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Considerações sobre o artigo 236 do Código Electoral (página 3)

Cláudio da Silva Leiria
Partes: 1, 2, 3

Por parte de muitos candidatos denúncias inverídicas, visando proveito eleitoral, são feitas, tentando gerar uma situação que, manipulando o sistema de justiça, possa ensejar a prisão de candidatos da facção adversária.

6) prisões provisórias indevidamente decretadas no período eleitoral poderiam influenciar o resultado das eleições. Pense-se no impacto que poderia ter perante o eleitorado a prisão de um candidato a cargo eletivo às vésperas da eleição. Poderia significar uma derrota certa e redução significativa de votos para os demais candidatos de seu partido ou coligação, mediante maliciosa e demagógica exploração do fato pelo partido adversário. O mesmo se diga de prisão de influente cabo eleitoral.

7) a vedação à prisão no período eleitoral também contribuiu para que o resultado das eleições não seja posto em dúvida. É importante fator de legitimação do pleito. Uma eleição tumultuada, com um grande número de prisões no período, algumas de impacto devido à notoriedade do preso, podem fazer a população acreditar em manipulação e resultados viciados.

Em outras palavras, de nada adiantaria termos um processo eleitoral com lisura se a população não acreditasse que foi assim de fato.

Considerando tais motivos, o entendimento dos doutrinadores referidos nos itens 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4 reduz de forma drástica a garantia eleitoral da vedação à prisão, tão necessária ao efetivo exercício da cidadania.

Como ensina GILMAR MENDES, ‘as decisões fundamentais do legislador, as suas valorações e os objetivos por ele almejados estabelecem também um limite para a interpretação conforme a Constituição. Não se deve conferir a uma lei com sentido inequívoco significação contrária, assim como não se devem falsear os objetivos pretendidos pelo legislador" (2005, p. 290).

Cabe, então, uma indagação. Haverá situações em que a prisões preventivas e temporárias poderão ser decretadas no prazo do artigo 236 do Código Eleitoral? As garantias eleitorais do direito ao voto prevalecerão sempre quando em confronto com outros direitos fundamentais? Haverá forma de compatibilizá-los?

6. Colisão de direitos fundamentais

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que os direitos fundamentais não são intocáveis e absolutos. Como o homem vive em sociedade, estando em contato permanente com seu semelhante - que também goza de direitos e garantias -, natural que surjam situações de conflitos e choques entre esses direitos.

Tem-se colisão ou conflito de direitos sempre que a Constituição proteja, ao mesmo tempo, dois valores ou bens que estejam em contradição em um caso concreto.

Conforme CANOTILHO, uma colisão autêntica de direito fundamentais ocorre quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular .

No tema que se trata, evidencia-se uma colisão entre direitos da coletividade (segurança pública, manutenção da ordem pública, efetividade do processo penal) e o direito do particular ao voto.

Em situações como essas, sempre é importante relembrar a seguinte lição do Supremo Tribunal Federal: "A lei deve ser interpretada não somente à vista dos legítimos interesses do réu, mas dos altos interesses da sociedade, baseados na tranqüilidade e segurança social23".

Respeitados os entendimentos em sentido contrário, em determinadas situações é de se permitir a decretação de prisões cautelares (temporárias e provisórias) nos prazos do art. 236 do Código Eleitoral, sacrificando-se parcialmente o direito individual.

Um exemplo: a prisão temporária pode ser decretada quando imprescindível para as investigações policiais e quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. NUCCI refere: "esses dois elementos permitem a correta qualificação do suspeito, impedindo que outra pessoa seja processada ou investigada em seu lugar, evitando-se, por isso, o indesejado erro judiciário. Aquele que não tem residência (morada habitual) em lugar determinado ou não consegue fornecer dados suficientes para o esclarecimento da sua identidade (individualização como pessoa) proporciona insegurança na investigação policial" (p. 659-660).

Um outro caso em que a segregação cautelar se faz necessária, em detrimento do direito de voto, é quando o acusado está ameaçando ou aliciando as testemunhas de um processo criminal. Se atingir o seu intento, a persecução penal (de interesse de toda a sociedade) restará prejudicada e a impunidade será alcançada.

A possibilidade iminente de fuga de um acusado de crime também é motivo suficiente para que, em certos casos, se possa relativizar a regra de proibição à prisão no prazo do art. 236 do CE. O mesmo se diga de crimes que abalam a ordem pública, seja pela grande repercussão do fato ou pela extrema periculosidade do agente.

Veja-se a lição de MIRABETE: "Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Mas o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão" (fl. 690).

Indaga-se: um atentado contra vida de policial civil ou militar em serviço não causa abalo à ordem pública? Os vários atentados cometidos por membros do PCC (organização criminosa Primeiro Comando da Capital) contra as forças policiais, em sendo realizados dentro do período eleitoral, não justificariam uma prisão cautelar, presentes os pressupostos para sua decretação? Um maníaco sexual que violentasse e matasse indefesas crianças dentro do período eleitoral, mesmo sendo confesso, não poderia ser preso provisoriamente durante esse período em razão de não ter havido a situação de flagrância?

Por evidente, os fatos acima narrados ensejariam o sacrifício do direito individual, até mesmo porque é preciso preservar a credibilidade da justiça perante os jurisdicionados. A população com inteira razão – não entende que em casos como esses a prisão não possa ser decretada. A aceitação acrítica do dispositivo legal permitiria, por exemplo, que acusado não sentenciado, mas foragido, pudesse aparecer livremente na cidade, em franco escárnio ao sistema de justiça, minando sua credibilidade e corroendo a confiança do povo nas instituições.

Em uma sociedade complexa como a nossa, é cada vez maior a tensão entre os direitos fundamentais do indivíduo e os de interesse da sociedade como um todo: direito à segurança, efetividade do processo judicial, etc. Nestes casos, a Constituição implicitamente autoriza que o legislador e o Poder Judiciário façam restrições aos direitos fundamentais, utilizando-se do princípio da proporcionalidade.

Pelo referido princípio, quando dois princípios entram em rota de colisão porque a aplicação de um provoca redução da esfera de aplicação de outro, cabe-se determinar se essa redução é proporcional, à vista da importância do princípio atingido. Em certos casos, induvidosamente, sobrelevar-se-á o direito fundamental à segurança.

6.1. Do direito fundamental à segurança

Toda pessoa que se encontre no território do país tem direito à segurança, cabendo ao poder público promover este direito, garantindo à população o direito de ir e vir, de se estabelecer com tranqüilidade, de ter sua intimidade preservada, sem que sua integridade física, moral ou psicológica seja colocada em risco.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948, no seu artigo III, prescreve que "todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal"

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (o famoso ‘Pacto de São José da Costa Rica’), no seu artigo 7º assegura que ‘toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais’.

A Constituição Brasileira garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade – art. 5º, ‘caput’.

É absolutamente necessário que os operadores do Direito passem a enxergar que não somente o indivíduo tem direitos, mas que a coletividade pacata e ordeira precisa de ordem e segurança para levar em paz sua vida. O contrato social precisa ser protegido. O Estado tem sua razão maior de ser na proteção do todo, e não somente da da parte. Invoca-se ensinamento de SAMPAIO DÓRIA (grifos não constantes do original):

"Em verdade, o Estado, que o homem organiza, se destina ao bem do homem, e não à sua desgraça. Ninguém constrói, por exemplo, uma estrada de ferro para ser esmagado por um desastre. Nem mesmo para servi-la. Mas para se servir dela. Da mesma forma, não é para ser anulado que o homem organiza o Estado. As sociedades se formam em função dos indivíduos, e para eles. E, nas sociedades, a organização política, ou Estado, surge, mas é para garantir, igualmente, a cada um a liberdade, isto é, fazer, ou deixar de fazer, o que generalizado, não destrua, nem prejudique a vida social. Nunca para suprimir aos homens a dignidade da existência" (1962, p. 244) .

Nas condições históricas em que vivemos, a garantia do direito ao voto deve ser relativizada em prol do direito à segurança, de que é titular a coletividade inteira e não somente alguns indivíduos. O direito ao voto pode ser compatibilizado com o direito à segurança, bastando que o Estado crie meios para que o preso provisório possa ser conduzido a local de votação no dia do pleito eleitoral.

Não podemos olvidar que o Brasil tem hoje um Poder Judiciário independente, qualificado e responsável, que não decretará prisões provisórias de forma leviana ou arbitrária. E se isso acontecer, sempre haverá outras instâncias judiciais para reparar o erro.

O que não pode acontecer é ingenuamente fechar-se os olhos para a onda de violência que assola o país (fomentada pela frouxidão das leis penais) e endeusar-se os que cometem delitos graves, a ponto de lhes blindar contra prisões preventivas e temporárias nos prazos do artigo 236 do Código Eleitoral. É preciosa a lição de SCALQUETTE:

"É incontestável que a proteção dos direitos fundamentais é meio para assegurar a liberdade e dignidades humanas, mas, como vimos, por vezes, esses direitos têm que ser limitados face as situações em que o bem comum exige sacrifícios individuais para garantia da ordem pública, pois acima dos interesses individuais está o interesse da coletividade e garantir o respeito aos direitos e liberdades não pode ser entendido como pretexto para que a desordem e a instabilidade pública se instaurem (2004, p. 173) (grifo não constante do original).

Assim, é de se advogar a possibilidade de prisão provisória em situações-limite, tais como nos casos de roubo, crimes hediondos e crimes dolosos contra a vida, como se passará a ver.

6.2 Crimes hediondos, roubo e crimes dolosos contra a vida

Em linhas gerais, pode-se dizer que crimes hediondos são aqueles que se mostram repugnantes, sórdidos, asquerosos, horrendos, seja pela sua gravidade objetiva ou por seus meios de execução.

Em razão disso, a própria Constituição Federal estabeleceu regime mais rigoroso no trato com esses crimes, considerando-os inafiançáveis e vedando a graça e a anistia.

O legislador infraconstitucional não formulou um conceito de crime hediondo, preferindo aplicar o ‘rótulo’ hediondo a alguns delitos descritos no Código Penal e em leis especiais. Por expressa disposição constitucional (art. 5º, LXIII), equiparou-se a hediondos os crimes de tortura, terrorismo e o tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins.

A teor do art. 1º da Lei n.º 8.072/90, são considerados hediondos os seguintes crimes capitulados no Código Penal:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V); II – latrocínio (art. 157, § 3º, in fine); III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º); IV – extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º); V – estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); VI – atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º); VII-A (Vetado); VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei 9.677 de 2 de julho de 1998).

No parágrafo único do art. 1º da Lei 8.072/90 é prescrito que também se considera hediondo o crime de genocídio, consumado ou tentado.

A Lei n.º 8.072/90, afinada com o rigorismo exigido pela Constituição, estabeleceu outras restrições, tais como a proibição de concessão de indulto e liberdade provisória; maior tempo de cumprimento de pena (2/3) para concessão de livramento condicional; aumento dos prazos de prisão temporária para os crimes hediondos, etc.

Como magistralmente exposto por VOLNEI CORRÊA LEITE DE MORAES JÚNIOR:

...a instituição da categoria dos crimes hediondos, claramente não traduzindo um direito, certamente é uma garantia dos direitos fundamentais – à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’ (art. 5º, caput).

"Conseqüentemente, os inimigos da Lei dos Crimes Hediondos são inimigos dos direitos fundamentais, que aquela garantia resguarda, são inimigos do garantismo constitucional, são inimigos da Constituição-Cidadã. Significa dizer: são hipócritas, porque vivem a proclamar juras de amor ao garantismo, quando na verdade desejam ver abolida uma das mais eficazes garantias dos Direitos Humanos" (2003, p. VIII).

Já o delito de roubo, seja na forma simples ou qualificada, é um dos mais levam pânico à população. O cidadão de bem é ‘atormentado’ pelos assaltantes no recesso de seu lar, nos seus locais de trabalho, lazer e estudo. Em conseqüência, o cidadão restringe ao máximo as suas atividades sociais, deixando de freqüentar determinados lugares ou só os freqüentado em horários que considera menos arriscados.

A lição ainda é de VOLNEY CORRÊA JÚNIOR: " não há nada mais dramaticamente objetivo, mais pungentemente concreto, mais tragicamente real que a teia de pavor no qual os cidadãos pacatos se vêem envolvidos pelos ladrões violentos’ (p. 24).

Já os crimes dolosos contra a vida representam as interdições máximas da convivência em sociedade, pois lesam o mais importante dos direitos fundamentais; com efeito, estar vivo é a condição para o exercício de qualquer direito.

Propugna-se aqui, então, que além das exceções previstas no artigo 236 do CE, possa haver a prisão cautelar de eleitor nos casos de cometimento de crimes hediondos, crimes dolosos contra a vida e roubo.

Esses delitos, como já referido acima, agridem a sociedade de uma forma muito peculiar e profunda. Com efeito, para os crimes hediondos, previstos em lei específica, a própria Constituição exige tratamento mais rigoroso; nos crimes dolosos contra a vida é atingido o bem maior do ser humano; e nos casos de roubo, porque representa um grande ataque à integridade psíquica da vítima, além da ausência de resposta pronta do poder público causar um sentimento de descrença do povo nas suas instituições do sistema de justiça.

Resta evidente que pela sua distinta natureza, os crimes hediondos, dolosos contra a vida e o roubo merecem tratamento diferenciado do dos demais crimes. E tanto é assim que esses delitos normalmente têm penas elevadas.

A prisão provisória por esses delitos impedirá que seus autores fiquem livres durante o prazo do art. 236 do CE, evitando-se a evasão dos criminosos, a intimidação de testemunhas e a prática de novos crimes, protegendo-se, assim, a sociedade.

Não se pode ter uma visão unilateral do direito processual, acreditando que essa província do direito é apenas um conjunto de normas para tutelar o acusado diante do poder do Estado, esquecendo-se que ele também deve tutelar a segurança dos cidadãos de bem.

Nesse ponto, cabe a indagação: por que meios, no prazo previsto no artigo 236 do CE, se estenderá a prisão provisória aos eleitores que cometeram crimes hediondos, crimes dolosos contra a vida e roubo? A resposta pode estar na utilização das chamadas sentenças ou decisões aditivas.

7. As sentenças aditivas

Em profícuo artigo, CELSO RIBEIRO BASTOS24 teceu as seguintes considerações sobre as mais recentes técnicas de interpretação constitucional (grifos não constantes do original):

"As interpretações constitucionais tradicionais, cumpre dizer, limitam-se a levantar todas as possíveis interpretações que a norma sub examine comporta e a confrontá-las com a Constituição, através da utilização dos métodos histórico, científico, literal, sistemático e teleológico. Na interpretação constitucional tradicional não é permitido ao intérprete fazer qualquer alargamento ou restrição no sentido da norma de modo a deixá-la compatível com a Carta Maior. No segundo pós-guerra o que se assiste é uma inclinação da jurisprudência no sentido de maximizar as formas de interpretação que permitam um alargamento ou restrição do sentido da norma de modo a torná-la constitucional. Procura-se buscar até mesmo naquelas normas que à primeira vista só parecem comportar interpretações inconstitucionais - através da ingerência da Corte Suprema alargando ou restringido o seu sentido - uma interpretação que a coadune com a Carta Magna. Vale dizer que nas tradicionais formas de interpretação constitucional apenas se levantavam todas as possíveis interpretações e confrontavam-se com a Constituição. O intuito das modernas formas de interpretação constitucional é o de buscar no limiar da constitucionalidade da norma algumas interpretações que possam ser aproveitadas desde que fixadas algumas condições.

E é nesse quadro que se inserem as sentenças ou decisões aditivas.

Sentenças ou decisões aditivas são decisões judiciais que, em questionamento sobre a constitucionalidade de ato normativo, acolhem a impugnação, sem invalidá-lo. Em vez de operar-se a expulsão da norma do ordenamento jurídico, ela fica mantida com o acréscimo ao seu conteúdo de uma regulação que faltava para efetivar sua concordância com a Constituição.

Conforme a lição de EDÍLSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (p. 121): ‘Nessas decisões, a estrutura literal da norma combatida se mantém inalterada, mas o órgão de jurisdição constitucional, criativamente, acrescenta àquela componente normativo, vital para que seja preservada sua conciliação com a Lei Fundamental. A sua ocorrência coincide com as hipóteses em que o tribunal reconhece a existência de omissão parcial, justamente porque permitem o acréscimo do necessário para tornar a norma impugnada concordante com os mandamentos constitucionais"(grifo não constante do original).

Assim, a inconstitucionalidade não estaria no conteúdo do que a regra jurídica prescreve, mas, ao contrário, no fato de a norma não prescrever aquilo que a Constituição exige.

Segundo JORGE MIRANDA, ‘Nas decisões aditivas (também ditas modificativas ou manipulativas) a inconstitucionalidade detectada não reside tanto naquilo que ela não preceitua; ou, em outras palavras, a inconstitucionalidade acha-se na norma na medida em que não contém tudo aquilo que deveria conter para responder aos imperativos da Constituição. E, então, o órgão de fiscalização acrescenta (e, acrescentando modifica) esse elemento que falta’ (2002, p. 514).

Dito em outras palavras: há possibilidade de sentenças aditivas quando uma norma apresenta carga normativa inferior à que constitucionalmente deveria possuir. Há uma autêntica inconstitucionalidade por insuficiência protetiva. Os órgãos jurisdicionais, nesse caso, reputam inconstitucional a norma na parte em que não prevê determinada regulamentação. A sentença aditiva introduz no ordenamento o conteúdo normativo faltante.

No caso do art. 236 do CE, a ele deveriam ser ‘adicionadas’ as hipóteses de prisões preventivas por roubos, crimes hediondos e crimes dolosos contra a vida, de forma a fazer sua concordância com o mandamento constitucional do direito à segurança.

No âmbito penal, tivemos um exemplo de sentença aditiva por parte do Superior Tribunal de Justiça quando da interpretação do artigo 2º da Lei n.º 10.259/01, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera da justiça federal.

O artigo 2º da Lei n.º 10.259/01 estabelecia a competência da justiça federal para processar e julgar os feitos relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Essas infrações assim restaram definidas no parágrafo único desse artigo: "Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa."

No entanto, na época o artigo 61 da Lei n.º 9.099/95 circunscreveu o conceito de infrações de menor potencial ofensivo àqueles delitos cuja pena máxima não fosse superior a um ano.

Essa incongruência resultou em tratamento discriminatório, pois, por exemplo, um desacato25 cometido contra policial federal seria passível de oferta de transação penal ao seu autor, o mesmo não ocorrendo quando praticado contra policial civil ou militar dos Estados federados.

Para corrigir a disparidade, o Superior Tribunal de Justiça, fincado no princípio da isonomia, externou o entendimento de que a novel definição de infrações de menor potencial ofensivo, prevista na Lei n.º 10.259/01, derrogou aquela contida no parágrafo único do artigo 61 da Lei n.º 9.099/95. E note-se, por extremamente relevante, que o parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/01, prescrevia que a nova definição de crimes de menor potencial ofensivo só era aplicável para os efeitos da própria Lei n.º 10.259/2001.

Concluindo: o STJ, por aplicação do princípio da isonomia, estendeu o conceito de menor potencial ofensivo da Lei 10.259/01 à Lei 9.099/95, desconsiderando a regra explícita de exclusão existente no parágrafo único do art. 2º do primeiro Diploma Legal citado. Em outras palavras, usou da técnica de sentença aditiva.

O legislador ordinário não tem liberdade absoluta, não podendo violar preceitos constitucionais e a principiologia do Estado Democrático de Direito.

Em síntese: o artigo 236 do Código Eleitoral somente pode ser ‘salvo’ de uma declaração de inconstitucionalidade com o uso da técnica de sentença aditiva. Para tanto, deve-se: a) agregar-se às exceções à prisão referidas no citado artigo as hipóteses de prisão cautelar por cometimento de crimes contra a vida, roubo e crimes hediondos; b) estender-se aos candidatos a possibilidade de prisão em virtude de sentença condenatória transitada em julgado.

Quanto ao segundo ponto, evidentemente, não há qualquer motivo para deixar de efetuar-se a prisão de candidatos em caso de a sentença condenatória ter transitado em julgado. A esse respeito, colha-se a abalizada lição de ÉDSON DE REZENDE CASTRO, que se vale de argumentos irrespondíveis: "...na literalidade da lei, o candidato não poderá ser preso em razão de decreto de prisão preventiva, ou temporária, ou mesmo por força de sentença condenatória criminal transitada em julgado, pois que a regra é o impedimento à prisão e a exceção é o estado de flagrância tão-somente. Não é possível levar o dispositivo a tal conseqüência. É evidente que aquele que tem contra si sentença penal condenatória transitada em julgado não só poderá como deverá ser preso, inclusive naqueles 15 dias que antecedem a eleição. Argumenta-se que a prisão do candidato, com toda a repercussão negativa que a medida alcança, prejudica seu desempenho nas urnas, podendo levá-lo a perder a disputa. E é verdade. Entretanto, tratando-se de prisão por sentença condenatória transitada em julgado, não há argumento que possa superar a necessidade de executar-se imediatamente o julgado criminal, até porque acima dos interesses do candidato está a pretensão executória estatal. Ademais, com a prisão do candidato, os eleitores recebem em relação a ele mais uma informação importante, qual seja, a existência de condenação criminal definitiva, que deve ser levada em consideração no momento da escolha. De resto, é bom lembrar que a providência (prisão) não trará qualquer prejuízo concreto para a candidatura, porque o candidato estará inelegível no dia das eleições, pois suspensos os seus direitos políticos (art. 15, III, da CF). De qualquer forma, então, ainda que fosse eleito, teria o seu diploma cassado, em sede de recurso contra a expedição de diploma, exatamente em razão da inelegibilidade superveniente ao registro" (p. 311-312).

Não são apenas os tribunais que podem se valer da técnica de sentenças aditivas, podendo fazê-lo qualquer Órgão do Poder Judiciário, pois exercem jurisdição constitucional.

A prisão provisória no período eleitoral para os que cometem crimes dolosos contra a vida, crimes hediondos e roubos também prestaria homenagem ao princípio da isonomia. Com efeito, se cabível prisão em casos de flagrante e sentença condenatória sem trânsito em julgado para indivíduos que praticaram crimes de menor gravidade, com mais razão ainda deverá se dar a segregação provisória nos crimes de maior gravidade, só que na forma de prisões temporárias ou preventivas.

Qualquer valor constitucional pode ser priorizado em uma sentença aditiva, inclusive – e especialmente - o direito à segurança.

7.1 Rebatendo as críticas às decisões ou sentenças aditivas

De plano já se nota que a principal crítica que os doutrinadores fazem à utilização das decisões ou sentenças aditivas é que estas se constituiriam em uma inadmissível usurpação da função legislativa por parte dos Órgãos do Poder Judiciário.

Entretanto, é de se ressalvar que nas sentenças aditivas os órgãos judicantes não criam livremente a norma jurídica, à semelhança do que faz o legislador, mas apenas ‘descobrem’, especificam, aquela já existente implicitamente no ordenamento jurídico ou passível de extração dos comandos constitucionais, a fim de preencher um ‘vazio’ constitucional.

Apropriado, nesse passo, menção às lições de EDÍLSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR quando trata do tema (grifos não constantes do original):

"...não há que se equiparar tal atividade à legislação. O complemento introduzido pelas lições em exame, além de efeito indireto de declaração de inconstitucionalidade, não deriva de pura imaginação da Corte Constitucional, mas de integração analógica resultante de outras normas ou princípios constitucionais, cuja descoberta advém do engenho daquela.

"Perfilha o juiz constitucional, apenas e tão-só, solução constitucionalmente obrigatória..."

"Noutro passo, viceja raciocínio, com prestígio doutrinário (cf. PUGIOTTO, 1992, p. 3674-3679), segundo o qual o objeto principal da sentença aditiva apenas ilusoriamente seria uma omissão legislativa parcial. Diversamente, constitui uma norma vivente a patrocinar a exclusão não consentida constitucionalmente.

(...)

"Cappeletti (1984, p. 622-633), com base em cinco sólidas razões, demonstra a necessária legitimidade que usufrui, na atualidade, a jurisdição constitucional, acompanhada da capacidade criadora de seus integrantes. Isso porque: a) se acha dissipada a ilusão ocidental relativa à capacidade dos ramos políticos (Executivo e Legislativo) em materializar o consentimento dos governados; b) não se pode negar o esforço dos tribunais em modelar suas decisões, não com arrimo nas idiossincrasias e predileções subjetivas de seus membros, mas com o escopo de permanecerem fiéis ao sentido de justiça e de eqüidade da comunidade; (...) e) considerando-se que uma democracia não poderá subsistir numa conjuntura em que os direitos e liberdades dos cidadãos careçam de proteção eficaz, apresenta-se como essencial daquela que o controle judicial dos ramos políticos, porquanto a idéia democrática não se resume a simples maiorias, significando, também, participação, liberdade e tolerância.

"Esses argumentos, cuja dissecação se dispensa, por não se comportar nos lindes deste trabalho, espancam qualquer dúvida quanto a ser legítimo ao juiz constitucional, tanto no sistema difuso quanto no concentrado, assumir, no exame de eventuais contrastes entre a Constituição e os atos estatais, uma postura ativa, dinâmica e criadora, objetivando, assim, garantir um adequado controle do poder diante do arbítrio" (op. cit., p. 125).

Retomando o ponto: nas sentenças aditivas, não se tem a elaboração de uma norma jurídica, mas somente o complemento da norma existente, a partir de solução já constante no ordenamento jurídico, cuja descoberta se deu pelo trabalho do hermeneuta. Aqui, não há confundir atividade de criação jurídica com atividade legislativa.

Destaca RUI MEDEIROS26 que:

"Efectivamente, embora parte da doutrina admita que as decisões modificativas são proferidas no exercício de um poder discricionário do Tribunal Constitucional e se contente em pedir aos juízes constitucionais que usem a sua liberdade de escolha com parcimônia, numerosos autores esforçam-se por sublinhar que não está em causa o exercício de uma função substancialmente criativa ex nihil, verificando-se tão-somente a extração de um quid iuris já presente — de modo cogente e vinculativo para o próprio legislador — no ordenamento. Nesta perspectiva, o órgão de controlo, ao modificar a lei, não actua como se fosse legislador, já que << não possui aquele grau de liberdade de opção para definir o escopo legal que é atributo do legislador>>. <<O quid iuris adiectum, ainda que não explicitado formalmente na disposição ou no texto (verba legis), está já presente, e in modo obbligante, no próprio sistema>>.

O jurista FRANCISCO CAMPOS já há muito assinalara:

"O poder de interpretar a Constituição envolve, em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la; é o que demonstra a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Federal, e particularmente, a da Suprema Corte Americana. Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte.27"

Enfocando o assunto sob um outro ângulo, não se pode deixar de perceber que o Poder Judiciário atua como uma espécie de ‘Delegado’ do Poder Constituinte originário para fazer a defesa da Constituição.

O Constituinte de 1988 depositou muita confiança no Poder Judiciário, fortalecido na nova ordem constitucional. Assim, um certo ativismo judicial, mais do que desejável, é indispensável para a efetivação dos direitos, postergada pela inércia legislativa.

É dever do magistrado, ante a omissão legislativa, valer-se da Constituição para dar efetividade ao direito em risco de perecimento ou de drástica redução de efetividade.

Oportuna menção à lição de SÉRGIO ALVES GOMES (2004, p. 59-60) (grifos não constantes do original): "...aplicar o Direito, em um Estado de Direito Democrático, significa aplicar antes de tudo a Constituição. Diante desta, todos os poderes constituídos e demais leis devem se curvar. E para aplicá-la deverá o juiz interpretá-la, segundo os ensinamentos, princípios, da hermenêutica constitucional, entendida como especialidade da hermenêutica jurídica. Ao adotar como meta a aplicação dos princípios e regras constitucionais e dos princípios da hermenêutica jurídica constitucional, o magistrado muito se distancia daquela postura de falsa "neutralidade" tão ao gosto da escola de exegese, para se tornar um autêntico concretizador dos valores que são, ao mesmo tempo, os fundamentos e objetivos do Estado de Direito Democrático. Sob a égide dos princípios que orientam este, o Juiz torna-se um importante sujeito ativo na aplicação e elaboração do Direito, ou seja, um efetivo participante da construção de uma sociedade autenticamente democrática. É óbvio que tal atitude não é simpática aos inimigos da democracia. A estes, nada melhor que juízes autômatos, dóceis ou indiferentes aos caprichos e desmandos deles. Felizmente, a consciência democrática vem produzindo cada vez mais, dentro e fora da magistratura, uma mentalidade renovadora do papel do juiz na sociedade e dos relevantes escopos desempenhados no correto exercício do poder que este exerce".

Em resumo: o juiz, ao ‘criar’ (rectius: descobrir) uma lei com base na Constituição para suprir uma lacuna deixada pelo legislador, não interfere na independência do Poder Legislativo.

Uma Constituição possui cláusulas gerais, abertas, e conceitos de valores tais como igualdade, dignidade, segurança, etc., o que inevitavelmente deixa ao intérprete uma vasta gama de deliberações possíveis.

Como se pode razoavelmente concluir, um dos objetivos buscados pela norma veiculada no artigo 236 do Código Eleitoral foi evitar que os órgãos judiciais decretassem prisões cautelares resultantes de elementos precários ou infundados, motivadas por perseguição política, e que pudessem resultar em sério gravame eleitoral.

Nos dias atuais, o Poder Judiciário exerce suas funções dentro um quadro de absoluta normalidade constitucional, ao contrário de décadas atrás, quando sofria considerável influência daqueles que exerciam o poder econômico e político.

Em um determinado momento histórico, preferiu o legislador, no conflito entre o direito à segurança pública e o direito ao voto, privilegiar o último.

No entanto, houve sensível modificação das condições históricas, o que não pode deixar de influir na interpretação dos textos legais.

O Brasil de hoje não é mais aquela sociedade agrária e atrasada socialmente da década de 30, momento em que surgiu pela prisão vez no ordenamento jurídico a proibição de prisão de eleitores durante o período eleitoral.

De outro vértice, o quadro da violência é absolutamente diferente daquele em que a proibição das prisões cautelares no período eleitoral foi gestado. A violência explode no país. Todo dia os brasileiros são ‘bombardeados’ pelos meios de comunicação social com notícias de crimes contra a vida cometidos de forma bárbara, estupros, roubos praticados por quadrilhas, tráfico de drogas, latrocínios, etc. Assim, a interpretação tradicional do art. 236 do CE, além de beneficiar os autores dos delitos mencionados, mina de forma irremediável a credibilidade do sistema de justiça, que fica impotente para dar uma resposta à sociedade no período eleitoral.

A jurisprudência tem como uma de suas missões ‘atualizar’ o texto legal defasado pelo tempo, garantindo-lhe ‘sobrevida’ e aplicação até que alterações legislativas se processem.

E combata-se, desde logo, a afirmação de que ao estender-se as hipóteses permissivas de prisão durante o prazo do art. 236 do CE estar-se-ia violando o princípio da legalidade ou fazendo-se analogia in malam partem. Inexiste analogia in malam partem contra ou em relação à Constituição.

Uma constatação óbvia: o Direito não pode ser isolado do ambiente em que vigora. E não se pode olvidar, também, que o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil dá o sentido pelo qual a lei deve ser interpretada: de acordo com os fins sociais a que ela se dirige e com as exigências do bem comum.

Como ensina de forma lapidar MARIA HELENA DINIZ (1997, pp. 163-4), "Na falta de definição legal do termo ‘fim social’ o intérprete aplicador em cada caso sub judice deverá averiguar se a norma a aplicar atende à finalidade social, que é variável no tempo e no espaço, aplicando o critério teleológico na interpretação da lei, sem desprezar os demais processos interpretativos...O fim social é o objetivo de uma sociedade, encerrado na somatória de atos que constituirão a razão de sua composição; é, portanto, o bem social, que pode abranger o útil, a necessidade social e o equilíbrio de interesses etc...Conseqüentemente, fácil será perceber que comando legal não deverá ser interpretado fora do meio social presente; imprescindível será adaptá-lo às necessidades sociais existentes no momento de sua aplicação. Essa diversa apreciação e projeção no meio social, em razão da ação do tempo, não está a adulterar a lei, que continua a mesma" (grifos não constantes do original).

Não se perca de vista também que, se de um lado o Estado deve proteger o cidadão contra os excessos/arbítrios do direito penal e do processo penal (garantismo no sentido negativo, que pode ser representado pela aplicação do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso - Übermassverbot), esse mesmo Estado não deve pecar por eventual proteção deficiente (garantismo no sentido positivo, representado pelo princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente – Untermassverbot).

Situação deveras perigosa ao interesse social é a aceitação literal e acrítica do comando normativo albergado pelo artigo 236 do CE por parte da comunidade jurídica. Repete-se à exaustão a proibição de prisão do eleitor sem se pensar criticamente sobre a irrazoabilidade e a inconstitucionalidade por omissão da norma.

É trágico ver-se operadores do direito defendendo a proibição da prisão provisória de eleitor para todo e qualquer crime sem saber exatamente o porquê e mencionando jurisprudência para abonar a tese, sem fazerem qualquer reflexão crítica. Lembre-se aqui a lição do Ministro Humberto Gomes de Barros, que no REsp. 23.498/SP, julgado em 25/11/1992, observou: "A jurisprudência não é uma rocha cristalizada, imóvel e alheia aos acontecimentos. Ela é filha da vida, sua função é manter o ordenamento jurídico vivo e sintonizado com a realidade".

Nesse quadro, alvissareira é a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei do Senado 290/2006, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko (PT-SC), que visa a alteração do art. 236 do CE para permitir no período a prisão provisória de autores de crimes hediondos e de crimes dolosos contra a vida. Como bem referiu a Senadora na exposição de motivos do referido projeto de lei, ‘a violência tem aumentado consideravelmente, de maneira que a manutenção do dispositivo, na forma em que vigente, beneficiará autores de crimes brutais, como assassinos e estupradores, como freqüentemente têm noticiado os meios de comunicação".

Concluindo: se os operadores do Direito quiserem ver um avanço de sua jurisdição constitucional para a proteção dos direitos fundamentais da coletividade, não devem olhar a utilização de sentenças aditivas com a velha mentalidade de que o Poder Judiciário só pode atuar como o legislador negativo.

8. Conclusões articuladas

1. A vedação à prisão de eleitores durante os períodos imediatamente antecedentes e posteriores à realização do pleito (salvo exceções legais) existe no Brasil desde a edição do Código Eleitoral de 1932;

2. Essa vedação tinha como objetivos, basicamente: a) garantir o comparecimento máximo às urnas, já que em muitas eleições há vitórias de candidatos por escassa margem de votos ou até por critérios de desempate; b) evitar que a prisão de candidatos, eleitores, Delegados de partidos e fiscais de partidos e coligações pudesse concorrer para a ocorrência de fraudes na apuração pela falta ou deficiência de fiscalização; c) impedir que prisões imotivadas ou arbitrárias pudessem influenciar de forma indevida o eleitorado, modificando o que seria o resultado normal da eleição caso a prisão indevida não ocorresse; d) evitar o uso de força policial para intimidar o eleitor; e) evitar o acirramento de ânimos entre partidários de agremiação políticas concorrentes.

3. Na leitura tradicional que se faz do artigo 236 do Código Eleitoral, tem cabimento, nos cinco dias que antecedem às eleições até 48 horas do encerramento da votação, além das exceções previstas expressamente nesse artigo, a prisão provisória de analfabetos não alistados; de pessoas não alistadas eleitoralmente, embora maiores de 18 anos; conscritos durante o período de conscrição; de pessoas que perderam ou tiveram suspensos os seus direitos políticos.

4. Ainda na leitura tradicional que se faz do art. 236 do CE, incabível a prisão provisória de eleitores (prisão preventiva, temporária, sentença de pronúncia) no período eleitoral. Nesse período, também não é possível a prisão de depositário infiel ou do devedor de alimentos.

5. A patente insuficiência protetiva do artigo 236 do Código Eleitoral tem levado os doutrinadores a considerá-lo revogado ou ou então a flexibilizar sua aplicação, com afirmações de que a vedação à prisão referida é inconstitucional; que só diz respeito aos crimes eleitorais propriamente ditos ou que a prisão por ordem judicial não é vedada pelo artigo em comento.

6. Há, ainda, interpretação no sentido de que a prisão provisória do eleitor pode ser feita dentro do período do art. 236 do CE, desde que decretada anteriormente a esse período.

7. A garantia posta no art. 236 do CE não é inconstitucional se flexibilizada para permitir-se a prisão provisória de autores de crimes dolosos contra a vida, crimes hediondos e roubo, bem como autorizar a prisão de candidatos que tiverem contra si sentença condenatória transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

8. Não há qualquer razão lógica ou jurídica para vedar-se a prisão de candidato no prazo do art. 236, § 1º, do Código Eleitoral em razão de sentença condenatória com trânsito em julgado, pois nesse caso o candidato estará com seus direitos políticos cassados (CF/88, art. 15, inciso III), portanto inelegível.

9. A maneira de estender-se a possibilidade de prisão provisória aos autores dos crimes dolosos contra a vida, crimes hediondos e roubo é com a utilização das denominadas decisões ou sentenças aditivas.

10. As sentenças ou decisões aditivas são decisões judiciais que, em questionamento sobre a constitucionalidade de ato normativo, acolhem a impugnação, sem invalidá-lo. Em vez de operar-se a expulsão da norma do ordenamento jurídico, ela fica mantida com o acréscimo ao seu conteúdo de uma regulação que faltava para efetivar sua concordância com a Constituição.

10. As sentenças aditivas não representam uma invasão do juiz no campo de atuação do legislador. O juiz apenas ‘revela’ uma norma que já existia no sistema.

Notas de rodapé convertidas

1 O PAPEL DA JUSTIÇA ELEITORAL NA CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA: ELEIÇÕES DE 1994-96, autores JÂNIO PEREIRA DA CUNHA E JOSÉ VALENTE NETO Disponível em http://72.14.209.104/search?q=cache:vtbhfHjAaXIJ:www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol09/11PapelJusticaEleitoral.htm+justi%C3%A7a+eleitoral+32+degola&hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=24&lr=lang_pt, acesso em 05.01.2007.

2 Até a Revolução de 30, o eleitor recebia o envelope lacrado e com a cédula já previamente marcada. Só ele não sabia em quem havia "votado".

3 O alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os maiores de 16 e menores de 18 anos, nos termos do art. 14, I, ‘c’, da CF/88. No entanto, eles não estão sujeitos à prisão por serem inimputáveis; sua situação é regrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

4 O artigo 14, § 1º, inciso I, da CF/88 prevê o alistamento obrigatório para os maiores de 18 anos.

5 Os policiais militares, em qualquer nível de carreira são alistáveis, tendo em vista a inexistência de vedação legal. (Res. no 15.099, de 09.03.89, rel. Min. Villas Boas).

6 Na verdade, segundo o Regulamento da Lei do Serviço Militar (Artigo 3º, 5º, Decreto n.º 57.654, de 20 de janeiro de 1966), conscritos são definidos como os brasileiros que compõem a classe chamada para a seleção, tendo em vista a prestação do Serviço Militar inicial.

7 Res. no 15.850, de 3.11.89, rel. Min. Roberto Rosas.

8 Ensina José Afonso da Silva que ‘...pela simples escusa de consciência não se perdem os direitos políticos, mas apenas se o escusante também recusar a cumprir a prestação alternativa (1993, p. 336).

9 Registre-se aqui, no entanto, entendimento minoritário no sentido de que não há suspensão dos direitos políticos nas sentenças condenatórias transitadas em julgado pela prática de contravenções penais: " (...) condenação criminal não tem o mesmo significado que ‘condenação penal’. (...) Crime é uma infração penal e contravenção penal é uma infração penal. A condenação penal abrange a ambos. A condenação criminal, todavia, só se refere ao primeiro. Destarte, o condenado por contravenção penal não está sujeito à suspensão dos direitos políticos’ (TRESP – Representação, Processo 10.028, Classe 7ª, Acórdão n.º 126.963, Relator Juiz Souza José, j. 10.10.1996).

10 "Em face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado com sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena" (STF – Pleno – Rextr 179/502-SP).

11 Recurso n.º 9.760/PI – Acórdão 12.877 – Relator Ministro Eduardo Alckmin, j. 29-09-1992.

12 "Art. 302 – Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido, ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração;

13 Os Delegados de partidos devem ser equiparados aos membros da mesa receptora e fiscais de partidos e coligações no que pertine às restrições à prisão no período eleitoral, por analogia in bonam partem, conforme ensinam Pedro Roberto Decomain e Péricles Prade (2004, p. 300).

14 O inciso LXI do artigo 5º da CF/88 possui a seguinte redação: ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’.

15 Art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de Mesa Receptora, Fiscal, Delegado de partido ou candidato, com violação ao disposto no art. 236: Pena – reclusão até quatro anos.

16 Projeto de lei apensado ao projeto de lei 3.735/200, de autoria do Deputado Dr. Hélio (PDT-SP), que visa acrescer, às ressalvas contra a prisão ou detenção de qualquer eleitor, no período compreendido entre os cinco dias anteriores e as quarenta e oito horas após o encerramento do pleito eleitoral, a hipótese de cumprimento de mandado de prisão expedido por autoridade judiciária competente, nos casos tipificados como crimes hediondos, assim definidos pela Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990.

17 ‘A prisão de eleitores nas vésperas da eleição’, publicado no Boletim IBCCRIM n.º 20 – setembro de 1994.

18 Art. 1º O § 1º do art. 236 da Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 236....................................

§ 1º Os membros das Mesas Receptoras e os Fiscais de Partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos, desde quinze dias antes das eleições, salvo o caso de flagrante delito, sentença transitada em julgado e prisão preventiva decretada antes do início do período estipulado neste artigo (NR)"

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

19 Nas eleições municipais de 2004, por exemplo, Darci Savegnago (PT) elegeu-se Prefeito de Taquarucu do Sul/RS, com 999 votos, enquanto seu concorrente, Vanderlei Zanatta (PMDB), fez 996 votos.

20 Por exemplo, em Sarzedo (MG), Expedito João Bernardo (Pastor Expedito) e Marlene Ribeiro (Marlene do Sítio), ambos candidatos a Vereador pelo PDT, fizeram 151 votos, elegendo-se o primeiro por ser o mais idoso.

21 Para se ter uma boa visão do poder dos chefes locais em determinar o voto dos eleitores de alguma forma subordinados à sua ‘autoridade’, imperdível a leitura da obra ‘Coronelismo, enxada e voto’, de Victor Nunes Leal.

22 Correio Braziliense, 27 de outubro de 2002.

23 RHC 63.673-0-SP, DJU 20.06.1986, p. 10.929.

24 As modernas formas de interpretação constitucional . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=89>. Acesso em: 05 jan. 2007.

25 Delito previsto no art. 331 do CP, cuja pena de detenção é de seis meses a um ano.

26 Citado em trecho do voto do Ministro do STF, Gilmar Mendes, no julgamento do MI 670-9/ES.

27 Direito Constitucional. Rio de Janeiro. Editora Freitas Bastos, 1956, p. 403, apud Edílson Pereira Nobre Júnior, op. cit., p. 117.

09. Referências

BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=89>. Acesso em: 05 jan. 2007.

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Cláudio da Silva Leiria

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