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Gestão da Qualidade Total em Recursos Hídricos (página 3)

José A. Bonilla
Partes: 1, 2, 3

Mas os dados e fatos, assim como as pesquisas científicas, nos dizem que o mundo está mudando. Os fatos que estão aí são irretorquíveis: o segundo país do mundo sumiu de repente, a opinião pública é cada vez mais atuante e poderosa, as negociatas começam a aparecer à luz do dia. As pesquisas, especialmente na área neurobiológica, indicam que estão ocorrendo mudanças drásticas na atividade de nossos hemisférios cerebrais.

Com efeito, a predomináncia do hemisfério esquerdo (frio, analítico, linear, cartesiano) necessária para que o homem possa desenvolver seu atual patamar científico e tecnológico, está começando a ser equilibrada pelo desenvolvimento do hemisfério direito (integrador, intuitivo, ecossistêmico). Isso leva a uma aceleração rápida da conscientização do ser humano que se está processando atualmente e que é o alicerce básico das mudanças que estão acontecendo no mundo todo.

Cabe acrescentar que a predomináncia do hemisfério esquerdo, por ser de natureza linear, leva a ter medo - ou pelo menos desconfiança - das mudanças. Já o direito, integrador, compreende a essência das mesmas e por isso não só as teme e sim as deseja. Isso pode parecer, talvez, um pequeno detalhe teórico, mas será a fonte de energia que dará força e poder de expansão aos novos conceitos da Qualidade Total (Autêntica).

A moderna abordagem holística nos ensina que o Universo está equilibrado por dois grandes princípios que se manifestam em todos os níveis e dimensões. São eles o princípio auto-afirmativo, que busca a sobrevivência das partes e o princípio integrativo, que assegura a sobrevivência e a prosperidade do todo.

Assim sendo, o princípio auto-afirmativo, cria do hemisfério esquerdo, conduz ao modo de vida que hoje nos asfixia. Já o princípio integrativo, que está começando a desenvolver um novo ciclo, conduz à solidariedade humana, à relação prazerosa com o trabalho, à paz com os outros e consigo mesmo. é essa a estrada que a comunidade humana está começando a percorrer lentamente, ancorada na Qualidade Total Autêntica considerada holisticamente com o verso e o reverso de uma moeda, ou seja, como uma metodologia para a sobrevivência (princípio auto-afirmativo) e como um modo de viver (princípio integrativo). é interessante sublinhar que esse princípio foi apresentado à humanidade já há quase 20 séculos, só que com um nome diferente: amor.

Estes são os alicerces filosóficos nos quais se assenta o edifício da Qualidade Total (Autêntica).

1.3.3 - Qualidade Total, Meio Ambiente e Tecnologias Socialmente Apropriadas

Segundo o conceito moderno de Qualidade, ou seja a Qualidade Total, a mesma não pode ser expressada apenas por uma variável, por maior que seja seu valor econômico.

Na verdade, por se tratar de Qualidade Total, ela deve envolver o conjunto integrado pelo produto e seu contexto, o que inclui todo o processo produtivo correspondente num sentido amplo. Isto significa que o mais importante é o conteúdo do processo global e não apenas algumas de suas manifestações isoladas.

Por exemplo: numa fruta, mais importante que seu aspecto ou tamanho serão, por exemplo, as características seguintes:

·       A quantidade de resíduos tóxicos que a mesma possui.

·       O grau de desnaturação que o uso dos fertilizantes sintéticos solúveis lhe têm impingido (desequilíbrio nutricional, perda de características organolépticas como sabor, aroma, etc).

·       Alteração da riqueza da vida microbiana do solo, induzidas por aqueles insumos, que acabam se embutindo no processo produtivo.

·       Quantidade de elementos nutritivos (vitaminas, sais minerais, etc).

Este tipo de abordagem implica num enfoque completamente diferente, se passando de uma visão "product-out (ou seja produzir algum bem físico, neste caso alimentos, e simplesmente tentar vendê-los, independente do grau em que suas características sejam favoráveis para o consumidor), para uma visão "market-in" (que implica em reconhecer as necessidades do mercado, que no caso dos alimentos referem-se, fundamentalmente, a um conteúdo nutritivo suficiente e equilibrado, priorizando a atenção no tocante a saúde do consumidor). Isto significa, no caso, em deslocar a atenção de aspectos quantitativos meramente econômicos e estéticos para aspectos de bem-estar do consumidor. E estes aspectos passam necessariamente por considerações ecológicas.

é importante assinalar que o Programa Mineiro de Qualidade e Produtividade cujo Conselho Superior está integrado por umas 20 instituições que representam as forças vivas da sociedade mineira (tais como FIEMG, CICI, UFMG, Secretaria de Educação, Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, Setor Hospitalar, Judiciário, Assembléia Legislativa, Igreja, meios de comunicação, etc.), nos diz que o objetivo da Qualidade Total não é apenas qualidade dos produtos e dos serviços e sim também do meio ambiente e da vida humana. Ainda o Programa afirma com absoluta clareza que a "razão da Qualidade é o ser humano". Graças a Deus existem empresários lúcidos nas Minas Gerais.

Neste marco referencial é importante compreender que Qualidade Total não é apenas um conjunto de técnicas que possibilita aumentos de produtividade e lucratividade, via redução de defeitos, falhas, erros e perdas e sim um MODO DE VIVER. Isto implica, naturalmente, em Responsabilidade Social.

A conclusão principal deste novo conceito é de que em lugar de colocar como objetivo único o da "maximização de lucros" o novo empresário, lúcido e realmente moderno, o substituirá por outro, que podemos denominar de otimização produtiva", onde os lucros - sempre importantes numa economia de mercado - devem ser combinados com o bem estar social, o que implica em contemplar as necessidades da comunidade.

Esta concepção leva a um enfoque holístico, ecossistêmico, de onde surge a idéia da empresa como componente do ecossistema social. Ou seja, em lugar do obsoleto modelo de "empesa-fortaleza" ou "empresa-feudo" preocupada apenas em abocanhar ganhos a expensas do ecossistema social, ter-se-á que desenvolver um novo, onde a empresa se reconhecendo como um componente deste, aja da única forma possível nesse contexto, qual seja a de estabelecer uma relação harmônica e equilibrada com os outros componentes, chamados por alguns autores de parceiros. é essa, ecologicamente, a única forma de manter um ecossistema com vitalidade e possibilidade de manutenção e desenvolvimento a longo prazo. (Ver quadro I).

Isto implica, no caso da agricultura, em modificar o modelo existente, de natureza agroquímico, agressivo ao meio ambiente, caro e despreocupado com a saúde humana por outro de natureza ecológica onde sejam corrigidas aquelas distorções. Por sua vez a indústria deve se preocupar em substituir processos caros, esbanjadores de energia e produtores de poluição por outros mais leves, funcionais e poupadores de energia. Em um e outro caso, a saída consiste em priorizar as tecnologias socialmente apropriadas. Elas partem de um conceito básico: para que e para quem vão a ser desenvolvidas certas tecnologias, que serão socialmente apropriadas se atendem pelo menos três condições:

a)   Atingir as necessidades reais das pessoas: (para uma compreensão mais profunda do conceito de necessidade real (ver Bonilla 1979, 1984, 1994a).

b)   Atingir uma fração, considerável de pessoas e nunca preponderantemente ou exclusivamente certos grupos, numericamente pequenos, mas poderosos em recursos materiais da mais diversa espécie.

c)   Levar em conta os interesses da comunidade, de modo que fica implícita a necessidade de não perturbar ou interferir drasticamente nas condições ambientais futuras, pelo menos até onde o conhecimento atual permita compreender.

Um dos pioneiros nesta área (Schumacher 1975) propõe quatro atributos básicos para as "tecnologias socialmente apropriadas". Elas são: a) pequena escala; b) baixo custo de capital; c) simplicidade; d) não violência ou não agressividade ambiental.

O fato é que nos últimos anos estão surgindo vários pensadores que através de uma análise profunda da problemática exposta, começam a forjar os alicerces da tecnologia do futuro, capaz de gerar um desenvolvimento sustentado. Em lugar da triste e fria tecnologia economicista, criando produtos cegamente, dos quais só alguns são verdadeiramente úteis ao homem, se está querendo passar à tecnologia centrada no homem e suas necessidades reais; esta é a "tecnologia socialmente apropriada".

1.4 - PERSPECTIVAS DE IMPLANTAÇÃO DA QUALIDADE TOTAL ATENDENDO À NECESSIDADE DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (COM ÊNFASE NO SETOR PRIMÁRIO)

As perspectivas de implantação da Qualidade Total atendendo à necessidade de proteção ambiental envolve um amplo espaço tocante à organizações que se desempenham no setor primário da economia (agricultura), no secundário (indústria) e ainda no terciário (serviços).

Especialmente no relativo a indústrias existem muitos aspectos para análise e discussão da problemática ambiental, já que como será comentado no Capítulo 3 a dimensão "segurança" (uma das cinco dimensões da Qualidade Total) exige um posicionamento claro de respeito à saúde humana, o que implica - inequivocamente - uma redução drástica no número e nos efeitos das fontes poluidoras das empresas.

Entretanto e por dois motivos (não estendermos demais no assunto e pelo fato de que o autor é especialista da área agrícola) centraremos a análise da situação basicamente no setor primário (agropecuário).

Nos itens anteriores foi feita uma abordagem teórica, agora devemos entrar em aspectos práticos. Façamos pois a pergunta chave que todo empresário ou executivo relacionado com a área agropecuária gostaria de fazer: que benefícios poderiam se obtidos na área agropecuária pela aplicação dos fundamentos e das técnicas da Qualidade Total? Uma resposta muito resumida é a seguinte:

a)   Aumentar a quantidade de alimentos disponíveis, através de:

·       Melhorias de produtividade das principais culturas e criações do país (como se comentou no item 1.3.1 essa produtividade é muito baixa, chegando em alguns casos como o feijão - a proteína do povo - a ser francamente alarmante).

·       Redução de perdas da colheita, transporte, armazenamento, comercialização, etc. (As que representam, uns 40% do atualmente produzido).

b)   Aumentar a qualidade dos alimentos através de:

·       Melhorias da qualidade nutritiva dos alimentos.

·       Melhoria da qualidade organoléptica (sabor, aroma) dos alimentos.

·       Redução drástica dos resíduos tóxicos.

c)   Possibilitar a efetivação do desenvolvimento sustentável, através de uma política de proteção ambiental sadia que permita a utilização adequada dos recursos naturais durante muitas gerações. é importante salientar que uma das "dimensões" da Qualidade Total (ver capítulo 3) é segurança, cujo objetivo precípuo é salvaguardar a saúde física (e mental) dos usuários. Portanto, é óbvio que produtos agropecuários carregados de resíduos tóxicos, sendo lesivos para o consumidor não poderão ser aceitos como produtos de alta qualidade (Para os leitores que desejem ampliar os aspectos ecológicos da agricultura, consultar Bonilla, 1992). Portanto, um benefício específico da aplicação da Qualidade Total na Agricultura estará representado pela sustentabilidade da produção agropecuária.

d)   A filosofia básica da Qualidade Total está centrada nas pessoas. Um tipo específico de pessoas está formado pelos empregados; para eles existe outra "dimensão" da Qualidade Total chamada moral (ou motivação). Portanto, um dos principais benefícios a serem obtidos pela aplicação dos princípios e das técnicas da Qualidade Total tem a ver com um maior envolvimento e satisfação dos empregados com o serviço, manifestando-se no que é conhecido como crescimento do ser humano.

Em resumo, os benefícios esperados podem ser assim sintetizados:

·       Aumento de produtividade física, sobretudo de alimentos (vital para um país que tem altos índices de subnutrição).

·       Aumento da qualidade dos produtos agropecuários com reflexos fundamentais no melhoramento dos níveis nutritivo, sanitário e organoléptico dos mesmos e na saúde da população.

·       Apoio indispensável para conseguir o desenvolvimento sustentável na Agricultura.

·       Melhoramento das condições de vida do trabalhador rural e agroindustrial.

·       Redução de custos de produção, beneficiando o produtor rural, o trabalhador rural e o consumidor final.

·       Como conseqüência global, haverá ganhos em produtividade, em qualidade intrínseca e sanidade do produto final, em desenvolvimento sustentável, em condições de vida do trabalhador e em custo menor para os usuários. Portanto, teremos melhorias significativas em Qualidade de Vida das pessoas. Na verdade, é esse o objetivo final do TQC(*) ; as técnicas são ferramentas, instrumentos, simples meios para atingir aquela finalidade fundamental.

Em conseqüência Qualidade Total e Desenvolvimento Sustentado são conceitos convergentes e complementares que implicam em consideráveis mudanças, tanto na forma de pensar e sentir como na de agir.

Precisamos, antes de tudo, desenvolver pesquisas novas, tendentes a definir tecnologias socialmente apropriadas. Não é possível continuar produzindo num país tropical como o Brasil com técnicas, ferramentas e maquinaria oriundas do Hemisfério Norte. As próprias exigências da Qualidade Total levam a rejeitar tudo aquilo que agride ao ser humano e ao meio ambiente: resíduos de agrotóxicos, nitritos e metais pesados, devastação de florestas, empobrecimento da terra, esbanjamento, equipamento e processos inapropriados, etc.

Temos é que produzir alimentos sadios e nutritivos ao menor custo possível. Este é um desafio tremendo. Mas se ele não é pelo menos encaminhando para sua solução numa década, o futuro nacional e mundial se tornará cada vez mais sombrio. A responsabilidade dos especialistas agropecuários passa a ser uma variável crítica, o que leva à necessidade impostergável de reavaliar o modelo agropecuário hoje imperante notadamente agroquímico. Chegou o tempo de tomar em sério a agricultura ecológica (ver Bonilla, 1992). Sem ela, falar de Qualidade Total na Agricultura não passará de um perigoso eufemismo.

Chaboussou (1980) nos mostra com clareza através das mais detalhadas pesquisas e relação existente entre fertilizantes químicos, agrotóxicos e doenças nas principais culturas alimentícias. Até quando se insistirá no atual modelo agroquímico, só porque dá altíssimos lucros para uma poucas empresas? Os jovens, as crianças e os que ainda não nasceram nos julgarão responsáveis - com toda razão - se nada fizermos para mudar as coisas. Qualidade na Agricultura significa exatamente isso: dirigir a produção agropecuária para satisfazer em forma autêntica o cliente-rei, tanto nos aspectos quantitativos com nos qualitativos. E qualidade não significa produtos bonitos, grandes e brilhantes e sim sadios, nutritivos e baratos.

Desta forma, agrônomos, veterinários, engenheiros florestais e profissionais afins terão que implementar mudanças na mais variadas áreas agropecuárias entre as quais se destacam:

·       Conservação e melhoramento da capacidade produtiva do solo

·       Nutrição de plantas e animais

·       Proteção de plantas e animais contra pragas e pestes

·       Melhoramento genético de plantas e animais (em que direção?)

·       Manejo de culturas e criações

·       Qualidade biológica dos alimentos

Eis o grande desafio. Estamos dispostos a enfrentá-los?

1.4 - A GESTÃO DO MEIO AMBIENTE

1.4.1 - A recuperação do meio ambiente degradado

A situação da América Latina e do Brasil em particular, devido ao intenso processo de degradação ambiental ocorrido em forma mais ou menos generalizada, faz com que a recuperação desses meios constituía-se na tarefa mais urgente a ser realizada, antes que a problemática se transforme em irreversível. Segundo Leal (1989), dever-se-iam atacar imediatamente as áreas seguintes:

·       A degradação do solo em virtude de processos de erosão e desertificação.

·       A derrubada das florestas e suas nefastas conseqüências.

·       A poluição das águas doces (rios, lagos e lençóis subterráneos).

·       A poluição do solo devido tanto ao inadequado uso de fertilizantes químicos solúveis como à utilização indiscriminada de agrotóxicos.

·       Outros tipos de poluição (atmosférica, marinha, sonora, etc.).

Os problemas que estes impactos ambientais produzem sobre o bem-estar, o desenvolvimento e até sobre a capacidade produtiva agrícola e industrial são amplamente discutidos na bibliografia. O fato é que se trata não de problemas que vão a ser gerados se não agirmos de certa forma. Pelo contrário, trata-se de problemas que já existem, cuja solução deve ser encarada em forma imediata. Daí o papel fundamental que corresponde à gestão.

Ainda sobressaindo das cinco áreas problemáticas graves mencionadas anteriormente, há uma sexta que é a poluição psicossocial que vem acompanhada do terrível flagelo da pobreza. Esta pobreza origina-se numa dinámica social extremamente complexa, mas na qual destaca-se claramente a concepção psicológica de que o poder, o status e o domínio dos demais é o objetivo precípuo da vida humana. Que as leis biológicas da luta pela vida justificam o esmagamento dos outros. Que só aquilo que pode ser transformado em dinheiro tem valor. Que o que não dá lucros é desprezível. Que quem não concorda com o "progresso tecnológico ilimitado" e no "crescimento pelo crescimento" está fora de sintonia com a época, é lírico ou radical, ou simplesmente... louco.

Analisar mais detalhadamente as causas da injustiça e da exploração humana estão fora das possibilidades deste texto, mas suas conseqüências estão claramente visíveis nos assentamentos humanos precários que surgem em grande parte devido ao êxodo rural(1) assim como por desastres ecológicos tipo secas ou inundações ou ainda talvez pelo canto de sereia que as cidades oferecem com seu consumismo e sua sofisticação aos camponeses e migrantes seduzidos pelas luzes multicores mas incapazes de atravessar o muro sutil que separa as castas sociais.

Essas enormes massas humanas ocupam, é claro, as piores regiões alagadiças, pedregosas ou afetadas pelas condições mais desfavoráveis imagináveis. O meio ambiente degrada-se muito rapidamente, o que significa para seus habitantes todo tipo de problemas extras: doenças, poeira, lixo, sujeira, extremos de temperatura, escassez da água, mortalidade infantil e vida mais curta em geral. A esta situação agrega-se a inexistência de uma infraestrutura mínima: os serviços são inexistentes ou pelo menos muito insuficientes, não há esgotos nem coleta de lixo, fora dos problemas psicossociais propriamente ditos (delinqüência, desemprego, vagabundagem, prostituição, etc.). A degradação do meio físico é aqui claramente perceptível até por um observador desavisado.

Como se pode perceber, a quantidade e magnitude de problemas a enfrentar é estarrecedor. Talvez por isto algumas pessoas fechem os olhos e tentam esquecer que eles existem. Mas este método nunca deu certo (do contrário este planeta ter-se-ia transformado num paraíso muito tempo atrás).

Ou seja, os problemas estão aí e precisam ser resolvidos. Não temos a pretensão nem o exagero de achar que eles devem ser eliminados imediata, completa e satisfatoriamente, como se fosse possível um passe de mágica. Porém se não trabalharmos com eles desde já, sua magnitude poderá crescer tanto que os faça irreversíveis. E isto sim podemos evitar.

Um fato que deve ficar cristalinamente claro é que os governos de nossos países ainda que tenham boas intenções e até bonitos programas, têm tremendas dificuldades em diagnosticar, planejar e executar ações bem definidas no campo ambiental, porque acima deles tem se avolumado outros problemas (inflação, dívida interna, dívida externa, etc.) que os asfixiam não dando-lhes descanso. Um bom exemplo é o Brasil que tem criado em 1989, mecanismos que como é o caso de IBAMA e o Programa Nossa Natureza, poderiam dar passos importantes no sentido de instrumentar uma boa gestão ambiental. Mas a pobreza de recursos que lhes é atribuída inviabiliza as declarações, os decretos e as leis promulgadas. Muito provavelmente une-se a isto a ausência de uma autêntica conscientização ecológica, sendo os dispositivos legais apenas o esforço de um punhado de abnegados lutadores que não alcança a sensibilizar realmente à maior parte da classe política, acomodada em seus privilégios e apenas preocupada em mantê-los.

A conclusão realmente importante é que a opinião pública, cada vez mais sensível, percebe a incapacidade da burocracia oficial para pelo menos amenizar a degradação ambiental e então começa primeiro a colocar o olho e depois indicar com o dedo à força social que tem contribuído imensamente para esse estado negativo: as empresas, e que até este momento estavam passando bastante despercebidas no processo todo.

Aí é que o papel do administrador volta a se apresentar como relevante. Aquelas empresas que tenham administradores mais competentes, com maior visão do futuro, assim como um grau de sensibilidade e conscientização mais desenvolvido, terão a grande vantagem de partir na frente, exibindo alto nível de responsabilidade social e ambiental. Desta forma terão a possibilidade de reforçar de forma intensamente positiva sua imagem frente à opinião pública, agindo diretamente, por exemplo, no problema dos impactos ambientais negativos através de programas especificamente formulados junto com a participação da comunidade envolvida. Parece-nos extraordinariamente importante concretizar programas conjuntos entre empresas do mesmo ramo, por exemplo: o grupo têxtil desenvolveria certas ações, o grupo alimentícios outras e assim por diante. Ganhar-se-ia assim eficácia e poderia operar-se a escalas bem maiores, e portanto mais significativas que o que poderia ser feito por empresas isoladas.

Cabe aos administradores fazer as articulações, definir as estratégias e aplicar as tácticas mias convenientes em cada caso e a conseqüência não poderá ser outra que um aumento do bem-estar comum, assim como um excelente investimento em termos de imagem para as empresas participantes.

1.4.2 - A avaliação dos impactos futuros

O assunto apresentado no item anterior é imenso, mas ele não esgota a problemática global, pois temos que enfrentar também a prevenção da degradação futura do meio ambiente. Os objetivos desta prevenção são bem mais modestos daqueles que surgem da recuperação da degradação já existente; eles só pretendem não piorar as coisas em relação com a situação atual.

Esta prevenção é viabilizada através da avaliação dos impactos ambientais do projeto de desenvolvimento, sejam nacionais, regionais ou locais. Estes projetos - sobretudo - nas economias dos países subdesenvolvidos têm efeitos claramente estruturais sobre o sistema econômico global, devido a suas influências sobre componentes básicos deste como são uso de solo, infraestrutura, insumos, recursos humanos e oferta de bens e serviços.

Isto, segundo Leal (1989) é devido a diversos fatores, entre eles:

·       Debilidade dos diferentes setores econômicos.

·       Concentração da atividade econômica.

·       Baixo nível de atividade.

·       Baixo nível de ocupação da mão-de-obra.

·       Subutilização de recursos.

·       Manutenção insuficiente da infraestrutura.

·       Fragilidade ecossistêmica.

Ou seja, a vulnerabilidade de todos estes fatores frente às novas condições exigidas por um projeto de desenvolvimento, faz com que não se possa falar de que os impactos de qualquer destes seja "marginal". Pelo contrário, qualquer projeto desta natureza envolve profundas mudanças na economia global assim como nas características ambientais. Estando estas num estado de deterioro alarmante deve controlar-se seriamente a possibilidade de novos impactos negativos. Daí o papel de avaliação.

A avaliação de impacto ambiental (abreviadamente AIA) é um instrumento para a execução da política e do gerenciamento ambiental, que se traduz na prática numa série de procedimentos - alguns técnico-científicos, outros administrativos - através dos quais os impactos ambientais sejam convenientemente analisados. Um aspecto importante é que tanto os resultados da avaliação como os dados do projeto devem ter uma compreensibilidade abrangente já que eles devem estar disponíveis não só para os técnicos governamentais e sim para as entidades e comunidades envolvidas do mesmo modo que para a classe política, os meios de comunicação e a opinião pública em geral.

Destas colocações surgem com clareza, que o processo AIA deve ser considerado desde dois ángulos diferentes:

·       O ángulo técnico-científico, que inclui os métodos, as técnicas e os recursos científicos necessários para a obtenção e análise dos dados ambientais correspondentes, gerados pelas diversas fases do projeto tais como planejamento, implantação, operação e eventualmente desativação. Devido a suas características específicas a abordagem técnico-científica tem que ser necessariamente multidisciplinar, envolvendo aspectos tais como:

·       Aspectos físicos (ar, água, solos).

·       Aspectos biológicos (plantas e animais).

·       Aspectos sócio-humanos (saúde pública, economia, qualidade de vida, cultura, transporte, paisagem, etc.).

E talvez o mais importante e o mais rico deste estudo sejam as interações entre todos esses aspectos dando-lhe assim uma conformação geral claramente holística. O tratamento destes assuntos obriga a uma síntese final dos aspectos mencionados e suas interações e não apenas a uma justaposição de relatórios individuais (pelo menos isto é o que deveria ser, embora em muitos casos a situação seja diferente, devido por um lado a pressões de tempo e por outro à falta de uma compreensão ecossistêmica da vida e portanto do meio ambiente).

Segundo Moreira (1989) trata-se de um conjunto de atividades interdependentes entre as que se deve salientar:

·       Delimitação e diagnóstico ambiental da área a ser afetada pelo empreendimento.

·       Identificação das ações que serão executadas nas fases de implantação deste.

·       Estimativa da magnitude e grau de importáncia de cada um deles.

·       Apreciação global dos impactos de cada alternativa do projeto.

·       Identificação das medidas destinadas a mitigar os impactos adversos.

·       Elaboração do programa de acompanhamento e monitoragem dos impactos.

·       Relatório final, em linguagem não-científica, para informação de todos os interessados.

·       O ángulo da gestão refere-se aos procedimentos administrativos e as disposições legais que os regulam. Assim segundo os princípios e os objetivos da política ambiental vigente, serão as condições nos quais a avaliação (AIA) será processada. Isto, outra vez segundo Moreira (1989) pode levar a diferentes modos de aplicação, por exemplo a:

·       Projetos individuais (uma rodovia, uma lavra de minério, um aeroporto).

·       Planos de desenvolvimento (novo distrito industrial, aproveitamento turístico de uma área costeira).

·       Políticas mais amplas (programas de desenvolvimento regional, regulamentação de agrotóxicos, desenvolvimento de políticas energéticas).

Acrescenta Moreira (1989): "Enquanto instrumento de política e gestão, a AIA tem como finalidade viabilizar o uso de recursos naturais e econômicos dentro dos processos de desenvolvimento. Promovendo o conhecimento prévio, a discussão e a análise imparcial dos possíveis impactos ambientais positivos e negativos de um empreendimento, a AIA permite evitar alguns danos, corrigir outros e otimizar os benefícios, aprimorando a eficiência das soluções. Ao melhorar o escopo e a qualidade dos dados, e ao permitir a divulgação das informações e o acesso aos resultados dos estudos, a AIA possibilita a identificação e o gerenciamento dos conflitos de interesse dos diferentes grupos sociais".

Historicamente a institucionalização da AIA aconteceu há 20 anos, exatamente em 1969 quando o governo americano aprovou o "National Environmental Policy Act" ou NEPA, sob forte pressão dos grupos ecologistas. Esta disposição legal exige a apresentação da Declaração do Impacto Ambiental que informa acerca de agressividade de um projeto específico em termos ambientais assim como diferentes alternativas cabíveis. A partir daqui a AIA estendeu-se rapidamente para os outros países sobretudo desenvolvidos (Canadá, França, Austrália, Holanda). Em outras nações tais como Suécia, Grã-Bretanha e Alemanha Ocidental houve adaptações específicas devidas às culturas organizacionais correspondentes, mas muito foi aproveitado da idéia original.

Nos países em desenvolvimento, a adoção da AIA entrou pelo caminho dos organismos internacionais de cooperação econômica, especialmente do Banco Mundial, assim como das Nações Unidas através do Programa PNUMA, cujas exigências muitas vezes foram chocantes para os governos locais, fortemente impregnados pela ideologia do "crescimento pelo crescimento" que lamentavelmente continua firme em grande proporção ainda hoje. Numa análise geral sobre América Latina percebe-se que se mantém fortes empecilhos internos à efetividade das AIA. Entre elas, pode se mencionar: falta de vontade política de fazer das AIA ingredientes fundamentais dos processos de planejamento e decisão; barreiras administrativas; imobilismo, falta de recursos e dificuldades de interação entre as áreas governamentais responsáveis pelo tratamento dos problemas ambientais. Uma dificuldade especial tem sido a natureza autoritária da maioria dos governos da região (que só por volta de 1985 começaram a se democratizar), o que tem levado à consideração dos problemas ambientais nos termos do "para o inglês ver", ou seja fazendo o mínimo formalmente exigido para obter a aprovação dos projetos, e depois esquecer ainda este mínimo.

O primeiro país da América Latina que instituiu a AIA como um processo formal foi a Colômbia em 1974 (Código Nacional dos Recursos Naturais Renováveis e da Proteção Ambiental). Em Venezuela foi criada a Lei Orgánica do Ambiente em 1976, que estabelece os princípios diretores para o planejamento e a gestão ambiental, assim como a institucionalização da AIA. Em México, em 1982 foi promulgada a Lei Federal de Proteção Ambiental que determinou a apresentação do que eles chama MIA (Manifestação de Impacto Ambiental), exigida para todos os projetos públicos e privados que sejam capazes de causar danos ao meio ambiente. Na Argentina, devido às exigências do Banco Mundial quando da construção da represa de Salto Grande houve uma conscientização para o problema ambiental; isto gerou numerosos estudos e inclusive um Programa de Avaliação do Impacto Ambiental de Grandes Obras de Infraestrutura, mas até uma data bem recente não tinha-se aprovado uma legislação específica, o que tem levado às autoridades ambientais a fazer apelos ao compromisso voluntário por parte dos proponentes das grandes obras. Segundo dados colhidos sobre este particular, o atendimento destes apelos deve-se mais à pressão da opinião pública (outra vez o aspecto relativo da imagem da empresa) e às exigências dos bancos internacionais que ao poder de persuasão das autoridades ambientais ou ao senso de responsabilidade social e ambiental das empresas envolvidas.

No Brasil, a primeira AIA foi feita em 1972 quando o Banco Mundial financiou a barragem e a hidrelétrica de Sobradinho. Mas a primeira regulamentação oficial sobre o assunto ocorreu em 1977 através do Sistema de Licenciamento das Atividades Poluidoras aprovado pelo Governo Estadual de Rio de Janeiro. Mais tarde, outros estados brasileiros, sobretudo para atender problemas específicos (como também foi o caso de Rio), criaram sistemas semelhantes, como foi o caso de Bahia e Minas Gerais.

Em nível federal, através da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (1983) foi que a AIA e seu instrumento o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), foram estruturados explicitamente como ferramentas indispensáveis para a proteção ambiental. A AIA, de acordo com o texto legal, vincula-se ao licenciamento de quaisquer atividades modificadoras do meio ambiente, originadas tanto pela área pública como pela privada.

A resolução 001 do CONAMA de 23 de janeiro de 1986 é um marco para a proteção ambiental brasileira, sendo que nela se define o que é impacto ambiental: quais são a atividades modificadoras do meio ambiente que obrigatoriamente exigem AIA, atribui as responsabilidades aos participantes e fornece as diretrizes gerais para elaboração dos respectivos RIMA, explicitando seu conteúdo mínimo.

é importante salientar que segundo as normas em vigor, os estudos de impacto ambiental devem ser realizados por equipes habilitadas, independentes dos proponentes dos

projetos. Mas segundo Moreira (1989) "os estudos realizados têm sido considerados, na maioria dos casos, como pouco satisfatórios. O problema, nesse caso, prende-se menos à qualidade dos especialistas das diversas áreas envolvidas. O que parece faltar é a experiência de coordenação desse tipo de trabalho, o conhecimento dos métodos da AIA, técnicas de pesquisa e previsão de impactos ambientais e a capacidade de promover a integração das diferentes disciplinas". Neste sentido, abre-se uma perspectiva de trabalho muito interessante para os administradores, cuja formação básica de gerenciamento, que envolve o conhecimento de aspectos organizacionais, financeiros, mercadológicos, de produção e de recursos humanos, os acredita como profissionais ideais para coordenar esta amálgama multidisciplinar.

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· WIKJMAN, A e L. TIMBERLAKE. Natural disasters: acts of God and acts of man? Londres: Earthscan for the International Institute Environment and Development and the Swedish Red Cros, 1984.

OSERVAÇÃO : Semanalmente serão oferecidos novos capítulos do texto. Esteja atento e aproveite o material.

Para contato com o autor, inclusive possíveis Palestras e Cursos, escrever para : bonilla.bhz[arroba]terra.com.br

DEDICATÓRIA

Dedico este livro a todos aqueles que fizeram do elemento água a principal atividade de sua vida, tanto a nível organizacional como pessoal: empresas fornecedores de água para o consumo humano; empresas construtoras de barragens e outras obras para atenuar os efeitos das enchentes; navegantes que fizeram de rios e mares estradas hídricas para passear, transportar mercadorias e passageiros; poetas que louvaram as virtudes das águas, tanto das que caem em forma de chuva umedecendo a terra, como a que se condensa na forma do orvalho que pisca nas flores...

A água é o elemento mais vital para a sobrevivência humana. Ela tem uma farta disponibilidade, mas a cobiça do ser humano desalinhado de seu centro interior, tem levado à destruição de mananciais, à poluição, ao uso incorreto do líquido elemento, ao desperdício e outros males sobejamente conhecidos.

Por isto, antes que ele se transforme num recurso escasso em forma generalizada (já o é em certas regiões do planeta incluindo o Brasil), é necessário um Gerenciamento das Águas que seja satisfatório para as comunidades envolvidas. A Gestão pela Qualidade Total, que tem obtido indiscutível sucesso em várias áreas, especialmente na industrial, é uma metodologia que pode dar um apoio decisivo àquele gerenciamento.

O Programa PROÁGUA, financiado pelo Governo Federal e pelo BIRD chega na hora exata para viabilizar uma política avançada de proteção e otimização do uso dos recursos hídricos nacionais. Por isto, também dedicamos esta modesta contribuição aos idealizadores do Programa.

O Autor


(1) Seatle foi um chefe dos peles vermelhas que em 1854 recebeu uma proposta de compra das terras indígenas por parte do Presidente dos Estados Unidos. Sua resposta, contida numa longa carta é, provavelmente, o maior poema ecológico de todos os tempos.

(1) TW = terawatt, equivale a um bilhão de Kilowatts.

(*) TQC = Total Quality Control. Em português seria traduzido por GQT (Gestão da Qualidade Total).

(1) A população ativa no campo em relação à população ativa total caiu de 60% em 1950 para 30% em 1980 e atualmente é menor de 25%.

 

 

Autor:

José A. Bonilla

bonilla.bhz[arroba]terra.com.br

Partes: 1, 2, 3


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