duvidares de mim!...
Lola Nessa família há uma moça que... Oh! o meu coração adivinha uma desgraça, e ...
(Desata a chorar.)
Gouveia ( À parte.) É preciso, realmente, que ela me ame muito, para ter um
pressentimento assim! (Alto.) Então? Que é isso? Não chores! Vê que estamos na rua!...
Lola (À parte.) Pedaço dasno!
Gouveia Eu irei logo lá à casa, e conversaremos.
Lola Não! não te deixo! Hás de ir agora comigo, hás de acompanhar-me, senão desapareces como aquela vez, no Largo da Carioca!
Gouveia Mas...
Lola Ou tu me acompanhas, ou dou um escândalo!
Gouveia Bom, bom, vamos. Tens aí o carro?
Lola Não, que o Lourenço, coitado, foi passar uns dias em Caxambu. Vamos a pé. Bem
sei que tu tens vergonha de andar comigo em público, mas isso são luxos que deves perder!
Gouveia Vamos! (À parte.) Hei de achar meio de escapulir...
Lola Vamos (À parte.) Ou eu me engano, ou está liquidado! (Afastam-se. Entram pelo outro lado Eusébio, Fortunata e Quinota, que os vêem sem serem vistos por eles.)
Eusébio, Fortunata, Quinota
Fortunata Olhe. Lá vai! É ele! É seu Gouveia com a mesma espanhola com quem estava aquela noite no jardim do Recreio! ( Correndo a gritar.) Seu Gouveia! Seu Gouveia!...
Eusébio (Agarrando-a pela saia.) Ó senhora! Não faça escândalo! Que maluquice de muié!...
Quinota (Abraçando o pai, chorosa.) Papai, eu sou muito infeliz!
Eusébio Aqui está! É o que a senhora queria!]
Fortunata Aquilo é um desaforo que eu não posso admiti! O diabo do home é noivo de nossa filha e anda por toda a parte cuma pilantra!
Eusébio Que pelintra, que nada!... Não acredita, fia da minha bença. É uma prima dele. Coitadinha! Chorando! (Beija-lhe os olhos.)
Quinota Eu gosto tanto daquele ingrato!
Eusébio Ele também gosta de ti... e há de casá contigo... e há de sê um bom marido!
Fortunata (Puxando Eusébio de lado.) É perciso que você tome uma porvidência quaqué, seu Eusébio senão, faço uma estralada!...
Eusébio(Baixo.) Descanse... Eu já tomei informação... Já sei onde mora essas espanhola... Agora mesmo vou procurá ela. Vá as duas. Vá para casa! Eu já vou.
Fortunata E Juquinha? Por onde anda aquele menino?
Eusébio Deixe, que o pequeno não se perde... Está lá no tal Belódromo, aprendendo a andá naquela coisa... Cumo chama?
Quinota Bicicleta.
Eusébio É. Diz que é bom pra desenvorvê os músquios!
Fortunata Desenvorvê a vadiação, é que é!
Quinota Ele é tão criança!
Eusébio Deixa o menino se adiverti. Vão pra casa.
Quinota Lá vamos para aquele forno!
Eusébio Tem paciência, Quinota! Enquanto não se arranja coisa mió, a gente deve se contentá caquele sote.
Fortunata Vamo, Quinota!
Quinota Não se demore, papai!
Eusébio Não.
Fortunata (Saindo.) Eu tô mas é doida pra me apanhá na fazenda! ( Eusébio leva ase senhoras até o bastidor e, voltando-se, vê pelas costas Benvinda.)
Eusébio, Benvinda
Benvinda (Consigo.) Parece que assim o meu andá tá direito...
Eusébio (Consigo.) Xi que tentação! (Seguindo Benvinda.) Psiu!... Ó Dona... Dona!...
Benvinda (À parte.) Esta voz... (Volta-se.) Sinhô Eusébio!
Eusébio Benvinda!...
Benvinda (Assentando o face-en-main.) Ó revoá.
Eusébio A mulata de luneta, minha Nossa Senhora! Este mundo tá perdido!...
Benvinda ( Dando-se ares e sibilando os esses.) Deseja alguma coisa? Estou as suas ordes!
Eusébio Ah! ah! ah! que mulata pernóstica! Quem havia de dizê! Vem cá, diabo, vem cá; me conta tua vida!
Benvinda (Mudando de tom.) Vamcê não tá zangado comigo?
Eusébio Eu não! Tu era senhora do teu nariz! O que tu podia tê feito era se despedi da gente... Dona Fortunata não te perdoa! E seu Borge, quando soubé, há de ficá
danado, porque ele gosta de ti.
Benvinda Se ele gostasse de mim, tinha se casado comigo.
Eusébio Ele um dia me deu a entendê que se eu te desse um dote...
Benvinda Vamcês ainda mora no hoté?
Eusébio Não. Nós mudemo para um sote da Rua dos Inválido. Paguemo sessenta mil-réis.
Benvinda Seu Gouveia já apareceu?
Eusébio Apareceu e tudo tá combinado... (À parte.) O diabo é a espanhola!
Benvinda Sinhá? nhãnhã? nhô Juquinha? tudo tá bom?
Eusébio Tudo! Tudo tá bom!
Benvinda Nhô Juquinha eu vejo ele às vez passá na Rua do Lavradio... com outros menino...
Eusébio Tá aprendendo a andá no... n... nesses carro de duas roda, uma atrás outra adiante, que a gente trepa em cima e tem um nome esquisito...
Benvinda Eu sei.
Eusébio E tu, mulata?
Benvinda Eu tô com seu Figueiredo.
Eusébio Sei lá quem é seu Figueiredo.
Benvinda Tou morando na Rua do Lavradio, canto da Rua da Relação. (Assentando o
face-en-main.) Se quisé aparecê não faça cerimônia. ( Sai requebrando-se.) Ó revoá!
Eusébio Aí, mulata!
Eusébio, depois Juquinha
Eusébio O curpado fui eu... Quando me alembro que seu Borge queria casá com ela... bastava um dote, quaqué coisa... dois ou três conto de réis... mas deixa está: ele não sabe de nada, e tarvez que a coisa ainda se arranje. Quem não sabe é como quem não vê. (Vendo passar Juquinha montado numa bicicleta.) Eh! Juquinha... Menino, vem cá!
Juquinha Agora não posso, não, sinhô! (Desaparece.)
Eusébio Ah! menino! Espera lá! (Corre atrás do Juquinha. Gargalhada dos circunstantes. Mutação.)
Quadro VI
Saleta em casa de Lola
Lola e Gouveia
(Lola entra furiosa. Traz vestida uma elegante bata. Gouveia acompanha-a vem vestido de Mefistófeles.)
Lola Não! isto não se faz! E o senhor escolheu o dia dos meus anos para me fazer essa revelação! Devia esperar pelo menos que acabasse o baile! Com que mau humor vou agora receber os meus convidados! (Caindo numa cadeira.) Oh! os meus pressentimentos não me enganavam!...
Gouveia - Esse casamento é inevitável; quando estive em S. João do Sabará, comprometi-me com a família de minha noiva e não posso faltar à minha palavra!
Lola Mas por que não me disse nada? Por que não foi franco?
Gouveia - Supus que essa dívida tivesse caído em exercícios findos; mas a pequena teve
saudades minhas, e tanto fez, tanto chorou, que o pai se viu obrigado a vir procurar-me! Como vês, é uma coisa séria!
Lola Mas o senhor não pode procurar um subterfúgio qualquer para evitar esse casamento? Que idéia é essa de se casar agora que está bem, que tem sido feliz no
jogo? E eu? Que papel represento eu em tudo isto?
Gouveia (Puxando uma cadeira.) Lola, vou ser franco, vou dizer-te toda a verdade.
(Senta-se.) Há muito tempo não faço outra coisa senão perder... O outro dia tive uma aragem passageira, um sopro de fortuna, que serviu apenas para pagar as despesas da tua festa de hoje e mandar fazer esta roupa de Mefistófeles! Estou completamente perdido! As minha jóias não foram roubadas, como eu te disse. Deitei-as no prego e vendi as cautelas. Para fazer dinheiro, eu, que aqui vês coberto de seda, tenho vendido até a roupa do meu uso... nessas casas de jogo já não tenho a quem pedir dinheiro emprestado. Os banqueiros olham-me por cima dos ombros, porque eu tornei-me um piaba... Sabes o que é uma piaba? É um sujeito que vai jogar com muito pouco bago. Estou completamente perdido!
Lola (Erguendo-se.) Bom. Prefiro essa franqueza. É muito mais razoável.
Gouveia (Erguendo-se.) Esse casamento é a minha salvação; eu...
Lola Não precisa dizer mais nada. Agora sou eu a primeira a aconselhar-te que te cases, e quanto antes melhor...
Gouveia - Mas, minha boa Lola, eu sei que com isso vais padecer bastante, e...
Lola Eu? Ah! ah! ah! ah!... Sé esta me faria rir!... Ah! ah! ah! ah!... Sempre me
saíste um grande tolo! Pois entrou-te na cabeça que eu algum dia quisesse de ti outra coisa que não fosse o teu dinheiro?
Gouveia (Horrorizado.) Oh!
Lola E realmente supunhas que eu te tivesse amor?
Gouveia ( Caindo em si.) Compreendo e agradeço o teu sacrifício, minha boa Lola. Tu estás a fingir uma perversidade e um cinismo que não tens, para que eu saia desta casa sem remorsos! Tu és a Madalena, de Pinheiro Chagas!
Lola E tu és um asno! O que te estou dizendo é sincero! Estava eu bem aviada se me apaixonasse por quem quer que fosse!
Gouveia - Dar-se-á caso que te saíssem do coração todos aqueles horrores?
Lola Do coração? Sei lá o que isso é. O que afianço é que sou tão sincera, que me comprometo a amar-te ainda com mais veemência que da primeira vez no dia em que resolveres dar cabo do dote da tua futura esposa!
Gouveia (Com uma explosão.) Cala-te, víbora danada! Olha que nem o jogo, nem os teus beijos me tiraram totalmente o brio! Eu posso fazer-te pagar bem caro os teus insultos!
Lola Ora, vai te catar! Se julgas amedrontar-me com esses ares de galã de dramalhão, enganas-te redondamente! Depois, repara que estás vestido de Mefistófeles! Esse traje prejudica os teus efeitos dramáticos! Vai, vai ter com a tua roceira. Casem-se, sejam muito felizes, tenham muitos Gouveiazinhos, e não me amoles mais! (Gouveia avança, quer dizer alguma coisa, mas não acha uma palavra. Encolhe os ombros e sai. )
Lola, depois Lourenço
Lola (Só.) Faltou-lhe uma frase, para o final da cena coitado! A respeito de imaginação, este pobre rapaz foi sempre uma lástima! os homens não compreendem que o seu único atrativo é o dinheiro! Este pascácio devia ser o primeiro a fazer uma retirada em regra, e não se sujeitar a tais sensaborias! Bastavam quatro linhas pelo correio. Oh! também a mim, quando eu ficar velha e feia, ninguém me há de querer! Os homens têm o dinheiro, nós temos a beleza; sem aquele e sem esta, nem eles nem nós valemos coisa nenhuma. ( Entra Lourenço trajando uma libré de cocheiro. Vem a rir-se.)
Lourenço Que foi aquilo?
Lola - Aquilo o quê?
Lourenço O Gouveia! Veio zunindo pela escada abaixo e, no saguão, quando eu me curvei respeitosamente diante dele, mandou-me ao diabo, e foi pela rua fora, a pé, vestido de Satanás de mágica! Ah! ah! ah!
Lola Daquele estou livre!
Lourenço Eu não dizia a você? Aquilo é bananeira que já deu cacho!
Lola Que vieste fazer aqui? Não te disse que ficasses lá embaixo?
Lourenço Disse, sim, mas é que está aí um matuto, pelos modos fazendeiro, que deseja falar a você.
Lola A ocasião é imprópria. São quase horas, ainda tenho que me vestir!
Lourenço Coitado! O pobre-diabo já aqui veio um ror de vezes a semana passada, e parece ter muito interesse nesta visita. Demais... você bem sabe que nunca se manda embora um fazendeiro.
Lola Que horas são?
Lourenço Oito e meia. Já estão na sala alguns convidados.
Lola Bem! Num quarto de hora eu despacho esse matuto. Faze-o entrar.
Lourenço É já. (Sai assoviando.)
Lola (Só.) Como anda agora lépido o Lourenço! Voltou de Caxambu que nem parece o mesmo! Ele tem razão: um fazendeiro nunca se manda embora.
Lourenço (Introduzindo Eusébio muito corretamente.) Tenha V. Exa. a bondade de entrar. (Eusébio entra muito encafifado e Lourenço sai fechando a porta.)
- Cena III -
Lola, Eusébio
Eusébio Boa nôte, madama! Deus esteja nesta casa!
Lola Faz favor de entrar, sentar-se e dizer o que deseja. (Oferece-lhe uma cadeira. Sentam-se ambos.)
Eusébio Na sumana passada eu precurei a madama um bandão de vez sem conseguir le falá...
Lola E por que não veio esta semana?
Eusébio Dona Fortunata não quis, por sê sumana santa... Eu então esperei que rompesse as aleluia! (Uma pausa.) Eu pensei que a madama embrulhasse língua comigo, e eu não entendesse nada que a madama dissesse, mas tô vendo que fala muito bem o português...
Lola Eu sou espanhola e... o senhor sabe... o espanhol parece-se muito com o português; por exemplo: hombre, homem; mujer, mulher.
Eusébio (Mostrando o chapéu que tem na mão.) E como é chapéu, madama?
Lola Sombrero.
Eusébio E guarda-chuva?
Lola Paraguas.
Eusébio É! Parece quase a mesma coisa! E cadeira?
Lola Silla.
Eusébio E janela?
Lola Ventana.
Eusébio Muito parecida!
Lola Mas, perdão, creio que não foi para aprender espanhol que o senhor veio à minha casa...
Eusébio Não, madama, não foi para aprendê espanhol: foi para tratá de coisa munto séria!
Lola De coisa séria? Comigo! É esquisito!...
Eusébio Não é esquisito, não madama; eu sou o pai da noiva de seu Gouveia!...
Lola Ah!
Eusébio Cumo minha fia anda munto desgostosa pru via da madama, eu me alembrei de vi na sua casa para sabê... sim, para sabê se é possive a madama se separá de seu Gouveia. Se fô possive, munto que bem; se não fô, paciência: a gente arruma as mala, e amenhã memo vorta pra fazenda. Minha fia é bonita e é rica: não há de sê defunto sem choro!...
Lola Compreendeo: o senhor vem pedir a liberdade de seu futuro genro!
Eusébio Sim, madama; eu quero o moço livre e desembaraçado de quaqué ônus! (Lola levanta-se fingindo uma comoção extraordinária; quer falar, não pode, e acaba numa explosão de lágrimas. Eusébio levanta-se.) Que é isso? A madama está chorando?!...
Lola (Entre lágrimas.) Perder o meu adorado Gouveia! Oh! o senhor pede-me um sacrifício terrível! (Pausa.) Mas eu compreendo... Assim é necessário... Entre a mulher perdida e a menina casta e pura; entre o vício e a virtude, é o vício que deve ceder... Mas o senhor não imagina como eu amo aquele moço e quantas lágrimas preciso verter para apagar a lembrança do meu amor desgraçado! (Abraça Eusébio, escondendo o rosto nos ombros dele, e soluça.) Sou muito infeliz!
Eusébio (Depois de uma pausa, em que faz muitas caretas.) Então, madama?... sossegue... A Madama não perde nada... (À parte.) Que cangote cheiroso!...
Lola (Olhando para ele, sem tirar a cabeça do ombro.) Não perco nada? Que quer o senhor dizer com isso!
Eusébio Quero dizê que... sim... quero dizê... Home, madama, tira a cabeça daí, porque assim eu não acerto as palavras!
Lola (Sem tirar a cabeça.) Sim, a minha porta se fechará ao Gouveia... Juro-lhe que nunca mais o verei... mas onde irei achar consolação? ... Onde encontrarei uma alma que me compreenda, um peito que me abrigue, um coração que vibre harmonizado com o meu?
Eusébio Nós podemo entrá num ajuste.
Lola (Afastando-se dele com ímpeto.) Um ajuste?! Que ajuste?! O senhor quer talvez propor-me dinheiro!... Oh! por amor dessa inocente menina, que é sua filha, não insulte, senhor, os meus sentimentos, não ofenda o que eu tenho de mais sagrado!...
Eusébio (À parte.) É um pancadão! Seu Gouveia teve bom-gosto!...
Lola O senhor quer que eu deixe o Gouveia porque sua filha o ama e é amada por ele,
não é assim? Pois bem: é seu Gouveia; dou-lho, mas dou-lho de graça, não exijo a menor retribuição!
Eusébio Mas o que vinha propô à madama não era um pagamento, mas uma... Cumo chama aquilo que se falou quando foi o 13 de Maio? Uma... Ora, sinhô! (Lembrando-se.) Ah! uma indenização! O caso muda muito de figura!
Lola Não! nenhuma indenização pretendo! Mas de ora em diante fecharei o meu coração aos mancebos da capital, e só amarei (Enquanto fala vai arranjando o laço da gravata e a barba de Eusébio.) algum homem sério... de meia-idade... filho do campo... ingênuo... sincero... incapaz de um embuste... (Alisando-lhe o cabelo.) Oh! Não exigirei que ele seja belo... Quanto mais feio for, menos ciúmes terei! (Eusébio cai como desfalecido numa cadeira, e Lola senta-se no colo dele.) A esse hei de amar com frenesi... com delírio!... (Enche-o de beijos.)
Eusébio (Resistindo e gritando.) Eu quero i me embora! (Ergue-se.)
Lola Cala-te, criança louca!...
Eusébio Criança louca! Uê!...
Lola (Com veemência.) Desde que transpuseste aquela porta, senti que uma força misteriosa e magnética me impelia para os teus braços! Ora o Gouveia! Que me importa a mim o Gouveia se és meu, se está preso pela tua Lola, que não te deixará fugir?
Eusébio Isso tudo é verdade?
Lola Estes sentimentos não se fingem! Eu adoro-te!
Eusébio Eu me conheço... já sou um home de idade... não sei falá como os doutô da Capitá Federá...
Lola Mas é isso mesmo o que mais me encanta na tua pessoa!
Eusébio Quando a esmola é munto, o pobre desconfia.
Lola Põe à prova o meu amor! Já te não sacrifiquei o Gouveia?
Eusébio Isso é verdade.
Lola Pois sacrifico-te o resto!... Queres que me desfaça de tudo quanto possuo, e que vá viver contigo numa ilha deserta? ... Oh! bastam-me o teu amor e uma choupana! (Abraça-o.) Dá-me um beijo! Dá-mo como um presente do céu! (Eusébio limpa a boca com o braço e beija-a .) Ah! (Lola fecha os olhos e fica como num êxtase.)
Eusébio (À parte.) Seu Eusébio tá perdido! (Dá-lhe outro beijo.)
Lola (Sem abrir os olhos. ) Outro... outro beijo ainda... (Eusébio beija-a e ela afasta-se, esfregando os olhos.) Oh! Não será isto um sonho?
Eusébio Bom, madama, com sua licença: eu vou me embora...
Lola Não; não consinto! Faço hoje anos e dou uma festa. A minha sala já está cheia de convidados.
Eusébio Ah! por isso é que, quando eu entrei, subia uns mascarado...
Lola Sim; é um baile à fantasia. Precisas de um vestuário.
Eusébio Que vestuário, madama?
Lola Espera. Tudo se arranjará. (Vai à porta.) Lourenço!
Eusébio Que vai fazê, madama?
Lola Vais ver.
- Cena IV -
Os mesmos, Lourenço
Lola (A Lourenço que se apresenta muito respeitosamente.) Vá com este senhor a uma casa de alugar vestimentas à fantasia a fim de que ele se prepare para o baile.
Eusébio Mas...
Lola (Súplice.) Oh! Não me digas que não! ( A Lourenço.) Dê ordem ao porteiro para não deixar entrar o Sr. Gouveia. Esse moço morreu para mim!
Lourenço (À parte.) Que diabo disto será aquilo?
Lola (Baixo a Eusébio.) Estás satisfeito? (Antes que ele responda.) Vou preparar-me também. Até logo! (Sai pela direita.)
Eusébio, Lourenço
Eusébio (Consigo.) Sim, sinhô; isto é o que se chama vi buscá lã e saí tosquiado! Se Dona Fortunata soubesse... (Dando com o Lourenço.) Vamos lá, seu... cumo o sinhô se chama?
Lourenço Lourenço, para servir a V.Exa.
Eusébio Vamos lá, seu Lourenço... (Sem arredar pé de onde está.) Isto é o diabo! Enfim!... Mas que espanhola danada! (Encaminha-se para a porta e faz lugar para
Lourenço passar.) Faz favô!
Lourenço (Inclinando-se.) Oh! Meu senhor... isso nunca... eu, um cocheiro!... Então. Por obséquio!
Eusébio Passe, seu Lourenço, passe, que o sinhô é de casa e está fardado! (Lourenço passa e Eusébio acompanha-o . Mutação.)
Quadro VII
(Rico salão de baile profusamente iluminado)
Rodrigues, Dolores, Mercedes, Blanchette, convidados
(Estão todos vestidos à fantasia)
Coro
Que lindo baile! Que bela festa!
Luzes e flores em profusão!
A nossa Lola não é modesta!
Eu sinto aos pulos o coração!
Mercedes, Dolores e Blanchette
Senhores e senhoras,
Divirtam-se a fartar!
Alegremente as horas
Vejamos deslizar!
A mocidade é sonho
Esplêndido e risonho
Que rápido se esvai;
Portanto, a mocidade
Com voluptuosidade
Depressa aproveitai!
Blanchette
Dancemos, que a dança,
Se o corpo nos cansa,
A alma nos lança
Num mundo melhor!
Dolores
Bebamos, que o vinho,
Com doce carinho,
Nos mostra o caminho
Fulgente do amor!
Mercedes
Amemos, embora
Chegada à hora
Da fúlgida aurora,
Deixemos de amar!
Que em nós os amores,
Tal como nas flores
Perfumes e cores,
Não possam durar!
As Três
Dancemos!
Bebamos! Amemos!
Rodrigues (Que está vestido de Arlequim.) Então? Que me dizem desta fantasia? Vocês ainda não me disseram nada!...
Mercedes Deliciosa!
Blanchette Épatante!
Rodrigues Saiu baratinha, porque foi feita em casa pelas meninas. Como sabem, sou o homem da família.
Mercedes Você confessou em casa que vinha ao baile da Lola?
Rodrigues Não, que isso talvez aborrecesse minha senhora. Eu disse-lhe que ia a um baile dado em Petrópolis pelo Ministro Inglês...
Todas Ah!ah!ah!...
Rodrigues (Continuando.) - ... baile a que não podia faltar por amor de uns tantos interesses comerciais...
Blanchette Ah! Seu patife!
Dolores De modo que, neste momento, a sua pobre senhora julga-o em Petrópolis.
Rodrigues (Confidencialmente, muito risonho.) Saí hoje de casa com a minha bela fantasia dentro de uma mala de mão, e fingi que ia tomar a barca das quatro horas. Tomei mas foi um quarto do hotel, onde o austero negociante jantou e onde à noite se transformou no carro fechado voei a esta deliciosa mansão de encantos e prazeres.Tenho por mim toda a noite e parte do dia de amanhã, pois só tenciono voltar à tardinha. Ah! Não imaginam vocês com que saudade estou da família, e com que satisfação abraçarei a esposa e os filhos quando vier de Petrópolis!
Mercedes Você é na realidade um pai de família modelo!
Dolores Um exemplo de todas as virtudes!
Blanchette Esse vestuário de Arlequim não lhe fica bem! Você devia vestir-se de Catão!
Rodrigues Trocem à vontade, mas creiam que não há no Rio de Janeiro um chefe de família mais completo do que eu. (Afastando-se.) Em minha casa não falta nada. (Afasta-se.)
Mercedes Nada, absolutamente nada, a não ser o marido.
Dolores É um grande tipo.
Blanchette E a graça é que a senhora paga-lhe na mesma moeda!
Mercedes É mais escandalosa que qualquer de nós.
Dolores Não quero ser má língua, mas há dias encontrei-a num bonde da Vila Isabel muito agarradinha ao Lima Gama!
Blanchette Aqueles bondes da Vila Isabel são muito comprometedores.
Rodrigues (Voltando.) Que estão vocês aí a cochichar?
Mercedes Falávamos da vida alheia.
Blanchette Dolores contava que há dias encontrou num bonde da Vila Isabel uma senhora casada que mora em Botafogo.
Rodrigues Isso não tira! Talvez fosse ao Jardim Zoológico.
Dolores Talvez; mas o leão ia ao lado dela no bonde...
Rodrigues Há, efetivamente, senhoras casadas que se esquecem do decoro que devem a si e à sociedade!
As três (Com convicção.) Isso há...
Rodrigues Por esse lado posso levantar as mãos para o céu! Tenho uma esposa virtuosa!
Mercedes Deus lha conserve tal qual tem sido até hoje.
Rodrigues Amém.
Blanchette E Lola que não aparece?
Dolores Está se vestindo: não tarda.
Um Convidado Oh! Que bonito par vem entrando!
Todos É verdade!
O Convidado Façamos alas para recebê-lo!
Rodrigues Propomos que o recebamos com um rataplan!
Todos Apoiada! Um rataplan... (Formam-se duas alas.)
Coro
Rataplan! Rataplan! Rataplan!
Oh! que elegância! que lindo par!...
Todos os outros vem ofuscar!
Os mesmos, Figueiredo e Benvinda
(Entra Figueiredo, vestido de Radamés, trazendo pela mão Benvinda, vestida de Aída.)
Figueiredo
Eis Aída,
Conduzida
Pela mão de Radamés
Vem chibante,
Coruscante,
Da cabeça até os pés!...
Que lindeza!
Que beleza!
Meus senhores aqui está
A trigueira
Mais faceira
De São João do Sabará!
Coro
A trigueira, etc...
Figueiredo
Diz tolices,
Parvoíces,
Se abre a boca pra falar,
Se se cala
Se não fala,
Pode as pedras encantar!
Eu a lanço
Sem descanso!
Na pontíssima estará
A trigueira
Mais faceira
De São João do Sabará!
Coro
A trigueira, etc...
Figueiredo Minhas senhoras e meus senhores, apresento a Vossas Excelências e Senhorias, Dona Fredegonda, que depois, bem entendido, das damas que se acham aqui presentes é a estrela mais cintilante do demi-monde carioca!
Todos ( Inclinando-se.) Dona Fredegonda!
Figueiredo (Baixo a Benvinda.) Cumprimenta.
Benvinda Ô revoá!
Figueiredo ( Baixo.) Não Au revoir é quando a gente vai se embora e não quando chega.
Benvinda Entonces...
Figueiredo (Baixo.) Cala-te! Não digas nada! ... (Alto.) Convidado pela gentilíssima Lola para comparecer a este forrobodó elegante, não quis perder o magnífico ensejo, que se me oferecia, de iniciar a formosa Fredegonda nos insondáveis mistérios da galanteria fluminense! Espero que Vossas Excelências e senhorias queiram recebê-la com benevolência, dando o necessário desconto às clássicas emoções da estréia, e ao fato de ser Dona Fredegonda uma simples roceira, quase tão selvagem como a princesa etíope que o seu vestuário representa.
Todos ( Batendo palmas.) Bravo! Bravo! Muito bem!
Blanchette ( A Figueiredo.) Descanse. A iniciação desta neófita fica por nossa conta. (Às outras.) Não é assim?
Dolores e Mercedes Certamente. (As três cercam Benvinda, que se mostra muito encafifada.)
Figueiredo (Vendo Rodrigues aproximando-se dele.) Oh! Que vejo! Você aqui!... Você, o homem da família, o moralista retórico e sentimental, o palmatória do mundo!...
Rodrigues Sim... é que ... são coisas... estou aqui por necessidade... por incidente... por uma série de circunstâncias que...que...
Figueiredo Deixe-se disso! Não há nada mais feio que a hipocrisia! Naquela tarde em que o encontrei no largo da Carioca, a mulata mostrou-me seu cartão de visitas...
Rodrigues O meu?... Ah! Sim, dei-lhe o meu cartão... para...
Figueiredo Para quê?
Rodrigues Para...
Figueiredo Olhe, cá entre nós que ninguém nos ouve: quer você tomar conta dela?
Rodrigues Quê! Pois já se aborreceu?
Figueiredo Todo o meu prazer é lançá-las, lançá-las, e nada mais. Você viu a Mimi Bilontra?
Rodrigues Não.
Figueiredo Mas sabe o que é lançar uma mulher?
Rodrigues Nesses assuntos sou hóspede... você sabe... sempre fui um homem de família... mas quer me parecer que lançar uma mulher é como quem diz atirá-la na
vida, iniciá-la neste meio...
Figueiredo Ah! Qui Qui! Infelizmente não creio que desta se possa fazer alguma coisa mais que uma boa companheira. É uma mulher que lhe convinha.
Rodrigues Mas eu não preciso de companheira! Sou casado, e, graças a Deus, a minha santa esposa...
Figueiredo ( Atalhando.) E o cartão?
Rodrigues Que cartão? Ah! Sim, o cartão do Largo da Carioca... Mas eu não me comprometi a coisa nenhuma!
Figueiredo Bom; então não temos nada feito... mas veja lá! se quer...
Rodrigues Querer, queria... mas não com caráter definitivo!
Figueiredo Ora vá pentear macacos!
(Às últimas deixas, Eusébio tem entrado, vestido com uma dessas roupas que vulgarmente se chamam de princês. Eusébio aperta a mão aos convidados um por um. Todos se interrogam com os olhos admirados de tão estranho convidado.)
Os mesmos, Eusébio
Eusébio (Depois de apertar a mão a muitos dos circunstantes.) Tá tudo oriando uns pros outro, admirado de me vê aqui! Eu fui convidado pela madama dona da casa!
Benvinda (À parte.) Sinhô Eusébio! ...
Figueiredo ( A quem Eusébio aperta a mão, à parte.) Oh! Diabo! É o patrão da Benvinda!...
Blanchette Donde saiu esta figura?
Dolores É um homem da roça!
Blanchette Não será um doido?
Eusébio ( Indo apertar por último a mão de Benvinda, reconhecendo-) Benvinda!
Benvinda Ó revoá!
Figueiredo (À parte.) E ela a dar-lhe!...
Eusébio Tu também tá de fantasia, mulata! O mundo tá perdido!...
Benvinda Eu vim com seu Figueiredo... mas vancê é que me admira!
Eusébio Eu vim falá ca madama pro mode seu Gouveia... e ela me convidou pra festa... e eu tive que alugá esta vestimenta, mas vim de tilbo porque hoje é sabo de aleluia e eu não quero embrulho comigo!
Figueiredo (À parte.) Oh! Bom! Foi o seu professor de português!
Benvinda Se sinhá soubesse...
Eusébio Cala a boca! Nem pensá nisso é bão! Mas onde tá o tá seu Figueiredo? Eu sempre quero olá pra cara dele!
Benvinda É aquele.
Eusébio ( Indo a Figueiredo.) Pois foi o sinhô que me desencaminhou a mulata? O sinhô, um home branco e que já começa a pintá? Agora me alembro de vê o sinhô lá no hoté só rondando a porta da gente!...
Figueiredo Estou pronto a dar-lhe todas as satisfações em qualquer terreno que mas peça... mas há de convir que este lugar não é o mais próprio para...
Eusébio (Atalhando.) Ora viva! Eu não quero satisfação! A mulata não é minha fia nem parenta minha! Mas lá em São João do Sabará há um home chamado seu Borge, que se souber... um!um!... é capaz de vi na Capitá Federá!
Figueiredo Pois que venha!
Mercedes Aí chega a Lola!
Todos Oh! A Lola!... viva a Lola!... viva!...
Os mesmos, Lola
Coro
Até que enfim Lola aparece!
Até que enfim Lola cá está!
Vem tão bonita que entontece!
Lola vem cá! Lola vem já!...
(Lola entra ricamente fantasiada à espanhola.)
Lola
Querem todos ver a Lola!
Aqui está ela!
Coro
Aqui está ela!
Lola
Oh, que esplêndida manola
Não há mais bela!
Coro
Não há mais bela!
Lola
Vejam que graça
Tem a manola!
Não é chalaça!
Não é parola!
Como se agita!
Como rebola!
Isso os excita!
Isso os consola!
O olhar brejeiro
De uma espanhola
Do mais matreiro
Transtorna a bola,
E sem pandeiro,
Nem castanhola!
Coro
Vejam que graça, etc... (Dança geral.)
Figueiredo Gentilíssima Lola, permite que Radamés te apresenta Aída!
Lola Folgo muito de conhecê-la. Como se chama?
Benvinda Benv... (Emendando.) Fredegonda.
Eusébio ( À parte.) Fredegonda? Uê! Benvinda mudou de nome!...
Figueiredo Espero que lhe emprestes um raio da tua luz fulgurante!
Lola Pode contar com a minha amizade.
Figueiredo Agradece.
Benvinda Merci.
Eusébio (À parte.) Aí, mulata!...
Lola (Vendo Eusébio.) Bravo! Não imagina como lhe fica bem essa fatiota!
Eusébio Diz que é vestuário de conde.
Lola - Está irresistível!
Eusébio Só a madama podia me metê nestas fundura!
Blanchette (A Lola.) Onde foste arranjar aquilo?
Lola Cala-te! É um tesouro, um roceiro rico ... e primitivo!
Blanchette Tiraste a sorte grande!
Lola - Meus amigos, espera-os na sala de jantar um ponche, um ponche monumental, que mandei preparar no intuito de animar as pernas para a dança e os corações para o amor!
Todos - Bravo! Bravo!...
Figueiredo Um ponche! Nesse caso, é preciso apagar as luzes!
Lola Já devem estar apagadas. ( A Eusébio.) Fica. Preciso falar-te.
Mercedes Ao ponche, meus senhores!
Todos Ao ponche!...
Blanchette (A Lola.) Não vens?
Lola Vão indo. Eu já vou. Manda-me aqui algumas taças.
Dolores Ao ponche!
Coro
Vamos ao ponche flamejante!
Vamos ao ponche sem tardar!
O ponche aquece um peito amante
E as cordas da alma faz vibrar!
(Saem todos, menos Lola e Eusébio.)
Eusébio, Lola
Lola Oh! Finalmente estamos sós um instante!
Eusébio (Em êxtase.) Como a madama tá bonita!
Lola Achas?
Eusébio Juro por esta luz que nos alumeia que nunca vi uma muié tão fermosa!...
Lola Hei de pedir a Deus que me conserve assim por muito tempo para que eu nunca te desagrade! (Entra Lourenço com uma bandeja cheia de taças de ponche chamejante.)
Os mesmos, Lourenço
Eusébio Adeusinho, seu Lourenço. Como passou de indagorinha pra cá?
Lourenço (Imperturbável e respeitoso.) Bem; agradecido a Vossa Excelência.
Lola Deixe a bandeja sobre esta mesa e pode retirar-se. (Lourenço obedece e vai a retirar-se.)
Eusébio Até logo, seu Lourenço. (Aperta-lhe a mão.)
Lourenço Oh! Excelentíssimo! (Fiz uma mesura e sai, lançando um olhar significativo a Lola.)
Lola (À parte.) É um bruto!
Lola, Eusébio
Eusébio Este seu Lourenço é muito delicado. Arruma incelência na gente que é um gosto!
Lola (Oferecendo-lhe uma taça de ponche.) À nossa saúde!
Eusébio Bebida de fogo? Não! Não é o fio de meu pai!...
Lola Prova, que hás de gostar. (Eusébio prova.) Então, que tal? (Ele bebe toda a taça.)
Eusébio Home, é muito bão! Cumo chama isto?
Lola Ponche.
Eusébio Isto não faz má? Eu não tenho cabeça forte!
Lola Podes beber sem receio.
Eusébio Então, à nossa, pra que Deus nos livre de alguma coisa! (Bebe.)
Lola Dize... dize que hás de ser meu... dá-me a esperança de ser um dia amada por ti!...
Eusébio Eu já gosto de madama cumo quê!
Lola Não digas a madama. Trata-me por tu.
Eusébio Não me ajeito... pode sê que despois...
Lola Depois do quê?
Eusébio (Com riso tolo e malicioso.) Ah! ah!
Lola (Dando-lhe outra taça.) Bebe!
Eusébio Ainda?
Lola Esgotemos juntos esta taça! (Bebe um gole e dá a taça a Eusébio.)
Eusébio Vou sabê dos teus segredo. (Bebe.)
Lola E eu dos teus. (Bebe.) Oh! O teu segredo é delicioso... tu gostas muito de mim... da tua Lola... mas receias que eu não seja sincera... tens medo de que eu te engane...
Eusébio (Indo a dar um passo e cambaleando.) Minha Nossa Senhora! Eu tou fora de mim! Parece que tou sonhando! ... O tá ponche tem feitiço... mas é bão... é muito bão!... Quero mais!
Dueto
Lola
Dize mais uma vez! Dize que me amas!
Eusébio
Eu já disse e arrepito!
Lola
O coração me inflama!
Vem aos meus braços! Vem!
Assim como eu te amo, ai! Nunca amei ninguém!
Se deste afeto duvidas,
Se me imaginas perjura,
Com essas mãos homicidas
Me cavas a sepultura!
Será o golpe certeiro,
A morte será horrenda!
Tu és o meu fazendeiro!
E eu sou a tua fazenda!
Eusébio
Se é moda a bebedeira, tou na moda,
Pois vejo toda a casa andando à roda!
Lola
Bebe ainda uma taça
Agora pode ser que bem te faça.
Eusébio
(Depois de beber.)
Não posso mais! ( Atira a taça.)
Oh! Lola, eu tou perdido!
Lola
Vem cá, meu bem querido!
Juntos
Lola Eusébio
Vem aos meus braços, Tou nos seus braço!
Eusébio, vem! Aqui me tem!
Os meus abraços Mas os abraço
Te fazem bem! Não me faz bem!
Eusébio Oh! Tou cuma fogueira aqui dentro! Mas é tão bão ( Abraçando Lola.) Lola, eu sou teu... só teu... faz de mim o que tu quiser, minha negra!
Lola Meu? Isso é verdade? Tu és meu? Meu?
Eusébio Sim, sou teu! Tá aí! E agora? Sou teu e de mais ninguém...
Lola Então, esta casa é tua! És o meu senhor, o meu dono, e como tal quero que todos te reconheçam! (Indo à porta batendo palmas.) Eh! Olá! Venham todos!... venham todos! (Música na orquestra.)
(Todos os personagens do ato.)
Final
Coro
Lola nos chama!
Que aconteceu?
Que nos quer Lola?
Que sucedeu?
Lola
Meus amigos, desejo neste instante
Apresentar-lhes o meu novo amante!
Ele aqui está! Eu o amo e ele me ama.
Eusébio Sim! Aqui está o home da madama!
Todos Ele!... (Admiração geral.)
Lola
És o meu novo dono!
Pode dizer-me: És minha!
É teu, é teu somente
O meu sincero amor!
Eu dava-te o meu trono
Se fosse uma rainha!
Tu, exclusivamente,
És hoje o meu senhor!
Eusébio
Sou eu o seu novo dono!
Posso dizer: É minha!
É meu unicamente
O meu sincero amô!
Por ela eu me apaixono!
A Lola é bonitinha!
Eu, exclusivamente,
Sou hoje o seu sinhô!
Lola
És o meu novo dono! Etc.
Coro
Eis o seu novo dono!
Pode dizer: É minha!
É dele unicamente
O meu sincero amor!
Gostar assim de um mono
É sorte bem mesquinha!
Ele, exclusivamente,
É hoje o seu senhor!...
Figueiredo
(A Eusébio)
Nossos cumprimentos,
Meu amigo, aos centos
Queira receber!
E como hoje é trunfo,
Levado em triunfo
Agora vai ser!
(Figueiredo e Rodrigues carregam Eusébio. Organiza-se uma pequena marcha, que faz uma volta pela cena, levando o fazendeiro em triunfo.)
Coro
Viva! Viva o fazendeiro
Bonachão e prazenteiro
Que de um peito bandoleiro
Os rigores abrandou,
Conquistando a linda Lola,
Essa esplêndida espanhola
Que o país da castanhola
Generoso nos mandou!
(Eusébio é posto sobre uma mesa ao centro da cena.)
Eusébio
Obrigado!
Obrigado!
Mas eu tô muito chumbado!
Vejo tudo dobrado!
Lola
Dancem! Dancem! Tudo dance!
Ninguém canse
No cancã,
Pois quem se acha aqui presente
Tudo é gente
Folgazã!
Coro
Sim! Dancemos! tudo dance!
Ninguém canse
No cancã,
Pois quem se acha aqui presente
Tudo é gente
Folgazã!
(Cancã desenfreado em volta da mesa.)
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