Longe de mim imaginar que as crianças procuravam ou viviam uma intensa libido erótica entre os quatro meses de concepção e quatro anos, quatro anos e meio de idade, como define Wilfred Bion no seu texto de 1966, citado mais á frente. Ainda mais longe das minhas ideias e sentimentos, que esse ser fosse criança até essa idade, em que adquire a capacidade de desenvolver o entendimento do real: e começa a desenvolver esse entendimento. Orientado pelas ideias da cultura social, pensava que o bebé no ventre da mãe mexia por ser parte da sua fisiologia.
A mãe da minha descendência costumava dizer: "anda cá, apalpa, está a mexer..." e, cheio de orgulho e felicidade, beijava a barriga e, evidentemente, com paixão e desejo e com esse profundo carinho que até ao dia de hoje sobrevive no amor e cuidado que dedicamos aos nossos netos, comia com beijos e abraços a minha mulher. Como dizem os Terapeutas não Antropólogos: o bebé nasce no olhar de dois namorados, frase citada e contextualizada no presente texto. Andava como os putos babados, a contar esta linda história aos que me suportavam quer as palavras, quer o nunca parar de dizer o mesmo. Adulto já para tanta brincadeira, a minha próxima paternidade era a minha delícia, a da minha mulher eram as caixas de rosas vermelhas e chocolates com leite. Os beijos para a minha mulher até a hostilizavam: "deixe-me em paz...." E eu, pretenso bom pai, não a queria provocar e largava-a. Escrevia extensos textos, preparava imensas aulas, tratava de todos os casos do meu Gabinete de Advogado desses tempos...com uma imensa distracção porque, a criança que estava no ventre da minha mulher, estava a invadir a minha cabeça a e preencher toda a minha aprendizagem sócio cultural de macho. Adorava quando íamos á rua passear apenas os dois, eu a abraçar, a segurar e a exibir a barriga da minha mulher, que eu tinha ajudado a encher e, tanto quanto possível acariciar em frente de todo o grupo social, o querido volume da feminilidade da minha paixão, essa mulher que me tinha cativado e levado a não parar até fazermos esse, para mim de certeza, filho.
Proibido tricotar cor-de-rosa, proibido pensar em nomes de rapariga, não tolerava mencionar nomes femininos para esse nosso primeiro descendente, feito no meio de um terrível ataque de paixão.
Grande déspota, este pai. Muito direito, muita culturas de outras sociedades, muito trabalho de campo..., na mais absoluta ignorância de que os saltos dentro do ventre eram a resposta zangada do meu sonhado rapaz, que defendia o que eu não sabia: a sua paz, a calma, a tranquilidade dentro da mãe, o alimento amniótico, alimento umbilical, a zangar-se com uma outra química que lhe tirava a comida quando eu entrava na mãe, a tentar por todos os meios possuir por completo a base da sua vida: o quente, flutuante, calmo e silencioso ninho no qual morava, nesse curto espaço de tempo. Grande déspota a mãe, ao defender a criança de qualquer perigo externo e, por vezes por, o marido, ainda não pai, de parte, pela dificuldade de ser grávida e conjugue.
E...no entanto, nem ela, nem eu, nem os avós pensávamos estar a travar-se uma batalha entre as ilusões do amor progenitor e a falta de afectividade do futuro adulto. Ou a afectividade dividida mais tarde entre o homem de casa se fosse rapaz, ou a mulher, se fosse rapariga: os ciúmes nasceram com o primeiro pranto de respiração no dia do parto.
Tinha que ser este médico de Viena de Áustria, a advertir-nos, em 1905,do Eros e Thanatos, a existirem na mais pequena das moléculas humanas do nosso grupo. Os calafrios que causara entre os australianos, e no resto do mundo da época, entre os entendidos e mais ainda entre os não entendidos e até aos dias de hoje. Que a criança procura satisfazer o seu erotismo ao brincar com os seus genitais ou ao procurar o dos seus adultos? Que ser amamentado é parte do comer e da libido com orgasmo? Que o pénis erecto do pai passa a ser o brinquedo a seguir ao abandono das mamas? Que, se não é evitada, a pedofilia sem ritual acontece, como a pedofilia ritual de outras etnias não europeias?
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