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O Professor paulista CRUZ E TUCCI (4) , entende que o procedimento monitório pode ser conceituado como um meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa determinada, que tem seu crédito comprovado por documento hábil, requer a prolação de um provimento judicial visando obter a satisfação de seu direito.
Por sua vez NELSON NERY JUNIOR conceitua o procedimento monitório, como sendo "o instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo, para que possa requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa para a satisfação de seu crédito" (5) .
Para CARREIRA ALVIM, o procedimento monitório é procedimento típico de cognição sumária, não um processo sumário, no sentido literal do termo, sendo caracterizado pelo seu objetivo, ou seja, alcançar o mais breve possível o título executivo e o início da execução forçada. Esta sumariedade de cognição, resulta no instrumento estrutural adequado, para tal finalidade, nos casos em que é evidente, é verossímil a existência do direito, seja pela natureza e objeto desse mesmo direito e a prova que lhe serve de fundamento (6) .
Para CALAMANDREI, "a cognição (na primeira fase) é considerada não tanto na função imediata de acertamento, mas na sua função mediata de preparação do título executivo". (7)
Objetiva o procedimento monitório, assim denominado por conter uma ordem ao devedor (mandado injuntivo), evitar-se a demanda de tempo e gastos desnecessários, com a formação de um título executivo, onde, via de regra, o devedor não tem interesse em criar obstáculos.
2.1 CONCEITO ETIMOLÓGICO
O procedimento monitório ou injuncional, assim designado, majoritariamente nas legislações que dele versam, credita-se tal denominação à inserção, na sua primeira fase, de uma ordem ou mandado judicial, que o identifica, tem notável e relevante importância na sua conceituação e definição.
O termo "monitório" originário do latim monitoriu, significa: que adverte, repreende ou admoesta; monitorial (8) .
Assim, a ação de monir, de onde deriva o adjetivo monitório, quer dizer o mesmo que admoestar, advertir, censurar, avisar, ao passo que injungir, do latim injungere, que forma o substantivo injunção e o adjetivo injuncional, é colocado no sentido de impor obrigação a, obrigar, forçar, constranger.
Diversamente do Professor AURÉLIO, a Profª. ELAINE HARZHEIN MACEDO, vem de afirmar em sua obra que a palavra "monitório" tem sua origem também do latim, mas da palavra monere, informando que nosso idioma a acolheu com o mesmo sentido. (9) Entretanto, segundo o grande intérprete AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA, a palavra monéres (e não monere) tem sua origem do grego, tratando-se de "designação dada pelo naturalista alemão Ernst H. Haeckel a organismos que ele idealizou e por ele considerados como o tipo mais primitivo de ser vivo".
Na terminologia do Direito Canônico, é a advertência feita pela autoridade eclesiástica a uma pessoa, para que cumpra certo dever ou não pratique um ato, a fim de evitar a sanção ou a penalidade a que está sujeita, pela omissão ou ação indicadas.
Após conceituarmos o tema, entendemos merecer destaque e breves comentários de natureza terminológica, pois, mantendo a Lei nº 9.079/95, a terminologia do Código de Processo Civil, ao tratar dos procedimentos especiais, no Livro IV, o novel texto legal fala, incorretamente, segundo concepção moderna da ciência do direito processual, em "ação monitória", quando na verdade trata-se de procedimento monitório.
Nosso Codex processual, refere-se, ao disciplinar os procedimentos especiais, no Livro IV, título I, dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, capítulos I a XV, em "ação de consignação em pagamento", "ação de depósito", "ação de anulação e substituição de títulos ao portador" e "ação monitória", rotulando impropriamente as consideradas "ações especiais", mesclando os conceitos de ação e de pretensão, quando especial é o procedimento (10) e não a ação.
Ação nada mais é do que o direito subjetivo, público, autônomo e abstrato, de se exigir do Estado um pronunciamento de mérito, o que não pode ser confundido com o direito subjetivo material alegado pelo autor, como sustentáculo da pretensão colocada à apreciação jurisdicional, retratada no pedido formulado no pedido inicial. (cf. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (11) e RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS (12) )
As expressões procedimento monitório e procedimento injuncional vem sendo utilizadas, ao longo do tempo e na maioria das legislações que dele cuidam, sempre no sentido de identificar um procedimento que medeia a ordem jurídica, e que provocasse a inversão do contraditório. De qualquer maneira, prevalece o consenso, de que, quanto à equivalência dos termos, tratam-se de expressões que indicam uma ordem, mandado, decreto ou preceito, como se verá adiante.
Tanto uma como a outra expressão, é empregada no sentido de identificar um procedimento – com inversão do contraditório -, que permitisse assegurar certos direitos materiais de crédito, sem embargo.
O vocábulo injuncional é empregado para identificar esse procedimento de inversão, como vemos no Código de Procedimento Civil Italiano (arts. 633 e ss), na legislação especial francesa (Lei nº 57.756/57, de 04.07.57) e no ordenamento jurídico belga, como destacou em sua obra a professora gaúcha ELAINE MACEDO (13) .
A expressão mandado de injunção, extraída do Direito francês e italiano, vem sendo empregada na doutrina como correspondente a mandado de pagamento ou a mandado de entrega, utilizadas em nossa lei que regula esse procedimento, aparecendo inclusive indicação das figuras credor-injuntor e devedor-injuncionado.
Vale destacar, que o procedimento monitório e o mandado injuntivo, não se confundem, no direito pátrio, com o remédio constitucional do mandado de injunção, previsto na Magna Carta (14) .
Assevera o professor mineiro CARREIRA ALVIM, que na doutrina italiana discute-se se o procedimento de injunção configura-se uma espécie de procedimento monitório (Chiovenda, Carnelutti), ou, mais reservadamente, de procedimento monitório documental (Calamandrei) ou deve denominar-se como um procedimento documental executivo (Segni), ou ainda, como um misto de procedimento monitório documental e de procedimento monitório puro (Proto Pisani) (15) .
O legislador pátrio, ao introduzir o novel instituto em nosso ordenamento positivo, optou pela terminologia "ação monitória", guardando proximidade, ao menos terminológica, com o procedimento disciplinado no direito alemão.
Antes de se adentrar na conceituação do procedimento monitório propriamente dita, navegue-se na legislação de outros países que o adotaram e que o vem desenvolvendo ao longo do tempo, para destacarmos sua denominação, espécies e características.
Reconhece com uma certa pitada de ciúmes, o mestre CALAMANDREI (16) , ao saldar a reintrodução do procedimento monitório em seu país, no ano de 1926, que este foi mais sabidamente empregado do que na própria Itália, onde, com um procedimento simples, sem debates, destinado a criar um título executivo para créditos provavelmente incontestáveis.
Assim, na Alemanha, o procedimento monitório ocupa considerável espaço, desenvolvendo-se duas espécies distintas, o Mahnverfahren, traduzida como procedimento monitório, identificado como procedimento monitório puro, normatizado pelo ZPO, parágrafos 688-702, e o nosso procedimento monitório documental, o Urkunden-und Wechselprozess, ou ainda Urkundenprozess, disciplinado nos parágrafos 592-605.
O legislador de Luxemburgo, influenciado pelo direito germânico, denomina o procedimento de ordonnance de paiement, trasladada literalmente por ordem de pagamento.
Na Áustria, onde também se desenvolveu a ação injuncional, é denominada Mahnverfahren ou Mandatsverfahren, dependendo da forma, pura ou documental, representando uma ordem de pagamento.
Na Argentina, optou-se pela vocábulo apremio (juicio ou via de apremio), diferindo pouco o sentido de constranger, forçar, do processo moderno.
No Uruguai há o procedimento monitório puro, que é o procedimento monitório presuncional. Em que, como conseqüência, a lei deduz de certos atos ou fatos, e que estabelece como verdade por vezes e até contra prova em contrário.
Assim, vê-se que o monitório italiano, avizinha-se ao procedimento monitório austríaco, cuja diferença reside em sua base, pois, enquanto este último alicerça-se unicamente em atos públicos ou escrituras privadas autenticadas, o italiano admite qualquer prova escrita, incrementando seu campo de aplicação.
Caracteriza-se esse procedimento monitório documental, do procedimento monitório puro, em razão de que, os embargos não anulam a ordem de pagamento, como sucede naquele, pois, apenas suspendem a eficácia executiva da injunção. Desde modo, o contraditório instaurado com os embargos, deverá deliberar sobre a revogação ou não do mandato (17) .
Enquanto isso, no procedimento monitório alemão, o credor não propõe na verdade uma demanda, apenas pede que seja expedido uma ordem de pagamento, sem que o devedor possa defender-se. A resistência poderá ser oposta, dentro de certo prazo, encerrando o procedimento monitório, designando-se audiência e prosseguindo-se na forma ordinária. Caso não haja oposição, expede-se a "ordem de execução", podendo adquirir autoridade de coisa julgada, cabendo ainda ao devedor resistir, com uma nova oposição.
Para CHIOVENDA, citado pelo Profº. CARREIRA ALVIM, dois são os pontos fundamentais comuns que identificam o procedimento monitório: a ordem de prestação é expedida inaudita altera parte, e sem cognição completa, tendo por fim preparar a execução, é claro que não se exclui o contraditório, apenas o procrastina para uma segunda etapa, ou seja, tornando-a posterior em vez de anterior (18) .
No dizer do renomado NELSON NERY JÚNIOR, tem o procedimento monitório a natureza jurídica de ação de conhecimento, condenatória, com procedimento especial de cognição sumária e de execução sem título. Sua finalidade é alcançar a formação de título executivo judicial de modo mais rápido do que na ação condenatória convencional. O autor pede a expedição de mandado monitório, no qual o juiz exorta o réu a cumprir a obrigação, determinando o pagamento ou a entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. Trata-se, portanto, de mandado monitório, cuja eficácia fica condicionada à não apresentação de embargos. Não havendo oposição de embargos, o mandado monitório se convola em mandado executivo (19) .
Destaca CARREORA ALVIM (20) que em sede doutrinária, releva controvertida a natureza jurídica do procedimento monitório ou injuncional, destacando o pensamento de CARNELUTTI, CHIOVENDA, GARBAGNATI e outros, dos quais realçamos: Para CARNELUTTI "o processo de injunção teria uma função diversa do processo de conhecimento e do processo de execução. Este não serve à composição da lide de pretensão contestada, senão possibilita – com a formação do título executivo e a execução forçada -, a composição de uma lide de pretensão insatisfeita. A injunção consistiria, pois, um tertium genus (de processo), intermédio entre o de cognição e de execução".
No pensar de CHIOVENDA, o decreto de injunção se inclui na categoria dos acertamentos, onde prevalece a função executiva, objetivando a antecipação da execução forçada, via da limitação da cognição, e que teriam um caráter provisório, sem conteúdo de uma sentença condenatória, apenas, por atender a certas condições para obter a injunção.
E para GARBAGNATI (21) , contém o decreto de injunção, "um provimento jurisdicional de natureza declaratória, idêntico ao provimento do juiz contido numa sentença (ordinária) definitiva de condenação".
E mais adiante: "A sumariedade da cognição que precede o decreto incide sobre a estrutura do procedimento de injunção, isto é, sobre a forma e seqüência dos atos coordenados ao provimento final do juiz, mas não exclui que, através do seu desenvolvimento, se alcance o exercício da mesma jurisdição declarativa. A forma especial do provimento – decreto em vez de sentença – se justifica, não em razão do exercício de um poder diverso do jurisdicional, mas unicamente em consideração à estrutura especial do procedimento e da sumariedade da cognição, correlata à falta de um contraditório. A natureza da ação exercitada, de forma especial, no procedimento de injunção, é a mesma ação de condenação que o credor exercita no processo ordinário. O procedimento de injunção, em forma especial, de uma ação ordinária de conhecimento, provoca pronúncia, também em forma especial, de um provimento jurisdicional, idêntico por natureza, não obstante a sumariedade àquele pronunciado no exercício da jurisdição declaratória, num processo ordinário de condenação".
Como assevera a Professora TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM WAMBIER, "evidentemente, há peculiaridades que caracterizam a ação monitória em cada um dos sistemas positivos que a acolhe, mas fundamentalmente, é um procedimento no qual pode ser gerada uma ordem de prestação sem que seja ouvida a outra parte (com cognição sumária, portanto) e cujo objetivo é o de preparar para a execução. De um modo geral, pode-se afirmar que nesse tipo de processo, o contraditório seria diferido ou, melhor ainda, eventual, já que silente o réu, abrevia-se o caminho para a execução, transformando-se em título executivo aquela decisão por meio da qual o juiz liminarmente ordenou fosse cumprida a obrigação" (22) .
Sob forte influência de CARNELUTTI, CÂNDIDO DINAMARCO, optou por ver o procedimento monitório distintamente, não o classificando no processo de conhecimento ou executivo e menos ainda cautelar. Para ele, que admite uma cognição sumária, eis que afastado do objeto de conhecimento do juiz, a existência ou inexistência do direito do autor, ressalvado no caso de apresentação de embargos, instaurando o contraditório eventual. Assim, tratando-se de processo documental, que só se instaura via de prova documental, é forma de tutela diferenciada, visando soluções jurisdicionais rápidas (23) .
Para nós, não resta dúvida de que o procedimento monitório é ação de conhecimento, de cunho condenatório, que objetiva uma possível condenação daquele em face de quem foi intentada a demanda ao pagamento de determinado valor em dinheiro ou a entrega de coisa certa e determinada. Devido aos seus atributos não segue o procedimento comum, encontrando-se disposto no Livro IV do Código de Processual Civil, que regulamenta os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa.
Por tais razões e ante suas características especiais entende-se não poder ser conceituada na categoria das ações condenatórias de cognição comum, sendo, desta forma, condenatória de cognição formalmente sumária e com rito especial consolidado na efetivação do título executivo de forma mais ágil, sem a morosidade adstrita de um processo de conhecimento típico e seus resultados.
Assim sendo, o procedimento é uma das espécies do processo de conhecimento, de cunho condenatório, sem confundir com a ação condenatória. Diferenciando-se desta, dada a existência de um mandado inicial - "mandado monitório" - cujo efeito é imediato e provisório, enquanto que, na ação condenatória, inexiste qualquer provimento judicial de efeito imediato, salvo nas restritas hipóteses de tutela antecipatória. Também o procedimento diferencia uma ação da outra, sendo o monitório regido pelo rito especial e a condenatória pelo rito ordinário ou sumário.
E o fato de que o procedimento monitório tem por finalidade constituir da forma mais rápida possível título executivo judicial, graças à técnica de sumarização cognitiva.
Pelo exposto, percebe-se que a técnica monitória permite a sumarização do conhecimento da demanda, resultando na agilidade do provimento jurisdicional e na sua rápida satisfação.
6. PROTEÇÃO DOS DIREITOS CREDITÍCIOS
A proteção desses valores patrimoniais, remonta a própria história do direito, sobressaindo o direito de propriedade e no crédito, este o que mais nos interessa no tema que nos propomos enfrentar.
Já nos idos, das "legis actionis", tinha o credor à sua disposição a execução privada, forçando o devedor que deixava de cumprir sua obrigação, diante do magistrado, que o autorizava ao emprego de todos os meios coercitivos possíveis, a seu critério, encarcerando-o, matando-o ou até mesmo vendendo-o em feiras, com o objetivo de resgatar seus haveres. Assim, por muito tempo, não era o patrimônio que respondia pelas dívidas, mas o próprio corpo do devedor, até que no Império, tais direitos de créditos, passou a ser satisfeito por intermédio da penhora de bens do devedor, sobrepondo-se à responsabilidade pessoal, tomando corpo no período clássico do direito romano.
Durante a Idade Média, em que vigorava o processo romano e o germano-barbárico, enquanto no primeiro se afastava do período pretoriano, protegendo o devedor, exigindo uma sentença condenatória, para prática dos atos executórios, no segundo, o credor exercia plenos poderes sobre o devedor, sem a participação do estado.
Com o desenvolvimento do comércio no ápice da Idade Média, que a proteção ao crédito ganhou impulso, com inovações relevantes, surgindo, como apontou LIEBMAN, o processo cambiário de natureza documental, ensejando desde o início os atos executórios (24) .
Sem dúvida alguma, o processo de execução é uma das maiores vitórias da proteção ao crédito em toda história do Direito, como destacou HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, na obra citada, como sendo ele o ponto alto da missão pacificadora do Estado, face sua incidência prática e efetiva no relacionamento social (25) .
Assim sendo, as dúvidas relacionadas ao crédito, contam com duas linhas de conduta, com atividades jurisdicionais diferentes, sem qualquer relação entre si, pois, sendo duvidoso o crédito, necessitando sua comprovação, dada sua contestabilidade, seguirá o caminho do processo de conhecimento, objetivando uma sentença condenatória, que terá o efeito de um título de crédito judicial. Diversamente, sendo o credor, portador de um documento de crédito equivalente a um título executivo extrajudicial, fará de imediato uso do processo executivo, como meio coativo de que faz uso o Estado para satisfação do jurisdicionado credor.
Com a célere evolução dos negócios jurídicos, decorrente da enorme criatividade humana, surgem situações que exigem do Estado moderno uma evolução prática e que atendam os anseios de seus jurisdicionados, para tutelar os direitos materiais, reclamando com isso, uma adequada e eficiente instrumentalidade do processo, sem se afastar do princípio maior e que congrega os demais, ou seja, o devido processo legal.
Nesse contexto, destacamos os créditos, que de uma maneira geral, o credor objetiva que seu título representativo de seu crédito, não seja contestável, oponível qualquer razão pelo devedor, que comprometa a satisfação de seu direito. A seu favor milita a verossimilhança diante da prova já constituída, embora ainda sem aquela certeza plena por ele pretendida. Normatizar todas as hipóteses seria por demais exaustivo, e o resultado final poderia comprometer-se, diante de um emaranhado de normas e procedimentos. Impor ao credor como via de solução apenas o processo de conhecimento, dada sua morosidade e complexidade, favoreceria muito mais o devedor do que o credor, que estaria sujeito a percorrer o longo caminho da cognição plena, para obter um título executivo judicial e, vencida a primeira etapa, ainda teria o caminho da execução, correndo o risco de ainda assim, não alcançar a tutela adequada e de forma satisfativa.
Assim, como ocorre em outras situações jurídicas, onde buscou-se um instrumento processual adequado e eficaz, adotou-se o procedimento monitório, que tem como escopo maior a celeridade processual, através de um procedimento sumário, que possibilita ao credor municiar-se de um título executivo, com a inversão do contraditório.
Em sendo procedimento monitório uma forma de sumarização procedimental, mister discorrermos sobre as formas sumarizadas.
6.1. PROCEDIMENTO SUMÁRIO
Em vista da imprescindibilidade de sumarizar, ou seja, simplificar e tornar mais célere o processo, buscou-se inaugurar novas formas procedimentais, distanciando-se do excesso de formalismo, visando a efetiva instrumentalidade do processo, desgarrado de exigências desnecessárias e sem muito proveito, significando verdadeiro marco à consagração da celeridade do processo, na busca desenfreada da efetividade e entrega ao jurisdicionado de uma justiça satisfatória e plena.
O processo sumário de cognição reduzida, conhecido superficialmente no período de JUSTINIANO, em que o direito era, por excelência, o direito romano, que poderia ser escrito ou consuetudinário, teve mais destaque no curso da Idade Média, em vista do desenvolvimento comercial. E nesta esteira, exatamente para proteção a determinados créditos, com uma tutela mais célere e de fácil acesso pelo jurisdicionado, rompendo com o processo ordinário, é que surgiram os nominados procedimentos documentais, sem o requisito da prática do libelo, contestação e outros atos próprios do processo ordinário, como destacou LIEBMAN, ao afirmar o caráter sumário da cognição significava que o devedor era ouvido somente em relação às defesas que podiam ser provadas imediatamente (incontinenti) (26) .
Nesse breve relato, vemos que históricamente, inúmeras marcas assinalam a presença desse processo sumário, onde era consagrado o princípio informativo do processo e a dispensa de contestação, com limitação dos recursos interlocutórios, simplificando-se os atos processuais típicos do processo de conhecimento, abreviando-se ainda os prazos, sentença antecipada, como vemos na famosa Saepe contingit, proclamada pelo Papa Clemente V, surgindo assim, um procedimento sumarizado, em resposta a revolução comercial e industrial desencadeada naquela época, dando início a Idade Moderna.
Na sua evolução histórica, o processo sumário teve enorme colaboração de MANUEL DE ALMEIDA E SOUZA DE LOBÃO, que em seu "Tratado pratico compendiario de todas as acções summarias" (27) , identificando um rol superior a cinqüenta espécies de ações que se diferenciavam do ordinário, agrupando-as em quatro classes de causas sumárias, caracterizadas pela urgência pública, pelo favor da pessoa, para não sofrer mora maior o negócio que o sustentava e pelo pequeno valor da causa.
Entretanto, em que pese o volume de medidas processuais acolhidas pelo direito português, recebiam elas um tratamento passivo, sem sistematização ou mesmo doutrina, ficando sob o encargo da autoridade responsável competente.
De qualquer forma, credita-se enorme preocupação do legislador, com a sumarização do processo, surgindo vez por outra, reformulações procedimentais, sempre em busca de uma maior efetividade, bem como, a defesa ou a retomada pelos doutrinadores, de fórmulas específicas antigas, visando adaptar a realidade atual, com vistas a oferecer uma legislação mais eficaz.
6.1.1. SUMARIZAÇÃO MATERIAL E FORMAL
No entender de OVÍDIO BAPTISTA, "todos os processos sumários operam um corte da totalidade do conflito, trazendo-o para o processo através de uma demanda que não o envolve em sua plenitude, de tal modo que determinados pontos ou questões litigiosas devem ficar "reservadas" para o futuro exame em processo subseqüente" (28) .
Desta forma, em conjunto com a sumarização formal, destaca-se a sumarização material, onde a eliminação do conhecimento ocorre na totalidade do conflito, com a redução da atividade cognitiva. de várias maneiras, seja no plano horizontal, seja no plano vertical.
Segundo destaca KAZUO WATANABE, em sua obra monográfica, a cognição pode ser focada em dois planos distintos: "no plano horizontal e no plano vertical, onde, no primeiro, haveria um enfoque de extensão e no segundo, o exame seria em profundidade" (29) .
Resultando com isso que, no plano horizontal do conhecimento, atingir-se-ia as questões processuais, relativas à regularidade processual, e as questões de mérito, absorveria, tanto o objeto litigioso, como qualquer questão prejudicial em conflito.
No plano vertical, relativamente ao grau de profundidade, a cognição pode ser exauriente ou sumária, ou seja, completa ou incompleta.
Cognição é ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento, o esteio que possibilita o julgamento do objeto em litígio no processo.
O procedimento monitório ou injuncional, que é o que nos interesse no enfrentamento que nos propomos, é um desses modelos clássicos de ações sumárias, caracterizado por uma cognição provisória e limitada, por ser unilateral as alegações e provas do autor, permitindo a emanação de uma ordem ou comando judicial impositivo.
Não se exige do autor, nada mais do que um elevado grau de verossimilhança, onde a decisão final e definitiva coincida com a provisional. Consiste assim no emprego de uma técnica de sumarização, onde se processa a inversão do contraditório, desenvolvida com a provocação do requerido. A grande probabilidade da certeza do direito do autor, inverte as posições, com a presunção da verdade figurando no pólo ativo, quando no procedimento comum, tal presunção só existirá com o silêncio do requerido, diante da ausência da contestação, a teor do art. 319 do CPC.
Sem dúvida alguma, trata-se de uma forma especial de cognição sumária, onde o legislador pátrio, através da Lei nº 9.079, de 14.07.95, reeditou, com mais eficiência e ampla abrangência, possibilitando um encurtamento para a formação de título executivo judicial de forma mais célere, àqueles possuidores de certas categorias de crédito.
6.2. PROCESSO DE COGNIÇÃO E PROCESSO DE EXECUÇÃO
Após os breves comentários até aqui despendidos, vemos ainda com certo temor, a razão de ser de uma via judicial com as características até aqui apontadas. Razão porque entendemos necessário um breve passeio na conceituação de processo de cognição e processo de execução.
Segundo a classificação moderna do processo, conforme a finalidade objetivada na atuação direcionada, adotou-se a dualidade processo de conhecimento e processo de execução. Para a definição de um, mister a definição do outro, dado que, mesmo independentes, complementam-se, na medida em que processo de conhecimento condenatório destina-se a preparar o processo de execução. De outro giro, a autonomia do processo de execução, está assentada em título executivo extrajudicial, sem que haja necessidade da atividade jurisdicional cognitiva.
6.2.1. PROCESSO DE COGNIÇÃO
Segundo essa premissa, o processo de conhecimento visa unicamente o acerto, a definição, a aplicação da lei ao caso contrato, interpretando-o e decidindo. Trata-se aqui de uma declaração concreta da lei que, via da sentença, expressa a posição jurídica dos contendores, nas palavras de LENT, mencionado por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (30) .
A cognição esteada no contraditório e na ampla defesa, via da manifestação ampla de ambos os contendores, a produção de todos os meios de provas admitidos em lei, é que, exaurida estas fases, alcançar-se a cognição plena objetivada. Desta forma, o magistrado estará seguro para o fim maior, entregar ao jurisdicionado a prestação judicial por ele almejada, com justiça e nos limites da lei, via da sentença de mérito.
Fácil entender assim, porque o procedimento ordinário se atrela ao processo de conhecimento, pois, versando forma procedimental desdobrada em etapas e fases próprias, ilimitadamente, identificada por ampla cognição, sem qualquer influência ou interferência do julgador que a tudo assiste, acompanhando os atos e o estado da lide.
A sentença resulta na prestação jurisdicional do processo de conhecimento, resultado da relação processual instaurada, e que teve por fim uma decisão de mérito, externando um provimento jurisdicional positivo ou negativo, cumprindo seu mister, cumprindo e encerrando seu ofício jurisdicional – art. 463 do CPC.
No processo de conhecimento, localizamos de maneira fundamentada, sua efetividade, que é traduzida pela eficácia da decisão proferida ao caso concreto, conforme o direito material posto em discussão, podendo ela expressar-se como uma sentença com provimento declaratório, constitutivo ou condenatório, tendo em comum a circunstância de externarem o direito cabível ao caso concreto, definindo uma relação jurídica entre os litigantes, diversamente das sentenças com carga executivas ou mandamentais, que não se limitam na aplicação da lei ao caso em apreciado, cuja eficácia se estende mais além.
O que identifica a eficácia da sentença é a pretensão à tutela jurisdicional objetivada, cujo exercício resultou na medida judicial adotada. Assim, classificada a sentença, classifica-se a ação e o provimento jurisdicional dado, projetando-se através do processo, o que se pretendeu com a prestação jurisdicional colimada.
6.2.1.1. SENTENÇAS DECLARATÓRIAS
Conforme ensina PONTES DE MIRANDA (31) , a sentença declaratória consiste num enunciado de existência, declara a existência ou inexistência de uma relação jurídica, questionada dentro das relações dos jurisdicionados. Busca tornar claro, declarar, iluminar, esclarecer, uma questão controvertida sobre certa situação jurídica. Como exemplo temos a ação de investigação de paternidade, que é declaratória positiva, negando ou afirmando uma relação jurídica de direito material.
Na sentença declaratória, o órgão jurisdicional, observada a vontade concreta da lei, certifica a existência do direito, trata-se única e exclusivamente de uma certeza jurídica.
Seu conteúdo predominante é declarar, tornar clara uma relação jurídica posta sob sua apreciação, para dirimir conflitos, esgotando a pretensão, na declaração judicial contida na sentença, com carga de coisa julgada material, tornando imutável no mundo jurídico o elemento declarativo.
6.2.1.2. SENTENÇAS CONSTITUTIVAS
Nas ações constitutivas, busca seu titular a constituição, desconstituição ou ainda a modificação de uma situação jurídica.
O elemento constitutivo caracterizador dessa tutela, identifica-se por constituir algo que não existia, irradiando, externando sua força num mundo jurídico, diversamente das declaratórias, que se limita a reconhecer o que já existia, declarando-a.
A ação constitutiva é mais complexa do que aquelas meramente declaratórias. Como distinção maior temos que, esta, além de declarar o direito, ela cria, extingue, ou modifica uma relação jurídica já existente, distinguindo-se das condenatórias, porque independe do processo de execução, ao passo que aquelas depende da execução, salvo se o réu, der cumprimento espontâneo.
A ação constitutiva faz mais do que declarar, por menor que seja, haverá uma mudança, uma modificação no mundo jurídico das partes envolvidas no litígio, em que pese sua carga declaratória. Como exemplo de ação constitutiva, que antecede uma carga declaratória, temos a ação de nulidade de casamento, pois necessário se faz a declaração da nulidade dessa relação, e onde tal declaração não alcança o fim colimado, não satisfaz àquele que buscou uma prestação jurisdicional plena, satisfativa.
6.2.1.3. SENTENÇAS CONDENATÓRIAS
É nas sentenças condenatórias que se destaca a condenação, seu principal objetivo, onde, além de declarar o direito almejado, impõe ao réu uma condenação. Trata-se, em verdade, de uma declaração para execução. Alcançada a sentença condenatória, o autor está de posse de um instrumento jurídico, cuja finalidade é a satisfação efetiva do direito pretendido, atribuindo ao vencedor, um título executivo judicial, possibilitando a ele socorrer-se do processo de execução, caso o vencido não cumpra a obrigação espontaneamente.
Como concluiu ELAINE MACEDO na obra citada (32) : "A trilogia, ações declaratórias, constitutivas e condenatórias, realiza integralmente o processo de conhecimento, caracterizado essencialmente pela passividade judicial no tocante ao mundo fático. Trata-se de via jurisdicional onde o Estado se limita a normatizar a relação jurídica das partes. Enquanto conhece, não executa. Ao conhecer, diz a lei do caso concreto. Trata-se de processo – caminho da jurisdição, em outras palavras – que rende homenagem à segurança jurídica. Enquanto o magistrado – a quem compete dizer o direito – ouve os litigantes e conhece os fatos alegados pelas provas produzidas, o statu quo desses mesmos litigantes não sofre qualquer alteração".
Não há como se negar, ainda e como já dito, o sincretismo existente e atual que se instala entre execução e cognição, ou seja, entre as tutela de reconhecimento de direito e de realização de direito, justamente nas formas diferidas de se prestar a tutela jurisdicional.
6.2.2. PROCESSO DE EXECUÇÃO
Contrariamente ao processo de conhecimento, o processo de execução objetiva a realização de atos para satisfação do crédito por ele assegurado. É o instrumento processual adequado para satisfação de obrigações creditícias. Não se busca uma atividade cognitiva exauriente, dado que esta já foi alcançada, seja via de um processo que resultou em uma sentença condenatória ou ainda, por determinados documentos e até mesmo a ato judicial (33) , ao qual o legislador pátrio atribuiu força executiva.
Aliás, esta é uma característica importante de se destacar: na execução, há o título executivo, que seria, justamente, este documento que a lei prevê e dota de eficácia executiva e a obrigação nele contida que, nas obrigações de pagar, devem ser certas, líquidas e exigíveis, além de inadimplidas. Estes atributos, portanto, são da obrigação e não do título que é o documento.
No processo de conhecimento impera uma incerteza no mundo jurídico, e onde se busca uma certeza jurídica, mediante a aplicação da lei ao caso concreto, diversamente, no processo de execução, a largada dá-se a partir de uma certeza que se tem em mãos, buscando a realização do direito material de crédito, conferindo ao jurisdicionado a plena satisfação de seu direito, através de atos praticadas sob a intervenção do Estado, que obrigam o devedor ao cumprimento de uma obrigação pendente.
Outra particularidade especial relevante acolhida pelo procedimento monitório é a de oferecer ao devedor da obrigação a possibilidade de assumir a dívida contraída, reconhecendo-a por ser legítima, já no início do processo, através da satisfação do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, haja vista a vantagem da isenção das despesas processuais e verba honorária (art. 1.102, c, § 1.º), evitando inúteis e eventuais delongas.
6.2.2.1. REQUISITOS PARA O PROCESSO DE EXECUÇÃO
O inadimplemento do devedor e a existência de título executivo, trazendo em si uma obrigação líquida, certa e exigível, são os dois requisitos básicos necessários para o início dessa relação processual, estabelecida entre exeqüente (credor), executado (devedor) e o órgão jurisdicional responsável, não para declarar ou constituir direitos, mas sim para, através de atos executórios, satisfazer um direito existente.
Pende na doutrina se o inadimplemento constitui pressuposto de mérito. Como bem discorre OVÍDIO BATISTA DA SILVA, citando CÂNDIDO DINAMARCO, que entende tratar-se o inadimplemento em requisito exigido para a procedência da ação executiva, enquanto ARAKEN DE ASSIS, professa que tal se configuraria em condição de procedibilidade da ação de execução, para concluir que: "as regras do inadimplemento da obrigação situam-se nos códigos de direito material e a elas deverá o processualista recorrer para determinar, em cada caso concreto, se ocorreu ou não tal pressuposto legitimante da execução, e finalizando aduz que a disposição do art. 580, parágrafo único, do Código de Processo Civil é, indiscutivelmente, regra de direito material e há de ser interpretada em harmonia com as disposições sobre cumprimento das obrigações disseminadas nos códigos de direito material" (34) .
Sem dúvida algum, entendemos que o inadimplemento é requisito substancial, porque evidencia a exigibilidade da dívida, como ensina HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (35) .
O segundo requisito essencial é o título executivo de crédito, judicial ou extrajudicial, haja vista viger (36) no nosso ordenamento jurídico o princípio nulla executio sine titulo, onde para executar necessita-se de um título executivo, seja ele judicial, como a sentença, ou extrajudicial.
Com o CPC de 1973, deu-se a completa equiparação, quanto à força executiva plena, entre os títulos judiciais e extrajudiciais. A execução forçada pura, sem qualquer mescla com o acertamento do processo de conhecimento, tornou-se a mesma para sentença e os títulos negociais que a lei a ela equiparou.
Cuidou, outrossim, o novo diploma processual de enumerar, com largueza, os títulos que julgava merecedores da força executiva, ao mesmo tempo que, fora de seu rol explícito, conservava como títulos da espécie todos aqueles a que a legislação anterior atribuía "força executiva" (CPC, art. 585, VII).
Já antes do CPC de 1973 era clara a tendência legislativa de ampliar sempre o elenco dos títulos executivos extrajudiciais.
Por outro lado, a dinâmica do mundo dos negócios e a sofisticação dos instrumentos negociais exigiram uma constante preocupação legislativa no sentido de ampliar o elenco dos títulos executivos extrajudiciais e facilitar aos credores, ao máximo, o acesso a tais títulos e, por via de conseqüência, à tutela jurisdicional executiva.
Assim, para a efetiva tutela dos direitos de crédito, obtida concretamente através do processo de execução, o sistema do CPC procurou enumerar com grande amplitude o rol dos títulos executivos, sobretudo os extrajudiciais (art. 585).
Em vista disso, as recentes reformas processuais, tendentes a dotar o processo de maior efetividade, contemplaram significativa alteração do rol dos títulos executivos, tanto no que se refere aos títulos executivos judiciais (art. 584), quanto aos extrajudiciais (art. 585), notadamente suprimindo, no inciso II deste último dispositivo, a expressão do qual consta a obrigação de pagar quantia determinada, com isto autorizando a tutela jurisdicional executiva de quaisquer instrumentos dotados de conteúdo obrigacional expresso, ainda que não relativos ao pagamento de importância determinada.
Além do título executivo judicial, que emerge de uma sentença condenatória, oriunda de um processo de cognição, temos outros atos judiciais, dotados de condenação e que autorizam o processo executivo, tais como: a sentença penal condenatória, a sentença arbitral, a homologatória de transação ou condenação, a sentença estrangeira, devidamente homologada, na forma da lei, e ainda, o formal e a certidão de partilha.
Desta forma, atendidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos para o processo de execução, citado o Réu, não havendo o pagamento no prazo assinalado, tem-se o ponto de partida dos atos executórios propriamente dito, com a penhora, avaliação e alienação em hasta pública, salvo se houver oposição do devedor, através da ação incidental de embargos, que é ação de cognição.
Ao introduzir o procedimento monitório, abrindo artigos identificados, ao lado do número, por letras, artigos 1.102a, 1.102b, 1.102c, o legislador assim o fez, para não causar prejuízo a seqüência numérica dos dispositivos. Tal técnica foge a sistemática de numeração empregada pelo Código. Inúmeras vezes o legislador pátrio introduziu em nosso sistema, leis extravagantes, de procedimentos especiais, tais como: a ação de alimentos, desapropriação, despejo, não se limitando a reger relações processuais.
No caso vertente, a Lei que introduziu o Procedimento Monitório em nosso ordenamento jurídico, trata em seus dispositivos, unicamente de ordem processual, portanto, coube ao legislador pátrio, enquadrar o procedimento como especial de jurisdição contenciosa, dada sua carga sumária, introduzindo-o no Livro IV, Título I, do Código de Processo Civil.
O procedimento monitório, classificado de jurisdição contenciosa, objetiva abreviar, de maneira eficaz, o caminho para a formação do título executivo, contornando o demorado e dispendioso procedimento ordinário.
7.1 OBJETO
No procedimento monitório, a pretensão é, via de regra, creditícia, ofertado ao credor de soma em dinheiro, de coisa fungível ou de coisa certa móvel, desde que tenha ele ao menos uma prova documental para comprovar sua assertiva.
Trata-se de procedimento visando a resolução de obrigações de dar – bens móveis, fungíveis ou infungíveis, dentre eles, obviamente, o dinheiro é o objeto de maior interesse.
Inspirado no modelo italiano, diversamente do alemão e o austríaco, que excluem o bem móvel determinado, o procedimento monitório introduzido pelo legislador pátrio, exclui as obrigações de fazer ou não-fazer, dado que estas encontram sede própria.
Quanto à prestação de quantia monetária, esta deve conter valor líquido, haja vista que, valores que exijam liquidação para sua fixação, por arbitramento ou artigos, não podem valer-se do procedimento monitório, por vedação expressa do art. 1.102c, ao dispor que após o comando preliminar adquirir força executiva, diante do silêncio do demandado ou improcedência dos embargos (contestação), o feito prosseguirá na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV, do Codex Processual Civil, definindo-se a formação do título executivo, seguem-se os atos executórios, de quantia certa, penhora de bens, etc.
A liquidez do valor, nos leva a afirmar que o autor deverá instruir a inicial, com a memória dos cálculos, igualmente ao processo executivo por quantia certa contra devedor solvente, dado que o procedimento monitório é sumário, dispensando produções de provas, salvo aquelas que devem instruir a inicial.
O contraditório somente se instala, através da provocação do demandado, via de Embargos. Sem estes, a ordem judicial emanada em vista da petição inicial, passa a ter força executiva, iniciando-se os procedimentos visando expropriar bens do patrimônio do devedor, para satisfação do direito do credor.
Segundo o entendimento da Professora ELAINE MACEDO, em sua obra "Do Procedimento Monitório" (37) , não haveria espaço nesse procedimento, para discussão sobre o "quantum debeatur", dado que os valores deveriam vir especificados, inclusive com atualização monetária, se incidente.
Ao nosso ver, tal condição inocorre, haja vista que, comprovado pelo devedor, que o credor apresentou valor aquém do devido ou cálculos incorretos, caberá ao julgador, no exame dos Embargos, que preferimos denominar "Embargos Contestatórios", ao proferir sua decisão, fazer constar o valor real do crédito, que dará origem ao título executivo judicial, e se necessário for, valendo-se até mesmo do Contador Público, dado que ao juiz não se pode exigir conhecer de cálculos, índices, etc.
Nosso procedimento monitório, tutela ainda as obrigações que objetivam a entrega de bens móveis, sejam fungíveis ou infungíveis, ao contrário do direito francês e português, que se limitam a prever tão somente as obrigações de pagar quantia em dinheiro.
O Código Civil define que "são fungíveis os móveis que podem, e não fungíveis os que não podem substitui-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade". Coisas fungíveis são vistas através de seu gênero e especificadas por meio de quantidade e qualidade, o que lhes garante homogeneidade e equivalência, sendo irrelevante sua substituição.
Na obrigação de entrega de coisa certa móvel, o procedimento tutela a relação obrigacional e não patrimonial, excluindo a entrega de bem imóvel, cuja pretensão é real e não obrigacional. Qualquer discussão sobre bem imóvel ou móvel, oriundo de pretensão real, será processado via de ação executiva.
Nesta esteira, o procedimento está em condições para formar título executivo judicial, que seja oriundo da prestação devida pelo demandado de pagar, de dar bem móvel certo ou determinado, ou de dar coisa fungível.
7.2 INVERSÃO DO CONTRADITÓRIO
O procedimento monitório é um procedimento sumário, fulcrado apenas na alegação e prova apresentada unilateralmente pelo autor, emitindo o juiz um uma ordem "inaudita altera pars", impondo ao demandado uma situação desvantajosa. Desta sorte, alicerçado na verossimilhança do crédito demonstrado pelo autor, emana a ordem judicial de conteúdo condenatório para, depois da citação do demandado, permitir-lhe dar início ao contraditório, caracterizando uma verdadeira inversão na seqüência lógica do procedimento cognitivo.
A inversão do contraditório é uma evolução da técnica procedimental, visando a celeridade processual. Na verdade, o procedimento monitório prepara a execução forçada, objetivando obter-se um título executivo judicial, cuja celeridade é dar vazão ao juízo de verossimilhança, de credibilidade, cuja finalidade primordial e a efetividade da tutela jurisdicional.
8. REQUISITOS DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Além dos requisitos genéricos de qualquer petição inicial, enumerados no art. 282, instruída com os documentos necessários ao ajuizamento da ação (arts. 283 e 1102b), entre eles, obviamente, a procuração (art. 37), o título injuntivo ou monitório (art. 1102a) é a prova documental (prova escrita sem eficácia de título executivo) indispensável à propositura do procedimento monitório, devendo ela instruir a inicial.
Cogita-se, também, a necessidade de se instruir a inicial monitória com o demonstrativo da dívida, em se tratando de quantia, para se propiciar o pagamento, pelo réu, isento de custas e honorários, diante da verificação da correção da quantia cobrada.
8.1 PROVA ESCRITA
Assim, é requisito indispensável para o procedimento monitório, a prova escrita sem eficácia de título executivo, mediante o qual o titular pretenda pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel (art. 1.102a do CPC), pois que, título executivo extrajudicial com eficácia executiva, não se presta para embasar o procedimento monitório, pois colidiria com os princípios da própria ação que, em falta de pronta prestação pelo devedor, converte o mandado inicial em título executivo judicial.
Como prova escrita para viabilizar o pedido monitório, deve ser entendida aquela que houve a manifesta participação do devedor, ou de quem o represente, na gênese do documento.
Se permite, também, a prova que, embora não decorre diretamente do devedor, traga em si, elemento de convicção suficiente a ensejar a ordem de expedição de mandado monitório, notadamente, naquelas obrigação ex vi legis, ou seja, que decorram de lei.
A jurisprudência repousa em mares calmos neste sentido, sem divergência, conforme julgados adiante:
3. A ação monitória tem base em prova escrita sem eficácia de título executivo. Tal prova consiste em documento que, mesmo não provando diretamente o fato constitutivo do direito, possibilite ao juiz presumir a existência do direito alegado. Em regra, a incidência da aludida norma legal há de se limitar aos casos em que a prova escrita da dívida comprove, de forma indiscutível, a existência da obrigação de entregar ou pagar, que é estabelecida pela vontade do devedor. A obrigação deve ser extraída de documento escrito, esteja expressamente nele a manifestação da vontade, ou deduzida dele por um juízo da experiência. 4. A Lei, ao não distinguir e exigir apenas a prova escrita, autoriza a utilização de qualquer documento, passível de impulsionar a ação monitória, cuja validade, no entanto, estaria presa à eficácia do mesmo. A documentação que deve acompanhar a petição inicial não precisa refletir apenas a posição do devedor, que emane verdadeira confissão da dívida ou da relação obrigacional. Tal documento, quando oriundo do credor, é também válido - Ao ajuizamento da monitória – Como qualquer outro, desde que sustentado por obrigação entre as partes e guarde os requisitos indispensáveis.
(...)
6. A emissão do boleto bancário concernente à contribuição em apreço, apesar de não possuir a anuência da parte devedora, constitui prova escrita suficiente para ensejar a propositura do procedimento monitório, tendo em vista que, gozando de valor probante, torna possível deduzir do título o conhecimento da dívida e a condição do devedor como contribuinte, por ostentar a qualificação cartular de proprietário rural. (38)
"3. A ação monitória é processo de cognição sumária que tem por objetivo abreviar a formação do título exeqüendo e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional. O art. 1.102 do Código de Ritos faculta a utilização do procedimento injuntivo ao credor que possua prova escrita do débito, documento sem força de título executivo, mas merecedor de fé quanto à sua autenticidade. 4. Tratando-se de obrigação ex VI legis, as guias de recolhimento da contribuição sindical enquadram-se no conceito de "prova escrita sem eficácia de título executivo" (art. 1.102, "a", do Código de Ritos), sendo suficientes à propositura da ação monitória. (39)
"PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA – PROVA ESCRITA SEM EFICÁCIA DE TÍTULO EXECUTIVO – CARACTERIZAÇÃO – CABIMENTO – A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, utilizando-se desse instrumento processual o credor que possuir prova escrita sem força de título executivo, contudo merecedora de fé quanto à sua autenticidade. Se o contrato de participação em grupo de consórcio para aquisição de veículo automotor e os recibos de pagamento das prestações são suficientes para denotar a relação jurídica travada entre as partes e a existência da dívida, são tais documentos hábeis à instrução da ação monitória, não havendo que se falar em carência de ação por falta de interesse processual. Precedentes" (40) .
Destarte, à luz de tão preciosos estudos a respeito da ação monitória e no intuito de dar uma pequena colaboração ao tema abordado, trazemos a baila questão que tem causado perplexidade na aplicação da nova lei, qual seja, a obrigatoriedade ou não de o jurisdicionado submeter sua demanda ao novo rito.
Sendo o jurisdicionado titular de direito enquadrável no procedimento da ação monitória [pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel, com base em prova escrita (41) ], teria de submeter o pedido ao novo procedimento especial ou lhe seria facultado escolher, dentre os demais (ordinário ou sumário), aquele que melhor lhe aprouver?
Por outro lado, o magistrado, recebendo petição inicial, ao exercer o juízo de admissibilidade, observando que o autor não obedeceu ao rito da monitória poderia, de ofício, determinar que sob este deva ser processada a demanda?
Para obtermos a resposta a estas indagações, mister revisitar os princípios processuais que cuidam da disponibilidade ou não da escolha do rito no Código de Processo Civil.
Se atentarmos para o disposto no art. 295, inciso V, do CPC, segundo o qual a petição inicial será indeferida, quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor não corresponder à natureza da causa ou ao valor da ação, salvo se o juiz puder adaptar a petição inicial ao tipo de procedimento escolhido pelo autor, pode parecer, a uma primeira leitura, que o CPC adotou a técnica de absoluta indisponibilidade, em matéria de procedimento. Porém, a busca da melhor exegese nos conduz a formular outras ponderações, atendendo ao sistema processual vigente.
A observação histórica nos mostra que o primeiro diploma legal que regulou o processo - Dec. 736, de 1890 - ditava no art. 245, a admissibilidade do uso do rito sumário pelo autor, desde que as partes o ajustassem e expressamente tivessem convencionado. Essa opção foi repetida pelo Código de 1939, quando cuidou da cumulação de pedidos sujeitos a processos com ritos diferentes, permitindo-se a cumulação, desde que o autor para todos empregasse o procedimento ordinário. O Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, manteve idêntica performance, conforme se dessume do estatuído no art. 292, § 2º. Assim, tradicionalmente, desde o Império, estaria consagrado no ordenamento processual Pátrio, a opcionalidade do rito a ser exercido pelas partes ou pelo autor, ficando ressalvada apenas a inadmissibilidade de eleição de rito diverso do prescrito com caráter de especial, determinado pelas exigências do inerente conteúdo da pretensão de direito material.
É consabido, que a posição acima sustentada encontra sólidos argumentos em contrário. Aduz-se que processo é direito público e, via de conseqüência, o procedimento não está posto no interesse das partes, mas, sim, no interesse da Justiça. Não se pode supor, desta forma, que o procedimento célere, abreviado e concentrado, tenha sido instituído com intenção voltada exclusivamente ao interesse do autor, observando-se a atitude publicista que o processo vem assumindo, de modo progressivo em nossos dias, principalmente no que diz respeito aos procedimentos.
Por conseguinte, de acordo com a corrente supracitada, o juiz tem o dever, de ofício, de corrigir a impropriedade do rito escolhido, em obediência ao princípio da indisponibilidade absoluta da escolha do procedimento.
Esta matéria foi objeto de muito estudo e dedicação dos processualistas brasileiros, quando da entrada em vigor do CPC de 1973, com a instituição do procedimento sumaríssimo, hoje sumário.
Com o advento da Lei 9.079 de 14.07.95, que incluiu o procedimento especial de jurisdição contenciosa - Da ação monitória -, estamos vivenciando, novamente, o questionamento experimentado, quando da inclusão do procedimento sumaríssimo de 1973, acerca da disponibilidade ou não do rito. As teses naquela época defendidas, servem de subsídio para se aplicar o princípio da indisponibilidade absoluta ou disponibilidade da escolha do rito, à ação monitória.
Inegavelmente, após vinte anos de vigência do CPC, a comunidade jurídica brasileira está consciente, da necessidade de abandono de algumas modalidades de interpretação, mormente aquelas que dão exagerada dimensão e importância aos termos usados pelo legislador, lembrando que se chegou a sustentar a indisponibilidade do uso do rito sumaríssimo, porque a locução observar-se-á foi usada em tempo verbal de que se deduz a intenção impositiva pretendida pela lei. Evidente que não se está a pregar o abandono total da técnica, tampouco o tecnicismo exagerado, o que se busca, é o equilíbrio entre o excesso de rigor técnico e a atecnia, aplicando os institutos processuais de molde a conceder, em tempo e modo adequados, a prestação jurisdicional.
Na nova visão do Direito Processual, a "preocupação fundamental é com os resultados a serem eficazmente produzidos no plano material. Assume enorme importância o princípio da adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa, também denominado de princípio da elasticidade processual" (42) . Busca esta nova postura aplicar um estilo de rito menos rígido e sempre com vista a adequá-lo ao direito substancial postulado.
Considerando que o processo é instrumento colocado à disposição do jurisdicionado, para obtenção de um bem da vida, é imperioso que haja uma flexibilização desse instrumento, permitindo ao cidadão a escolha, dentre os instrumentos oferecidos pelo Código de Processo Civil, aquele que melhor atenda ao seu direito, haja vista que, nem sempre, o titular do direito deseja fazer uso da tutela diferenciada, tendo em conta a sua individual situação fática em torno do direito material.
Há mais um argumento em favor do princípio da disponibilidade do rito, o pertinente à renúncia do ressarcimento das despesas efetivadas para cobrança do seu crédito.
Estabelece o art. 1.102c, parágrafo 1o., do CPC que, cumprindo o réu o mandado inicial de pagamento, ficará isento de custas e honorários advocatícios. Trata-se de incentivo ao réu, para que cumpra a sua obrigação o mais rápido possível, objetivando evitar a conhecida morosidade do procedimento ordinário. Por outro lado, entretanto, se constitui em verdadeiro ato de renúncia, da parte do direito de crédito que a lei confere ao autor da ação monitória. Para haver renúncia, é necessário atitude inconteste do titular do direito; esta só ficará expressa, se o mesmo ajuizar a cobrança pelo procedimento da ação monitória.
Observada a aplicação do princípio da disponibilidade do rito, ao juiz é vedado determinar, de ofício, que o pedido tramite sob o rito da ação monitória, por duas razões: a uma, porque estará impondo ao autor uma perda parcial do seu crédito, e ao Judiciário não é permitido transacionar com o direito da parte, salvo com sua expressa concordância; a duas, porque o autor expressamente abdicou do benefício legal do rito célere, ao propor a sua demanda sob outro rito.
A legislação reformista adotou o procedimento especial da ação monitória, com o fim de colocar à disposição do jurisdicionado, mais um meio rápido para a obtenção de título executivo judicial; contudo, "é lícito a qualquer renunciar a favor da lei, e o autor, assim procedendo, em nada prejudica ao réu, dando-lhe ao contrário um campo mais vasto para desenvolver a sua defesa, e ampliando, e não restringindo, a ordem do processo(...)"(43) .
Ademais disso, caso não considerada a facultatividade do rito monitório se estaria diante de indisfarçável inconstitucionalidade, vez que o Estado não poderia agredir a esfera patrimonial do credor, autor monitório, para, em sendo adotado tal rito, impingir-lhe a pecha de renúncia ao direito de ser ressarcido das despesas processuais, via da sucumbência imposta a parte que tem contra si julgada a ação. Vale trazer à colação, o seguinte posicionamento doutrinário: "Todavia, a facultatividade da via monitória, assegura a legitimidade constitucional da isenção: o autor tem a possibilidade de optar pelo processo comum de conhecimento; se prefere a demanda monitória, dispõe do recebimento de honorários advocatícios e reembolso das despesas processuais" (44) .
Nesse caso não há se falar em falta de interesse de agir, vez que, eventualmente, a um, o autor poderá entender que, com a prova escrita que tem em mãos, não conseguirá o juízo de verossimelhança e a conseqüente expedição de mandado monitório; a dois, o autor poderá escolher o procedimento comum, por preferir, embora por caminho mais longo "em tese", mas com os resultados práticos esperados, obter um provimento judicial revestido de autoridade de coisa julgada; e, a três, como já dito, pode não optar ele em renunciar o reembolso das despesas processuais.
Forte nestas razões, observa-se que, a princípio, ao titular de direito enquadrável no procedimento especial da ação monitória, há que ser observado o princípio da disponibilidade do rito processual, em face de suas peculiaridades; acrescentando-se que o rito imposto pela nova lei à ação monitória, não figura entre aqueles considerados irredutivelmente especiais, eis que, obedecido procedimento inicialmente especial, este converte-se em ordinário, havendo embargos ao pedido.
A instituição da tutela monitória deve ser vista como um plus, como reforço em relação ao sistema de tutela ordinária.
10. ESPÉCIES DE PROCEDIMENTOS MONITÓRIOS
O grande mestre CALAMANDREI citado pela eminente EAINE MACEDO (45) , destaca diversos tipos de procedimentos sumários, objetivando preparar com a maior brevidade possível, o título executivo, assinalando que nesses procedimentos, predominam sobre a função de declaração de certeza, a de preparação do título executivo, abreviadamente. Caracterizando-se, por primeiro, pela finalidade de alcançar, o mais rápido possível, a formação de um título executivo, e por segundo, diante da inversão do contraditório, esta uma das peculiaridades desses procedimentos.
Agrupa assim o renomado Professor da Universidade de Florença, o monitório em duas espécies: o documental e o puro. Neste, como visto, o preceito é emitido com fulcro nas palavras do demandante, não sendo reclamada prova escrita do direito; naquele a prova documental vincula o procedimento.
O procedimento escrito é o que maior importância assume para o nosso estudo, à vista de que somente ele restou incorporado ao CPC vigente (art. 1.102, a, b, c).
10.1 PROCEDIMENTO MONITÓRIO PURO
Como já assinalamos, o procedimento monitório puro, foi adotado na legislação alemã, austríaca e, com certas restrições, na uruguaia. No procedimento monitório puro, prescinde da existência de prova documental, para ser iniciado basta a simples afirmação do autor para que se originem os termos viabilizadores do positivamento do procedimento.
É destinado a atender, no direito austríaco, a créditos de pequeno valor, ou também para entrega de certa quantidade de coisas fungíveis, como o é no direito alemão.
Assim, em sendo de pequena complexidade a controvérsia de direito material, de módico valor, admite a formulação do pedido oralmente. No direito alemão, o procedimento é estendido para créditos de qualquer valor.
Postulado na forma determinada, expedir-se-á uma ordem condicionada de pagamento, com advertência para que o devedor ofereça, dentro do prazo legal, oposição. Esta oposição poderá produzir resultados diversos. No direito alemão, dá início ao juízo do contraditório, apenas para decidir sobre a origem da pretensão condenatória. No direito austríaco, onde a oposição independe de motivação, extrai toda força da ordem inicial, sendo necessário uma petição do credor para levar a discussão para a forma ordinária, com a extinção do procedimento monitório. Diversamente, no silêncio do devedor, a ordem adquire força executiva.
O procedimento monitório denominado puro, caracteriza-se por permitir que a ordem judicial de cumprimento da obrigação, seja expedida apenas com base nas alegações unilaterais do credor, sem necessidade de qualquer prova.
No Brasil, o legislador pátrio, com a redação atribuída ao art. 1.102.a, do CPC, impossibilitou qualquer discussão acerca da procedimento monitório puro, ao exigir prova escrita, sem eficácia de título executivo, optando, com isso, pelo procedimento monitório documental.
10.2 PROCEDIMENTO MONITÓRIO DOCUMENTAL
No procedimento monitório documental pressupõe a existência de uma prova documental do crédito, pré-constituída, mas, a nossa prova não é apenas documental, tem de ser consubstanciada através da escrita, o que a limita um pouco, porque sabemos perfeitamente que há uma série de documentos não escritos, como vídeos e documentos obtidos através de informática. No entanto, nosso procedimento monitório fica limitado à prova escrita.
O juiz deve verificar, "prima facie", a idoneidade da prova escrita. Essa é, efetivamente, uma análise que, embora sumária, o juiz deve fazer para se convencer da idoneidade da prova.
De acordo com a regra estampada no art. 1.102a, pode promover o procedimento monitório, todo aquele que pretender, alicerçado em prova escrita sem eficácia executiva, receber soma em dinheiro, coisa fungível ou bem móvel.
Nota-se, pois, que o requisito específico de admissibilidade do procedimento monitório é a existência de "prova escrita", desprovida de força executória.
Repetidas vezes os Magistrados proferem despachos desfavoráveis a ação de execução forçada, no seu nascedouro, por encontrar-se instruída por documento que embasa a pretensão executória inábil (Exemplo comum é do documento particular que, embora revele a existência de uma obrigação, não se apresenta com as condições especiais de liquidez e exigibilidade, ou não vem subscrito por duas testemunhas).
Esse procedimento, é indicado sobretudo para litígios relativamente simples: quando o credor já pode supor ou imaginar de antemão que não haverá divergência quanto à constituição do título, não havendo, possivelmente, oposição ao crédito, porque, do contrário, tudo será reconduzido ao procedimento ordinário, e a finalidade primeira do procedimento monitório, que é exatamente aquela de evitá-lo, não terá cumprido o seu objetivo.
Com efeito, cuidou o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO de elucidar os objetivos da introdução do procedimento monitório no sistema processual civil brasileiro, quando, em artigo doutrinário sobre a reforma implementada no CPC, transcreveu a esclarecedora exposição de motivos do respectivo projeto in verbis:
"Introduz-se no atual Direito brasileiro, com este projeto, dentro de um objetivo maior de desburocratizar, agilizar e dar efetividade ao nosso processo civil, a ação monitória, que representa o procedimento de maior sucesso no Direito europeu, adaptando o seu modelo à nossa realidade e às cautelas que a inovação sugere. A finalidade do procedimento monitório, que tem profundas raízes no antigo Direito luso-brasileiro, é abreviar, de forma inteligente e hábil, o caminho para a formação do título executivo, contornando o geralmente moroso e caro procedimento ordinário." (46)
Assim mesmo, dentro dessa simplicidade, há um campo bastante amplo de aplicação do novo instituto. Como exemplo, temos: cobrança de honorários dos profissionais liberais, honorários médicos, que podem surgir de documentação existente nos hospitais, históricos médicos etc.; títulos de crédito que não tenham algum requisito formal; títulos de crédito prescritos; extratos de livros contábeis e, a nosso ver, até mesmo o empenho da Fazenda Pública, em que pese apontar boa parte da doutrina em sentido contrário, pela impossibilidade do emprego do procedimento monitório nesse caso, bem servem para justificar o uso do procedimento monitório, como veremos adiante.
Vale aqui lembrar que, antes da edição desta lei, o interessado, em casos como tais, tinha que movimentar todo o aparato jurisdicional com ação de rito comum: ordinário ou sumário, objetivando a obtenção de um pronunciamento judicial (sentença condenatória) que permitisse a utilização da via executória.
Agora, com o advento deste novo diploma legal, inserido na parte destinada aos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, o portador de um título injuntivo (documento com força executiva inocorrente), pode se valer desta forma, no dizer de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, da "tutela jurisdicional diferenciada" (47) , que tem como função precípua a de permitir a formação do título executivo de maneira mais célere e eficiente.
10.3 PROCEDIMENTO MONITÓRIO PENAL
Não poderíamos deixar de mencionar, nas espécies de procedimentos monitórios, o penal. Registre-se que o procedimento monitório não é uma conquista exclusiva do processo civil, pois no processo penal, conhece ele essa forma de sumarização para alcançar a tutela jurisdicional..
No direito brasileiro, sempre houve enorme resistência para introdução desse tipo de procedimento sumário, não sendo diferente no processo civil. Entretanto, com a introdução da Lei nº 9.099, de 26.09.95, podemos afirmar que o direito pátrio adotou uma espécie de procedimento monitório, dado que, na "fase preliminar", ao réu é dada a oportunidade, sem instrução, sem defesa e sem que seja proferida qualquer sentença, aceitar a proposta do Ministério Público, recebendo uma sanção, devidamente homologada pelo juiz, na forma do art. 75 e 77, do diploma legal retro epigrafado.
1. AÇÃO MONITÓRIA OU PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Um aspecto que merece comentários, como já nos reportamos alhures, é o relacionado ao texto da Lei nº 9.079/95, de natureza terminológica. Mantendo a terminologia do CPC, ao tratar dos procedimentos especiais, no Livro IV, o novel texto legal fala, incorretamente, segundo concepção moderna da ciência do direito processual, em ação monitória, no lugar de procedimento monitório. O Código sempre se refere, ao disciplinar os procedimentos especiais, em "ação de consignação em pagamento" (art. 890), "ação de depósito" (art. 901), "ação de anulação e substituição de títulos ao portador" (art. 907), "ação monitória" (art. 1102a), rotulando impropriamente as consideradas "ações especiais", mesclando os conceitos de ação e de pretensão, quando especial é o procedimento e não a ação.
Ação é sempre o direito de se exigir do Estado um pronunciamento de mérito, o que não pode ser confundido com o direito subjetivo material alegado pelo autor, como sustentáculo da pretensão colocada à apreciação jurisdicional, retratada no pedido formulado na petição inicial. [Cf. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (48) e RONALDO BRETAS DE CARBALHO (49) ].
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