A cinderela Negra
Peter Fry
A CINDERELA NEGRA
“A estudante Ana Flávia Peçanha de Azeredo, negra, 19 anos, filha do governador do Espírito Santo, segurou a porta do elevador social de um edifício em Vitória enquanto se despedia de uma amiga. Em outro andar, alguém começou a esmurrar a porta do elevador. Ana Flávia decidiu então soltar a porta e, depois de conversar mais alguns instantes, chamou o outro elevador, o de serviço. Ao entrar nele, encontrou a empresária Teresina Stange, loira, olhos verdes, 40 anos, e o filho dela, Rodrigo, de 18 anos.[...] Segundo Ana Flávia contaria mais tarde, Teresina foi logo perguntando quem estava prendendo o elevador. ‘Ninguém’, …exibir mais conteúdo…
(De fato também utiliza o termo “mestiço” quando se refere à raridade da ascensão social do governador.) Este ponto merece destaque quando observamos que se Ana Flávia é “mulata” em termos da sua descendência, é “negra” quando descrita pelo narrador como personagem da história.
Os dados até agora apresentados apontam para alguns princípios que guiam a descrição das pessoas. Em primeiro lugar, todas as personagens são descritas de acordo com a sua aparência física, com a exceção de Teresina Strange, cuja descendência alemã evocada. Ana Flávia, por exemplo, aparece como “preta”, “negra” e “bronzeada”, mas nunca como uma “pessoa de descendência africana”, ou “africano-brasileira”. Este procedimento apenas confirma a atualidade das observações feitas por Oracy Nogueira no seu famoso mas lamentavelmente pouco lembrado artigo, em que contrasta os sistemas norteamericano e brasileiro de relações “raciais”, mostrando que os brasileiros classificam a partir da “aparência” da pessoa (a “marca”), enquanto os norte-americanos privilegiam a descendência (a “origem”).
Mesmo se todos prestam mais atenção à “marca” que à “origem” é possível distinguir duas maneiras de classificação. O narrador e Waldicéia distribuem as personagens em apenas duas categorias: “negros” e “brancos”. As demais personagens e os meus vizinhos utilizam categorias muito comuns na vida cotidiana brasileira como “moreno”, “morena clara”, “mulato(a)”, “mulato fechado”, “pardo”, “criolo”,