Comédia Opereta de
costumes brasileiros,
em 3 atos e 12 quadros
Personagens e seus criadores
Lola...................................................................................Pepa Ruiz
D. Fortunata......................................................................Clélia Araújo
Benvinda...........................................................................Olímpia Amoedo
Quinota..............................................................................Estefânia Louro
Juquinha............................................................................Adelaide Lacerda
Mercedes...........................................................................Maria Mazza
Dolores.............................................................................Marieta Aliverti
Blanchette.........................................................................Madalena Vallet
Um Literato......................................................................
]Maria Granada
Uma Senhora....................................................................
Uma Hóspede do Grande Hotel da Capital Federal.........Olívia
Eusébio.............................................................................Brandão
Figueiredo.........................................................................Colás
Gouveia............................................................................. H.Machado
Lourenço...........................................................................Leonardo
Duquinha...........................................................................Zeferino
Rodrigues..........................................................................
]Portugal
Pinheiro.............................................................................
Um proprietário................................................................ ]Pinto
Um freqüentador do Belódromo......................................
Outro literato................................................................... ]Lopes
O gerente do Grande Hotel da Capital Federal..............
Sll Vou Plait, amador de bicicleta................................Louro
Mota............................................................................... ]Azevedo
Lemos............................................................................
Um Convidado.............................................................. ]Oliveira
Guedes..........................................................................
Um inglês.....................................................................Peppo
Um fazendeiro.............................................................Montani
O "Chasseur"..............................................................N.N.
Hóspedes e criados do Grande Hotel da Capital Federal, vítimas de uma agência de alugar casas, amadores de bicicleta, convidados, pessoas do povo, soldados, etc.
Ação: no Rio de Janeiro, no fim do século passado.
Ato I
Quadro I
(Suntuoso vestíbulo do Grande Hotel da Capital Federal. Escadaria ao fundo. Ao levantar o pano, a cena está cheia de hóspedes de ambos os sexos, com malas nas mãos, e criados e criadas que vão e vêm. O gerente do hotel anda daqui para ali na sua faina.)
- Cena I
Um Gerente, um Inglês, uma Senhora, um Fazendeiro e um Hóspede
Coro e Coplas
Os Hóspedes
De esperar estamos fartos
Nós queremos descansar!
Sem demora aos nossos quartos
Faz favor de nos mandar!
Os Criados
De esperar estamos fartos!
Precisamos descansar!
Um hotel com tantos quartos
O topete faz suar!
Um Hóspede Um banho quero!
Um Inglês Aoh! Mim quer come!
Uma Senhora Um quarto espero!
Um Fazendeiro Eu estou com fome!
O Gerente
Um poucochinho de paciência!
Servidos todos vão ser, enfim!
Eu quando falo, fala a gerência!
Fiem-se em mim!
Coro
Pois paciência,
Uma vez que assim quer a gerência!
Coplas
O Gerente
Este hotel está na berra!
Coisa é muito natural!
Jamais houve nesta terra
Um hotel assim mais tal!
Toda a gente, meus senhores,
Toda a gente, ao vê-lo, diz:
Que os não há superiores
Na cidade de Paris!
Que belo hotel excepcional
O Grande Hotel da Capital
Federal!
Coro
Que belo hotel excepcional, etc...
O Gerente
Nesta casa não é raro
Protestar algum freguês:
Acha bom, mas acha caro
Quando chega o fim do mês.
Por ser bom precisamente,
Se o freguês é do bom-tom
Vai dizendo a toda a gente
Que isto é caro mas é bom.
Que belo hotel excepcional!
O grande Hotel da Capital
Federal!
Coro
Que belo hotel excepcional, etc...
O Gerente (Aos criados.) Vamos!Vamos! Aviem-se! Tomem as malas e encaminhem estes senhores! Mexam-se! Mexam-se!... ( Vozeria. Os hóspedes pedem quarto, banhos, etc... Os criados respondem. Tomam as malas, saem todos, uns pela escadaria, outros pela direita.)
O Gerente, depois, Figueiredo
O Gerente (Só) Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com um plafond pintado pelos nossomeiros artistas! Enfim, uma verdadeira novidade! Antes de nos estabelecermos aqui, era uma vergonha! Havia hotéis em S. Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia do Grande Hotel da Capital Federal, que dotou essa cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos! (Figueiredo aparece no topo da escada e começa a descer.) Ali vem o Figueiredo. Aquele é o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito. Aposto que vem fazer alguma reclamação.
O Gerente, Figueiredo
Figueiredo Ó seu Lopes, olhe que, se isto continuar assim, eu mudo-me!
O Gerente (À parte) Que dizia eu?
Figueiredo Esta vida de hotel é intolerável! Eu tinha recomendado ao criado que me levasse o café ao quarto às sete horas, e hoje...
O Gerente O meliante lhe apareceu um pouco mais tarde.
Figueiredo Pelo contrário. Faltavam dez minutos para as sete... Você compreende que isso não tem lugar.
O Gerente Pois sim, mas...
Figueiredo Perdão ;eu pedi o café para as sete e não para as seis e cinqüenta!
O gerente Hei de providenciar.
Figueiredo E que idéia foi aquela ontem de darem lagostas ao almoço?
O Gerente Homem, creio que lagosta...
Figueiredo É um bom petisco, não há dúvida, mas faz-me mal!
O Gerente Pois não coma!
Figueiredo Mas eu não posso ver lagostas sem comer!
O Gerente Não é justo por sua causa privar os demais hóspedes.
Figueiredo Felizmente até agora não sinto nada no estômago... É um milagre! E Sexta-feira passada? Apresentaram-me ao jantar maionese. Maionese! Quase
atiro com o prato à cara do criado!
O Gerente Mas comeu!
Figueiredo Comi, que remédio! Eu posso lá ver maionese sem comer? Mas foi uma coisa extraordinária não ter tido uma indigestão!...
Os mesmos, Lola
Lola( Entrando arrebatadamente da esquerda.) Bom dia! (Ao gerente.) Sabe me dizer se o Gouveia está?
O Gerente O Gouveia?
Lola Sim, o Gouveia um cavalheiro que está aqui morando desde a semana passada.
O Gerente ( Indiscretamente) Ah! O jogador... (Tapando a boca) Oh!... Desculpe!...
Lola O jogador, sim, pode dizer! Por ventura o jogo é hoje um vício inconfessável?
O Gerente Creio que esse cavalheiro está no seu quarto; pelo menos ainda o não vi descer.
Lola Sim, o Gouveia é jogador, e essa é a única razão que me faz gostar dele.
O Gerente Ah! A senhora gosta dele?
Lola Se gosto dele? Gosto, sim, senhor! Gosto, e hei de gostar, pelo menos enquanto der a primeira dúzia!
O gerente (Sem entender) Enquanto der...
Lola - Ele só aponta nas dúzias ora na primeira, ora na segunda, ora na terceira, conforme o palpite. Há perto de um mês que está apontando na primeira.
Figueiredo (À parte.) É um jogador das dúzias!
Lola Enquanto der a primeira, amá-lo-ei até o delírio!
Figueiredo A senhora é franca!
Lola Fin de siècle, meu caro senhor, fin de siècle.
Valsa
Eu tenho uma grande virtude:
Sou franca, não posso mentir!
Comigo somente se ilude
Quem mesmo se queira iludir!
Porque quando apanho um sujeito
Ingênuo, simplório, babão,
Necessariamente aproveito,
Fingindo por ele paixão!
Engolindo a pílula,
Logo esse imbecil!
Põe-se a fazer dívidas
E loucuras mil!
Quando enfim, o mísero
Já nada mais é,
Eu sem dó aplico-lhe
Rijo pontapé!
Eu tenho uma linha traçada,
E juro que não me dou mal...
Desfruto uma vida folgada
E evito morrer no hospital.
Descuidosa,
Venturosa,
Com folias
Sem amar,
Passo os dias
A folgar!
Só conheço as alegrias,
Sem tristezas procurar!
Eu tenho uma grande virtude, etc...
Mas vamos, faça o favor de indicar-me o quarto do Gouveia.
O Gerente Perdão, mas a senhora não pode lá ir.
Lola Por quê?
O Gerente Aqui não há disso...
Figueiredo (À parte) Toma!
O Gerente Os nossos hóspedes solteiros não podem receber nos quartos senhoras que não estejam acompanhadas.
Lola Caracoles! Sou capaz de chamar o Lourenço para acompanhar-me.
O Gerente Quem é o Lourenço?
Lola O meu cocheiro. Ah! Mas que lembrança a minha! Ele não pode abandonar a caleça!
O Gerente O que a senhora deve fazer é esperar no salão. Um belo salão, vai ver, com um plafond pintado pelos nossos primeiros artistas!
Lola Onde é?
O Gerente (Apontando para a direita.) Ali.
Lola Pois esperá-lo-ei. Oh! Estes prejuízos! Isto só se vê no Rio de Janeiro!... (Vai a sair e lança um olhar brejeiro a Figueiredo.)
Figueiredo Deixe-se disso, menina! Eu não jogo na primeira dúzia! (Lola sai pela direita.)
O Gerente, depois o Chasseur
O Gerente Oh! Sr. Figueiredo! Não se trata assim uma mulher bonita!...
Figueiredo Não ligo importância a esse povo.
O Gerente Sim, eu sei... é como a lagosta... Faz-lhe mal, talvez, mas atira-se-lhe que...
Figueiredo Está engasgado. Essas estrangeiras não têm o menor encanto para mim.
O Gerente Não conheço ninguém mais pessimista que o senhor.
Figueiredo Fale-me de uma trigueira... bem trigueira, bem carregada...
O Gerente Uma mulata?
Figueiredo Uma mulata, sim! Eu digo trigueira por ser menos rebarbativo. Isso é que é nosso, é o que vai com o nosso temperamento e o nosso sangue! E quanto
mais dengosa for a mulata, melhor! Ioiô, eu posso? Entrar de caixeiro, sair como sócio?... Você já esteve na Bahia, seu Lopes?
O Gerente Ainda não. Mas com licença: vou mandar chamar o tal Gouveia. (Chamando.)
Chasseur. (Entra da direita um menino fardado.) Vá ao quarto nΊ 135 e diga ao hóspede que está uma senhora no salão à sua espera. ( O menino sai a
correr pela escada.)
Figueiredo Chasseur! Pois não havia uma palavra em português para...
O Gerente Não havia, não senhor. Chasseur não tem tradução.
Figueiredo Ora essa! Chasseur é...
O Gerente É caçador, mas chasseur de hotel não tem equivalente. O Grande Hotel da
Capital Federal é o primeiro no Brasil que se dá ao luxo de ter um chasseur!
Mas como ia dizendo... a Bahia?...
Figueiredo Foi lá eu tomei predileção pelo gênero. Ah, meu amigo! É preciso conhecê-las! Aquilo é que são mulatas! No Rio de Janeiro não as há!
O Gerente Perdão, mas eu tenho visto algumas que...
Figueiredo Qual! Não me conte histórias. Nós não temos nada! Mulatas na Bahia!...
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