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Gestão da Qualidade Total em Recursos Hídricos (página 2)

José A. Bonilla
Partes: 1, 2, 3

O livro está dividido em cinco Partes, totalizando 16 capítulos e 1 anexo, de acordo com a seguinte distribuição:

·       Parte I. (Inclui 2 capítulos que enfocam a problemática ambiental geral, com ênfase para o desenvolvimento sustentado, assim como a problemática específica dos recursos hídricos e seu gerenciamento).

·       Parte II. (Inclui 4 capítulos sobre conceitos básicos da Qualidade Total).

·       Parte III. (Inclui 8 capítulos sobre os aspectos técnicos da Qualidade Total).

·       Parte IV. (Inclui 2 capítulos sobre a implantação da Qualidade Total).

·       Parte V. (Inclui 1 Anexo).

PARTE I

MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS

CAPÍTULO I

MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E QUALIDADE TOTAL

1.1 - INTRODUÇÃO

Em dezembro de 1983 o Secretário Geral das Nações Unidas criou uma comissão especial e independente para tratar em forma de apelo urgente um desafio inadiável para a comunidade internacional no tocante ao tema Meio Ambiente e Desenvolvimento. O que o Secretário desejava era uma "agenda global para a mudança" envolvendo basicamente os seguintes assuntos:

·       Propor uma agenda de longo prazo a ser posta em prática nos próximos decênios, incluindo os objetivos traçados pela comunidade mundial.

·       Ajudar a definir noções comuns relativas a questões ambientais de longo prazo assim como os esforços necessários para tratar com sucesso os problemas relativos a melhoria e proteção do meio ambiente.

·       Recomendar modos de agir capazes de traduzir a preocupação com o meio ambiente em cooperação entre países com diferentes estágios de desenvolvimento econômico e social.

·       Considerar meios e maneiras pelos quais a comunidade internacional possa lidar mais eficientemente com as preocupações de cunho ambiental.

O grupo de trabalho criado foi denominado Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento sendo presidido por Gro Harlem Brundtland, Ministra de Meio Ambiente da Noruega e integrada por 21 pessoas representando os mais variados países desde Zimbábue e Costa de Marfim até os Estados Unidos e Japão. Dois países latinoamericanos estavam presentes o Brasil (Dr. Paulo Nogueira Neto) e a Colômbia (Dra. Margarita Marino de Botero). O relatório foi entregue em março de 1987, ou seja mais de três anos depois e conhecido como o Relatório Brundtland. Com o nome de "Nosso Futuro Comum" ele foi editado esse ano pela Universidade de Oxford. Em Brasil foi publicado pela Fundação Getúlio Vargas (1988). No item 1.2 são comentados os assuntos essenciais do mesmo.

No prefácio a Dra. Brundtland salienta o fato de que a tarefa mais urgente hoje é persuadir às nações acerca da necessidade de retornar ao multilateralismo já esboçado através do esforço de reconstrução ocorrido após a segunda guerra mundial. O desafio é agora para encontrar a forma e os rumos para implantar o desenvolvimento sustentável em todo o planeta. Isto implica que esse desafio deve ser colocado num patamar mais alto que as distinções de soberania nacional, estratégias desequilibradas e unilaterais de ganho econômico e de um enfoque científico cartesiano.

Segundo a Dra. Brundtland aquela cooperação estendeu-se durante a década de 60 que foi um tempo de otimismo e progresso, com uma firme esperança de um mundo melhor e com idéias cada vez mais internacionais, especialmente no tocante ao surgimento de antigas colônias como países independentes. Já a década de 70 voltou-se paradoxal, pois junto com novas ações da comunidade internacional tal como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo em 1972, entrou-se pouco a pouco num clima de reação e isolamento (em particular em América Latina proliferaram os governos de força). Já na década de 80 verificam-se - como conseqüência lógica - um atraso quanto às preocupações sociais e ambientais.

é melhor deixar falar à própria autora: "Durante o tempo em que a Comissão esteve reunida (1984, 1985, 1986) tragédias como as crises de fome na África, o vazamento na fábrica de pesticidas de Bhopal na Índia e o desastre de Chernobyl na URSS, aparentemente justificam as graves previsões quanto ao futuro humano que se tornaram lugar-comum em meados dos anos 80. Mas nas audiências públicas que realizamos nos cinco continentes, também tomamos conhecimento de vítimas de catástrofes mais crônicas e generalizadas: a crise da dívida, a cessação da assistência aos países em desenvolvimento e do investimento neles, a queda dos preços dos produtos básicos e das rendas pessoais, etc. Ficamos convencidos de que eram necessárias grandes mudanças, tanto de atitude quanto na forma em que nossas sociedades estão organizadas".

"Se não conseguirmos transmitir nossa mensagem de urgência aos pais e administradores de hoje, arriscamo-nos a comprometer o direito fundamental de nossas crianças a um meio ambiente saudável, que promova a vida. Se não conseguirmos traduzir nossas palavras numa linguagem capaz de tocar os corações e as mentes de jovens e idosos, não seremos capazes de empreender as amplas mudanças sociais necessárias à correção do curso do desenvolvimento".

O desafio está colocado e a palavra-chave, mais uma vez é mudança.

1.2 - O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.2.1 - Idéias Básicas

O Relatório Brundtland tem mais de 400 páginas, de modo que para abordar o item geral 1.2. só poderemos comentar em forma muito resumida alguns poucos capítulos do mesmo, enriquecidos com contribuições de alguns outros autores.

Antes de tudo deve-se dizer que o relatório é otimista, já que "ele não é uma previsão de decadência, pobreza e dificuldades ambientais cada vez maiores num mundo cada vez mais poluído e com recursos cada vez menores. Vemos, ao contrário, a possibilidade de uma nova era de crescimento econômico, que tem de se apoiar em práticas que conservem e expandam a base de recursos ambientais. E acreditamos que tal crescimento é absolutamente essencial para mitigar a grande pobreza que se vem intensificando na maior parte do mundo em desenvolvimento".

Entre todos os aspectos que se podem mencionar em relação a desenvolvimento sustentável há um que sobressai: é a interligação cada vez mais forte e irreversível entre crescimento econômico e meio ambiente. Um tempo atrás, a maior preocupação dos mais lúcidos era atenuar os impactos da economia sobre a degradação ambiental. Mas agora a situação ficou invertida: temos que nos preocupar é com os impactos do desgaste ecológico (degradação de solos, regimes hídricos, poluição do ar, da água, do solo e dos alimentos) sobre a organização e sobrevivência da economia.

O otimismo do Relatório Brundtland fica patente quando diz: "A Humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável ou seja garantir que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também as suas"... "A pobreza já não é inevitável".

Um aspecto fundamental para chegar a obter o desenvolvimento sustentável é ter uma via energética segura e duradoura. Até hoje não tem sido encontrada por falta de empenho político e cooperação institucional. Mas o caminho está claro: energia solar (e outras como a eólica).

Há um ponto no Relatório Brundtland que nos parece bastante obscuro e que se repete com certa freqüência nos raciocínios feitos, de natureza claramente cartesiana. Com efeito, há uma referência constante às necessidades de recursos financeiros, energéticos e de outra natureza para "igualar" o consumo de manufaturados existente nos países desenvolvidos por parte dos subdesenvolvidos. Por exemplo dize-se: "Considerando as taxas de aumento populacional, será necessário elevar de 5 a 10 vezes a produção de manufaturados apenas para fazer com que o consumo desses bens no mundo em desenvolvimento atinja os níveis do mundo industrializado quando as taxas de aumento populacional se estabilizarem no próximo século".

O cartesianismo aqui significa considerar que o padrão de consumo do Terceiro Mundo deve ser igual ao Primeiro Mundo (isto apesar da presença majoritária de países subdesenvolvidos na Comissão). O que não foi percebido - e isto é surpreendente - é que de acordo com as melhores estimativas, bastante mais da metade do produzido no mundo desenvolvido (e boa parte no mundo subdesenvolvido) é supérfluo. E isto é claramente inaceitável para o Terceiro Mundo: gastar energia, recursos e matéria cinzenta para produzir coisas desnecessárias segundo o esquema econômico da obsolescência programada (Ver Bonilla 1994 a). é esse o principal obstáculo para o desenvolvimento sustentável; entretanto a Comissão o ignora. Voltar-se-á a este assunto no item 1.2.2.

Só para utilizar dados do próprio relatório veja-se a tabela seguinte:

Produto

Unidade de Consumo Per Cápita

Países desenvolvidos (26% população)

Países subdesenvolvidos (74% população)

Papel

Kg / ano

123

8

Aço

Kg / ano

455

43

Energia

mtce / ano

5,8

0,5

O objetivo do Terceiro Mundo será igualar estes consumos estonteantes ou terá que procurar sua via própria de desenvolvimento? Ou seja, é claro que para ter mais livros e mais cultura e educação precisamos mais papel. Mas o inverso não é verdadeiro: quanto mais papel gastemos, haverá mais livros educativos produzidos?

Bem sabemos que a maior parte do papel é utilizado para veicular propagandas em jornais e revistas, procurando fazer os cidadãos cativos do esquema consumístico habilmente desenhado e operacionalizado pelos especialistas da área. Ou seja antes de mais nada é necessário definir o que produzir, para quem produzir e a partir disto estimar as necessidades de recursos naturais. Este é o caminho do Terceiro Mundo, nunca o de tentar copiar ou igualar o esbanjamento do Primeiro Mundo.

A Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizou uma de suas audiências públicas em Moscou em 8 de dezembro de 1986. Nela I. T. Frolov, Redator-Chefe do "Communist Magazine" fez um depoimento que tem muito a ver com os comentários feitos anteriormente: "Para conseguir resolver problemas globais, temos de criar novas maneiras de pensar, desenvolver novos critérios morais e de valores e sem dúvida, novos padrões de comportamento. A humanidade se encontra às portas de um novo estágio em seu desenvolvimento. Deveríamos não só promover a expansão de sua base material, científica e técnica, mas também, o que é mais importante, incutir novos valores e aspirações humanistas na psicologia humana, pois a sabedoria e o humanismo são as 'verdades eternas' que constituem a base da humanidade. Precisamos de novos conceitos sociais, morais, científicos e ecológicos que devem ser determinados por novas condições de vida da humanidade, hoje e no futuro".

Este simples fragmento do depoimento de Frolov mostra três aspectos interessantes. Em primeiro lugar ele coloca os ideais do grande chefe Seatle(1) numa linguagem moderna, mostrando a necessidade imperiosa de reformular nosso próprio modo de pensar, sentir e agir, aspecto que os sisudos integrantes da Comissão não conseguiram enxergar. Em segundo lugar este modo de pensar, sentir e agir não é utópico; na verdade ele já se está processando no seio da sociedade humana. Ele é conhecido como paradigma holístico.

Finalmente, a posição de Frolov, redator-chefe de uma publicação oficial da URSS mostra que - mais uma vez - as coisas não acontecem por acaso. Sem entrar em polêmicas ideológicas, o regime soviético caiu - sem derramamento de sangue - porque as energias subjacentes das mudanças (um exemplo: o pensamento de Frolov) se potencializaram a um ponto em que foram mais fortes que a força bruta (canhões e tanques). Este é um caminho sempre aberto para a Humanidade e ele mostra a direção para agir. O desenvolvimento sustentável para ser transformado em realidade precisa, independente das análises econômicas, científicas e sociais, um componente relativo à energia evolutiva do ser humano, catalisada por seu desenvolvimento espiritual. No Terceiro Milênio o homem não poderá resolver seus problemas se esquecer este fato. Isto significa que sem desprezar os enfoques cartesianos, úteis para compreender as partes, teremos que funcionar num nível superior: o enfoque holístico, no qual os dois componentes do homem privilegiados pelo cartesianismo (corpo físico, mente) são completados pelo componente emocional e pelo componente espiritual, de modo que estes quatro elementos se integrem equilibradamente permitindo assim atingir os mais altos objetivos que o ser humano - individual e coletivamente - possa almejar: bem-estar, felicidade e auto-realização. Mas para chegar aqui sua percepção deverá estar bem desenvolvida, compreendendo a importáncia das partes mas também de suas relações entre si e com o Todo. Einstein (1981) chamava a isto de "religiosidade cósmica".

1.2.2 - O que é "Desenvolvimento Sustentável"?

Há uma situação global de crise ambiental no planeta caminhando para um desfecho catastrófico se rápidas medidas não forem adotadas. Com efeito tem-se acumulado uma série de problemas, a maioria dos quais em lugar deeduzir seus efeitos, tendem a aumentá-los. Os principais entre eles são:

·       Destruição de recursos de solos e águas conduzindo a acelerados processos de desertificação.

·       Crescimento exorbitante das grandes cidades, várias das quais devem chegar a 20 milhões de habitantes até o final do século. Isto gera graves problemas de ordem não só ambiental e sim também econômico, social e cultural.

·       Efeito-estufa e as previsíveis mudanças negativas resultantes do desequilíbrio energético global.

·       Ruptura da camada de ozônio, acarretando redução considerável de seu poder protetor.

·       Destruição de florestas e extinção maciça da biodiversidade.

·       Poluição crescente de todos os tipos imagináveis, sobretudo do ar, das águas, dos solos e dos alimentos, alterando processos naturais globais e atacando diretamente a saúde humana.

·       Desperdícios e perdas de todos os tipos, incluindo solos e águas, e portanto de alimentos.

O conceito de desenvolvimento sustentável representa um paradigma que tenta reverter aquela situação negativa, sendo inicialmente apresentado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 1984) e depois trabalhado por vários autores, entre eles pelo Relatório Brundtland.

A idéia básica envolvida naquele conceito é que o uso dos recursos ambientais deve respeitar a manutenção dos processos vitais em benefício das gerações atuais e futuras, pressupondo uma distribuição eqüitativa dos ganhos do crescimento econômico.

A definição da IUCN (1984) diz que o desenvolvimento sustentável é: o processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se devem dirigir à satisfação das necessidades das gerações presentes, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas. Assim ele é percebido como o fruto de uma interação entre os sistemas naturais e os sócio-econômicos. Por outra parte implica, segundo Diegues (1989), numa dimensão cultural e política, pois as comunidades devem ser efetivamente integradas na elaboração e execução dos planos de gerenciamento do meio ambiente.

Tudo isso representa um grande avanço mas voltamos a insistir: está faltando algo. E esse algo é de natureza emocional-espiritual: trata-se dos valores. Se essa idéia não for compreendida acabarão prevalecendo os valores atualmente implícitos (poder, status, consumo, riqueza). Precisamos é explicitar os valores da nova sociedade, entre eles coerência, transparência, cooperação e sobretudo percepção holística. Ou seja, junto com todo tipo de medidas políticas, econômicas, sociais, ambientais, científicas e tecnológicas que podem e devem ser tomadas, deve se reservar um espaço especial para um grande trabalho educativo tendente a explicitar os valores essenciais da vida humana. Só a partir destes, devidamente consolidados é que se poderá formalizar um sólido alicerce para que o desenvolvimento sustentável deixe de ser um sonho e se transforme em realidade.

Pode pensar o leitor que isto é um excesso de lirismo mas vejamos o que diz o Relatório Brundtland, quando afirma que o desenvolvimento sustentável tem dois conceitos-chaves:

a)   Conceito de "necessidade", sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade;

b)   A noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras.

O Relatório acrescenta: "Só se pode ter certeza da sustentabilidade física se as políticas de desenvolvimento considerarem a possibilidade de mudanças quanto ao acesso aos recursos e quanto à distribuição de custos e benefícios. Mesmo na noção mais estreita de sustentabilidade física está implícita uma preocupação com a eqüidade social entre gerações que deve, evidentemente, ser extensiva à eqüidade em cada geração".

Como se pode perceber, aparece uma nova e luminosa palavra como a chave do desenvolvimento sustentável. Essa palavra é: eqüidade. Mas eqüidade não existe como valor implícito em nossa sociedade individualística e egoística. Portanto a reformulação dos valores humanos tornando-os explícitos e incorporando neles o de eqüidade (entre outros) passa a ser uma necessidade imperiosa e um componente imprescindível de qualquer processo sério de desenvolvimento sustentável.

O Relatório estima que para se ter certeza de que no início do próximo século o mundo estará a caminho do desenvolvimento sustentável deve-se chegar a um crescimento mínimo de 3% da renda nacional per capita e adotar políticas firmes de redistribuição. Dois comentários são aqui pertinentes. Em primeiro lugar a renda per capita depende do PNB. E que medida é essa? O PNB envolve todos os faturamentos acontecidos no país específico, tanto as contas de alimentos, fornecimento de energia e outros bens e serviços necessários como também todos os produtos supérfluos fabricados pela criativa sociedade de consumo, os agrotóxicos e outros venenos ambientais, tanques e canhões assim como as despesas de saúde em grande parte inflacionadas pelos próprios efeitos da poluição. Entretanto a devastação das terras, a desertificação, a poluição do ar e das águas, as perdas de amenidade e beleza natural, entre outros elementos, não são incluídos na conta. Para eles o "economês" tem criado uma palavra muito polida: externalidades. Portanto uma sugestão vital é rediscutir o conceito de PNB separando o essencial do supérfluo, de modo que o esforço seja centrado na redução gradual deste último em benefício do primeiro. Os conceitos de "necessidades reais" e "necessidades artificiais" serão de grande utilidade neste enfoque (Ver Bonilla 1994 a).

Em relação com "políticas firmes de redistribuição" parece-nos impossível não concordar. Mas quais os caminhos para chegar lá? Novamente chegamos a um ponto-chave: educação holística capaz de reformular explicitamente os valores prioritários da sociedade humana que deverão ser incutidos na população através das formas mais variadas e criativas com ênfase para os aspectos difusivos através dos meios de comunicação.

Um ponto alto do Relatório é quando ele diz: "em todos os países, as preocupações com os recursos ambientais deveriam nortear os processos de invenção de tecnologias alternativas, de aperfeiçoamento das tradicionais e de escolha e adaptação de tecnologias importadas. A maior parte da pesquisa tecnológica feita por organizações comerciais dedica-se a criar e processar inovações que tenham valor de mercado. Mas o que é necessário são tecnologias que produzam 'bens sociais' como melhor qualidade do ar ou produtos mais duráveis, ou então que solucionem problemas que geralmente não entram nos cálculos das empresas, como os custos externos da poluição ou da destinação dos resíduos" [Aqui abre-se um amplo espaço para aplicação dos princípios e técnicas da Gestão da Qualidade Total]. "Cabe às políticas públicas garantir, mediante incentivos e desincentivos, que as organizações comerciais se empenhem em considerar mais plenamente os fatores ambientais presentes, nas tecnologias por elas desenvolvidas".

O Relatório Brundtland define sete requisitos que revestem o caráter de objetivos que devem inspirar a ação nacional e internacional para o desenvolvimento sustentável. Faz-se ênfase na importáncia de que estes objetivos sejam buscados com sinceridade (isto é interessante porque sinceridade é um valor, só que ele não vai ocorrer espontaneamente; precisa ser promovido). Também menciona-se que os eventuais desvios devem ser corrigidos com eficiência. Os sete objetivos são:

a)   Um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório;

b)   Um sistema econômico capaz de gerar excedentes e "know-how" técnico em bases confiáveis e constantes;

c)   Um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado;

d)   Um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica de desenvolvimento;

e)   Um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções;

f)    Um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento;

g)   Um sistema administrativo flexível e capaz de auto-corrigir-se. (Aqui se fazem imprescindíveis os instrumentos e a filosofia inerente à Gestão de Qualidade Total).

Esses sete objetivos são perfeitamente válidos mas eles são como a estrutura visível de um edifício, constituindo uma visão cartesiana muito avançada e sofisticada do problema. Mas todo edifício tem uma parte invisível: seus alicerces. Nos fenômenos vitais de um ser individual ou de uma comunidade tomada como conjunto, acontece a mesma coisa: um conjunto de fatos e relações se manifestam perceptivelmente a olho nu ou com um pequeno esforço de raciocínio e compreensão. Mas por baixo destes fatos e relações existem forças subjacentes que são as que fornecem a forma, a direção e a oportunidade daquelas manifestações.

O que queremos dizer é que para que os sete objetivos ou os sete sistemas possam funcionar adequadamente tanto considerados individualmente como integrados numa unidade essencial, precisa-se uma força subjacente que lhes forneça equilíbrio, transparência e identidade de propósitos. Este oitavo objetivo, alicerce de todos os outros está representado pela explicitação de uma nova escala de valores humanos, apoiada numa visão holística como já foi comentado em parágrafos anteriores. Esta nova escala de valores precisa ser absorvida gradualmente pelas pessoas adultas e deverá representar a bandeira das novas gerações antes que a cobiça de uns e esbanjamento dos outros ameace irreversivelmente os recursos naturais deste planeta. Antes que acabe a década de 90 é preciso que este assunto esteja encaminhado; do contrário a possibilidade de que os outros objetivos definidos no relatório se consolidem passa a ser muito duvidosa.

Com efeito, até que na mente humana não comece a se processar um deslocamento de dogma "lucros, faturamento, dinheiro" para a visão holística do homem integral (corpo, mente, coração e alma) o desenvolvimento sustentável terá alguns avanços apenas, insuficientes para atingir no prazo adequado (que já se está esgotando) as mudanças necessárias.

Talvez alguns leitores pensem que há nestas colocações uma visão utópica do autor, mas já há vinte anos, por exemplo, que países que passaram subitamente de pobres a ricos (devido ao aumento espetacular dos preços do petróleo) começaram a compreender isto, embora o ángulo de percepção seja um pouco diferente do aqui colocado. Mas em todo caso, fica clara uma grande preocupação com o ser humano como tal.

Assim o xeque Hisham Nazer, Ministro de Planejamento da Arábia dizia: "Julgam que somos ricos aqui na Arábia, mas não o somos, realmente vendemos um petróleo que não se renovará. E o que nos restará? A única riqueza verdadeira é a capacidade de criar [faltou aqui colocar: criar construtivamente]. Portanto nosso próximo plano de desenvolvimento será centrado na valorização do capital humano". Ali Khalifa Al Sabah do Kuwait manifestava: "Os países desenvolvidos donos da ciência e tecnologia (cartesianas) nos oferecem todo tipo de bens de consumo, artefatos e máquinas mas no momento não temos em vista qualquer oferta séria de investimento que nos permita empregar os nossos lucros de forma criadora".

Finalmente Abdulatif Al Hamad diz: "O desenvolvimento sempre foi entendido como algo exclusivamente econômico, quando ele é, sobretudo, sociológico e humano, pois o fator primordial de todo desenvolvimento econômico é o desenvolvimento do próprio homem. O desenvolvimento, afinal de contas, é primeiramente um processo mental: começa por uma atividade do espírito. O sucesso de um projeto de desenvolvimento se mede com precisão pelo nível de conscientização e de responsabilidade a que eleva os homens, em cujo benefício foi dirigido.

São palavras dignas de reflexão.

1.2.3 - As bases ecológicas do desenvolvimento sustentável

Segundo Diegues (1989) são reconhecidas três bases ecológicas para que o desenvolvimento sustentável possa ter lugar. Elas são:

a) Manutenção de processos ecológicos essenciais

Entende-se por processos ecológicos essenciais aqueles dos quais depende a sobrevivência humana, tais como a regeneração e proteção dos solos, a reciclagem dos nutrientes e os ciclos energéticos. A ação do homem através de atividades tais como desmatamento das encostas em bacias hidrográficas, práticas agrícolas inadequadas tais como uso de agrotóxicos etc, interfere notoriamente no funcionamento dos ecossistemas e nas formas de troca de alimentos e energia entre os diferentes níveis tróficos.

O conhecimento integrado e aprofundado dos processos vitais dos ecossistemas é fundamental para seu manejo adequado, capaz de garantir o desenvolvimento sustentável. Entretanto, grande parte das pesquisas é feita em nível de espécies ou de elementos isolados do ecossistema. Por exemplo, apesar de várias décadas de pesquisa oceanográfica no Brasil pouco se sabe sobre a estrutura, as funções e os processo dos ecossistemas costeiros e seu potencial produtivo. Isto é mais uma conseqüência da estreita visão cartesiana que permeia nosso sistema científico-tecnológico. O desenvolvimento sustentado precisa, imperiosamente, uma visão ampla, ecossistêmica. Para isto precisa impregnar-se no paradigma holístico.

b) Preservação da Biodiversidade

A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, 1988) afirma que a preservação da biodiversidade genética é fundamental para a conservação das riquezas naturais, a produção de alimentos e remédios e o próprio funcionamento dos processos ecológicos. No entanto, devido a uma seleção intensa de espécies e variedades procurando mais rendimento e uniformidade, a base genética de boa parte da produção moderna tem-se reduzido perigosamente. Como conseqüência diminuiu o número de espécies, tanto domésticas como silvestres e aumenta o perigo das pragas. Já com um manejo e uma proteção mais efetiva das espécies e de seus habitantes respectivos será possível um melhor aproveitamento dos recursos existentes nos ecossistemas.

Na atualidade há perto de 4000 áreas protegidas em quase todos os países, totalizando cerca de 5% da superfície da Terra. Já o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sugere que esta área deve atingir cerca de 10% para ter uma cobertura adequada das áreas de proteção, fonte de uma série de benefícios ecológicos, sociais e culturais.

Entretanto, hoje em dia, muitas destas áreas teoricamente protegidas correm perigo de degradação por causas das mais diversas razões, desde chuvas ácidas até pressões decorrentes de ocupações por parte de populações que procuram terra para agricultura.

Todas estas ameaças e especialmente a concretização das mesmas reduzem a biodiversidade da flora e da fauna. Diegues (1989) enfatiza que os princípios básicos para a manutenção da biodiversidade são os seguintes:

·       Conservação de ecossistemas

·       Incorporação da biodiversidade no planejamento ambiental

·       Conservação da diversidade cultural

c) Utilização Sustentada das Espécies e dos Ecossistemas

Segundo a percepção de Diegues (1989) a necessidade de assegurar a utilização sustentada de uma espécie (ou de um ecossistema) varia de acordo com o grau de dependência da sociedade em relação aos recursos em questão, ainda que o uso sustentado dos recursos naturais renováveis deva ser um critério válido para todas as sociedades. Essa utilização pode ser fundamentada, por exemplo, no uso sustentado dos recursos aquáticos, da fauna e da flora silvestres e na revalorização dos sistemas tradicionais de gerenciamento ambiental e dos recursos naturais, baseados em formas de manejo tradicionais de pequenas comunidades de agricultores e pescadores.

Informações interessantes sobre gerenciamento ambiental podem ser consultadas no mencionado trabalho (Diegues, 1989).

1.2.4 - Aspectos energéticos do Desenvolvimento Sustentável

O Relatório Brundtland afirma "O desenvolvimento futuro depende indubitavelmente de que se disponha de energia por muito tempo, em quantidades cada vez maiores de fontes seguras, confiáveis e adequadas ao meio ambiente".

Isto parece razoável exceto no ponto em que se afirma que se precisa energia em quantidades cada vez maiores. Não é que falhe o raciocínio dos gabaritados membros da comissão mas parece-me claro que eles partem de uma premissa falsa. Vejamos primeiro o raciocínio: em 1980 o consumo global de energia no mundo ficou em torno de 10 TW(1) . "Se o consumo per capita ficasse nos níveis atuais por volta de 2025 uma população global de 8,2 bilhões de pessoas, necessitaria uns 14 TW (aumento de 40%). Mas se o consumo per capita se uniformizasse em todo o mundo nos níveis atuais dos países industrializados por volta de 2025 a mesma população global necessitaria de uns 55 TW" (ou seja de 5 a 6 vezes mais!).

Matematicamente está perfeito, mas a premissa que não foi atendida foi deixar de responder a pergunta: "quanto da energia hoje utilizada é verdadeiramente necessária e quanto é esbanjada?" A falha está em que a Comissão não analisou a natureza das necessidades humanas reais e portanto não percebeu que o assunto básico não é dar como certa a necessidade contínua de aumento de energia (a custas de nova deterioração ambiental?) e sim a mudança do modelo produtivo dentro de uma mudança maior acerca do comportamento humano. Aqui volta, mais uma vez, a necessidade de discutir e consensar explicitamente uma nova escala de valores humanos.

O próprio Relatório depois de estudar detalhadamente várias alternativas chega à conclusão que um cenário intermediário entre os dois anteriores, representado por um consumo de 35 TW em 2025 levaria a produzir 1,6 mais petróleo; 3,4 vezes mais gás natural e 5 vezes mais carvão que em 1980. Em particular a energia nuclear teria que ser aumentada 30 vezes (!) em relação a 1980, o que implicaria instalar uma nova usina nuclear cada três dias (!!!). Também são apresentados os riscos ambientais decorrentes de um consumo tão elevado de energia (alteração climática devido ao efeito "estufa", poluição insuportável do ar; acidificação elevadíssima do meio ambiente, riscos nucleares envolvendo acidentes, desativação de reatores, lixo atômico, etc).

O relatório chega à nada otimista conclusão de que: "dificilmente se chegará a uma quase duplicação do consumo global de energia primária sem ter que enfrentar vários embaraços econômicos, sociais e ambientais" (e isto aconteceria já antes de chegar ao 20 TW, portanto nem se fala da hipótese intermediária - já mencionada - correspondente a 35 TW e menos ainda a hipótese alta: 55TW).

O enfoque essencial da Comissão e sua esperança definitiva é "o desenvolvimento e a oferta de equipamentos de uso final de elevado rendimento e poupadores de energia". Contudo e apesar de que alguns resultados positivos já foram obtidos, "nas primeiras décadas do século XXI, porém, essas medidas não terão feito diminuir a necessidade global de novos e maiores suprimentos de energia".

Mais uma vez os gabaritados membros da Comissão, mentes lúcidas e brilhantes, sumamente preocupados pelo estado do meio ambiente mundial ficaram encasulados dentro da visão cartesiana não enxergando que o que deve ser mudado é o modelo energético (dentro do modelo maior que envolve a sociedade toda). Este novo modelo energético deveria ser estruturado a partir de uma pergunta muito simples: como e para que gastamos energia? Um ponto de início, muito objetivo e concreto seria criar tarifas diferenciadas de energia segundo seu uso (por ex: produção de alimentos, mais barata; de eletrodomésticos valor intermediário; produtos supérfluos: tarifa bem alta). Outra medida é substituir tecnologias esbanjadoras (por exemplo agricultura agroquímica) por tecnologias poupadoras (por exemplo agricultura ecológica, orgánica). Isto envolve uma discussão séria sobre tecnologias socialmente apropriadas. (Ver item 1.3.3).

Novamente volta aqui a necessidade de discutir os valores humanos, para que os diversos setores sociais, depois de uma ampla discussão, os absorvam como o novo paradigma de vida. é neste ponto que os outros modelos específicos, como o energético poderão se desenvolver sob o peso potente da opinião pública e assim viabilizar o desenvolvimento sustentável e do meio ambiente e não contra eles.

1.2.5 - PROPOSTA DE MUDANÇAS

1.2.5.1 - Institucionais e Legais

Estas propostas correspondem ao relatório Brundtland envolvendo seis áreas prioritárias que representam as principais diretrizes da mudança institucional e legal necessárias à transição para o desenvolvimento sustentável.

Elas são:

a)   Descobrindo as origens. Subdivide-se em:

·       Políticas e instituições nacionais. As nações devem tomar consciência do caráter interdependente dos problemas ambientais, sendo que os objetivos do desenvolvimento sustentável deveriam ser incorporados às atribuições dos comitês executivos e legislativos que lidam com políticas e planejamentos econômicos setoriais, nacionais e internacionais, arcando com maiores responsabilidades na programação de um desenvolvimento ecológico e economicamente sustentável.

·       Ação regional e inter-regional. As organizações que mexem com este tipo de ações devem ser fortalecidos mas em certas áreas e sobretudo em países em subdesenvolvimento será necessário criar novos programas. é preciso criar, nessas organizações, estatísticas econômicas e ambientais comparáveis a partir de uma metodologia comum, levantamentos básicos de qualidade e quantidade de recursos comuns, e dispositivos de alarme rápido a fim de reduzir riscos ao meio ambiente e ao desenvolvimento.

·       Instituições e programas globais. Aqui se faz referência à necessidade de que todos os organismos e agências internacionais das Nações Unidas deveriam assumir a responsabilidade de garantir que seus programas e orçamentos estimulem e apoiem políticas e práticas de desenvolvimento sustentável. Por sua vez, na Assembléia Geral da ONU, os governos devem tomar as providências necessárias para reforçar a autoridade e a responsabilidade do Secretário Geral da ONU quanto à coordenação e cooperação geral entre as agências, com vistas e alcançar especificamente o desenvolvimento sustentável. Por sua vez cada agência precisa dispor de um centro de liderança de alto nível, que deve ser fornecida pelo Secretário-Geral da ONU, quem poderá instituir - sob sua direção - uma junta especial das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável.

b)   Lidando com os efeitos através das seguintes atividades:

Basicamente trata-se de fortalecer a capacidade e as funções das agências de proteção ambiental e de administração de recursos já existentes. Isto envolve agências nacionais, bilaterais, multilaterais, ONGs, etc e especialmente o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). No caso do PNUMA o Relatório propõe que este Programa seja reformulado em suas principais prioridades e funções, tendo como principal responsabilidade todo o que seja tocante ao desenvolvimento sustentável, sendo o PNUMA a principal fonte de dados, avaliações e relatórios sobre o meio ambiente, e de apoio à administração ambiental e seria também o principal defensor e agente de mudanças e de cooperação no tocante a questões críticas de proteção de proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. Também caberia ao PNUMA ser a principal fonte mundial quanto à orientação da agenda global de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico e para proteção do meio ambiente.

c)   Avaliando os riscos globais.

Segundo Urguhart e Heilmann (1984) "O futuro - mesmo que sustentável - será marcado por um risco cada vez maior". Por outra parte "os riscos ligados a novas tecnologias estão aumentando" (Schweigmaun, 1981) e o mesmo ocorre com "o número, a freqüência e o impacto de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem" (Wikjmen e Timberlake, 1984).

Frente a esta situação altamente problemática, a capacidade de monitorar e mapear a alteração da Terra assim como avaliar constantemente os riscos envolvidos implica numa concentração de esforços para assegurar o acesso de todas as nações às novas tecnologias hoje disponíveis para esses fins.

Os governos, individualmente ou em conjunto, assim como algumas organizações internacionais tais como a FAO, a União Meteorológica Mundial, o PNUMA, etc, terão que assumir grande responsabilidade em relação à coleta e uso sistemático das informações correspondentes. Instituições não-governamentais tais como a IUCN (e outras) também tem um papel importante a desempenhar.

O Relatório propõe a criação de um Programa Global de Avaliação de Riscos que não demandaria a criação de uma nova instituição internacional pois atuaria mais como um instrumento de cooperação entre as organizações já existentes (nacionais, internacionais, não-governamentais, científicas, empresariais). Este programa deveria ser de natureza claramente interdisciplinar, com um grupo de direção composto por nomes eminentes que, juntos, representariam uma ampla inter-relação dos principais áreas de conhecimentos, vocações e regiões do mundo e também dos principais organismos que atuam nesse campo. Este é um enfoque claramente holístico: integrar as partes e o todo.

d)   Fazendo opções com base segura

Segundo os autores do Relatório sua elaboração deixou claro que a transição para o desenvolvimento sustentável exigirá uma série de escolhas de políticas públicas, inerentemente complexas e politicamente difíceis. Reverter as políticas de desenvolvimento não-sustentável, em nível nacional e internacional demandará muito esforço no sentido de informar o público e garantir seu apoio. Sob este aspecto, a comunidade científica, os grupos privados e comunitários, assim como as ONGs desempenharão um papel fundamental.

As principais sugestões são:

·       Ampliar a participação da comunidade científica e das organizações não-governamentais (ONGs). Conclui-se que ambos setores necessitam maior reconhecimento por parte dos governos assim como um apoio financeiro muito maior.

·       Maior cooperação com a indústria. As indústrias - dos mais diversos tipos - estão colocadas num ponto crítico envolvendo pessoas afetadas por um lado e ações ambientais negativas por outro. A mudança de postura tocante à redução gradual destas ações passará a ser um elemento crucial na transição em direção ao desenvolvimento sustentável. As indústrias e os governos precisam - segundo o Relatório - trabalhar de forma mais interligada.

Os empréstimos bancários têm um papel fundamental neste processo, devendo se estimular aqueles investimentos que tivessem o desenvolvimento sustentável como objetivo claro e transparente.

e)   Fornecendo os meios legais

Diz o Relatório: "Tradicionalmente, o direito nacional e internacional estão em atraso em relação aos fatos. Hoje, os regimes legais estão sendo rapidamente superados pelo ritmo acelerado e pela escala crescente dos impactos sobre a base ambiental do desenvolvimento. As leis têm de ser reformuladas para que as atividades humanas possam continuar em harmonia com as leis imutáveis e universais da Natureza". Percebe-se nesta última frase um toque de humildade e modéstia do ser humano frente a grandiosidade do Universo, bem mais perto dos sentimentos de culturas não-ocidentais (como a indiana e a dos índios americanos imortalizados estes últimos nas palavras do chefe Seatle) que do arrogante cientificismo ocidental. Isto deve ser conseqüência da composição da comissão, onde a metade de seus membros eram não ocidentais.

As principais medidas a serem adotadas seriam as seguintes:

·       Reconhecer e respeitar os direitos e responsabilidades recíprocos das pessoas e dos Estados, relativos ao desenvolvimento sustentável.

·       Criar e aplicar novas normas para o comportamento individual e recíproco dos Estados, relativos ao desenvolvimento sustentável envolvendo uma declaração e uma convenção universal sobre estes assuntos.

·       Fortalecer e ampliar a aplicação das leis e acordos internacionais já existentes em favor do desenvolvimento sustentável.

·       Reforçar os métodos existentes e criar novos procedimentos para evitar e resolver disputas relativas ao meio ambiente.

é importante mencionar que na audiência pública da Comissão realizada em Oslo em 24-25 de junho de 1985 o Dr. Stanley Clinton Davis, Membro da Comissão para o Meio Ambiente da Comunidade Européia, coloca os quatro pontos que ele acha fundamentais para atacar os problemas ambientais. Os três primeiros são: desenvolvimento econômico contínuo; conciliação deste com a proteção ambiental e a convicção de que a aplicação de padrões ambientais estritos favorece simultaneamente o meio ambiente e o crescimento econômico. Mas o quarto ponto é o que nos interessa no momento: os três anteriores são bases para o desenvolvimento sustentável, boas condições ambientais e padrões de vida razoáveis para todos. Mas seu atingimento requer "mudanças muito acentuadas de atitudes".

Mas o Relatório Brundtland tão completo, convincente e abrangente em muitos outros aspectos escorrega reiteradamente no assunto vital denominado "comportamento humano e mudança de atitudes". Este assunto será discutido com algum detalhe no sub-item 1.2.6.2.

f)    investindo em nosso futuro

O Relatório diz que durante todo seu percurso tem tentado "mostrar que adotar políticas viáveis para o meio ambiente faz sentido, a longo prazo, do ponto de vista econômico. Mas é possível que a curto prazo sejam necessários grandes gastos financeiros em campos tais como o do desenvolvimento de energia renovável, equipamentos de controle de poluição e desenvolvimento rural integrado. Para tanto, os países em desenvolvimento precisarão de assistência maciça e mais generalizada, para reduzir a pobreza. Atender a essa necessidade financeira agora significa fazer um investimento coletivo no futuro". O papel das instituições internacionais tais como o Banco Mundial, é absolutamente chave nestes aspectos.

Neste capítulo do Relatório há algumas contribuições significativas oriundas de depoimentos em audiências públicas da Comissão. Por exemplo, na realizada em Brasília em 30 de outubro de 1985, o Dr. Aristides Marques, do Conselho Nacional para o Desenvolvimento Urbano diz: "é preciso haver uma verdadeira participação de toda a sociedade no processo decisório e mais particularmente na alocação de recursos. Por que? Porque todos nós temos plena consciência de que nunca haverá recursos suficientes para tudo o que desejamos" (pois temos uma indústria publicitária que nos bombardeia direta ou sublimanarmente com uma montanha de coisas que "precisamos" possuir, pois do contrário podemos ser classificados como seres de outro planeta) "mas se a população participar da tomada de decisões, beneficiará os mais necessitados e lhes permitirá dizer o que pensam sobre a alocação de recursos e isto nos dará a certeza de que o que está sendo feito representa a legítima aspiração do povo".

Já Per Lindblom, da Federação Internacional de Instituto de Estudos Avançados, na audiência pública realizada pela comissão em Oslo em 24-25 de junho 1985 diz: "os problemas de hoje não vêm com uma etiqueta - energia, economia, CO2 ou demografia - nem como um rótulo indicativo de um país ou região. Os problemas são multidisciplinares, transnacionais ou globais. Os problemas não são basicamente científicos ou tecnológicos. Na ciência temos o conhecimento; na tecnologia, os instrumentos. Os problemas são basicamente políticos, econômicos e culturais". Portanto, é claro, não poderão ser abordados apenas com um enfoque cartesiano linear, analítico e racional que privilegia as partes e minimiza o Todo. Em conseqüência o enfoque realístico da problemática mundial só poderá ser feito através do paradigma holístico onde o edifício inteiro (o todo) é primeiro considerado e só depois, não só suas partes constitutivas (para trabalhar com as quais o enfoque cartesiano continua sendo válido) e sim e sobretudo as interações entre aquelas, são levadas em conta.

Nesse marco referencial a compreensão do que é o ser humano, qual é seu verdadeiro papel neste planeta, que tipo de efeitos seu comportamento tem produzido até agora e como poderemos trabalhar para mudá-lo se queremos modificar aqueles efeitos, passam a ser assuntos de interesse prioritário e fundamental. Pois eles serão os alicerces para qualquer mundo futuro que seja desejável criar. é neste ponto que o Relatório Brundtland fraqueja.

1.2.5.2 - O ser humano: o sucesso do desenvolvimento sustentável depende

basicamente de seu comportamento

Como já foi mencionado, o Relatório Brundtland representa um grande esforço da comunidade internacional no tocante à relação entre meio ambiente e desenvolvimento e as possíveis soluções para sua integração harmônica. é um trabalho sério, muito bem documentado, envolvendo personalidades de alto-nível mundial em suas respectivas áreas. A composição da Comissão reflete claros critérios de interdisciplinariedade e de distribuição regional com predomináncia de representantes do Terceiro Mundo.

Trata-se pois de uma contribuição de inegável valor. Entretanto e apesar de seu enfoque geral amplo, com preocupação explícita pelas interligações entre as causas, fenômenos e problemas relacionados com o desenvolvimento sustentado, o Relatório contém ranços de mecanicismo e cientificismo que atrapalham uma abordagem mais profunda de um assunto tão complexo.

Por exemplo, todas as propostas apresentadas pelo Relatório e resumidas no item 1.2.5.1. são seguramente corretas, úteis e necessárias e deverão ser implantadas o mais rápido possível. Mas elas só abarcam o espectro físico e mental do ser humano, conduzindo a uma espécie de cartesianismo modernizado onde as interligações são reconhecidas como importantes. Entretanto a outra metade do ser humano, constituída pelo espectro emocional e espiritual é praticamente desconsiderada. Isto significa claramente que temos aqui um problema básico: o paradigma com o qual vamos enfrentar a situação.

Essa é precisamente a falha principal do Relatório Brundtland segundo nossa ótica. Percebe-se claramente a falta de uma visão holística; parece que tudo pode ser resolvido com projeções quantitativas, análises racionais e tecnologias avançadas. é verdade que a realização de audiências públicas deu oportunidade de participação a muitas pessoas, mas as colocações destas que escapavam à quadrícula da Comissão tiveram pouco peso na elaboração final do trabalho.

Do ponto de vista concreto, por exemplo, o Relatório não faz ênfase na inviabilidade da sociedade de consumo atualmente entronizada, não se preocupa com quais são as necessidades atendidas e quais desatendidas (quais são reais e quais são artificiais), não analisa o uso da energia, fala muito rapidamente das tecnologias alternativas, socialmente apropriadas. Ou seja dá a impressão que o sistema produtivo tal como está organizado hoje é indiscutível e o que temos que preocuparmos é com os excessos que inviabilizariam o próprio sistema a médio prazo. Para isto será necessário conservar energia, desenvolver novas tecnologias poupadoras, racionalizar certas atividades produtivas etc. Mas não há propostas ousadas de mudanças, que estamos precisando urgentemente. Talvez isto aconteceu porque uma comissão integrada por pessoas - em grande parte políticos - de 21 países com diferentes línguas, culturas e problemas tiveram que transacionar em propostas tipo "arroz com feijão".

Mas é fato que inclusive para efetivar as propostas formalmente feitas no Relatório é necessário um ingrediente básico, apenas roçado no mesmo: Trata-se de vontade social. Com efeito, para fazer do desenvolvimento sustentável uma realidade nas primeiras décadas do século XXI é necessário 'incendiar' a sociedade com a idéia de que ele é uma necessidade imperiosa, inadiável e imprescindível. E esse 'incêndio' não ocorrerá por efeito de pesquisas científicas (que o ajudarão mas não o desencadearão), por resoluções de reuniões internacionais ou por decisões de políticos executivos e legislativos. O 'fogo' necessário para levar a este 'incêndio' só tem material combustível suficiente a nível das comunidades humanas. E este 'fogo' só pode ser provocado pela educação integral.

é surpreendente que um Relatório tão detalhado e volumoso (são 430 páginas) não mencione quase o problema de educação, não apenas da básica e sim do que podemos chamar de educação integral. Entendemos por educação integral uma vigorosa corrente de mudanças que implica como ponto de partida a clara percepção de que precisamos um novo modelo de sociedade, de modo de vida, de interrelacionamento humano. é dentro deste modelo que o desenvolvimento sustentável terá seu lugar reservado e onde será possível que ele funcione naturalmente, porque o entorno será perfeitamente compatível em suas premissas essenciais.

Uma vez que esteja clara a percepção da necessidade imperiosa de um novo modelo - baseado na qualidade de vida e não no nível de vida - temos que preocuparmos com a instrumentação a ser utilizada: o paradigma holístico, que não elimina o anterior - cartesiano - mas o integra num conjunto mais amplo utilizando-o nas circunstáncias apropriadas, tal como o estudo das partes. Não se trata pois de "descartesianizar" e sim de incorporar o bom do cartesianismo num esquema maior.

As diferenças básicas entre os dois paradigmas radica em que o cartesianismo privilegia os aspectos mentais do homem e os aspectos físicos do homem e da Natureza, assim como das unidades - partes que compõem tanto a um como a outra. O paradigma holístico não rejeita isto, apenas que o considera como metade da realidade a ser trabalhada. Com efeito o ser humano tem mais duas dimensões: a emocional e a espiritual e o universo é composto por holons que não são apenas "partes" e sim "partes" e "todos" simultaneamente, dependendo do nível em que são observados. Isto leva à percepção irresistível de que primeiro devemos examinar o "Todo" antes de passar às "partes" e que a interrelação e interdependência entre "partes" e "Todo" é absolutamente essencial.

Dito de outra forma: é necessário que os estudos e pesquisas científicas continuem sendo feitas, mas não podemos confiar em que a solução dos problemas, entre eles o do desenvolvimento sustentável ocorra quase automaticamente a partir delas, entre outras coisas porque há profundos interesses econômicos, políticos e regionais que interferem na aplicação das descobertas científicas. Por outro lado, mais de 90% da produção científica está no Hemisfério Norte do qual somos colônias econômicas. Num mundo cartesiano, a quem vão beneficiar os resultados dessas pesquisas: ao mundo inteiro ou aos detentores desse poder?

Não em vão Botkin, Malitza e El Mandjra do Clube de Roma em seu conhecido livro: "O dilema da humanidade" disseram: "O ser humano precisa tomar seu destino em suas próprias mãos em vez de deixar se arrastar pelos acontecimentos. Para isso é necessário abandonar a confiança cega nos centros de poder computadorizados da política, da economia e da ciência e restabelecer a fé nas capacidades do ser humano".

Isto significa que não só o sucesso da implantação do desenvolvimento sustentável e sim a própria sobrevivência do homem na Terra dependem sobretudo da autopercepção de seu próprio potencial interior, assim como de sua relação deste potencial com as forças vitais do Universo. é por isto que a mudança de paradigma, apoiada numa educação integral constitui um assunto cuja abordagem torna-se essencial na atualidade, passando a se constituir num problema crítico ignorado pelo Relatório.

Em resumo, o aspecto básico que queremos salientar é que o ser humano, se deseja sobreviver como espécie, precisa mudar radicalmente seu comportamento, suas atitudes, sua escala de valores. Para que isto aconteça é necessário que seja desenvolvida uma educação integral que extrapolando os conhecimentos técnico-científicos usualmente fornecidos pelas instituições de ensino envolva novos elementos relacionados com o paradigma holístico.

Isto implicará na necessidade de estimular uma vigorosa corrente de pensamento e sentimento no seio da humanidade, pautada no novo paradigma que permita às novas (e às velhas) gerações perceberem e vivenciarem valores humanos bem acima dos atualmente prevalecentes tais como a cobiça, a gananciosidade, a frivolidade e o consumismo. Não podemos esperar que isto seja organizado pelos "centros de poder computadorizados da política, da economia e da ciência" envolvidos em atividades centralizadoras e concentradoras de poder. Felizmente na medida em que a evolução do hemisfério direito do homem vá se processando de forma cada vez mais acelerada também vai abrindo-se um espaço maior para que as pessoas refinem suas percepções e se conscientizam da necessidade de transitar através do enfoque holístico. Ferguson (1980) afirma que a nova tendência do ser humano é criar "redes", ou seja organizações flexíveis, descentralizadas e criadas espontaneamente cujo objetivo é abordar algum problema sentido e elaborar ações para sua solução. Estas "redes" se podem interligar criando "SPIN" (associação de redes). O título do livro de Ferguson é "Conspiração Aquariana", que seria um "SPIN" de "SPINs", ou seja uma interligação descentralizada de todas as "redes" existentes no mundo. Esta "conspiração" não tem chefe nem líder e será a forma de expressão de um patamar mais elevado de conscientização humana. Presumimos que o fator comum desta "conspiração" é o paradigma holístico, alicerce essencial da educação integral.

é importante frisar que o paradigma holístico, envolvendo uma discussão explícita dos valores humanos e precursor de uma nova idealística não tem ainda um corpo doutrinário perfeitamente definido (talvez nunca o tenha), sendo integrado basicamente por orientações, rumos e conceituações fundamentais. Cada ser humano precisa deixar de ser apenas um xerox onde se registram as decisões dos centros de poder; precisamos é, cada um de acordo com sua história, suas tendências e suas pontencialidades específicas, caminhar em direção ao rumo certo, aquele que os mestres espirituais de todos os tempos sinalizaram para o ser humano. Para isso precisamos exercer nossa responsabilidade de agir, escolhendo aquele caminho que nossa individualidade achar mais conveniente. Assim alguns serão pedreiros, outros serão professores e outros serão comerciantes, mas o importante é que cada um contribua com o seu grão de areia para um mundo melhor, o que implica, entre outras coisas, fazer com que o desenvolvimento seja sustentável.

Este tema é muito profundo e necessitaria um livro inteiro para sua expansão completa. Entretanto deve ficar claro que uma proposta fundamental a ser acrescentada às feitas pelo Relatório é estimular, por todos os meios possíveis, a difusão de uma educação integral baseada no paradigma holístico.

Um programa introdutório de assuntos a serem abordados poderia ser o seguinte:

a)   O que significa compreensão holística?

b)   A filosofia holística como princípio de vida.

c)   As potencialidades internas do ser humano.

d)   A convergência entre a ciência mais avançada e a espiritualidade.

e)   Enfoque holístico e Ciência.

f)    Enfoque holístico e Educação.

g)   Enfoque holístico e uma necessidade vital básica: Alimentação.

h)   Enfoque holístico, ecologia e desenvolvimento econômico.

Num passo mais avançado, a educação integral deverá ser concentrada na preparação das bases para a nova idealística do século XXI que poderia ser chamada de Qualidade Total da Vida Humana. Esta nova idealística envolve três etapas sucessivas:

a)   Teoria: elaboração de um novo sistema de valores, envolvendo os seguintes aspectos:

- Radiografia da sociedade humana atual

- Abordagem holística dos problemas

- Os grandes problemas de natureza individual

- Os grandes problemas de natureza coletiva

- Os novos ideais a serem forjados

b)   Prática: aspectos operacionais do novo sistema de valores, envolvendo os seguintes aspectos:

- Os recursos objetivos do ser humano

- Os recursos subjetivos do ser humano

- O ser humano integrado

c)   Além do tangível: o mundo interior do homem e seu contato com os mundos superiores

Aqui a abordagem prevalecente deverá ser de natureza espiritual básica sem envolver-se com religiões específicas.

1.3 - CONCEITOS BÁSICOS SOBRE QUALIDADE TOTAL

1.3.1 - Uma Visão Ecossistêmica da Qualidade Total

A partir do Capítulo 3 será estudada em forma detalhada a Gestão da Qualidade Total. Entretanto, no momento precisa-se fazer alguns comentários sobre uma abordagem especial proposta pelo autor.

Esta visão implica numa forma diferente de ver as organizações em sua relação com o resto da sociedade. Esta forma é de natureza ecossistêmica ou holística, ou seja, se muda do conceito de empresa "ilha" ou "fortaleza" para o de "empresa-componente do ecossistema social", no qual para que o equilíbrio se mantenha, é necessária uma troca equilibrada de contribuições e recompensas. Essa visão ecossistêmica tem um horizonte de longo prazo: em lugar de "maximizar os lucros", o enfoque é de "otimizar o bem-estar social". Agindo desta forma, através da ênfase na qualidade e na interação positiva com os outros parceiros, o lucro acabará - como conseqüência - sendo maximizado. Vejamos como isso ocorre.

Os outros componentes da empresa, que também são componentes do ecossistema social, formam parte essencial do conceito de Qualidade Total, pois através de fecunda interação com eles é que os objetivos colimados serão atingidos. Eles são fundamentalmente, os seguintes: consumidores (a empresa deve dirigir seus esforços a identificar e atender as necessidades dos mesmos, não como acontece geralmente na atualidade - simplesmente empurrar-lhes os artigos produzidos); empregados (aqui a ênfase precisa ser colocada na gestão participativa, na remuneração adequada e no crescimento do ser humano na empresa); a comunidade (precisa ser atendida através do exercício da responsabilidade social traduzida na forma de proteção ambiental, entre outras alternativas); fornecedores (os quais devem ser muito bem selecionados e estes, serem auxiliados em seu desenvolvimento; a confiança deve substituir a desconfiança). (Ver Tabela 1)

Sem dúvida, neste marco referencial devem ser incluídos os acionistas, os quais, integrados harmonicamente com os outros parceiros terão mais a ganhar, porque o sistema - tomado como conjunto - terá sido otimizado assim como os setores do subsistema representado pela empresa.

PARCEIROS

CONTRIBUIÇÕES

RECOMPENSAS ESPERADAS

·       ACIONISTAS

·       Capital

·       Lucros e Dividendos

·       Preservação do Patrimônio

·       CLIENTES

·       Dinheiro

·       Novas demandas

·       Produtos de boa qualidade

·       Produtos de preço razoável

·       Produtos duráveis

·       EMPREGADOS

·       Mão-de-obra

·       Criatividade

·       Conhecimentos técnicos

·       Salários justos

·       Segurança e boas condições trabalhistas

·       Enriquecimento das tarefas

·       Participação nas decisões

·       Treinamento e educação

·       COMUNIDADE

·       Infraestrutura física

·       Sistema educacional

·       Sistema de saúde

·       Responsabilidade social

·       Proteção ambiental

·       Melhoria da qualidade de vida

·       FORNECEDORES

·       Matéria-prima

·       Lealdade nos negócios

·       Pagamento em dia

·       CONCORRÊNCIA

·       Competência honesta

·       Referencial de mercado

·       Lealdade na concorrência

·       GOVERNO

·       Suporte institucional, político e jurídico

·       Obediência às leis

·       Pagamento de taxas e impostos

·       EMPRESA

·       Atendimento às necessidades da sociedade através da produção de bens e serviços de boa qualidade a preços razoáveis

·       Geração de empregos (com salários razoáveis e boas condições de trabalho)

·       Cumprimento de sua responsabilidade social

·       Lucros

·       Permanência no mercado

·       Crescimento da comercia-lização de seus produtos e/ou serviços (prosperidade)

·       Imagem altamente positiva

TABELA 1 - ECOSSISTEMA SOCIAL AO QUAL PERTENCEM AS EMPRESAS

Não haverá pois entraves, conflitos ou seccionalismos de grande porte. Desta forma, os lucros ditos otimizados, poderão atingir um nível mais alto que no caso de uma suposta "maximização" míope, na qual se estrangulava o funcionamento do sistema a longo prazo, para privilegiar a curto prazo um único segmento social: o capital, através de um suicida "jogo zero", onde se um ganha (o capital) os outros perdem (trabalhadores, consumidores, sociedade). Já a Qualidade Total é um "Jogo não Zero" onde todos os participantes podem ganhar.

De uma maneira prática e bem compreensível, a Qualidade Total se manifesta através de uma redução drástica dos produtos defeituosos. Se lembrarmos que a média nacional de defeitos industriais no Brasil é de 15 mil (ou 15.000 por milhão) e se compararmos com a média da Europa ou Estados Unidos, que é de 200 por milhão, ficará claro qual é o caminho obrigatório para atingir uma boa produtividade (esse caminho não é outro que a Qualidade Total). Não queremos colocar aqui a média de defeitos do Japão para não assustar, mas é muito inferior à correspondente a norte-americanas e europeus.

No caso particular da Agricultura, por exemplo, o péssimo estado da qualidade no Brasil em vários níveis, fica facilmente patenteado através de apenas algumas informações numéricas tais como as seguintes:

·       A produtividade do feijão que era de 812 Kg por ha no período de 1938-45, caiu a 567 Kg em 1995! (E o feijão é a principal fonte protéica do povo brasileiro).

·       Só comparando os anos 1985-87, com 1975-77 (dez anos) a disponibilidade de feijão em Kg per capita caiu a 71,2% e a mandioca a 71,6%!

·       Durante o período 1970-80, o consumo de fertilizantes multiplicou por 4 e a produtividade aumentou apenas 19%!

·       Durante o período 1958-76, o número de pragas principais, que era de 193, triplicou passando para 600, apesar que nesse período aplicaram-se quase 2 milhões de toneladas de agrotóxicos a um custo de 10 bilhões de dólares.

·       A produtividade do leite no Brasil (800 L./vaca/ano) é 12% da maior produtividade mundial (6.800 L./vaca/ano), nos EUA. Por outra parte, nossos vizinhos do Mercosul estão com produtividade de 2,5 a 3 vezes superior. Por exemplo, a Argentina produz 2.100 L./vaca/ano e o Uruguai quase 2.600 L./vaca/ano.

·       Por outro lado, o Brasil está reconhecido como maior esbanjador mundial de hortigranjeiros: 40% da produção = 10 milhões de toneladas - 5 bilhões de dólares!

1.3.2 - Aspectos Filosóficos da Qualidade Total

Os conceitos relativos à Qualidade Total tem-se expandido notavelmente no seio da sociedade nacional. Assim, empresas industriais, produtores rurais e prestadoras de serviços da mais variada natureza, incluindo lojas de comida a quilo, apregoam que seus produtos e serviços seguem aquela nova orientação.

Mas do mesmo modo que as escrituras bíblicas nos falam que é necessário "separar o joio do trigo", na nossa vida moderna é imprescindível separar os modismos ou "jargões", ou seja, os embrulhos das coisas, de seu verdadeiro conteúdo. Assim a palavra transparência, feita famosa pelo Prêmio Novel Gorbachev, passa a ser um ponto de referência obrigatório.

Em termos de Qualidade Total é importante salientar que ela compõe-se de duas vertentes básicas: uma técnica, metodológica e outra humanística. Só de um casamento perfeito de ambas é que a Qualidade Total terá condições de ser reconhecida como Autêntica. Entretanto poderão surgir - e estão surgindo - versões falsas da mesma; nestes casos agentes interessados só se preocupam com maquiar os novos conceitos sem aprofundá-los.

Esta situação leva a uma distorção muito séria que é necessário primeiro assinalar, depois enfrentar e finalmente superar. Para que isto possa ser feito sem delongas, devem-se colocar bem à luz do dia os conceitos essenciais de Qualidade Total em relação com o crescimento do ser humano, porque é ele que vai usar as técnicas e metodologias específicas.

é preciso que o homem - através de uma dosagem equilibrada de criatividade e ética - conduza o processo e não que seja conduzido por ele. Para que isto possa acontecer, a aceleração do desenvolvimento da consciência humana deverá tornar-se o fator chave.

Isto é válido para qualquer atividade humana. Trata-se de uma filosofia geral que deve impregnar nossas ações em todos os níveis e campos de atuação: nas relações com os fornecedores de suprimentos básicos, com os empregados, com a sociedade, com os clientes, entre organizações, entre comunidades, entre pessoas.

Abordagens mais aprofundadas sobre este assunto podem ser consultadas no livro do autor (Bonilla, 1994 a) onde se discute um novo conceito: Qualidade Total Autêntica.

Qualidade Total é o novo instrumento que a sociedade em geral e as organizações públicas e privadas em particular dispõem para ingressar na nova era marcada pelo advento do Terceiro Milênio. A atual década de 90 é o fermentário, o laboratório, o cadinho onde se cristaliza a compreensão profunda acerca do significado daquele conceito.

Qualidade Total, como toda idéia importante, não pode ser enclausurada numa definição fechada. Ela é - por sua própria natureza - dinámica, multifacética, expansiva. Seu significado está sempre em aberto, incorporando novos desenvolvimentos, novas abrangências, novos desafios.

Contudo, é necessário colocar a idéia de Qualidade Total em termos concretos para que possa ser compreendida. A melhor forma de fazer isto talvez seja partir da linguagem técnica mostrando assim o primeiro círculo do assunto. Nessa abordagem, Qualidade Total seria uma ferramenta, um instrumento, uma metodologia ou como diz o prof. Falconi, uma "estratégia para resolver problemas". Mas também será necessário perceber um segundo círculo, onde os aspectos humanos têm primazia; vista deste ángulo, Qualidade Total é um modo de viver, de modo que o centro dela é deslocado do seio de cada organização específica para o seio da sociedade humana. Propomos assim uma abordagem holística da Qualidade Total, onde os métodos e as técnicas fornecem um caminho definido e seguro; mas esses caminhos precisam ser percorridos e desta forma perpassar pela pele, pela mente, pelo coração e pela alma dos seres humanos que habitam este planeta.

Assim, a idéia de que através da Qualidade Total as organizações serão capazes de assegurar sua sobrevivência e construir sua prosperidade é o edifício visível de uma concepção mais elevada, qual seja iniciar o resgate do homem através de um modo de viver assentado na coerência, na transparência e na cooperação como vias para atingir o cume das aspirações humanas: a auto-realização. Isto, é verdade, representa a visão antipódica da sociedade humana como ela hoje se apresenta: atolada no egoísmo, no fisiologismo, na gananciosidade e na exploração.

Partes: 1, 2, 3


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