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Coplas

- I -

As mulatas da Bahia

Têm de certo a primazia

No capítulo mulher;

O sultão lá na Turquia

Se as apanha um belo dia,

De outro gênero não quer!

Ai gentes! Que bela,

A fada amarela

De trunfa enroscada,

De manta traçada,

Mimosa chinela

Levando calçada

Na ponta do pé!...

- II -

As formosas georgianas,

As gentis circassianas

São as flores dos haréns;

Mas, seu Lopes, tais sultanas,

Comparadas às baianas,

Não merecem dois vinténs!

Ai! Gentes! Que bela, etc...

Seu Lopes, você já viu a Mimi Bilontra?

O Gerente – Isso vi, mas a Mimi Bilontra não é mulata.

Figueiredo – Não, não é isso. Na Mimi Bilontra há um tipo que gosta de lançar mulheres.

Você sabe o que é lançar mulheres?

Lopes – Sei, sei.

Figueiredo – Pois eu também gosto de lançá-las. Mas só mulatas! Tenho lançado umas poucas!

Lopes – Deveras?

Figueiredo – Todas as mulatas bonitas que têm aparecido por aí arrastando as sedas foram lançadas por mim. É a minha especialidade.

O Gerente – Dou-lhe os meus parabéns.

Figueiredo – Que quer? Sou solteiro, aposentado, independente: não tenho que dar satisfações a ninguém. (Outro tom.) Bom: vou dar uma volta antes do jantar. Não

se esqueça de providenciar para que o criado não continue a levar-me o café às seis e cinqüenta!

O Gerente – Vá descansado. A reclamação é muito justa.

Figueiredo – Até logo! (Sai.)

O Gerente (.) – Gabo-lhe o gosto de lançar mulatas! Imaginem se um tipo assim tem capacidade para apreciar o Grande Hotel da Capital Federal!

    • Cena VI –

O Gerente, Lola, depois Gouveia, depois O Gerente

Lola (Entrando.) – Então? Estou esperando há uma hora!...

O Gerente – Admirou o nosso plafond?

Lola – Não admirei nada! O que eu quero é falar ao Gouveia!

O Gerente – Já o mandei chamar. (Vendo o Gouveia que desce a escada.) E ele aí vem descendo a escada. (À parte.) Pois a esta não se me dava de lançá-la. (Sai.)

Gouveia (Que tem descido.) – Que vieste fazer? Não te disse que não me procurasses aqui? Este hotel...

Lola – Bem sei: não admite senhoras que não estejam acompanhadas; mas tu não me apareceste ontem nem anteontem, e quando tu não me apareces, dir-se-ia que eu

enlouqueço! Como te amo, Gouveia! (Abraça-o.)

Gouveia – Pois sim, Mas não dês escândalo! Olha o chasseur. ( O chasseur tem efetivamente descido a escada, desaparecendo por qualquer um dos lados.)

Lola – Então? A primeira dúzia?

Gouveia – Tem continuado a dar que faz gosto! 5...11...9...5... Ontem saiu o 5 três vezes seguidas!

Lola – Continuas então em maré de felicidade?

Gouveia – Uma felicidade brutal!... Tanto assim, que tinha já preparado este envelope para ti...

Lola – Oh! dá cá! dá cá!...

Gouveia – Pois sim, mas com uma condição: vai para casa, não estejas aqui.

Lola (Tomando o envelope.) – Oh! Gouveia, como eu te amo! Vais hoje jantar comigo, sim?

Gouveia – Vou, contanto que saia cedo. É preciso aproveitar a sorte! Tenho certeza de que a primeira dúzia continuará hoje a dar!

Lola (Com entusiasmo.) – Oh! Meu amor!... (Quer abraçá-lo.)

Gouveia – Não! Não!... Olha o gerente!...

Lola – Adeus! (Sai muito satisfeita.)

O Gerente (Que tem entrado, à parte.) – Vai contente! Aquilo é que deu a tal primeira dúzia! (Inclinando-se diante de Gouveia.) Doutor...

Gouveia – Quando aqui vier esta senhora, o melhor é dizer-lhe que não estou. É uma boa rapariga, mas muito inconveniente.

O Gerente – Vou transmitir essa ordem ao porteiro, porque eu posso não estar na ocasião.

(Sai.)

    • Cena VII –

Gouveia () – É adorável esta espanhola, isso é... não choro uma boa dúzia de contos de réis gastos com ela, e que, aliás, não me custaram a ganhar... mas tem um defeito: é muito colante... Estas ligações são o diabo... Mas como acabar com isto? Ah! Se a Quinota soubesse! Pobre Quinota! Deve estar queixosa de mim... Oh! Os tempos mudaram... Quando estive em Minas era um simples caixeiro de cobranças... É verdade que hoje nada sou, porque um jogador não é coisa nenhuma... mas ganho dinheiro, sou feliz, muito feliz! A Quinota, no final das contas, é uma roceira... mas tão bonita! E daí, quem sabe? – talvez já se tivesse esquecido de mim.

- Cena VIII -

Gouveia, Pinheiro, depois o Gerente

Pinheiro ( Entrando.) – Oh! Gouveia!

Gouveia – Oh! Pinheiro! Que andas fazendo?

Pinheiro – Venho a mandado do patrão falar com um sujeito que mora neste hotel... Mas que luxo! Como estás abrilhantado! Vejo que as coisas têm te corrido às mil

maravilhas!

Gouveia (Muito seco.) – Sim... deixei de ser caixeiro... Embirrava com isso de ir a qualquer parte a mandado de patrão... Atirei-me a umas tantas especulações ...Tenho

arranjado para aí uns cobres...

Pinheiro – Vê-se ... Estás outro, completamente outro!

Gouveia – Devo lembrar-te que nunca me viste sujo.

Pinheiro – Sujo não digo... mas vamos lá, já te conheci pau de laranjeira! Por sinal que...

Gouveia – Por sinal que uma vez me emprestaste dez mil-réis. Fazes bem em lembrar-me essa dívida.

Pinheiro – Eu não te lembrei coisa nenhuma!

Gouveia – Aqui tens vinte mil-réis. Dou-te dez de juros.

Pinheiro – Vejo que tens a esmola fácil, mas – que diabo! – guarda o teu dinheiro e não o dês a quem to não pede. Fico apenas com os dez mil-réis que te emprestei com muita vontade – e sem juros. Quando precisares deles, vem buscá-los. Cá ficam.

Gouveia – Oh! Não hei de precisar, graças a Deus!

Pinheiro – Homem, quem sabe! O mundo dá tantas voltas!

Gouveia – Adeus, Pinheiro. (Sai pela esquerda.)

Pinheiro - Adeus, Gouveia. (.) Umas tantas especulações... Bem sei quais são elas... Pois olha, meu figurão, não te desejo nenhum mal, mas conto que ainda hás de vir buscar estes dez mil-réis, que ficam de prontidão.

O Gerente (Entrando.) – Deseja alguma coisa?

Pinheiro – Sim, senhor, falar a um hóspede... Eu sei onde é, não se incomode. (Sobe a escada e desaparece.)

O Gerente (.) – E lá vai sem dar mais cavaco! Esta gente há de custar-lhe habituar-se a um hotel de primeira ordem como é o Grande Hotel da Capital Federal!

    • Cena IX –

O Gerente, Eusébio, Fortunata, Quinota, Benvinda, Juquinha, Dois Carregadores da Estrada de Ferro com malas, depois o chasseur, Criados e Criadas.

(A família traz maletas, trouxas, embrulhos, etc.)

O Gerente – Olá! Temos hóspedes! (Chamando.) Chasseur. Vá chamar gente! ( O chasseur aparece e desaparece, e pouco depois volta com alguns criados e

criadas.)

Eusébio (Entrando à frente da família, fechando uma enorme carteira.) – Ave Maria !

Trinta mil-réis pra nos trazê da estação da estrada de ferro até aqui. Esta gente pensa que dinheiro se cava! (Aperta a mão ao gerente. O resto da família imita-

o, apertando também a mão ao chasseur e à criadagem.) Deus Nosso Sinhô esteje nesta casa!... (Vai pagar aos carregadores, que saem.)

Fortunata – É um casão.

Quinota – Um palácio!

Juquinha – Eu tou com fome! Quero jantá!

Benvinda – Espera, nhô Juquinha!

Fortunata – Menino, não começa a reiná!

O Gerente – Desejam quartos?

Eusébio – Sim sinhô!... Mas antes disso deixe dizê quem sou.

O Gerente – Não é preciso. O seu nome será escrito no registro dos hóspedes.

Eusébio – Pois sim, sinhô, mas ouça...

Coplas-Lundu

Eusébio

    • I –

Sinhô, eu sou fazendeiro

Em São João do Sabará,

E venho ao Rio de Janeiro

De coisas graves tratá.

Ora aqui está!

Tarvez leve um ano inteiro

Na Capitá Federá!

Coro

Ora aqui está! etc...

Eusébio

    • II –

Apareceu um janota

Em São João do Sabará;

Pediu a mão de Quinota

E vei’se embora pra cá.

Ora aqui está!

Hei de achá esse janota

Na Capitá Federá!

Coro

Ora aqui está, etc...

Esta é minha muié, Dona Fortunata.

Fortunata – Uma sua serva. (Faz uma mesura.)

O Gerente – Folgo de conhecê-la, minha senhora. E esta maça? É sua filha?

Eusébio – Nossa.

Fortunata – Nome dela é Quinota... Joaquina... mas gente chama ela de Quinota.

Quinota – Cala a boca, mamãe. O senhor não perguntou nada.

Eusébio – É muito estruída. Teve três professô... Este é meu filho... (Procurando Juquinha.) Onde está ele? Juquinha! (Vai buscar pela mão o filho, que

traquinava ao fundo.) Tá aqui ele. Tem cabeça – qué vê? Diz um verso, Juquinha!

Juquinha – Ora, papai!

Fortunata – Diz um verso, menino! Não ouve teu pai tá mandando?

Juquinha – Ora, mamãe!

Quinota – Diz o verso, Juquinha! Você parece tolo!...

Juquinha – Não digo!

Benvinda – Nhô Juquinha, diga aquele de lá vem a lua saindo!

Juquinha – Eu não sei verso!

Fortunata – Diz o verso, diabo! (Dá-lhe um beliscão, Juquinha faz grande berreiro.)

Eusébio (Tomando o filho e acariciando-o.) – Tá bom! chora! não chora! (Ao gerente) Tá muito cheio de vontade... Ah! Mas eu hei de endireitar ele!

O Gerente – Não será melhor subirem para os seus quartos?

Eusébio – Sim, sinhô. (Examinando em volta de si.) O hotelzinho parece bem bão.

O Gerente – O hotelzinho? Um hotel que seria de primeira ordem em qualquer parte do mundo! O grande Hotel da Capital Federal!

Fortunata – E diz que é só de família.

O Gerente – Ah! Por esse lado podem ficar tranqüilos.

- Cena X -

Os mesmos, Figueiredo

(Figueiredo volta; examina os circunstantes e mostra-se impressionado por Benvinda, que repara nele.)

O Gerente (Aos criados.) – Acompanhem estas senhoras e estes senhores... para escolherem os seus quartos à vontade. (Vai saindo e passa por perto de

Figueiredo.)

Figueiredo (Baixinho.) – Que boa mulata, seu Lopes! ( O gerente sai.)

Os Criados e Criadas (Tomando as malas e os embrulhos.) – Façam favor!... Venham!... Subam!...

Eusébio (Perto da escada.) Suba, Dona Fortunata! Sobe, Quinota! Sobe, Juquinha! (Todos sobem.) Vamo! (Sobe também.) Sobe, Benvinda! (Quando Benvinda vai subindo, Figueiredo dá-lhe um pequeno beliscão no braço.)

Figueiredo – Adeus, gostosura!

Benvinda – Ah! Seu assanhado! (Sobe.)

O Gerente (Que entrou e viu.) – Então, que é isso, Sr. Figueiredo? Olhe que está no Grande Hotel da Capital Federal!

Figueiredo – Ah! Seu Lopes, aquela hei de eu lançá-la! (Sobe a escada.)

O Gerente (.) – Queira Deus não vá arranjar uma carga de pau do fazendeiro! (Sai, Mutação.)

Quadro II

(Corredor. Na parede uma mão pintada, apontando para este letreiro:

"Agência de alugar casas. Preço de cada indicação, Rs.5$000, pagos adiantados. Ao fundo um banco, encostado à parede.)

    • Cena I –

Vítimas, entrando furiosas da esquerda, depois, Mota, Figueiredo

Coro

Que ladroeira!

Que maroteira!

Que bandalheira!

Pasmado estou!

Viu toda a gente

Que o tal agente

Cinicamente

Nos enganou!

Mota (Entrando da esquerda também muito zangado.) – Cinco mil-réis deitados fora!...

Cinco mil-réis roubados!... Mas deixem estar que... (Vai saindo e encontra-se com Figueiredo, que entra da direita.)

Figueiredo – Que é isto, seu Mota? Vai furioso!

Mota – Se lhe parede que não tenho razão! Esta agência indica onde há casas vazias por cinco mil-réis.

Figueiredo – Casas por cinco mil-réis? Barata feira!

Mota – Perdão; indica por cinco mil-réis...

Figueiredo (Sorrindo) – Bem sei, e é isso justamente o que aqui me traz. Resolvi deixar o Grande Hotel da Capital Federal e montar casa. Esgotei todos os meios para obter com que naquele suntuoso estabelecimento me levassem o café ao quarto às sete horas em ponto. Como não estou para me zangar todas as manhãs, mudo-me. O

diabo é que não acho casa que me sirva. Dizem-me que nesta agência...

Mota – Volte, seu Figueiredo, volte, se não quer que lhe aconteça o mesmo que me sucedeu e tem sucedido a muita gente! Indicaram-me uma casa no morro do Pinto,

com todas as acomodações que eu desejava... Você sabe o que é subir ao morro do Pinto?

Figueiredo – Sei, já lá subi uma noite por causa de uma trigueira.

Mota – Pois eu subi ao morro do Pinto e encontrei a casa ocupada.

Figueiredo – Foi justamente o que me aconteceu com a trigueira.

Mota – Volto aqui, faço ver que a indicação de nada me serviu e peço que me restituam os meus ricos cinco mil-réis. Respondem-me que a agência nada me restitui, porque não tem culpa de que a casa se tivesse alugado.

Figueiredo – E não lhe deram outra indicação?

Mota – Deram. Cá está. (Tira um papel.)

Figueiredo (À parte.) – Vou aproveitá-la!

Mota – Mas provavelmente vale tanto como a outra!

Figueiredo (Depois de ler.) – Oh!

Mota – Que é?

Figueiredo – Esta agora não é má! Rua dos Arcos nΊ 100. Indicaram a casa da Minervina!

Mota – Que Minervina?

Figueiredo – Uma trigueira.

Mota – A do morro do Pinto?

Figueiredo – Não. Outra. Outra que eu lancei há quatro anos. Mudou-se para a Rua dos Arcos não há oito dias.

Mota – Então? Quando lhe digo!

Figueiredo – As mulatas. Eu digo trigueiras por ser menos rebarbativo... Ainda agora está lá no hotel uma família de Minas que trouxe consigo uma mucama... Ah, seu

Mota...

Mota – Pois atire-se!

Figueiredo – Não tenho feito outra coisa, mas não me tem sido possível encontrá-la a jeito.

Só hoje consegui meter-lhe uma cartinha na mão, pedindo-lhe que vá ter comigo ao Largo da Carioca. Quero lançá-la!

Mota – Mas vamos embora! Estamos numa caverna!

Figueiredo – E é tudo assim no Rio de Janeiro... Não temos nada, nada, nada... Vamos...

    • Cena II –

Os mesmos, Uma Senhora, depois Um proprietário

A Senhora (Vindo da esquerda.) – Um desaforo! Uma pouca vergonha!

Mota – Foi também vítima, minha senhora?

A Senhora – Roubaram-me cinco mil-réis!

Figueiredo – Também – justiça se lhes faça – eles nunca roubam mais do que isso!

A Senhora – Indicaram-me uma casa... Vou lá, e encontro um tipo que me pergunta se quero um quarto mobiliado! Vou queixar-me...

Mota – Ao bispo, minha senhora! Queixemo-nos todos ao bispo!... (O proprietário entra e vai atravessando a cena da direita para a esquerda, cumprimentando as pessoas

presentes.)

Figueiredo (Embargando-lhe a passagem.) – Não vá lá, não vá lá, meu caro senhor! Olhe que lhe roubam cinco mil-réis.

O Proprietário – Nada! Eu não pretendo casa. O que eu quero é alugar a minha.

Os Três – Ah! (Cercam-no.)

A Senhora – Talvez não seja preciso ir à agência. Eu procuro uma casa.

Mota – E eu.

Figueiredo – E eu também.

A Senhora – A sua onde é?

O Proprietário – Se querem a indicação, venham cinco mil-réis de cada um!

Os Três – Hein?

O Proprietário – Ora essa! Por que é que a agência há de cobrar e eu não?

Mota – A agência paga impostos e é, apesar dos pesares, um estabelecimento legalmente autorizado.

O Proprietário – Bem; como eu não sou um estabelecimento legalmente autorizado, dou a indicação por três mil-réis.

Mota – Guarde-a!

Figueiredo – Dispenso-a!

A Senhora – Aqui tem os três mil-réis. A necessidade é tão grande que me submeto a todas as patifarias!

O Proprietário (Calmo.) – Patifaria é forte, mas como a senhora paga... (Guarda o dinheiro.)

A Senhora – Vamos!

O Proprietário – A minha casa é na Praia Formosa.

Mota e Figueiredo – Que horror!

O Proprietário – Um sobrado com três janelas de peitoril. Os baixos estão ocupados por um açougue.

Mota e Figueiredo – Xi!

A Senhora – Deve haver muito mosquito!

O Proprietário – Mosquitos há em toda a parte. Sala, três quartos, sala de jantar, despensa, cozinha, latrina na cozinha, água, gás, quintal, tanque de lavar e galinheiro.

A Senhora – Não tem banheiro?

O Proprietário – Terá, se o inquilino o fizer. A casa foi pintada e forrada há dez anos; está muito suja. Aluguel, duzentos e cinqüenta mil-réis por mês. Carta de fiança

passada por negociante matriculado, trezentos mil-réis de posse e contrato por três anos. O imposto predial e de pena d’água é pago pelo inquilino.

A Senhora – Com os três mil-réis que me surrupiou compre uma corda e enforque-se! (Sai.)

Figueiredo (Enquanto ela passa.) – Muito bem respondido, minha senhora!

Mota – Com efeito!

O Proprietário – Mas os senhores...

Figueiredo (Tirando um apito do bolso.) – Se diz mais uma palavra, apito para chamar a

polícia.

O Proprietário – Ora vá se catar! (Vai saindo.)

Figueiredo – Que é? Que é? ... (Segue-o .)

O Proprietário – Largue-me!

Figueiredo – Este tipo merecia uma lição! (Empurrando-o .) Vamos embora! Deixá-lo!

Mota – Vamos!

O Proprietário (Voltando e avançando para eles.) – Mas eu...

Os Dois – Hein? (Atiram-se ao Proprietário, que foge, desaparecendo pela esquerda. Mota e Figueiredo encolhem os ombros e saem pela direita, encontrando-se à porta com Eusébio, que entra. O Proprietário volta e, enganado, dá com o guarda-chuva em Eusébio, e foge. Eusébio tira o casaco para persegui-lo.)

    • Cena III –

Eusébio, só; depois, Fortunata, Quinota, Juca, Benvinda

Eusébio – Tratante! Se eu te agarro, tu havia de vê o que é purso de mineiro! Que terra esta, Minha Nossa Senhora, que terra esta em que um home apanha sem sabê por quê? Mas onde ficou esta gente? Aquela Dona Fortunata não presta para subir escada! (Indo à porta da direita.) Entra! É aqui! (Entra a família.)

Fortunata (Entrando apoiada no braço de Quinota.) – Deixe-me arrespirá um bocadinho! Virge Maria! Quanta escada!

Eusébio – E ainda é no outro andá! Olhe! (Aponta para o letreiro.)

Juca (Vendo Eusébio a vestir o casaco.) – Mamãe, papai se despiu!

As Três – É verdade!

Eusébio – Tirei o casaco pra brigá! Não foi nada.

Fortunata – Não posso mais co’esta história de casa!

Quinota – É um inferno!

Benvinda – Uma desgraça!

Eusébio – Paciência. Nós não podemo ficá naquele hoté... Aquilo é luxo de mais e custa os óio da cara! Como temo que ficá argum tempo na Capitá Federá, o mió é precurá uma casa. A gente compra uns traste e alguma louça... Benvinda vai pra cozinha...

Benvinda (À parte.) – Pois sim!

Eusébio – E Quinota trata dos arranjo da casa.

Quinota – Mas a coisa é que não se arranja casa.

Eusébio – Desta vez tenho esperança de arranjá. Diz que essa agência é muito séria. Vamo!

Fortunata – Eu não subo mais escada! Espero aqui no corredô.

Eusébio – Tudo fica! Eu vou e vorto (Vai saindo.)

Juca (Chorando e batendo o pé.) – Eu quero i com papai! eu quero i com papai!

Fortunata – Pois vai, diabo!...

Eusébio – Vem! vem! Não chora! Dá cá a mão! (Sai com o filho pela esquerda.)

- Cena IV -

Fortunata, Quinota e Benvinda

Quinota – Mamãe, por que não se senta naquele banco?

Fortunata – Ah! É verdade! não tinha arreparado. Estou moída. (Senta-se e fecha os olhos.)

Benvinda – Sinhá vai dromi.

Quinota – Deixa.

Benvinda (Em tom confidencial.) – Ó nhanhã?

Quinota – Que é?

Benvinda – Nhanhã arreparou naquele home que ia descendo pra baixo quando a gente

vinha subindo pra cima?

Quinota – Não. Que homem?

Benvinda – Aquele que mora lá no hoté em que a gente mora...

Quinota – Olha mamãe! (D. Fortunata ressona.)

Benvinda – Já está dromindo. Nhanhã arreparou?

Quinota – Reparei,sim.

Benvinda – Sabe o que ele fez hoje de menhã? Me meteu esta carta na mão!

Quinota – Uma carta? E tu ficaste com ela? Ah! Benvinda! (Pausa.) É para mim?

Benvinda – Pra quem havera de sê?

Quinota – Não está sobrescritada.

Benvinda (À parte, enquanto Quinota se certifica de que Fortunata dorme.) – Bem sei que a carta é minha... O que eu quero é que ela leia pra eu ouvi.

Quinota – Dá cá. (Toma a carta e vai abri-la, mas arrepende-se.) Que asneira ia eu fazendo!

Duetino

Quinota

Eu gosto do seu Gouveia:

Com ele quero casar;

O meu coração anseia

Pertinho dele pulsar;

Portanto a epístola

Não posso abrir!

Sérios escrúpulos

Devo sentir!

Benvinda

Está longe seu Gouveia;

Aqui agora não vem...

Abra a carta, a carta leia...

Não digo nada a ninguém!

Quinota

Não! não! a epístola

Não posso abrir!

Sérios escrúpulos

Devo sentir!

Entretanto, é verdade

Que tenho tal ou qual curiosidade,

Mamãe – eu tremo!

Dormindo está?

Benvinda

Sim, e ela memo

Respondeu já. (Fortunata tem ressonado)

Quinota

É feio,

Mas que importa? Abro e leio! (Abre a carta.)

Juntas

Quinota Benvinda

Eu sou curiosa! É bem curiosa!

Não sei me conter! Não há que dizê!

A carta amorosa A carta amorosa

Depressa vou ler! Depressa vai lê...

Ambas – Uê!...

Quinota (Lendo a carta.) – "Minha bela mulata."

Ambas – Uê!

Quinota (Lendo) – "Minha bela mulata. Desde que está morando neste hotel, tenho debalde procurado falar-te. Tu não passas de uma simples mucama..." ( Dá a carta a

Benvinda.) A carta é para ti. (À parte.) Fui bem castigada.

Benvinda – Leia pra eu ouvi, nhanhã.

Quinota (Lendo.) – "Se queres Ter uma posição independente e uma casa tua..."

Benvinda – Gentes!

Quinota – "... deixa o hotel e vai ter comigo terça-feira, às quatro horas da tarde, no Largo da Carioca, ao pé da charutaria do Machado."

Benvinda (À parte.) – Terça-feira... quatro hora...

Quinota – "Nada te faltará. Eu chamo-me Figueiredo."

Benvinda – Rasga essa carta, nhanhã! Veja só que sem-vergonha de home!

Quinota (Rasgando a carta.) – Se papai soubesse...

Benvinda (À parte.) – Figueiredo...

    • Cena V –

As mesmas, Eusébio, Juquinha

Eusébio – Já tenho uma indicação!

D. Fortunata (Despertando.) – Ah! Quase pego no sono! (Erguendo-se.) Já temo casa?

Eusébio – Parece. O dono dela é o home com quem eu briguei indagorinha. Tinha me tomado por outro. Vamo à Praia Fermosa pra vê se a casa serve.

D. Fortunata – Ora graça!

Benvinda (À parte.) – Perto da charutaria.

Eusébio ( Que ouviu.) – Não sei se é perto da charutaria, mas diz que o logá é aprazive; a casa muito boa... Fica pro cima de um açougue, o que qué dizê que nunca fartará carne! Vamo!

Quinota – É muito longe?

Eusébio – É; mas a gente vai no bonde...

Benvinda (À parte.) – Que Largo da Carioca! É os bondinho da Rua Direita! Vamo!

Juquinha – Eu quero i co Benvinda!

Fortunata - Vai co Benvinda. É perciso munta paciência para aturá este demônio deste menino! (Saem todos.)

Benvinda (Saindo por último, com Juquinha pela mão.) – Terça-feira... quatro hora... Figueiredo...

    • Cena VI –

O Proprietário (Vindo da esquerda.) – Queira Deus que o mineiro fique com a casa... mas não lhe dou dois meses para apanhar uma febre palustre! (Sai pela direita.

Mutação.)

Quadro III

( O Largo da Carioca. Muitas pessoas estão à espera de bonde. Outras passeiam.)

    • Cena I –

Figueiredo, Rodrigues, Pessoas do Povo

Coro

À espera do bonde elétrico

Estamos há meia hora!

Tão desusada demora

Não sabemos explicar!

Talvez haja algum obstáculo,

Algum descarrilamento,

Que assim possa o impedimento

Da linha determinar!

(Figueiredo e Rodrigues vêm ao proscênio. Rodrigues está carregado de pequenos embrulhos.)

Rodrigues – Que estopada, hein?

Figueiredo – É tudo assim no Rio de Janeiro! Este serviço de bondes é terrivelmente malfeito! Não temos nada, nada, absolutamente nada!

Rodrigues – Que diabo! Não sejamos tão exigentes! Esta companhia não serve mal. Não é por culpa dela esse atraso. Ali na estação me disseram. Na Rua do Passeio está uma fila de bondes parados diante de um enorme caminhão, que levava uma máquina descomunal não sei para onde, e quadrou as rodas. É ter um pouco de

paciência.

Figueiredo – Eu felizmente não estou à espera de bonde, mas de coisa melhor. (Consultando o relógio.) Estamos na hora.

Rodrigues – Ah! Seu maganão ... alguma mulher... Você nunca há de tomar juízo!

Figueiredo – Uma trigueira... uma deliciosa trigueira!

Rodrigues – Continua então a ser um grande apreciador de mulatas?

Figueiredo – Continuo, mas eu digo trigueiras por ser menos rebarbativo.

Rodrigues – Pois eu cá sou o homem da família, porque entendo que a família é a pedra angular de uma sociedade bem organizada.

Figueiredo – Bonito!

Rodrigues – Reprovo incondicionalmente esse amores escandalosos, que ofendem a moral e os bons costumes.

Figueiredo – Ora não amola! Eu sou solteiro... não tenho que dar satisfações a ninguém.

Rodrigues – Pois eu sou casado, e todos os dias agradeço a Deus a santa esposa e os adoráveis filhinhos que me deu! Vivo exclusivamente para a família. Veja como

vou para casa cheio de embrulhos! E é isto todos os dias! Vão aqui empadinhas, doces, queijo, chocolate, andaluza, sorvetes de viagem, o diabo!... Tudo

gulodices!...

Figueiredo (Que preocupado, não lhe tem prestado grande atenção.) – Não imagina você como estou impaciente! É curioso! Não varia aos quarenta anos esta sensação

esquisita de esperar uma mulher pela primeira vez! Note-se que não tenho certeza de que ela venha, mas sinto uns formigueiros subirem-me pelas pernas! (Vendo

Benvinda.) Oh! Diabo! Não me engano! Afaste-se, afaste-se, que lá vem ela!...

Rodrigues – Seja feliz. Para mim não há nada como a família. (Afasta-se e fica observando de longe.)

    • Cena II –

Os mesmos, Benvinda

Benvinda (Aproximando-se com uma pequena trouxa na mão.) – Aqui estou.

Figueiredo (Disfarçando o olhar para o céu.) _ Disfarça, meu bem. (Pausa.) – Estás pronta a acompanhar-me?

Benvinda (Disfarçando e olhando também para o céu.) – Sim, sinhô, mas eu quero sabê se é verdade o que o sinhô disse na sua carta...

Figueiredo (Disfarçando por ver um conhecido que passa e o cumprimenta.) – Como passam todos lá por casa? As senhoras estão boas?

Benvinda (Compreendendo.) – Boas, muito obrigado... Sinhá Miloca é que tem andado com enxaqueca.

Figueiredo (À parte.) – Fala mal, mas é inteligente.

Benvinda – O sinhô me dá memo casa pra mim morá?

Figueiredo – Uma casa muito chique, muito bem mobiliada, e uns vestidos muito bonitos. (Passa outro conhecido. O mesmo jogo de cena.) – Mas por que esta demora com a minha roupa lavada?

Benvinda – É porque choveu munto... não se pôde corá... (Outro tom.) Não me fartará nada?

Figueiredo – Nada! Não te faltará nada! Mas aqui não podemos ficar. Passa muita gente conhecida, e eu não quero que me vejam contigo enquanto não tiveres outra

encadernação. Acompanha-me e toma o mesmo bonde que eu. (Vai se afastando pela direita e Benvinda também.) Espera um pouco, para não darmos na vista.

(Passa um conhecido.) Adeus, hein? Lembranças à Baronesa.

Benvinda – Sim, sinhô, farei presente. (Figueiredo afasta-se, disfarçando e desaparece pela direita. Durante a fala que se segue, Rodrigues a pouco e pouco se aproxima

de Benvinda.) Ora! isto sempre deve sê mió que aquela vida enjoada lá da roça!

Ah! seu Borge! Seu Borge! Você abusou proque era feitô lá da fazenda; fez o que fez e me prometeu casamento... Mas casará ou não? Sinhá e nhanhã ontem ficá

danada... Pois que fique!... Quero a minha liberdade! (Vai afastar-se na direção que tomou Figueiredo e é abordada pelo Rodrigues, que não a tem perdido de

vista um momento.)

Rodrigues – Adeus, mulata!

Benvinda – Viva!

Rodrigues (Disfarçando.) – Dá-me uma palavrinha?

Benvinda – Agora não posso.

Rodrigues – Olhe, aqui tem o meu cartão... Se precisar de um homem sério... de um homem que é todo família...

Benvinda (Tomando disfarçadamente o cartão.) – Pois sim. (Saindo, à parte) – O que não farta é home... Assim queira uma muié... (Sai.)

Rodrigues (Consigo.) – Sim... lá de vez em quando... para variar... não quero dizer que... (Outro tom.) E o maldito bonde que não chega! (Afasta-se pela direita e

desaparece.)

    • Cena III –

Lola, Mercedes, Blanchette, Dolores, Gouveia, Pessoas do Povo

(As quatro mulheres entram da esquerda, trazendo Gouveia quase à força.)

Quinteto

As mulheres

Ande pra frente,

Faça favor!

Está filado,

Caro senhor!

Queria ou não queira,

Daqui não sai!

Janta conosco!

Conosco vai!

Lola

Há tantos dias

Tu não me vias,

E agora qu’rias

Deixar-me só!

A tua Lola,

Meu bem, consola!

Dá-me uma esmola!

De mim tem dó!

As outras

Há tantos dias

Tu não a vias,

E agora qu’rias

Deixá-lo só!

A tua Lola,

Meu bem, consola!

Dá-lhe uma esmola!

Tem dó, tem dó!

Gouveia

Não me aborreçam!

Não me enfureçam!

Desapareçam!

Quero estar só!

Isto me amola!

Perco esta bola!

Querida Lola,

De mim tem dó!

Lola

Ingrato – já não me queres!

Tu já não gostas de mim!

Gouveia

São terríveis as mulheres!

Gosto de ti, gosto, sim!

Mas não serve este lugar

Pra tais assuntos tratar!

Lola

Então daqui saiamos!

Vamos!

Todas

Vamos!

Há tantos dias, etc...

Lola - Vamos a saber: por que não tens aparecido?

Gouveia – Tu bem saber por quê.

Lola – A primeira dúzia falhou?

Gouveia – Oh! Não! Ainda não falhou, graças a Deus, e por isso mesmo é que não a tenho abandonado noite e dia! Não vês como estou pálido? Como tenho as faces

desbotadas e os olhos encovados? É porque já não durmo, é porque já me não alimento, é porque não penso noutra coisa que não seja a roleta!

Lola – Mas é preciso que descanses, que te distraias, que espaireças o espírito. Por isso mesmo exijo que venhas jantar hoje comigo, quero dizer, conosco, porque, como vês, terei à mesa estas amigas, que tu conheces: a Dolores, a Mercedes e a Blanchette.

As Três – Então, Gouveia? Venha, venha jantar!...

Gouveia – Já deve Ter começado a primeira banca!

Lola – Deixa lá a primeira banca! Tenho um pressentimento de que hoje não dá a primeira dúzia.

Gouveia (Esquivando-se.) – Que é isto? Vocês estão doidas! Reparem que estamos no Largo da Carioca!

Lola – Vem! Não te faças de rogado!

As Três (Implorando.) – Gouveia!...

Gouveia – Pois sim, vamos lá! Vocês são o diabo!

Lola – Ai! E o meu leque?! Trouxeste-o, Dolores?

Dolores – Não.

Blanchette – Nem eu.

Mercedes – Tu deixaste-o ficar sobre a mesa, no Braço de Ouro.

Gouveia – Que foi?

Lola – Um magnífico leque, comprado, não há uma hora, no Palais-Royal! Querem ver que o perdi?

Gouveia – Pois sim, faze-me esse favor. (Arrependendo-se.) Não! se tu vais à Rua do Ouvidor, és capaz de encontrar lá algum amigo que leve para o jogo.

Mercedes – E esta é a hora do recrutamento.

Lola – Vamos nós mesmas buscar o leque. Fica tu aqui muito quietinho à nossa espera. É um instante.

Gouveia – Pois vão e voltem.

Lola – Vamos! (Sai com as três amigas.)

    • Cena IV –

Gouveia, depois, Eusébio, Fortunata, Quinota e Juquinha

Gouveia – Com esta não contava eu. Daí – quem sabe? – como ando em maré de felicidade, talvez seja uma providência lá não ir hoje. (Eusébio entra descuidado

acompanhado pela família, e, ao ver Gouveia, solta um grande grito.)

Eusébio – Oh!seu Gouveia! (Chamando.) Dona Fortunata!... Quinota!... (Cercam Gouveia.)

As Senhoras e Juquinha – Oh! seu Gouveia! (Apertam-lhe a mão.)

Eusébio – Seu Gouveia! ( Abraça-o . )

Gouveia (Atrapalhado.) – Sr. Eusébio... Minha senhora... Dona Quinota... (À parte.) Maldito encontro!...

Quarteto

Eusébio, Fortunata, Quinota e Juquinha

Seu Gouveia, finalmente,

Seu Gouveia apareceu!

Seu Gouveia está presente!

Seu Gouveia não morreu!

Eusébio

Andei por todas as rua,

Toda a cidade bati;

Mas de tê notícias sua

As esperança perdi!

Quinota

Mas ao meu anjo da guarda

Em sonhos dizer ouvi:

Sossega, que ele não tarda

A aparecer por aí!

Todos – Seu Gouveia, finalmente, etc...

Fortunata – Ora, seu Gouveia! O sinhô chegou lá na fazenda feito cometa, e começou a namorá Quinota. Pediu ela em casamento, veio se embora dizendo que vinha tratá dos papé, e nunca mais deu siná de si! Isto se faz, seu Gouveia?

Quinota – Mamãe...

Eusébio – Como Quinota andava apaixonada, coitadinha! Que não comia, nem bebia, nem dromia, nem nada, nós arresorvemo vi le procurá... porque le escrevi três carta que ficou sem resposta...

Gouveia – Não recebi nenhuma.

Eusébio – Então entreguei a fazenda a seu Borge, que é home em que a gente pode confiá, e aqui estemo!

Fortunata – O sinhô sabe que com moça de família não se brinca... Se seu Eusébio não soubé sê pai, aqui estou eu que hei de sabê sê mãe!

Quinota – Mamãe, tenha calma... seu Gouveia é um moço sério...

Gouveia – Obrigado, Dona Quinota. Sou, realmente, um moço sério, e hei de justificar plenamente o meu silêncio. Espero ser perdoado.

Quinota – Eu há muito tempo lhe perdoei.

Gouveia (À parte.) – Está ainda muito bonita! (Alto) Onde moram?

Eusébio – No Grande Hoté da Capitá Federá.

Gouveia (À parte.) – Oh! Diabo! No meu hotel!!... Mas eu nunca os vi!

Quinota –Mas andamos à procura de casa: não podemos ficar ali.

Fortunata – É muito caro.

Gouveia – Sim, aquilo não convém.

Eusébio – Mas é muito difice achá casa. Uma agência nos indicou uma, na Praia Fermosa...

Fortunata – Que chiqueiro, seu Gouveia!

Eusébio – Paguemo cinco mil-réis pra nos enchê de purga!

Quinota – E era muito longe.

Gouveia – Descansem, há de se arranjar casa. (À parte.) – E a Lola não tarda!

Eusébio – Como diz?

Gouveia – Nada... Mas, ao que vejo, veio toda a família?

Eusébio – Toda! – Dona Fortunata... Quinota ... o Juquinha...

Juquinha – A Benvinda.

Eusébio – Ah! É verdade! nos aconteceu uma desgraça!

Fortunata – Uma grande desgraça!

Gouveia – Que foi? Ah! Já sei... o senhor foi vítima do conto do vigário!

Eusébio – Eu?... Então eu sou argum matuto?... Não sinhô, não foi isso.

Juquinha – Foi a Benvinda que fugiu.

Quinota – Cale a boca!

Juquinha – Fugiu dum home!

Eusébio – Cala a boca, menino!

Juquinha – Foi Quinota que disse!

Fortunata – Cala a boca, diabo!

Eusébio – O sinhô se lembra da Benvinda.

Fortunata – Aquela mulatinha? Cria da fazenda?

Gouveia – Lembra-me.

Eusébio – Hoje de menhã, a gente se acorda-se... precura...

Fortunata – Quê dê Benvinda?

Gouveia – Pode ser que ainda a encontrem.

Fortunata – Mas em que estado, seu Gouveia!

Eusébio – E seu Borge já esta arresorvido a casá com ela... Mas não fiquemo aqui...

Gouveia (Inquieto.) – Sim, não fiquemos aqui.

Eusébio – Temo muito que conversá, seu Gouveia. Não quero que Dona Fortunata diga que não sei sê pai... Quero sabê se o sinhô está ou não está disposto a cumprir o que tratou!

Gouveia – Certamente. Se Dona Quinota ainda gosta de mim...

Quinota ( Baixando os olhos.) – Eu gosto.

Gouveia – Mas vamos! Em caminho conversaremos. São contos largos!

Eusébio – Vamos jantá lá no hoté.

Eusébio – No hotel? Não! A linha está interrompida. (À parte.) Era o que faltava! Ela lá iria! (Alto.) Vamos ao Internacional.

Eusébio – Onde é isso?

Gouveia – Em Santa Teresa. Toma-se aqui o bonde elétrico.

Fortunata – O tá que vai pro cima do arco?

Gouveia – Sim, senhora.

Fortunata – Xi!

Gouveia – Não há perigo. Mas vamos! Vamos! (Dá o braço a Quinota.)

Fortunata (Querendo separá-los.) – Mas...

Eusébio – Deixe. Isto aqui é moda. A senhora se alembre que não estamo em S. João do Sabará.

Juquinha – Eu quero i co Quinota!

Fortunata – Principia! Principia! Que menino, minha Nossa Senhora!

Gouveia (Vendo Lola.) – Ela. Vamos! Vamos! (Retira-se precipitadamente.)

Eusébio – Espere aí, seu Gouveia! Ande, Dona Fortunata!

Juquinha (Chorando.) – Eu quero i co Quinota! (Saem todos a correr pela direita.)

    • Cena V –

Lola, Mercedes, Dolores, Blanchette, Rodrigues, Pessoa do Povo

Lola – Então? O Gouveia? Não lhes disse? Bem me arrependi de o Ter deixado ficar! Não teve mão em si e lá se foi para o jogo!

Mercedes – Que tratante!

Dolores – Que malcriado!

Blanchette – Que grosseirão!

Lola – E nada de bondes!

Mercedes – Que fizeste do teu carro?

Lola – Pois não te disse já que o meu cocheiro, o Lourenço, amanheceu hoje com uma pontinha de dor de cabeça?

Blanchette (Maliciosa.) – Poupas muito o teu cocheiro.

Lola – Coitado! É tão bom rapaz! (Vendo Rodrigues que se tem aproximado aos poucos.) Olá, como vai você?

Rodrigues (Disfarçando.) – Vou indo, vou indo... Mas que bonito ramilhete franco-espanhol! A Dolores... a Mercedes... a Blanchette... Viva la gracia!

Lola (Às outras.) – Uma idéia, uma fantasia: vamos levar este tipo para jantar conosco?

As Outras – Vamos! Vamos!

Blanchette – Substituirá o Gouveia! Bravo!

Lola ( A Rodrigues.) – Você faz-nos um favor? Venha jantar com ramilhete franco-espanhol!!

Rodrigues – Eu?! Não posso, filha: tenho a família à minha espera.

Lola – Manda-se um portador à casa com esses embrulhos.

Mercedes – os embrulhos ficam, se é coisa que se coma.

Rodrigues – Vocês estão me tentando, seus demônios !

Lola – Vamos! Anda! Um dia não são dias!

Rodrigues – Eu sou um chefe de família!

Todas – Não faz mal!

Rodrigues – Ora adeus! Vamos! (Olhando para a esquerda.) Ali está um carro. O próprio cocheiro levará depois um recado à minha santa esposa... disfarcemos... Vou alugar o carro. (Sai.)

Todas – Vamos! (Acompanham-no.)

Pessoas do Povo – Lá vem afinal um bonde! Tomemo-lo! Avança! (Correm todos. Música na orquestra até o fim do ato. Mutação.)

Quadro IV

( A passagem de um bonde elétrico sobre os arcos. Vão dentro do bonde entre outros passageiros, Eusébio, Gouveia, D. Fortunata, Quinota e Ju-

quinha. Ao passar o bonde em frente ao público, Eusébio levanta-se entusiasmado pela beleza do panorama.)

Eusébio – Oh! A Capitá Federá! A Capitá Federá!...

PANO

Ato II

Quadro V

O Largo de São Francisco

    • Cena I –

Benvinda, Pessoas do Povo, depois Figueiredo

(Benvinda está exageradamente vestida à última moda e cercada por muitas pessoas do povo, que lhe fazem elogios irônicos.)

Coro

Ai, Jesus! Que mulata bonita!

Como vem tão janota e faceira!

Toda a gente por ela palpita!

Ninguém há que adorá-la não queira!

Ai, mulata!

Não há peito que ao ver-te não bata!

Benvinda

Vão andando seu caminho,

Deixe a gente assossegada!

Coro

Pára ao menos um instantinho!

Não te mostres irritada!

Benvinda

Gentes! Meu Deus! Que maçada!

Coro

Dize o teu nome, benzinho!

Coplas

Benvinda

Meu nome não digo!

Não quero, aqui está!]

Não bulam comigo!

Me deixem passar!

Jesus! Quem me acode?

Já vejo que aqui

As moça não pode

Sozinha saí!

Sai da frente,

Minha gente!

Sai da frente pro favô!

Tenho pressa!

Vou depressa!

Vou pra Rua do Ouvidô!

Coro

Sai da frente!

Minha gente!

Sai da frente pro favô!

Vai com pressa!

Vai depressa!

Vai à Rua do Ouvidor.

Benvinda

Não digo o meu nome!

Não tou de maré!

Diabo dos home

Que insurta as muié!

Quando eu vou sozinha,

Só ouço, dizê:

"Vem cá, mulatinha,

Que eu vou com você!"

Sai da frente, etc...

Coro

Sai da frente, etc...

(Figueiredo aparece e coloca-se ao lado de Benvinda.)

Figueiredo

Meus senhores, que é isto?

Perseguição assim é caso nunca visto!...

Mas saibam que esta fazenda

Tem um braço que a defenda!

Benvinda

Seu Figueiredo

    • Eu tava aqui com muito medo!

Coro

( À meia voz.)

Este é o marchante...

Deixá-los, pois, no mesmo instante!

Provavelmente o tipo é tolo,

E há de querer armar um rolo!

(À toda voz, cumprimentando ironicamente Figueiredo.)

Feliz mortal, parabéns

Pelo tesouro que tens!

Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!

Mulher mais bela aqui não há!

(Todos se retiram. Durante as cenas que seguem, até o fim do quadro, passam

pessoas do povo.)

    • Cena II –

Figueiredo, Benvinda

Figueiredo (Repreensivo.) – Já vejo que há de ser muito difícil fazer alguma coisa de ti!

Benvinda – Eu não tenho curpa que esse diabo...

Figueiredo (Atalhando.) – Tens culpa, sim! Em primeiro lugar, essa toalete é escandalosa!

Esse chapéu é descomunal!

Benvinda – Foi o sinhô que escolheu ele!

Figueiredo – Escolhi mal! Depois, tu abusas do face-en-main!

Benvinda – Do... do quê?

Figueiredo – Disto, da luneta! Em francês chama-se face-en-main. Não é preciso estar a todo o instante... ( Faz o gesto de quem leva aos olhos o face-en-main.) Basta que te sirvas disso lá uma vez por outra, e assim, olha, assim, com certo ar de sobranceria.

(Indica.) E não sorrias a todo instante, como uma bailarina... A mulher que sorri sem cessar é como o pescador quando atira a rede: os homens vêm aos cardumes, como ainda agora! – E esse andar? Por que gingas tanto? Por que te remexes assim?

Benvinda (Chorosa.) – Oh! Meu Deus! Eu ando bem direitinha... não olho pra ninguém... Estes diabo é que intica comigo. – Vem cá, mulatinha! Meu bem, ouve aqui uma

coisa!

Figueiredo – Pois não respondas! Vai olhando sempre para a frente! Não tires os olhos de um ponto fixo, como os acrobatas, que andam na corda bamba... Olha, eu te

mostro... Faze de conta que eu sou tu e estou passando... Tu é um gaiato e me dizes uma gracinha quando eu passar por ti. ( Afasta-se, e passa pela frente de Benvinda

muito sério.) Vamos, dize alguma coisa!...

Benvinda – Dizê o quê?

Figueiredo (À parte.) – Não compreendeu! (Alto.) Qualquer coisa! Adeus, meu bem! Aonde vai com tanta pressa! Olha o lenço caiu!

Benvinda – Ah! Bem!

Figueiredo – Vamos, outra vez. ( Repete o movimento.)

Benvinda – Adeus, seu Figueiredo.

Figueiredo – Que Figueiredo! Eu agora sou Benvinda! E a propósito: hei de arranjar-te um nome de guerra.

Benvinda – De guerra? Uê!...

Figueiredo – Sim, um nome de guerra. É como se diz. Benvinda é nome de preta velha. Mas não se trata agora disso. Vou passar de novo. Não te esqueças de que eu sou tu.Já compreendeste?

Benvinda – Já, sim sinhô.

Figueiredo – Ora muito bem! – Lá vou eu. (Repete o movimento.)

Benvinda (Enquanto ele passa.) – Ouve uma coisa, mulata! Vem cá, meu coração!...

Figueiredo (Que tem passado imperturbável.) – Viste? Não se dá troco! Arranja-se um olhar de mãe de família! E diante desse olhas, o mais atrevido se desarma! –

Vamos! Anda um bocadinho até ali! Quero ver se aprendeste alguma coisa!

Benvinda – Sim sinhô. (Anda.)

Figueiredo – Que o quê! Não é nada disso! Não é preciso fazer projeções do holofote para todos os lados! Assim, olha... (Anda.) Um movimento gracioso e quase

imperceptível dos quadris...

Benvinda (Rindo.) – Que home danado!

Figueiredo – É preciso também corrigir o teu modo de falar, mas a seu tempo trataremos desse ponto, que é essencial. Por enquanto o melhor que tens a fazer é abrir a boca o menor número de vezes possível, para não dizeres home em vez de homem equejandas parvoíces... Não há elegância sem boa prosódia – Aonde ias tu?

Benvinda – Ia na Rua do Ouvidô.

Figueiredo (Emendando.) – Ouvidorr... Ouvidorr... Não faças economia nos erres, porque apesar da carestia geral, eles não aumentarão de preço. E sibila bem os esses –

Assim... Bom. Vai e até logo! Mas vê lá: nada de olhadelas, nada de respostas! Vai!

Benvinda – Inté logo.

Figueiredo – Que inté logo! Até logo é que é! Olha, em vez de inté logo, dize: Au revoir! Tem muita graça de vez em quando uma palavra ou uma expressão francesa.

Benvinda – Ô revoá!

Figueiredo – Antes isso! (Benvinda afasta-se.) Não te mexa tanto, rapariga! Ai! Isso! Agora foi demais! Ai! (Benvinda desaparece.) De quantas tenho lançado, nenhuma

me deu tanto trabalho! Não pode estar ao pé de gente! (Lola vai atravessando a cena; vendo Figueiredo encaminha-se para ele.)

    • Cena III –
Partes: 1, 2, 3, 4


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