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O direito penal econômico como direito penal da empresa (o dualismo jurídico-criminal: societas deli (página 2)

Luciano Nascimento Silva
Partes: 1, 2, 3, 4

A responsabilidade penal da empresa, responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ou responsabilidade penal dos entes coletivos, representa tradição do sistema do common law em países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América do Norte, mas se tem espalhado e contaminado sistemas e países que até então se utilizavam da teoria do delito na concepção individual. Como tem afirmado GERHARD DANNECKER "en este sentido, el Derecho penal contra las personas físicas ha sido completado en un gran número de países industrializados con un Derecho penal contra las personas jurídicas. Junto a Gran Bretaña, donde se prevén sanciones penales contra las personas jurídicas desde hace tiempo, podemos nombrar también Dinamarca, Francia, Holanda, Portugal, Finlandia, Estados Unidos, Australia, Japón y Noruega".[5] Pode-se falar da existência de três grupos sistêmicos distintos: um primeiro grupo que adota as medidas de caráter sancionador (penal criminal), acima citado; um segundo (Alemanha, Itália e União Européia) que tem por adoção um sistema unicamente composto por sanções econômicas ás pessoas jurídicas; e, um terceiro (Bélgica, Grécia, Áustria, Espanha e Canadá) que se utiliza de medidas de caráter civil ou administrativo. Relata BARBERO SANTOS que no direito europeu continental o repúdio ao princípio societas delinquere non potest, que hoje prevalece, deriva do pensamento individualista do movimento iluminista "que se consagra en la ley francesa de 2-7 de marzo de 1791, que suprime las "corporatins", y de las concepciones de SAVIGNY para quien la persona moral es una ficción: toda asociación de hombres no es más que una suma de individuos entre los que existen certas relaciones: carecen, empero, de la unidad espiritual y corporal que caracteriza a las personas. Sólo decenios después las teorías orgánicas que tienen a GIERKE como máximo exponente, (para quien la persona jurídica es una persona real realer Gesamtpperson) formada por hombres reunidos y organizados mediante común y única fuerza de voluntad y de acción para el cumplimento de fines que superan al esfera de los intereses individuales, abrieron una via en favor da realidad de la persona jurídica, e iniciaron una tendencia favorable a su responsabilidad penal. Esta tendencia fue favorecida después de la primeira Guerra Mundial".[6]

            É a constatação de que a empresa ocupa no cenário sócio-econômico (a partir do pós-guerra), posição de fundamental importância no projeto de construção do Estado Social e Democrático de Direito, não apenas neste projeto, mas uma identificação, primeiramente, de que a vida em sociedade após o início da segunda metade do século XX, pelo desenvolvimento acelerado do capitalismo, a derrocada do modelo socialista e a revolução tecnológica, tornou-se fundamentalmente econômica. Mas, nem por isso se deve esquecer que a vida antes de tudo continua sendo social, daí a presença e a importância que ocupa a empresa no contexto geral. A empresa, pessoa jurídica, ou ente coletivo não pode significar, ou ocupar um espaço de maior importância do que o ocupado pelo homem. A idéia é e sempre será de uma vigência do antropocentrismo.

            A importância da empresa no contexto sócio-econômico se deve a dois fatores fundamentais ocorridos a partir do início do século XX, que podem ser apontados da seguinte maneira: um primeiro, identificado no surgimento do chamado Direito Econômico, que com o desenvolvimento das atividades econômico-social (envolvendo produção, distribuição e consumo; questões de prestação de serviços e preços etc.) e econômico-financeiro (atividades de aplicação financeira, especulação em bolsa de valores, transações cambiais etc.), determinaram o intervencionismo estatal, o Estado passou a se utilizar das normas de caráter sancionador para a efetivação de um poder maior de regulamentação das atividades; um segundo, reside na constatação do desenvolvimento acelerado da sociedade de massas, e de que isto representava um campo fértil para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do exercício de atividades empresariais por meio da empresa, ou pessoa jurídica. E mais do que isso, constatou-se que a maior parte das infrações cometidas, os abusos e da desobediência aos códigos de relação econômico-social era cometida pelas empresas

            Mas, enfim, o que é a empresa?[7] Existem diversas definições conceituais para um entendimento do que seja, ou signifique ser empresa. Existe também um acordo em entender a empresa, antes de tudo, como uma realidade caracterizada por sua função econômica: produção, distribuição e prestação de serviços, e que como tal tem que ser contemplada pelo ordenamento jurídico. O que implica numa sistemática do mundo jurídico, com a identificação dos elementos singulares do direito. "Mas para o Direito Penal, que entra em contato com a empresa através da infração criminal, somente é útil uma definição suscetível de ser o ponto de referência comum a todas essas infrações".[8] Numa propositura da definição conceitual da empresa, puramente econômica, TERRADILLOS BASOCO se utiliza da doutrina de SÁNCHEZ CALERO para dizer que, adota o conceito de empresa como sendo uma organização de capital e de trabalho destinada a produção ou a mediação de bens ou serviços para o mercado.[9] Definição conceitual que representa uma simplificação e ao mesmo tempo estabelece uma compreensão global do significado do fenômeno na atualidade.

            A problemática da responsabilidade penal da empresa é antes de tudo uma questão moderna de necessidade de política criminal, uma necessidade que cada vez mais se vem acentuando diante dos acontecimentos antijurídicos ocorridos nas relações econômicas, relações estas que parecem não encontrar limites razoáveis para desenhar pelo menos um esboço de atividade econômico-social, que represente um salto de qualidade na convivência civil, que represente uma evolução na idéia das cláusulas do contrato social. Pelo contrário, a constatação é de uma insubordinação total, irrestrita e sem limites, destas atividades que em muitos, muitíssimos casos não conseguem realizar uma distinção concreta entre o que seja uma atividade lícita e ilícita, e sua reprodução em número de série encontra cada vez mais na empresa um instrumento de eficácia delituosa comprovada. A necessidade político-criminal de uma responsabilidade penal da empresa é imperativo da vida político-social e econômica moderna, das sociedades industriais que enxergam no seu bojo as relevâncias sociais de caráter penal que não são cometidas apenas por pessoas físicas numa atuação desordenada, mas também por pessoas jurídicas, agrupações de pessoas, empresas, corporações etc., que têm como núcleo de sua atuação a identificação de estruturas organizativas complexas de construção voltada para a divisão do trabalho, num processo hierárquico de capacidade e exercício de poder.

A atividade empresarial exercida na era pós-moderna e contemporânea tem na complexidade sua principal característica, que representa conseqüência direta de sua organização hierárquica num acumulo de poder por parte dos seus membros. Obviamente que a origem remota desta nova roupagem assumida pela empresa é ressonância direta dos acontecimentos ocorridos nas relações sócio-econômica mais intensamente a partir do último quarto do século XX. O surgimento de um novo modelo de civilização, transformações das mais drásticas já sofridas pela humanidade numa continuação do fenômeno das revoluções (a terceira revolução), a revolução tecnológica veio sacramentar o fim, senão de todas, de quase todas as teorias jurídicas clássicas, e o direito penal clássico com a sua estrutura rígida e formalista se encontra em verdadeiro estado de hipertrofia, as formulas dos sistemas de proteção baseadas no individualismo e de entendimento de limitação de espaço e tempo, numa visão de fronteiras determinadas não encontram mais uma razão de ser, de continuar a existir como sistema. Não dá mais para negar, "há um novo direito á vida em evolução: as clonagens, a engenharia genética, a manipulação de embriões criaram novas perspectivas para a civilização, ao lado de novas demandas legislativas de regulação. A degradação do meio-ambiente nunca foi tão alarmante como resíduo de um modelo de desenvolvimento tecnológico, ainda baseado em técnicas de extração e manipulação excessiva e descriteriosa de recurso naturais (...). A revolução dos meios de comunicação e o acesso a tecnologias que permitem a experimentação de uma civilização on line é outra fonte permanente de preocupação (...). A marca da desigualdade no desenvolvimento econômico, dramaticamente acentuada nos últimos tempos mercê de processos cada vez mais velozes de criação e circulação física e virtual de riquezas tem organizado e desorganizado a vida de novas economias e de sociedades (...). A nova ordem econômica gerada por novos monopólios, disfarçados em conglomerados extremamente complexos no seu funcionamento, tem possibilitado a interferência direta e indireta nas próprias relações de poder exercidas até há pouco apenas ou primordialmente por critérios políticos ou mesmo militares. Essa nova ordem cria um novo conceito de soberania para o Estado, relacionado este á sua capacidade de controle de sua política econômica e industrial, tarefa que não é apta  para muitos Estados. A concentração da riqueza em poder de grandes monopólios faz com que surjam novas e diferenciadas formas de poder corporativo que, ao lado de um desemprego crescente, demandam uma especial sensibilidade para enfretamento deste conflito. Claro que esse quadro de acontecimentos e situações, é apto a gerar formas as mais diversas de condutas facilmente enquadráveis segundo nossos padrões de identificação e catalogação como delitos, a que poderíamos chamar, sob certo aspecto de delitos de terceira geração ou  delitos da modernidade".[10]

            Não se está aqui a negar uma evolução da política criminal e da dogmática jurídico penal, é só se esforçar num exercício mental reflexivo para partir do direito penal clássico positivista[11] em contraposição ao pensamento naturalista,[12] caminhando para novas formulações que chegaram no neokatismo de considerações axiológicas e do direito penal como membro do clube das ciências do espírito enfatizando a compreensão do valor. O que definitivamente faz parte do passado, adveio, então, a teoria finalista com a política da negação, numa não formulação de dogmas, numa não valoração de conteúdo variável, priorizando uma dogmática jurídico penal fundada num sistema atemporal e não perecível, apresentou ao universo jurídico-penal características próprias (ação, antijuridicidade e culpa). Daí em diante a política criminal passou a reivindicar seu espaço natural formulando, portanto, uma nova posição para esta que não fosse de subordinação, o que provocou uma mudança de paradigma ocasionando a derrocada das teorias retributivas e uma maior importância para as políticas de ressocialização, o que envolveu o surgimento de fenômenos como o abolicionismo penal e a criminologia critica. Mais a frente a constatação da ineficácia total da política ressocializadora e uma suposta crise do abolicionismo. Talvez o direito penal tenha sofrido a partir daí uma das maiores mudanças, com a necessidade de efetivação das garantias materiais numa tentativa de ratificação do Estado Social e Democrático de Direito, o que ocasionou (até então) a sua principal mudança (já propugnada quando do Projeto Alternativo do Código alemão), o direito penal como instrumento de proteção de bens jurídicos.

            O bem jurídico recebe a importância e o significado dos quais sempre foi merecedor, o direito penal abandona uma proteção de direitos individuais homogêneos e adere a uma proteção dos interesses coletivos e difusos. Os bens jurídicos superindividuais passam a exercer papel de relevância no campo da proteção penal. O que faz surgir novas tendências no direito penal, o campo metodológico é invadido pelas correntes funcionalistas. TATIANA BICUDO citando MANUEL JAéN VALLEJO vai resumir as correntes nos seguintes dizeres: "o conteúdo das categorias do sistema dogmático deve determinar-se em função do que resulte mais adequado ao sistema social em geral ou a um subsistema social em particular, tal qual o subsistema do direito penal. Funcional, nesse sentido, é tudo o que se requer para a manutenção do sistema", e aponta as duas mais destacadas: "de um lado, o modelo de CLAUS ROXIN , considerado como modelo funcionalista aberto, de orientação teleológica, ou seja no sentido de que os elementos do delito devem ser deduzidos dos fins do direito penal. Por outro lado, tem o modelo de GUNTHER JAKOBS, considerado como modelo funcionalista fechado. ROXIN ao constituir a sua teoria tinha como pano de fundo a busca da unidade sistemática entre a política criminal e o direito penal (...). Já para JAKOBS somente são decisivas as necessidades "sistêmicas", orientadas ao princípio supremo da "função do direito penal". A teoria de JAKOBS tem como matriz a teoria da sociologia jurídica de NIKLAS LUHMANN, que sustenta que o jurista não tem como dominar o problema das conseqüências de sua decisão, sendo exatamente aí que a dogmática deve se inserir".[13]

            Portanto, não se nega uma evolução em ambos os postulados do direito penal, e nos dias atuais se nota uma discussão mais fervorosa voltada para as correntes funcionalistas e para os processos de desformalização do direito e processo penal numa propositura de convivência de sistemas até então estranhos um ao outro, numa caracterização inegável da expansão e internacionalização da legislação, o advento de uma ciência penal supra-cultural, numa convivência harmônica entre o sistema romano-germânico e o da common law. "O processo de regionalização propiciará a unificação legislativa em relação a temas cujos reflexos terão incidência transnacional. Isto acarretará, além da produção de uma legislação uniforme, a construção de um sistema de direito penal comum a todos os países congregados no bloco regional. Alguns conceitos e categorias próprios da teoria do crime necessitarão, nesta situação, encontrar harmonização. Tais conceitos e categorias adquirirão conteúdo concreto em conformidade com finalidades político-criminais do contexto regional. Certo é, no entanto, que tais finalidades não se reduzirão "a meras considerações utilitárias de eficiências", mas compreenderão "considerações valorativas derivadas de um princípio do respeito á dignidade humana e as garantias fundamentais do indivíduo. Da relação dialética de um e do outro surgirão, sem dúvida, enunciados valorativos concretos, cuja aptidão para dotar de conteúdo as categorias sistemáticas será inquestionável"".[14]

1.2 O campo da responsabilidade penal: objetiva e subjetiva

            Aqui se nota, definitivamente, o principal diferencial existente entre o sistema romano-germânico e o sistema do common law, que é o campo da responsabilidade penal: objetiva e subjetiva. Àquele levanta a espada do garantismo penal sem realizar a mínima distinção entre criminalidade clássica, ou convencional e a criminalidade moderna de significado totalmente diferente, sustentando a todo custo uma vigência da responsabilidade subjetiva no direito pátrio. Este sem nenhum apreço pela responsabilidade subjetiva, também não realiza uma identificação diferencial para ambos os fenômenos criminógenos, apregoando por uma responsabilidade objetiva.

Para o sistema romano-germânico, o positivismo do século XIX exterioriza sua preocupação no âmbito do direito processual, com o controle e manutenção dos princípios constitucionais de garantia. Tal preocupação se realiza, fundamentalmente, logo a partir do procedimento acusatório, assim como no seu desenvolvimento. O que quer significar a existência de uma vedação constitucional de um procedimento acusatório nitidamente genérico. Numa interpretação á luz do artigo 41 do Código de Processo Penal, LUIZ FLÁVIO GOMES vai dizer que "se considerarmos que o acusado se defende do crime imputado na peça acusatória, não do artigo de lei invocado (...), desde logo se vislumbra a necessidade imperiosa de a acusação narrar os fatos constitutivos do fato punível"[15] No mesmo sentido a lição de HUGO DE BRITO MACHADO "nos termos do art. 41, do Código de Processo Penal, a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identifica-lo. é evidente que se mais de uma pessoa participa da prática ilícita, a participação de cada um é circunstância do fato criminoso e como tal deve constar da denúncia. Assim, em se tratando de fato ocorrido no âmbito de uma empresa, entendemos ser necessária a indicação específica da conduta individual de quem tenha participado da prática delituosa".[16]

Por um lado, assiste razão a ambos os pensadores pátrio, por motivos tanto de ordem processual quanto material. A narração detalhada do fato acontecido é uma exigência não apenas processual, mas, principalmente, de caráter constitucional, de efetivação do princípio do contraditório (art. 5º, inc. LV, da CF), por outro lado, uma exigência de cunho material pautada no princípio da culpabilidade normativa, caracterizada por uma apuração de culpa do fato. Extinguindo-se, assim, a culpabilidade de autor. Por outro, note-se que se está a falar em todo o trabalho dissertativo da mudança de paradigma pela qual passa o direito, seja como ciência ou como sistema de normas. Uma aplicação garantista ao extremo como a que é praticada no direito pátrio tem ratificado uma rede de impunidade sem precedentes na história do direito. A criminalidade moderna (seus agentes) tem perfeita ciência de que se encontra amparada por um patrimônio dogmático jurídico-penal que lhe proporcionará um verdadeiro anteparo na efetivação de suas condutas. Ao mesmo tempo que conta com uma ineficiência total por parte das agências governamentais, sem recursos, com uma atuação pautada em instrumentos metodológicos jurássicos e uma seara de corrupção que não se faz idéia da dimensão. Mas é bom lembrar, que essa espécie de criminalidade nunca foi objeto de preocupação do Estado nacional, e também até pouco tempo atrás não representava parte da clientela do sistema de justiça criminal.[17]

            Daí LUIZ FLÁVIO GOMES lecionar no sentido de que, "o dever ser normativo estabelece um veto quanto ás acusações genéricas, tanto no plano do direito interno (art. 41, do CPP), quanto do direito internacional (Pacto Internacional de Direitos Civis, 1966 - Dec 592/92; e, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 1969 - Dec. 678/92), e do direito constitucional pátrio (art. 5º, incis. LIV e LV, da CF), não importando como se deu a prática delituosa, seja em co-autoria ou crime coletivo. A prática delituosa pode ser coletiva, o que não implica - por parte do acusado - na perda de suas garantias constitucionais, cabendo ao acusador um oferecimento acusatório detalhado, com a prerrogativa imperial de cumprimento dos motivos da acusação. Deve este, pois, informa ao acusado os motivos que ensejaram a acusação".[18] O entendimento esboçado pelo autor, reside na afirmação de que existe o ser efetivo que em sua prática rotineira não presta atenção ao dever ser, pelo menos como deveria. A mais triste constatação é feita á luz da produção jurisprudencial. O próprio Poder Judiciário (em diversos julgados RTJ 100/116), manifesta a sua desobediência seja ao direito interno, direito internacional, ou, mais ofensivamente, ás determinações constitucionais.

            Nota-se, portanto, que existe uma parte da doutrina que continua entendendo que as relações humanas e sócio-econômicas continuam sendo desenvolvidas aos moldes do final do século XIX e início do século XX, o que se deixa transparecer é que o garantismo penal gostaria de determinar o fim da história, senão possivelmente realizar uma determinação de paralisação do tempo. Realizar uma viagem de volta ao passado, não conseguindo distinguir, ou pelo menos identificar a existências de criminalidades distintas, que exigem do poder estatal tratamento jurídico-penal diverso. Tal espécie de criminalidade requer uma nova estrutura de operação jurídica de combate aos delitos econômicos, o que quer significar - para utilizar palavras de TIEDEMANN -, uma especialização das agências governamentais, o Poder Judiciário precisa acordar para o século XXI.

Fala-se, portanto, de uma vedação da responsabilidade objetiva. No entanto, é bom notar que vige no sistema penal pátrio um Código Penal FRANKSTEINS, com origem em 1940, com reformulação de sua Parte Geral em 1984, e com uma (até os dias atuais, apesar dos esforços de JOÃO MARCELO DE ARAÚJO JÚNIOR) Parte Especial, que parece ser intocável, com os inúmeros tipos penais de qualificação pelo resultado, sustenta o direito pátrio uma vedação da responsabilidade objetiva. O significado se encontra na reforma de 1984, que irrefutavelmente optou pelo princípio da culpabilidade. A premissa vigente no direito pátrio - em face da opção pelo princípio da culpabilidade -, é a de que sem a constatação da culpabilidade não há que se falar em pena (nulla poena sine culpa). Por outro lado, a responsabilização penal só pode ser imputada ao agente quando diante de uma conduta que enseja a verificação do dolo ou culpa. "Há dolo quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado (CP, art. 18, I). Há culpa quando o agente produz o resultado por negligência, imprudência ou imperícia (CP, art. 18, II)"[19]. Portanto, diante dos requisitos exigidos pelo princípio da culpabilidade, para a existência de um fato punível, que estão representados no dolo e na culpa, é que se tem a vedação da responsabilidade objetiva. Mas quando é que se tem a responsabilidade objetiva? Diz LUIZ FLÁVIO GOMES "quando alguém é punido sem ter atuado com dolo ou pelo menos com culpa, ou quando alguém é punido sem culpabilidade, sem ter podido, nas circunstâncias concretas do fato, ter atuado de modo diferente (dito de outra forma: quando era-lhe inexigível concretamente conduta diversa). Não basta, assim, para a existência da responsabilidade penal, a simples ocorrência de um "fato" ou de um "resultado" perturbador ou lesivo a bens jurídicos"[20]. Mais uma vez é semelhante a lição de HUGO DE BRITO MACHADO, "considera-se responsabilidade penal objetiva o estado de sujeição a uma sanção criminal independentemente de restar demonstrado o dolo ou a culpa, bastando o nexo de causalidade material. é a responsabilidade por um acontecimento, atribuída a alguém em virtude apenas de um nexo de causalidade material, entre a conduta e o resultado, com exclusão de qualquer contributo do elemento subjetivo, seja de conhecimento ou de vontade".[21]

            Para CHAVES CAMARGO,[22] que enxerga na realidade cotidiana diversos fatores que não podem ser deixados de lado pelo Direito Penal (que na idéia defendida no trabalho dissertativo, no campo do direito penal moderno, envolvendo os delitos tributários, financeiros, econômicos e ambientas, surge a figura do chamado "laranja", sem falar da ilimitada série de instrumentos tecnológicos utilizados pela criminalidade moderna, torna-se de difícil identificação o agente), ao mesmo tempo que a simples responsabilidade por resultado fora do campo de atuação do agente, provocaria uma involução ao versari in re illicita. A encruzilhada surge exatamente em função da anomalia apresentada pelo diploma penal, nesta relação entre o principio da culpabilidade e o resultado provocado pela ação. Daí "aparecem várias questões que necessitam de respostas pela dogmática jurídico-penal, e há de buscar-se uma saída para a reprovação penal, principalmente, daquelas ações que determinaram um resultado de maior significação social[23]. O Código Penal brasileiro admite em vários artigos a responsabilidade pelo resultado, podendo-se dizer, com ASSIS TOLEDO[24], que esta forma é uma transição ao direito da culpabilidade"[25]

            Portanto, é diante dessa complexidade de figuras que continua a discussão envolvendo a responsabilidade objetiva, que provoca uma situação de risco - em alguns casos -, da negação do princípio da culpabilidade. "No sentido de salvar o princípio da culpabilidade, buscou-se uma solução normativa, que foi a restrição imposta pelo artigo 19, do Código Penal, além da justificativa indicada por ASSIS TOLEDO, com base em acontecimentos empíricos, da responsabilidade daquele que, conhecendo os fatos, não se deteve, e responde "pelo menos por culpa""[26]

  1.2.1 Da dicotomia: Direito Penal Administrativo e Direito Administrativo Penal

           É no campo do Direito Penal Econômico que a concepção normativa da culpabilidade encontra seus maiores problemas, para não dizer deficiências. Neste campo percorre seu calvário a procura tanto de alcance como de um sentido para no próximo passo não advir seu falecimento. Suas deficiências se apresentam quando da analise da responsabilidade e da responsabilidade das pessoas jurídicas, pois, o próximo passo está representado na aplicação das sanções, sejam penais ou administrativas.

            O surgimento e desenvolvimento do Direito Penal Administrativo acontecem na Alemanha, que nas palavras de ANDREUCCI "as primeiras pesquisas foram realizadas a partir da separação entre crimes e delitos de polícia, por LORENZ von ESTEIN, OTTO MAYER, von LISZT, GNEIT e, notadamente, por JAMES GOLDSCHMIDT, isso, sem esquecer dos estudos feitos anteriormente por FEUERBACH"[27]. E. todos esses pensadores trouxeram para a ciência do Direito Penal suas conclusões, no entanto, o seu grande expoente está representado em GOLDSCHMIDT, que fora quem efetuou a diferenciação - no direito penal administrativo -, entre crime e infração. O primeiro como sendo a conduta ilícita assim considerada pela lei; e, a segunda uma contravenção, desobediência a uma obrigação determinada que cada um tem para com a administração, como membro integrante da sociedade.[28]

            Quem forneceu contribuição inestimável para o Direito Penal Administrativo, também, foi ENRIQUE AFTÁLION, quando escreveu "a distinção entre as duas categorias é ontológica, tendo os seus pontos fundamentais assim resumidos: a) o delito ampara a justiça; a administração, o bem-estar público; b) o delito dirige-se contra bens juridicamente tutelados; a contravenção é desobediência a normas administrativas e, portanto, atinge os interesses da Administração; c) a pena é marcada pelo seu sentido ético; a contravenção acarreta uma "pena de ordem", um "momento" em relação aos deveres para com a Administração, em função de critérios de oportunidade"[29]. O que se faz concluir por uma autonomia entre Direito Penal Administrativo e Direito Penal.

            Atribui-se a MAURACH a inserção (na esfera doutrinária) do direito penal administrativo no direito penal, por ter entendido sua necessidade em função do acelerado desenvolvimento das atividades estatais a partir do final da segunda década do século XX. No entanto, foi com a Lei Penal Econômica alemã de 1949, que se efetuou a distinção definitiva entre ambos os campos, quando determinou que haveria pena para os delitos e multa para as infrações administrativas. ANDREUCCI ensina que com a distinção efetuada pela lei alemã o que aconteceu foi que "deixou-se margem, entre eles, para um tipo intermediário de direito penal ou de direito penal administrativo, dependendo do caso concreto, feita a distinção com bases na gravidade da ação e na personalidade do autor"[30].

            Para alguns a sua inserção, com os existentes recursos correlatos de coação, provocou inúmeros problemas por chegar a incriminar condutas que não faziam parte do seu campo de atuação. No entanto, assiste razão a MAURACH, que enxergou quanto aos crimes um bem jurídico tutelado que contra o qual fora praticada uma conduta punível, já quanto ás infrações administrativas o que ocorre é uma desobediência, uma insubordinação, em descumprimento ás atividades administrativas.  

Quem de maneira direta forneceu contribuição riquíssima para elucidação da dicotomia fora JIMéNEZ DE ASÚA, que em sua obra clássica -  Tratado de Derecho Penal -,  escrevendo sobre a delimitação do conceito de direito penal, elaborou toda uma teria:

- Direito Penal Disciplinário - é um conjunto de normas que associa as infrações de natureza administrativa em que intervém o poder hierárquico, com uma sanção que reveste o caráter de pena. Porém, com a afirmação de que esse ordenamento disciplinário deve separa-se claramente do direito penal propriamente dito (Direito Penal);

- Direito Penal Administrativo - seria o conjunto de disposições que associam ao não-cumprimento de um concreto dever dos particulares com a Administração Pública, uma pena determinada;

- Direito Penal Fiscal - em seu sentido próprio, seria, pois, o conjunto de disposições que associa a lesão dos interesses financeiros do Estado, uma sanção penal determinada. Que fora designado na Espanha com o título de Direito Penal Financeiro, um conjunto de problemas de índole bem distinta;

- Direito Penal Financeiro - como sendo o conjunto de infrações que se refere as sociedades, e que podem seus sócios e representantes realizar (alterações de balanço, simulações, operações fraudulentas de empresa e bolsa, etc.), a intenção foi de construir um corpo próprio de doutrina, a qual se dado a nome de Direito Penal Financeiro. Também de muito maior profundidade em seu conteúdo;

- Direito Penal Econômico - nos países de regime autoritário, e, inclusive, naqueles de economia "dirigida" ou "enquadrada" pelo Estado, surgiu a idéia de reunir todos os preceitos penais que a esse objeto se referem, sob o título de Direito Penal Econômico, formado, em parte, por princípios especiais e em parte por disposições de Direito Penal comum.[31]

            No entanto, muito antes do surgimento da construção teórica de JIMéNEZ DE ASÚA, relata ANDREUCCI que, em 1952 o italiano FILIPPO GRISPIGNI veio sanar a divergência ao "demonstrar que se assemelham o direito penal administrativo e o direito administrativo penal, o primeiro de natureza sancionadora, porque põe normas penais á serviço da administração (disciplinares, financeiras e de polícia) e o segundo que, dos fatos lesivos dos interesses da Administração, faz decorrer uma sanção aplicada sem qualquer interferência jurisdicional"[32] O ensinamento de GRISPIGNI vem provar que até o final da primeira metade do século XX, a discussão travada era de enorme confusão acerca dos conceitos.

1.3 A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos direitos: interno e internacional 

            No direito interno - Aqui se faz referência minúscula ás previsões de responsabilidade penal da pessoa jurídica tanto no direito pátrio quanto em alguns outros direitos estrangeiros, envolvendo as legislações de admissibilidade e não-admissibilidade dos sistemas romano-germânico e da common law. A intenção única aqui, é como já dita, de fazer referência apenas, sem um caráter de profundidade nas diversas legislações e doutrinas estrangeiras. Partindo, portanto, das previsões presentes no direito pátrio.[33]

            Tal imputação de responsabilidade aparece como novidade no diploma constitucional pátrio, apenas recentemente a Constituição da República Federativa do Brasil, em algumas passagens abre a perspectiva para a responsabilização penal dos entes coletivos (arts. 173, §§ 4º e 5º, e 225, §3º). Aponta-se uma verdadeira celeuma no direito pátrio quanto ao tema, "muita controvérsia na doutrina nacional existe sobre a questão no âmbito constitucional. Alguns entendem que continua a vigorar o princípio "societas delinquere non potest", não revogado, mas ratificado pela Constituição de 1988. Outros, ao contrário, sustentam que efetivamente a mais recente Carta brasileira desejou inovar e adequar-se á tendência universal no sentido de responsabilizar penalmente a Pessoa Jurídica".[34] No âmbito infra-constitucional,  pode-se apontar diversas previsões desde os anos sessenta até os anos noventa do século XX e início do novo milênio: Lei nº 4.335/64, Lei nº 4.595/64, art. 73, §2º da Lei nº 4.728/65, Lei nº 4.729/65, Lei nº 8.884/94, Lei nº 8.974/95 (culpabilidade), Lei nº 9.100/95 (pessoa jurídica - pena), art. 3º, da Lei nº 9.605/98 (pessoa jurídica), art. 2º, §9º do Decreto nº 3.179/99 (pessoa jurídica), art. 32, da Lei nº 9.841/99 (pessoa jurídica), Lei nº 10.303/01 (mercado financeiro), art. 83, do Decreto nº 4.074/02 (pessoa jurídica), Lei nº 10.409/02 (cooperação internacional).

            No âmbito da doutrina se pode dizer da existência de uma polaridade doutrinária de entendimento favorável e contrário a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Posicionam-se contrariamente: BASILEU GARCIA, JAIR LEONARDO LOPES, MANUEL PEDRO PIMENTAL. MIGUEL REALE JÚNIOR, JOSé HENRIQUE PIERANGELI, JUAREZ TAVARES, LUIZ REGIS PRADO, RODRIGO SÁNCHEZ RIOS, ANTONIO DE QUEIROZ FILHO, LUIS LUISI, FABRINI MIRABETI, JOÃO JOSé LEAL, SHEILA JORGE SALLES, VICENTE GRECO FILHO, RENE ARIEL DOTTI, CELSO DELMANTO, ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO etc. E, favoravelmente: JOÃO MARCELO DE ARAÚJO JÚNIOR, MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, MÁRCIA DOMETILA LIMA DE CARVALHO, SéRGIO SALOMÃO SCHECAIRA, SILVIA CAPPELI, ANTÔNIO EVARISTO DE MORAES FILHO, JOSé AFONSO DA SILVA, PINTO FERREIRA, IVETE SENISE FERREIRA, GILBERTO PASSOS DE FREITAS, CELSO RIBEIRO BASTOS, PAULO JOSé DA COSTA JÚNIOR, éDIS MILARé etc.

Sobre a previsão de criminalização das condutas contra o meio ambiente, praticadas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas, REGIS PRADO leciona que "intenta-se romper, assim, pela vez primeira, o clássico axioma do societas delinquere non potest. Não ontante, em rigor, diante da configuração do ordenamento jurídico brasileiro - em especial do subsistema penal - e dos princípios constitucionais penais que o regem (v.g., princípios da personalidade das penas, da culpabilidade,, da intervenção mínima etc.) e que são reafirmados pela vigência daquele, fica extremamente difícil não admitir a inconstitucionalidade desse artigo, exemplo claro de responsabilidade penal por fato alheio. Influenciado, de certa forma, pelo sistema anglo-americano, em que essa forma de responsabilidade é normalmente admitida, teve, contudo, o legislador pátrio, nitidamente, como fonte de inspiração o modelo francês".[35] No mesmo sentido, comentando as disposições da Magna Carta, CEZAR BITENCOURT vai dizer que "no Brasil, a obscura previsão do art. 225, §3º, da Constituição Federal, relativamente ao meio ambiente, tem levado alguns penalistas a sustentarem, equivocadamente, que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No entanto, a responsabilidade penal ainda se encontra limitada á responsabilidade subjetiva e individual (...). Para combater a tese de que a Constituição consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica, trazemos á colação o disposto no seu art. 173, §5º, que, ao regular a Ordem Econômica e Financeira, dispões: "A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade individual desta, sujeitando-a ás punições compatíveis coma a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia em particular". Dessa previsão pode-se tirar as seguintes conclusões: 1º. A responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade da pessoa jurídica; 2º. A Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou a sua responsabilidade á aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza. Enfim, a responsabilidade penal continua a ser pessoa (art. 5º, XLV). Por isso, quando se identificar e se puder individualizar quem são os autores físicos dos fatos praticados em nome de uma pessoa jurídica, tidos como criminosos, aí sim deverão ser responsabilizados penalmente".[36]

            Posicionamento contrário adota MÁRCIA DOMETILA quando afirma que "a atual Constituição, sensível ao problema e louvando-se em legislações de outros países, como Holanda e Portugal, por exemplo, onde a realidade do crime empresarial foi devidamente enfrentada, dispôs, no §5º do seu artigo 173, que: "A leis, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a ás punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular". E mais adiante, no seu §3º do artigo 225, que: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados"".[37]  Acompanhando o pensamento supra comentando os referidos dispositivos, o saudoso professor ARAÚJO JÚNIOR afirma que "a nosso juízo, não há dúvida de que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, como aliás José Henrique Pierangeli reconheceu expressamente. A opinião do querido amigo e ilustre professor paulista evoluiu, como ele próprio manifestou durante o Seminário "O Advogado e a Constituição Federal".[38]

            No direito internacional - A responsabilidade penal das pessoas jurídicas é discussão atual no Direito Penal Econômico e, principalmente, nos espaços comunitários, de uma economia marcada por um processo de globalização, que quer significar um novo momento de poder planetário.[39] O que fez RUIZ VADILLO escrever que, "El hecho central conforme a éstos Estudios me parece que puede quedar así resumido: el considerable aumento de la actividad económica de los Estados miembros del Consejo  de  Europa y  del  mundo entero y el desarrollo de las relaciones económicas internacionales da lugar, con  frecuencia,  a  la comisión de infracciones  penales. A su vez, esta  criminalidad  lesiona a  un  gran  número  de personas  (asociados,  accionistas,  empleados,  empresas concurrentes, clientes,  acreedores a la  comunidad  en su  conjunto, incluso  al  Estado  que  debe  suportar graves  cargas  o sufrir  importantes  pérdidas  de  sus  ingresos);  agravia  a  la  economia  nacional   y/o internacional y causa una cierta pérdida de confianza en el sistema económico mismo".[40]

E como expoente da construção desse espaço comunitário a União Européia apresenta uma diversidade de previsões quanto ao tema tratado. O estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito dos diversos Estados-membros da União Européia apresenta suas particularidades. Diz SILVINA BACIGALUPO que se pode "constatar a presença de diferentes culturas jurídicas sem que seja possível dar uma única resposta em relação a esta questão. Neste sentido, encontra-se - por um lado - com países cujos ordenamentos jurídicos respondem a cultura jurídica continental européia e, portanto, não contém uma regulação genérica sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Por outro lado, se encontram os países com tradição anglo-saxão, em cujos ordenamentos jurídicos admite-se a responsabilidade das pessoas jurídicas"[41].

            Na Alemanha o princípio da culpabilidade opera como imperativo constitucional, o que quer significar, que não é aceita a responsabilidade penal das pessoas jurídicas[42]. Existe uma semelhança inegável com o ordenamento jurídico espanhol, principalmente, a partir das previsões legislativas inseridas no novo Código Penal espanhol de 1995. O que é possível na Alemanha, é uma responsabilização da pessoa jurídica em matéria de infração administrativa, que ocasiona a estipulação de uma sanção de caráter econômico-administrativo mediante o recolhimento de multa. Realiza-se uma punição econômico-administrativa quando diante de um comportamento antijurídico, não se fazendo necessário uma apuração da culpa, com a peculiar característica de que o procedimento acusatório é regido pela Administração Pública e não pelo Ministério Público, com a determinação do princípio da oportunidade em substituição ao princípio da legalidade. "Existindo a Lei de Contravenções ou Infrações Administrativas (art. 30, 1968), que recebeu modificação pela Lei de Criminalidade Econômica (Wikg 2., 1986), com uma responsabilidade direta com as pessoas jurídicas"[43]. Ponto interessante é o de que se por um lado nem o Código vigente, nem o Direito Penal alemão como um todo, conhecem penas que possam ser aplicadas ás empresas, nem por isso deixam de ser sujeitas de alguma medida restritiva especial como confisco dos ganhos obtidos com o delito, assim como, a perda dos producta et instrumenta sceleris (§§ 73 e 74 do Código Penal Alemão).[44]

Idêntico é o ordenamento jurídico italiano, que não admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, demonstrando que o único sujeito passível de sanção penal é a pessoa física. A previsão é de longa data, desde a Constituição de 1948, art. 27, §1º, colocando como obstáculo principal o reconhecimento do princípio da culpabilidade, no §3º do mesmo dispositivo. Por outro lado, a Itália vem demonstrando uma significativa evolução legislativa no âmbito administrativo, para uma responsabilização da pessoa jurídica, com a Lei nº 689/1981, art. 6º, inc. III, estabelecendo a responsabilidade solidária. E mais recentemente, com a Lei nº 300/2000, art. 11, ratificando a Convenção sobre a tutela dos interesses financeiros da Comunidade Européia. Ocorre que, com o advento da Lei nº 300, de 29 de setembro de 2000, através da qual a Itália ratificou aquele protocolo (dentre outros atos internacionais), lei esta regulamentada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 8 de junho de 2001, a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica já encontra-se disciplinada no sistema jurídico italiano. Com a ratificação deste protocolo, optou o legislador italiano por estender o âmbito de infrações penais pelas quais poderiam ser responsabilizadas, administrativamente, as pessoas jurídicas. Assim, em seu artigo 11, a Lei nº 300, de 29 de setembro de 2000, determina a responsabilidade da pessoa jurídica pelo cometimento de crimes contra a Administração e o Patrimônio (letra a), contra a incolumidade pública (letra b), contra a higiene e saúde no trabalho (letra c) e contra o meio ambiente (letra d). A lei em questão tratou dos pontos mais importantes da nova responsabilidade (termos da responsabilidade e seus requisitos, causas de exclusão, garantias penais e processuais penais, sanções, medidas cautelares, prescrição e competência) e delegou ao Executivo a disciplina detalhada da matéria. Daí o advento do Decreto Legislativo nº 231, de 8 de junho de 2001.[45]

            O direito português não se afasta do reconhecimento do princípio da culpabilidade como imperativo constitucional, assim está presente na Constituição de Portugal (arts. 1º, 5º e 13). E o Código Penal português estabelece a responsabilidade individual (art. 11). Existindo, ainda, o Decreto-Lei nº 433/1982, art. 7º, idêntico a lei alemã de contravenções, estabelecendo uma responsabilidade pessoal coletiva ou equiparada, com a estipulação de multas administrativas (art. 17.3). No entanto, o próprio artigo 11 do Código Penal português admite exceção para uma responsabilidade penal das pessoas jurídicas. "Ao lado de uma responsabilidade quase penal, o Código Penal portugês consagrou no seu art. 11 a responsabilidade individual, no entanto, na parte final deste dispositivo, permitiu através do emprego da expressão "salvo disposição em contrário" que a legislação infraconstitucional dispusesse acerca de outras formas de responsabilidade penal diferentes da individual, tais como, coletiva, a objetiva e o que nos interessa neste estudo, a responsabilidade penal da pessoa jurídica"[46] A norma do art. 11 do antigo Código Penal foi mantida pelo, também, art. 11, do atual Código, de 15.03.95, que entrou em vigor em 1º de outubro do mesmo ano, que assim estatui: "Art. 11º (caráter pessoal da responsabilidade). Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal".[47]

            Para que esteja configurado um caso de responsabilidade penal da pessoa jurídica, é necessário que o comportamento do agente do ente coletivo atue em representação e nos limites desta representação. Assim é que o preâmbulo do r. decreto-lei, exige sempre uma conexão entre o comportamento do agente - pessoa singular - e o ente coletivo, já áquele deve atuar em representação ou em nome deste e no interesse coletivo. E tal responsabilidade se tem por excluída quando o agente tiver atuado contra ordens expressas da pessoa coletiva. O Dec.-lei nº 28/84 somente afasta a responsabilidade penal do ente coletivo se a pessoa física tiver agido exclusivamente em seu próprio interesse, sem qualquer conexão com os interesses da pessoa jurídica. é, portanto, diferente da atuação além dos poderes do mandato, pois que abrange também a atuação no interesse coletivo e os parcialmente em interesse do agente. A responsabilidade é excluída quando o agente atuar contra ordens ou instruções expressas de quem de direito (art. 3º., 2).[48]

No continente europeu, provavelmente, não existe uma previsão de responsabilidade penal das pessoas jurídicas mais antiga do que a existente no Reino Unido. O dominante é a idéia da pessoa jurídica como sujeito passível de sanção penal. "A necessidade de intervenção de uma pessoa natural para levar a cabo ações em nome de uma empresa se remonta  ao Criminal Justice Act de 1925 que recorre ao seu art. 33, para tal possibilidade. Por outro lado, os tribunais também têm sido sempre favoráveis a admitir a vicarious liability da empresa por atos cometidos por seus empregados ou por seus agentes do mesmo modo que se admite a responsabilidade da pessoa física".[49] No sentido esboçado, pode-se apontar como a mais significativa contribuição, a elaboração da Teoria da Identificação, que consiste no reconhecimento de que toda empresa funciona mediante a presença de uma pessoa física que atua e controla de forma direta as atividades exteriorizadas pela empresa. A responsabilidade penal nasce em função dos atos relacionados com a esfera de atividade específica da empresa. A exteriorização desta responsabilidade penal se dá no âmbito do Direito Penal Econômico ou dos tipos de regulação das atividades empresariais. Além da extensa recepção á responsabilidade penal da pessoa jurídica pelo direito anglo-saxão e pela própria jurisprudência, "dita responsabilidade se encontra presente em numerosas leis. Um dos exemplos mais recentes é a Lei Natural Heritage (Scotland) Acto 1991 (c. 28) (27.6.1991). Trata-se aqui de uma lei sobra a proteção do meio ambiente e a natureza".[50]

            O Direito Penal dinamarquês[51] não traz nenhuma previsão de responsabilidade penal da pessoa jurídica, admitindo, apenas, a responsabilidade das pessoas físicas. A responsabilidade das pessoas coletivas está presente na legislação extravagante, com previsão de aplicação de pena de multa. Assim, é na Lei 358/1991 - Lei de Proteção ao Meio Ambiente. No entanto, tem-se "admitido a possibilidade de responsabilidade penal do Estado na Lei de Seguridade e Saúde no Trabalho (Safety and Health at Work Act). Todas as regulações têm encontrado um marco preciso, com a introdução desde 1996 de disposições gerais no Código Penal (Cap. 5º), em que admite-se a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos expressamente previstos (art. 25). Tais disposições se encontram em leis especiais e não no Código Penal. A sanção é direcionada para empresas com um único dono e com um número entre 10 e 20 empregados, diante da sua atividade empresarial (art. 26), quando da prática de um ato doloso ou culposo por um empregado. O Estado ou Município, como pessoa de direito público, só podem ser penalmente responsabilizados, quando de ato não correspondente ás atividades de exercício do poder público".[52]

            Provavelmente a Holanda (ao lado da Inglaterra), seja o país que tem de ser tomado para estudo da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois determina a regência de seu direito pelo princípio societas delinquere potest. Assim é a determinação vigente no Código Penal holandês, em seu art. 51, que admite a prática de condutas delituosas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas. A responsabilidade penal da pessoa jurídica ocorre no direito holandês desde a edição da Lei de Delitos Econômicos de 1950, que sofreu sua reforma em 1976, com a incorporação do art. 15, que permitia a responsabilidade direta das pessoas jurídicas, ou de sociedade, ou de associação, etc.. A lei de 1976 teve seu art. 15 derrogado, porém, seu conteúdo fora transportado para o art. 51 do Código Penal holandês, que teve sua vigência a partir de 1976, determinando o cometimento de delitos tanto por pessoas físicas como jurídicas.

            Estipula-se como condição para imputar o injusto á pessoa jurídica, a situação real de uma ou diversas pessoas físicas terem atuado em nome e na esfera de atividade da pessoa jurídica. O posicionamento dominante na doutrina holandesa é o de que a imputação do injusto só é possível diante da comprovação de que a pessoa jurídica detinha o poder de dispor sobre o comportamento punível e aceitou tal comportamento, é a caracterização do chamado critério de poder e critério de aceitação. O posicionamento de SILVINA BACIGALUPO é no sentido de que a jurisprudência e a doutrina consideram, ademais, que a decisão de um órgão da empresa não é suficiente para fundamentar a autoria da pessoa jurídica. Pelo contrário, resulta suficiente que o ato seja realizado dentro do contexto social, como uma ação da pessoa jurídica. O que quer significar, uma limitação da esfera de atuação empresarial da pessoa jurídica.

            A autora sustenta que a interpretação mais apurada do art. 51, é a de que este estabelece pautas mínimas de requisitos de imputação de um injusto á pessoa jurídica. Pois, a jurisprudência tem estabelecido alguns critérios adicionais como, por exemplo, a conhecida sentença do Tribunal de Haya (sentença de 13.02.1988, NJ 1989, 707), admitindo a autoria de uma pessoa jurídica porque as ações de seu empresário tinham em conta o tráfico societário como uma ação própria da pessoa jurídica e, ademais, esta era a que obtinha indiscutivelmente os benefícios daquela ação. Na Holanda, tem-se também o reconhecimento, pela jurisprudência, da responsabilidade penal das pessoas jurídicas de Direito Público, com previsão na Constituição do Estado. Porém, um fator de particular interesse no direito holandês é a ausência de previsão quanto ao estabelecimento de sanções administrativas ás pessoas jurídicas. No entanto, existe o posicionamento doutrinário de que existe competência para tal, como se pode interpretar da legislação tributária.

            A jurisprudência tem firmado posicionamento no sentido de que é possível estabelecer sanções ás pessoas jurídicas, tanto por um delito penal como por uma infração administrativa. Um outro fator interessante, é o de que o recém Código Geral de Direito Administrativo holandês, não estabelece distinção entre pessoas física e jurídica, como sujeitos passíveis de infrações administrativas.

O direito belga é regido pelo brocardo societas delinquere non potest, sed non potest. O que quer significar, que se exclui a possibilidade ou capacidade de delinqüir, assim como, a aplicação de sanção á pessoa jurídica. Um fator interessante é a aplicação de sanções administrativas tanto ás pessoas jurídicas quanto físicas. No entanto, mesmo com a vigência do referido princípio, encontra-se no direito belga a previsão da pessoa jurídica como sujeito passível de sanção. Quanto a responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que existe é uma divisão na doutrina belga, enquanto a doutrina tradicional sustenta idéia do mencionado princípio, com a argumentação da incapacidade (por parte da pessoa jurídica) do elemento moral do delito, o dolo ou a culpa, por total ausência de culpabilidade. Por outro lado, uma doutrina moderna que procura fundamento para o exercício de tal responsabilidade, no entanto, procurando por uma sanção penal de adaptação para as pessoas jurídicas, que no seu entendimento seria a pena de multa, com previsão no art. 40 do Código Penal belga. Existindo parte da doutrina que propugna por uma aplicação de pena de proibição de contratar com estrangeiro, ou de assinar certos tipos de contrato, ou, ainda, o estabelecimento de uma cláusula temporal ou definitiva. Por outro lado, a Corte de Cassação da Bélgica, tem mantido os julgados no sentido de ratificação do princípio societas delinquere non potest, que é uma regra estampada no Código Penal belga de 1867, baseado fundamentalmente sobre a responsabilidade individual. Com fundamento nos princípios da individualização da pena e da culpabilidade.[53] RIBEIRO LOPES fazendo uso dos ensinamentos de SALOMÃO SHECAIRA e ARAÚJO JÚNIOR vai dizer que, "existem leis penais recentes que reconhecem, nitidamente, que os entes coletivos podem delinqüir, fazendo, porém, a despeito desse reconhecimento, recair a punição sobre a pessoa natural que atuou pela empresa (...). A Comissão de Reforma do Código Penal belga, diversamente da lei em vigor, orienta-se no sentido de instituir a responsabilidade penal das pessoas morais, daí o Projeto de Lei de 1993, em tudo semelhante ao que se continha no Projeto de Código francês".[54]

            A tradição no direito francês inaugurada com a Revolução é a de uma responsabilidade individual, mesmo impregnada pelo passado medieval da responsabilidade coletiva.[55] Com o término da Segunda Guerra Mundial, começaram a surgir as leis especiais que mandavam punir a pessoa jurídica. A primeira delas, de 5 de maio de 1945, que punia as empresas jornalísticas culpadas de colaboração com o inimigo. Em 1974, com a instalação da Comissão de Reforma do Código Penal, várias leis foram editadas estabelecendo a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tais como a lei de defesa do consumido (1978).[56] O anterior Código Penal francês não continha nenhuma disposição vedando ou permitindo a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Assim, a legislação poderia dispor sabre casos de responsabilidade penal da pessoa jurídica. Foi o que acabou ocorrendo em relação aos delitos econômicos. A reforma francesa recolhe plenamente a responsabilidade das pessoas jurídicas.[57] Antes mesmo da entrada em vigência do atual Código Penal francês, a Lei nº 1336/1992 denominada de adaptação alterou diversos textos legais os tornando compatíveis com o Código Penal. Também o Decreto nº 726/1993 contém regras atinentes á execução das penas aplicáveis aos entes coletivos. A partir de 1º de março de 1994, com a entrada em vigor do atual Código Penal, a França juntou-se ao rol dos países que, expressamente, admitem a responsabilidade penal das pessoas morais.[58] As previsões constam dos artigos 121-2 e 121-4 a 121-7.

A previsão é de punição (ar. 121-2), seja na qualidade de autora ou participe, seja por ação ou omissão, sempre que houver uma previsão pela legislação extravagante, e que tenha sido a conduta praticada por um órgão ou representante da pessoa jurídica, e em seu benefício. "Neste sentido, também se encontra submetidas ao Direito Penal francês e, portanto, são puníveis de acordo com o estabelecido em art. 121-2, as pessoas jurídicas estrangeiras. é conseqüência direta do reconhecimento do princípio de territorialidade presente no art. 113-2".[59]

            A previsão é de que quaisquer pessoas jurídicas podem ser passíveis de responsabilidade penal, incluindo as pessoas de direito público, com a exceção do Estado. Neste diapasão, estão excluídas da responsabilidade penal, as pessoas de direito privado que se encontrem em constituição, assim como as pessoas jurídicas constituídas não serão responsáveis por atos de seus fundadores quando da fase de constituição. São, também, excluídas as pessoas que se encontram em fase de liquidação, segundo o art. 133-1, com a liquidação se extingue a sanção penal. No entanto, tendo sido aplicada pena de multa antes da liquidação, esta deverá ser recolhida. A doutrina francesa, ainda, discute a responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público, por entender uma ausência de previsão para as mesmas, só estando presente tal responsabilidade, para as pessoas de direito privado. Por outro lado, o art. 121-2 faz referência a previsão legal, para a imputação de tal responsabilidade. Ou seja, o fundamento deve estar presente em uma lei especial, o que significa uma atenção ao princípio da especialidade. Havendo, também, uma negação ao princípio da igualdade entre pessoas jurídica e física.

            No Direito Penal espanhol prevalece o princípio delinquere non potest, assim reza a doutrina majoritária espanhola, no entanto, desde a elaboração do Projeto de Código Penal de 1994, procurou-se introduzir algumas penas, que também, se reproduziu no Projeto de Código Penal de 1995. "Dada a impossibilidade que segundo nossa doutrina dominante existe para a aplicação de penas as pessoas jurídicas em nosso direito vigente, esta epígrafe não pode deixar de assombrar e merece ser ressaltado que o legislador introduziu no nosso Código Penal uma pena, dirigida expressamente, a pessoa jurídica. Em seu suposto tipo contido no art. 262 (sobre alterações de preços em concursos e licitações públicas), impõe-se a empresa "a pena de inabilitação especial que compreende, em todo caso, o direito a contratar com as Administrações Públicas por um período de 3 a 5 anos". Esta proibição de realizar determinados negócios, como é a contratação com uma Administração Pública, tem sido conhecida como uma pena de inabilitação"[60].

            SILVINA BACIGALUPO, ainda, faz uma interpretação da previsão estampada no art. 33.2, do Código Penal de 1995, que menciona: são penas graves as inabilitações especiais por tempo superior a três anos, entendendo que tal regulação não pode deixar de assombrar a doutrina espanhola, pois, pode-se configurar como conseqüência acessória, em todo caso, parecendo se tratar de uma opinião inconsciente, daí se utiliza da lição de ZUGALDIA ESPINAR, para quem se trata de um lapsus scriptoribus que o legislador tem sobre o merecimento de sanções penais por parte das pessoas jurídicas. No entendimento da autora, é que não cabe dúvida de que tanto as conseqüências acessórias como esta pena de inabilitação são por seu contido, independentemente, de nome que sequer atribuir verdadeiras sanções repressivas impostas ás pessoas jurídicas. A apreensão da doutrina espanhola se encontra na interpretação que será fornecida pela jurisprudência, na hora da aplicação da pena a uma pessoa jurídica. Já que o Novo Código Penal espanhol de 1995 (com vigência desde 24.05.1996), em seu art. 129, trás a previsão das Conseqüências Acessórias.

1.3.1 As  idéias conflitantes de René Ariel Dotti e Sérgio Salomão Schecaira

            A intenção única aqui é a de traçar algumas poucas linhas sobre a produção científica de RENé ARIEL DOTTI[61] e SéRGIO SALOMÃO SHECAIRA[62] sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, enfocando alguns dos principais pontos teórico-doutrinários de nítido conflito na construção de suas idéias. Àquele sustentando uma manutenção da dogmática jurídico-penal garantista, numa negação da abdicação da responsabilidade individual como tradição do direito pátrio, fundado no sistema romano-germânico. Este dirigindo seus estudos para uma sustentação doutrinária da responsabilidade penal dos entes coletivos como imperativo político-criminal numa necessidade de combate a criminalidade moderna, a criminalidade econômica.

ARIEL DOTTI procura sustentar uma não admissão pelo direito brasileiro da responsabilidade penal da pessoa jurídica, constrói toda uma teoria de contestação, que aqui far-se-á referência em minúsculos apontamentos. O ilustre professor da Escola do PARANÁ, começa por delinear a questão dos ilícitos de autoria e a crise de investigação criminal, realizando uma classificação das pessoas jurídicas concernente a indicação dos entes coletivos capazes de ação e culpa, uma incursão na sede natural do problema, que para ele são as questões relativas á prova de autoria e participação. Recebe o mérito de ser o primeiro a identificar que a tese da responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma tese abolicionista,[63] surgida com intuito de eliminação dos princípios garantistas (igualdade, humanização das penas, personalidade da pena, direito regresso etc.) de forma a representar um processo evolutivo rumo ao fim do sistema penal. Fala sobre a ofensa a regras da aplicação da lei penal (tempo e lugar), de uma ofensa a princípios relativos á teoria do crime (conduta humana, concurso de pessoas, culpabilidade, participação de menor importância, vontade de crime menos grave, circunstâncias comunicáveis, tipos etc.), ofensa a princípios relativos á teoria das penas e das medidas de segurança, ofensa a princípios e regras do direito processual penal etc.

            Para ARIEL DOTTI a responsabilidade penal das pessoa coletivas sem prejuízo das esferas civil e administrativa, consiste na abolição de princípios constitucionais como, por exemplo, igualdade, humanização das sanções, personalidade da pena, direito de regresso, além da ofensa ás leis ordinárias. Para o autor, tal pretensão não se encontra em harmonia com a letra e o espírito da nossa Constituição. O dispositivo constitucional (art. 225, §3º), tratando sobre o meio ambiente em caráter penal e administrativo, é de total reprovação. Para ARIEL DOTTI  a Constituição estabelece uma vedação de levar a pessoa jurídica ao banco dos réus, que consiste na regra constitucional do art. 173, §5º, da CF/88, em virtude do prejuízo do princípio de isonomia, que ficaria prejudicado pelo fato de que os partícipes seriam beneficiados. Fala numa ofensa ao princípio de humanização das sanções, que seria desrespeitado com tal possibilidade, já o princípio da personalidade da pena é fruto (único) da ação humana, ficando de fora as figuras dos partícipes. O direito regresso estaria prejudicado na figura da esfera pública: art. 37, §6º, da CF/88; o art. 13, do CP (causalidade), e o art. 270, do CPP (co-réu).

            ARIEL DOTTI falando sobre a questão da conduta expressa o entendimento de que, uma responsabilidade da pessoa jurídica não cuidaria efetivamente de pontos fundamentais como, por exemplo, a ação ou omissão,[64] não tem capacidade de ação ou omissão (pela teoria de SAVIGNY), sendo estas exclusivas do ser humano. Quanto ao concurso de pessoas, indaga: como ficaria a natureza e o grau de divisão de tarefas, a forma intelectual?[65] Outro ponto de relevância é o da medida da culpabilidade, com a cláusula de adequação de que aquele que dar causa para o crime está sujeito as penas a ele cominadas, e a participação?[66] Quem é quem nos mandados, para se identificar a participação, o comando ou auxílio, e como ficaria a participação de menor importância (art. 29, §1º, do CP)?[67] E levanta uma outra indagação: as circunstâncias comunicáveis, poderá ser acusado por crime funcional?[68] Para ARIEL DOTTI uma outra questão fundamental é a dos tipos penais, que envolve tipo subjetivo (o dolo); erro de tipo e de proibição no quadro da ilicitude; tipos culposos e omissivos.

O entendimento de ARIEL DOTTI é o de que a culpabilidade é o fundamento e o limite da pena, é princípio geral de direito - sulla poena sine culpa. Menciona acerca de ser impossível - em face do aspecto ontológico da pessoa moral - uma apuração da culpabilidade, assim como nos costumes jurídicos nacionais diante do conceito de culpa para uma responsabilidade da conduta praticada. Adentra-se a uma impossibilidade de sua capacidade de culpa para figurar como figurar como sujeito ativo, já que não possui capacidade de reconhecimento da ilicitude. Afirma que a pena é expressão de tormento, sofrimento, é dor, é um processo de amargura.[69] E sua aplicação reside no campo da individualidade (art. 59, do CP), assim como se torna impossível pelo ângulo da execução penal (art. 1º, Lei nº 7.210/84). Para ARIEL DOTTI, por tudo acima esboçado, torna-se uma panacéia, "é impossível tal responsabilidade em função de um direito penal para a pessoa jurídica e outro para pessoa física; um processo penal para pessoa jurídica e outro para a pessoa física; e, uma execução penal para a pessoa jurídica e outra para a pessoa física".[70] é a interpretação do que representaria a veia abolicionista, uma etapa prévia que se encontra em tal responsabilidade, de um procedimento abolicionista.

            Adentrando ao campo processual o autor chega na questão da periculosidade, que envolve aspectos moral, espiritual e intrínseco ao ser humano, envolvendo tratamento e internação ambulatorial. Faz referência a questão da responsabilidade objetiva, mencionando sobre o interrogatório, a instrução criminal, mais de um campo de atuação e mais de um domicílio, alcançando o ônus da prova e a individualização da conduta (art. 39, §5º, do CPP) e a conduta coletiva. Finaliza seus estudos teóricos fazendo uma incursão na legislação em vigência, que o direito brasileiro admite apenas a responsabilidade individual, mencionando que em nenhuma passagem do diploma penal se infere a possibilidade de se estabelecer a capacidade penal da pessoa jurídica. Ainda aponta que a o diploma das contravenções estabelece que estes tipos de ilicitude se aplicam as regras gerais do Código Penal, e enumera uma série de instrumentos normativos extravagantes, que afirmam vigorar o mesmo princípio enunciado.

            A idéia defendida por SALOMÃO SHECAIRA é a de que a história da responsabilidade penal, é uma história de responsabilidade coletiva e não individual. "A responsabilidade penal coletiva tem sua origem remonta muito antes do iluminismo, já no Código de Hamurabi (artigo 23), desde a Idade Antiga á Idade Média, que eram imposta ás tribos, comunas, cidades, vilas, famílias etc., só com o advento da Revolução Francesa e do Iluminismo que se instaurou a responsabilidade penal individual".[71] Tal relato pode significar traços históricos da responsabilidade penal dos entes coletivos, o significado aqui é a responsabilidade em relação ao grupo social, portanto, tal responsabilidade sempre esteve presente em todo contrato social. SALOMÃO SHECAIRA afirma que isso se deu "pelo significado de que o homem não era um indivíduo, um cidadão, mas parte integrante de uma coletividade, pertencia a sociedade e a cidade. Com o iluminismo é que surge o movimento político de divisão do poder: nobreza, clero e povo. Daí surge também o conceito de limitação do poder de ofício e do princípio da individualização da penal"[72]. é o fomento do individualismo.

SALOMÃO SHECAIRA identifica no início do século XX, um retorno a idéia da responsabilidade penal coletiva, chega a citar LENIN relatando que ele já afirmava sobre o imperialismo das empresas americanas. Depois veio o crack da bolsa de New York (1929), e os estudos sociológicos de SUTHERLAND com a conceituação da criminalidade do White collar. Evento de importância registrada é o Congresso da AIDP  (1929), em Bucareste, recomendando medidas eficazes nos delitivos. A partir da Segunda Grande Guerra[73] passou-se a olhar mais intensamente para a responsabilidade penal coletiva, re-surge a idéia de reverter a responsabilidade individual (o apogeu do individualismo), e aplicar a responsabilidade penal coletiva. O 6º Congresso da AIDP em 1953, em Roma, emite-se a recomendação de uma não aplicação das medidas de segurança, e pela primeira vez é colocada a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A argumentação de SALOMÃO SCHECAIRA é a de que não adianta construir uma dogmática pautada na formulação de exemplos que representam uma possibilidade remota no cenário social, ou seja, a dogmática da exceção transformada em regra. Surge, então, o movimento objetivo - que é um movimento que requer uma demanda punitiva, a partir do século XX, as empresas passaram a ser transnacionais, com produção múltiplas, ocupando o espaço e a função desenvolvidas pelo Estado, resultando numa exacerbação de seus poderes e função.

            O autor relata que "em 1981 o Comitê de Ministros da Europa, recomenda a criação de um artefato de regulação das pessoas coletivas, depois é emitida a recomendação para a ecologia e consumidor. Em 1994 o 15º Congresso da AIDP no Rio de Janeiro, voltado para o Direito Ecológico. Ali vetou-se uma recomendação taxativa de sanção penal ás pessoas coletivas priva e pública. No entanto, o autor, falando sobre a responsabilidade penal para pessoas priva e pública, indaga: se o Estado é responsável, porque não as instituições, entidades e organizações?"[74] Cita os estudos do pensador português JOÃO CASTRO E SOUZA,[75] falando sobre as sociedades complexas, sociedades industriais e pessoas jurídicas que podem determinar o rumo da humanidade, á luz do sistema do common law na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte.

            SALOMÃO SCHECAIRA se posiciona a favor da responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito brasileiro, esboçando seu entendimento com base nas previsões constitucionais (arts. 173, §§ 4º e 5º, e 225, §3º, da CF/88). Enumera os três sistemas de penalização das pessoas jurídicas existentes: "1) Refratário - não aceita a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Países como: Espanha, Bélgica e Itália; 2) Intermediário - utiliza-se de sanções penais administrativas e das regras do direito da mera ordenação, com aplicação de multas sem valor ético e sim administrativo. é o caso da Alemanha; 3) O sistema do common law - com a adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica, aplicação de sanções criminais, como no caso do Código Penal da Califórnia. Ocorreu também uma contaminação para a Europa continental, como no caso da Holanda com o sistema do civil law (na Holanda desde 1950 ocorre a penalização para os delitos econômicos, havendo ainda uma responsabilidade  individual e coletiva, envolvendo a empresa e os diretores), adotam o mesmo sistema países como: França e Japão".[76]

            Menciona ainda sobre os pontos clássicos da discussão teórica, fundados nas teorias de FREDERICH KARL VON SAVIGNY e OTTO GIERKE. Àquele com a teoria da ficção - determinando que a pessoa jurídica é um ser abstrato, tratando-se de uma ficção exercendo direito patrimonial por meio de seus responsáveis e sem vontade própria, desprovida de caráter. Este com a teoria orgânica, ou da personalidade real, ou ainda teoria da realidade objetiva -, em que as pessoas jurídicas são dotadas de responsabilidade coletiva, com vontade própria, existindo algumas que são criadas exatamente para cometimentos de delitos. E o autor então cometa: "quando ela tem vontade de contratar, tem vontade para outras finalidades".[77]

            SALOMÃO SCHECAIRA faz referência ao sistema da civil law afirmando que, "a regra é da adoção da responsabilidade penal na Parte Geral do Código Penal. No Brasil foi feita através da legislação extravagante. No Brasil, a regra é a responsabilidade de pessoa individual, e a exceção é a coletiva".[78] SALOMÃO SCHECAIRA  realiza uma crítica aos escritos de REGIS PRADO,[79] pois este entende que a responsabilidade no Brasil não se trata de um sistema garantista, já que a legislação não previa na parte específica quais os tipos existentes. O autor, então, contesta afirmando que é um sistema distinto, que o modelo que REGIS PRADO deseja, vai encontra na França. O problema é de falha da técnica legislativa.

SALOMÃO SCHECAIRA vai enumerar os argumentos contrários a responsabilidade penal coletiva: "não há responsabilidade sem culpa, a responsabilidade da pessoa jurídica acarreta prejuízo aos sócios minoritários, são inaplicáveis as penas privativas de liberdade, são incapazes de arrependimento e a tutela da esfera administrativa".[80] E rebate todos os argumentos: "o prejuízo do sócio minoritário - é irrespondível. Mas isso, já acontece na esfera da responsabilidade civil, e que a pena atinge sempre outras pessoas que não a do condenado; quanto as penas privativas de liberdade - os autores europeus falam sobre a impossibilidade de medidas institucionais - pena de prisão; já sobre o arrependimento da pessoa jurídica - indaga: será que a pena tem a finalidade de impor arrependimento? Tem objetivo moral? O posicionamento adotado é o da prevenção geral positiva, de iniciativa de cumprimento da norma, e não de prevenção geral negativa, de ameaça. A incapacidade de arrependimento, é uma argumento de ordem moral, o direito penal clássico também não exige que o agente se arrependa, isso é algo do direito canônico, a finalidade da pena não é moral, não é a expiação, é uma idéia ultrapassada sobre a pena; sobre a tutela administrativa - a questão do simbolismo penal, o aspecto estigmata do direito penal é de fundamental importância, o processo penal soa como uma cruz a ser carregada na costas, é o inconsciente coletivo, a imagem da reprovação penal. Sem mencionar que os mecanismos de defesa são maiores na esfera judicial do que no âmbito administrativo; quanto a culpabilidade da pessoa jurídica - a culpabilidade é um mito no direito penal, porque figura como limite do poder de punir, quando este não é jurídico, nem filosófico, mas político. Trata-se de um princípio metafísico. A dogmática tradicional ou moderna nunca enfrentou a culpabilidade. Sempre transportando a questão do dolo/culpa, para a esfera da tipicidade - da ação típica. é impossível demonstrar a culpabilidade no direito penal. Sem falar que o argumento refere-se ao livre arbítrio. O livre arbítrio é indemonstrável, a culpa é um fenômeno religioso utilizado pelo direito para fundamentar o direito de punir. A produção de auferimento da culpabilidade é objeto de confissão, só o agente pode afirmar ou confessar a sua culpabilidade, é matéria de carga axiológica, patrimônio cultural do agente. A culpa é empiricamente e cientificamente indemonstrável, ela existe como reserva filosófica para legitimar o ius puniendi".[81]

            Por fim, SALOMÃO SCHECAIRA enumera os  requisitos para a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, que são: "1) a infração praticada com o interesse coletivo, no interesse da pessoa jurídica; 2) a infração individual não pode situar-se fora da esfera de atuação da empresa, do contrário fica fora da responsabilidade; 3) a infração deve ser praticada por alguém que esteja direta e estritamente ligada a empresa, no caos de gerente, diretor etc., previsão do Código Penal da Califórnia; 4) a infração tem que ser cometida mediante o auxilio do poderio da empresa, o que quer caracterizar o atingimento das grandes empresas, pois, é o seu poderia que cria o risco do cometimento do delito. Com a estipulação de um rol de penas a serem aplicadas como, por exemplo, multa, dissolução do conselho, confisco de bens, proibição de negociação com o Estado, divulgação da sentença condenatória etc. Como modelo de legislação o Decreto-.lei nº 282/84, de Portugal".[82]

1.3.2 As doutrinas de Schunemann, Stratenwerth, Hirsch, Heine, Tiedemann, Zugaldía Espinar, David Baigún, Silvina Bacigalupo e Jean Pradel

            Este item do presente trabalho dissertativo existe para em algumas linhas de expressão demonstrar a importância que o tema vem suscitando a partir do início das duas últimas décadas do século XX. Algumas minúsculas incursões nos pensamentos de vários autores estrangeiros, numa intenção clara de demonstrar a mudança de paradigma - que será relatada pela literatura jurídica nos próximos decênios de anos - ocorrida, ou em ocorrência da substituição (interação) do princípio societas delinquere non potest pelo princípio societas delinquere potest, e num processo de harmonia entre os sistemas romano-germânico e do common law. Como característica fundamental de um direito penal da globalização, de um direito penal da integração, supranacional.

            A primeira incursão em referência ao pensamento de BERND SCHUNEMANN,[83] numa análise das questões fundamentais da responsabilidade penal da empresa, envolvendo política criminal e dogmática jurídico-penal, concernente a imputação e prova das condutas criminosas advindas da atuação empresarial-econômica de uma empresa. O pensador da Escola de MANNHEIM expressa um entendimento do direito penal econômico na concepção ampla quando expressa, " entiendo por delitos económicos, en el sentido más amplo, todas las acciones punibles y las infracciones administrativas que se cometen en el marco de la participación en la vida económica o en estrecha conexión con ella. La criminalidad de empresa (Unternehmenskriminalitat), como suma de los delitos económicos que se cometen a partir de una empresa - o, formulado de otra manera, a través de una actuación para una empresa -, estabelece así una delimitación tanto respecto a los delitos económicos cometidos a margen de una empresa, como respecto a los delitos cometidos dentro de la empresa contra la empresa misma, o por miembros particulares contra otros miembros de la empresa".[84]

O pensamento de SCHUNEMANN é no sentido de que se deve realizar uma diferenciação entre um comportamento socialmente danoso de uma empresa e uma prática danosa realizada por um ou mais de seus colaboradores, dano este ocasionado pelo(s) colaborador(s) da empresa a ela mesma, ou a outros de seus colaboradores, o que faz o autor afirmar que "a influencia criminógena de una "actidut criminal de grupo", las dificuldades de determinación normativa de las cmpetencias y, a consecuencia de ello, de la imputación jurídico-penal, y los problemas de avertiguación del verdadeiro responsable - por mencionar tan sólo algunos de los seguientes temas de discusión - producen, en conjunto, quebraderos de cabeza en relación con la criminalidad de empresa, pero no en relación con la criminalidad en la empresa, la cual a su vez produce problemas propios".[85] A procura passa a ser, portanto, por um conceito de criminalidade de empresa, como método de delinear os acontecimentos econômicos delituosos, ou seja, os delitos econômicos. Identificando, assim, os meios de uma atuação de uma empresa e para uma empresa que possam lesionar bens jurídicos externos, lesionar bens jurídicos próprios e do interesse dos colaboradores da empresa. Numa tradução livre do pensamento do autor pode citar que, "deste modo a criminalidade de empresa constitui a parte mais importante da criminalidade econômica, não somente desde o ponto de vista prático, senão também desde o ponto de vista da teoria jurídico-penal e da política criminal, é algo que salta a vista".[86]

            Existe uma luta contra a criminalidade econômica, e esta luta é da legislação, da jurisprudência e da ciência penal. Esta última numa situação de encruzilhada pela crise de eficácia que lhe aflige na mudança de paradigma. Já ao final dos anos setenta SCHUNEMANN publicara estudos monográficos com temas diversos sobre a criminalidade econômica, propugnando por uma formulação de conceitos dogmático-penais constitucionalmente válidos para uma aplicação da responsabilidade penal á empresa, que fugisse do tratamento administrativo. Seu entendimento acerca do problema é o de que questões como da argumentação da incapacidade de ação e de culpabilidade, não apresentam maiores dificuldades, pois, compreende que ambos não exercem papel fundamental no campo da necessidade racional da finalidade da pena. Sua idéia é a do estabelecimento de um novo princípio legitimador para a aplicação de sanção penal á empresa, este princípio é o estado de necessidade de proteção do bem jurídico. A formulação de tal princípio expõe sua veia preventiva, já que o princípio se apresenta em função de um debilitação da eficiência preventiva no âmbito de tal criminalidade. SCHUNEMANN transforma o direito penal econômico, num direito penal de proteção do bem jurídico, como forma suprema em relação aos princípios da capacidade de ação e culpabilidade.

            Um outro autor adepto da teoria da prevenção é GUNTER STRATENWERT,[87] com uma doutrina própria que chega ao ponto (a exemplo de SCHUNEMANN) jurídico-penal de dispensar a comprovação de culpabilidade. STRATENWERT parte dos estudos de RUDOLF SCHMITT para elaborar sua teoria sobre a aplicação de medidas de segurança á pessoa jurídica, como reconhecimento da necessidade político-criminal de uma adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica. O pensador da Escola de BASILEA, começa por uma formulação delimitada de criminalização da pessoa jurídica pautada numa hierarquia da estrutura organizativa empresarial como forma de determinar as ações desta como sendo da própria empresa, ações próprias de uma pessoa jurídica significaria as ações, os atos e condutas praticadas pelos seus órgãos, representantes ou membros que possam ser identificados como integrantes com funções de direção na empresa.

            A partir de então, procura-se por ações ou condutas penalmente relevantes que signifiquem um ato de conexão entre estas e a pessoa jurídica. Mas, para STRATENWERT, não é o suficiente para uma imputação de ação própria da pessoa jurídica, faz-se necessário que a ação ou conduta praticada tenha sido realizada por um membro que desempenhe uma relação direta e estritamente especial com a pessoa jurídica. STRATENWERT abandona a fórmula tradicional de identificação desta relação, que reside na obtenção dos benefícios advindos da conduta delituosa pela a pessoa jurídica, utiliza-se (segundo ele) de um procedimento bem mais eficaz, que é o da relação funcional, realizando um exame da ação delituosa e a hierarquia de função, deveres e obrigações dos órgãos e dos representantes da pessoa jurídica.

            Com o intuito de prevenir a pratica de delitos por parte da pessoa jurídica, na construção teórico-doutrinária da admissão de uma ação da pessoa jurídica, formula três pontos fundamentais: "a) que o ponto de conexão, ato de pessoa humana individual que seja vinculada á pessoa jurídica e que represente o ato fundamental, que esteja inserido no contexto dos atos próprios da pessoa jurídica; B) que haja entre esse ato e a pessoa jurídica uma relação de funcionalidade, que não seja um ato isolado da pessoa que pertença a pessoa jurídica, mas seja um ato que decorra da própria atividade da pessoa jurídica; C) que esse ato de conexão, para responsabilidade da pessoa jurídica, não pode ser cometido por um empregado qualquer, mas por um dirigente da pessoa jurídica, pelo fato de que somente ele encarna o ato de funcionalidade ou a realidade".[88]

No âmbito da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a construção teórico-doutrinária recebe mudança nos estudos de HANS JOACHIM HIRSCH,[89] para quem a pessoa jurídica é portadora de capacidade de ação e de culpabilidade. Para uma fundamentação da capacidade de ação da pessoa jurídica, começa por afirmar que "existe claridad acerca de que las asociaciones de personas son formas de organización humana que constituyen sujeitos autónomos, en la realidad de la vida social, con independencia de la variación de sus miembros. Ellas son realidad social. Esto há sido destacado no solo por juristas. A respecto, me refiero también a los análisis de LITT, NICOLAI HARTMANN y RENATE MAYNTZ. El ordenamiento jurídico toma en cuenta esta realidad al dotar a las asociaciones de personas de capacidad jurídica y al calificarlas como personas jurídicas, o reconociéndoles, cuando menos, legitimación procesal pasiva - en el caso de las asociaciones sin capacidad jurídica".[90] A idéia de capacidade de ação defendida por HIRSCH, reside na compreensão das ações dos órgãos, ou dos representantes da pessoa jurídica significarem ações próprias da mesma. Recebe dois significados: um primeiro de que se trata de uma ação praticada por uma pessoa (física) como sendo da pessoa jurídica; e, um segundo, em que identifica-se como ação da estrutura da instituição.

Partes: 1, 2, 3, 4


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