Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Considerações sobre o artigo 236 do Código Electoral (página 2)

Cláudio da Silva Leiria
Partes: 1, 2, 3

O Código Eleitoral de 1932 vedava a prisão de eleitor nos cinco dias antecedentes ao início da eleição até 24 horas após o seu encerramento, salvo na única hipótese de flagrante delito.

Os membros das mesas receptoras, fiscais de candidatos e os Delegados de partido só poderiam ser presos no ‘período eleitoral’ em flagrante delito por crime inafiançável.

Como a força pública, a mando dos coronéis, era freqüentemente utilizada para intimidar o eleitor, a lei proibiu sua presença dentro do edifício em que funcionava a mesa receptora ou nas suas proximidades.

No parágrafo 3º, havia a previsão de proibição de comícios e outras manifestações públicas desde 24 horas antes até 24 horas depois do encerramento da eleição, medida salutar para evitar confrontos de partidários de agremiações opostas, face ao natural acirramento dos ânimos nesse período.

Esse Código Eleitoral não previa para o candidato proibição de prisão diversa da do eleitor comum.

A Lei n.º 48, de 04/05/1935, que modificou o Código Eleitoral, assim dispunha sobre as garantias eleitorais (redação original):

Art. 165. Serão assegurados aos eleitores os direitos e garantias ao exercicio do voto, nos termos seguintes:

1) ninguem poderá impedir ou embaraçar a exercicio do suffragio;

2) nenhuma autoridade poderá, desde cinco dias antes e até vinte e quatro horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delicto ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável ;

3) desde quarenta e oito horas antes, até vinte e quatro horas depois da eleição, não se permittirá propaganda politica, mediante radio-diffusão, ou em comicios, ou reuniões publicas ;

4) nenhuma autoridade estranha á, mesa receptora poderá intervir, sob pretexto algum, em seu funccionamento;

5) os membros das mesas receptoras, os candidatos, os fiscaes de candidatos e os delegados de partidos serão inviolaveis durante o exercicio de suas funcções, não podendo ser presos, ou detidos, salvo em flagrante delicto;

6) é prohibida, durante o acto eleitoral, a presença de força publica no edificio em que funccionar a mesa receptora, ou nas suas immediações, observado o disposto no art. 128, § 5o;

7) será feriado nacionaI, estadual ou municipal o dia de eleição;

8) o Tribunal Superior e os tribunaes regionaes darão Habeas-corpus e mandado de segurança para fazer cessar qualquer coacção ou violencia, actual ou imminente, ao exercicio do direito de voto de propaganda politica;

9) em casos urgentes o habeas-corpus e o mandado de segurança poderão ser requeridos ao juiz eleitoral, que o decidirá sem demora, com recurso necessario para o Tribunal Regional;

10) é vedade, aos jornaes officiaes da União, Estados, Districto Federal, Territorio e Municipios, a propaganda politica em favor de candidato ou partido contra outros.

Algumas alterações sensíveis foram introduzidas. Além da prisão em flagrante, tornou-se possível a prisão do eleitor no período eleitoral em razão de sentença criminal condenatória por crimes inafiançáveis. O legislador, sabiamente, já percebendo a insuficiência protetiva, viu-se na obrigação de incluir entre as exceções legais a possibilidade de prisão em razão de sentença condenatória por crime inafiançável.

Houve retração da garantia dos membros das mesas receptoras, fiscais de candidatos e Delegados de partido contra prisões no período eleitoral, passando-se a admitir prisão em flagrante até nos crimes afiançáveis.

A situação do candidato ficou inalterada em relação ao Código Eleitoral de 1932 no que tange à possibilidade de prisão no período eleitoral.

Também ampliou-se o prazo de proibição de comícios e reuniões políticas de caráter público (desde 48 horas até 24h depois do encerramento da votação).

No período do Estado Novo (1937-1945), foram nomeados interventores para o Poder Executivo Estadual e Municipal e as Casas Legislativas foram dissolvidas, não havendo eleições no país. Foi extinta a Justiça Eleitoral

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 7.586, de 28-05-1945 (que restabeleceu a Justiça Eleitoral), assim se referia às garantias eleitorais:

Art. 108. São assegurados aos eleitores os direitos e garantias ao exercício do voto, nos têrmos seguintes:

1) ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio;

2) nenhuma autoridade poderá, desde cinco dias antes e até quarenta e oito horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável;

3) desde quarenta e oito horas antes, até vinte e quatro horas depois da eleição, não se permitirá propaganda política, mediante radiodifusão, em comícios, ou reuniões públicas;

4) nenhuma autoridade estranha à mesa receptora poderá intervir, sob pretexto algum, em seu funcionamento;

5) os membros das mesas receptoras, os fiscais de candidatos ou os delegados de partidos são invioláveis, durante o exercício de suas funções, não podendo ser presos, ou detidos, salvo em flagrante delito;

6) é proibida, durante o ato eleitoral, a presença de fôrça pública no edifício em que funcionar a mesa receptora, ou nas suas imediações, observado o disposto no art. 76, parágrafo único;

7) não se aplica a Lei Constitucional n.º 2, de 16 de maio de 1938, aos Juízes e funcionários a que incumbir o serviço eleitoral, em qualquer de suas modalidades.

A única alteração de relevo em relação à legislação anterior foi o aumento do prazo de vedação de prisão após o encerramento da eleição - de 24 horas para 48 horas.

Após, por meio da Lei n.º 1.164, de 24-07-1950 (Código Eleitoral), as garantias eleitorais foram assim vazadas:

Art. 129. São assegurados aos eleitores os direitos e garantias de exercício do voto, nos têrmos seguintes:

1) ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício de sufrágio;

2) nenhuma autoridade poderá, desde cinco dias antes e até quarenta e oito horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável;

3) desde quarenta e oito horas antes, até vinte e quatro horas depois da eleição, não se permitirá propaganda política mediante radio-difusão, comícios ou reuniões públicas;

4) os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício das suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde quinze dias antes da eleição;

5) é proibida, durante o ato eleitoral, a presença de fôrça pública, no edifício em que funcionar a mesa receptora, ou nas mediações, observado o disposto no art. 83, parágrafo único;

6) a realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, que deva ter lugar em recinto aberto, fica apenas subordinada a comunicação por ofício ou telegrama à autoridade competente, que sómente poderá designar o local para a reunião, contanto que, assim procedendo, não a fruste ou impossibilite;

7) é vedado aos jornais oficiais, estações de rádio e tipografias de propriedade da União, dos Estados, Distrito e Territórios federais, municípios, autarquias e sociedades de economia mista, a propaganda política favorável ou contrária a qualquer cidadão ou partido;

8) as estações de rádio, mencionadas no inciso, precedente, nos quinze dias anteriores a uma eleição, proporcionarão meia hora diária de irradiação aos órgãos da Justiça Eleitoral, para a divulgação de esclarecimentos referentes ao processo eleitoral.

Art. 130. As estações de rádio, com exceção das referidas no artigo anterior e das de potência inferior a dez kilowatts, nos noventa dias anteriores às eleições gerais de todo o país ou de cada circunscrição eleitoral, reservarão diariamente duas horas à propaganda partidária, sendo uma delas pelo menos à noite, destinando-as, sob rigoroso critério de rotatividade, aos diferentes partidos, mediante tabela de preços iguais para todos.

Art. 131. A propaganda eleitoral, qualquer que seja a sua forma, só poderá ser feita em língua nacional.

§ 1º Os infratores dêste artigo ficam sujeitos à pena de três a seis meses de prisão, além da apreensão e perda do material de propaganda, qualquer que seja o meio de divulgação.

§ 2º O processo para apuração do fato a que se refere êste artigo é o das contravenções penais.

§ 3º Sem prejuízo do processo e da pena constante dêste artigo, o juiz eleitoral, o preparador e as autoridades policiais e municipais impossibilitarão imediatamente a propaganda.

A novidade introduzida foi em relação aos candidatos: a restrição à prisão foi ampliada para desde 15 dias antes do início da eleição, período em que ‘a eleição se decide’, ou seja, época em que as intenções de voto vão se firmando na mente do eleitor.

Posteriormente, sobreveio a edição da Lei n.º 4.767/65 (atual Código Eleitoral), que no tocante à possibilidade de prisão no período eleitoral acrescentou a hipótese de desrespeito à salvo-conduto:

"Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.

§ 1º. Os membros das Mesas Receptoras e os Fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição.

§ 2º. Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do Juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator."

A proibição às prisões no período eleitoral – tirante as exceções legais – tem como uma de suas principais finalidades coibir abusos e evitar ‘armações’ que causem repercussões de tal monta que possam influenciar o eleitor ou colocar em dúvida, por interesse de partidos políticos, os resultados de uma eleição.

Ninguém duvida que uma segregação cautelar indevidamente decretada (seja de eleitor ou candidato a cargo eletivo) possa ser decisiva no resultado de uma eleição, independentemente dos cargos em disputa.

3. Hipóteses de cabimento da prisão nos prazos do artigo 236 do Código Eleitoral

Apresentar-se-á um pequeno apanhado de situações em que, na interpretação convencional do art. 236 do Código Eleitoral, é cabível a prisão provisória de eleitores no período eleitoral.

É preciso lembrar que o artigo 236 da Lei n.º 4.737/65 (Código Eleitoral) veda a prisão de eleitor, que é o brasileiro maior de 18 anos que se alistou na forma da lei – art. 4º do Código Eleitoral3.

A observação é importante na medida em que, desavisadamente, alguns operadores do Direito pensam que os empecilhos à custódia cautelar se estendem a toda e qualquer pessoa, com exceção das hipóteses de flagrante delito, sentença condenatória por crime inafiançável e desrespeito a salvo-conduto.

Desta forma, desde que, é claro, presentes os requisitos autorizadores, pode ser feita nos prazos do artigo 236 do CE a prisão provisória de pessoa que não pode exprimir-se na língua nacional, já que nessa situação não pode se alistar como eleitor.

É possível no período eleitoral a prisão de indivíduo que não se alistou como eleitor, embora preenchendo os requisitos para tanto. É uma situação deveras corriqueira o fato de que muitas pessoas que atingiram os 18 anos de idade não tomaram as necessárias providências para efetuar seu alistamento eleitoral4.

Já o inciso II do § 1º do artigo 14 da CF/88 prevê alistamento facultativo para o analfabeto. Assim, o analfabeto, embora maior de 18 anos, desde que não alistado eleitoralmente, não estará ao abrigo do disposto no artigo 236 do Código Eleitoral, podendo ter sua prisão provisória decretada.

Não podem alistar-se como eleitores os conscritos, durante o período do serviço militar obrigatório, nos termos do artigo 14, § 2º, da CF/885.

Conscritos são aqueles que prestam o serviço militar obrigatório6. Os conscritos anteriormente alistados perante a Justiça Eleitoral estão impedidos de exercitar o direito de voto durante o período da conscrição (Resolução TSE 20.165, de 07.04.1998, Rel. Ministro Nílson Naves).

O conceito de conscrito também abrange o aluno de órgão de formação da reserva. Ele fica proibido de votar, ainda que anteriormente alistado7.

Na lição de ALEXANDRE DE MORAES, "O conceito de conscrito estende-se aos médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários que prestam serviço militar obrigatório a teor da Lei 5.292. Também aos que prestam serviço militar na condição de prorrogação de engajamento incidem restrições da Constituição Federal, com base no art. 14, § 2º (Resolução TSE n.º 15.850, Rel. Min. Roberto Rosas).(2004, p. 541/542).

O artigo 236 do CE não agasalha a situação daqueles que estão com o seu alistamento eleitoral cancelado, o que ocorre, no que interessa ao presente estudo, nas hipóteses de o eleitor deixar de votar em três eleições consecutivas e nos casos de perda ou suspensão dos direitos políticos.

A perda dos direitos políticos dar-se-á em duas hipóteses: a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; e, b) recusa de cumprir obrigação imposta ou prestação alternativa8.

Já a suspensão dos direitos políticos (privação temporária de direitos políticos) pode acontecer em três hipóteses: a) incapacidade civil absoluta; b) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; e, c) improbidade administrativa (CF/88, art. 15, incisos II, III e V).

Em se tratando de condenação criminal transitada em julgado, a suspensão dos direitos políticos se dá nada importando se a infração penal é de natureza dolosa ou culposa, ou se é crime ou contravenção9. O fato de a pena carcerária ser substituída por restritiva de direitos também não modifica a situação de suspensão dos direitos políticos.

ALEXANDRE DE MORAES, ao tratar dos efeitos da condenação criminal, ensina que ‘a suspensão dos direitos políticos persistirá enquanto durarem as sanções impostas ao condenado, tendo total incidência durante o período de livramento condicional, e, ainda, nas hipóteses de prisão albergue ou domiciliar, pois somente a execução da pena afasta a suspensão dos direitos políticos com base no art. 15, inciso III, da Constituição Federal. Em relação ao período de prova do sursis, por tratar-se de forma de cumprimento da pena, o sentenciado igualmente ficará privado temporariamente de seus direitos políticos’ (2004, p. 587-588)10.

Já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que o ajuizamento de revisão criminal não produz efeitos em relação à suspensão dos direitos políticos11.

Prisão em flagrante

A palavra flagrante é de origem latina – flagrare, que significa queimar. No âmbito jurídico, diz respeito ao delito que está sendo cometido, que está acontecendo naquele exato momento, e que permite a prisão do seu autor sem a necessidade de mandado judicial.

As situações configuradoras de flagrante delito estão previstas no artigo 302, incisos I a IV, do CPP12.

Breve observação se faz sobre a prisão em flagrante nos crimes permanentes, quando então a situação de flagrância se estende no tempo.

Segundo lição de FERNANDO CAPEZ (2004, p. 246) no crime permanente ‘o momento consumativo se protrai no tempo, e o bem jurídico é continuamente agredido. A sua característica reside em que a cessação da situação ilícita depende apenas da vontade do agente, por exemplo, o seqüestro (art. 148 do CP).

Sentença condenatória por crime inafiançável

No prazo do art. 236 do CE é possível a prisão de eleitor que tenha contra si uma sentença condenatória por crime inafiançável. Não é exigido que a sentença tenha transitado em julgado, bastando que na sentença não tenha sido reconhecido o direito de o acusado aguardar em liberdade o julgamento do apelo.

Crimes inafiançáveis são: a) os que têm pena mínima superior a dois anos de reclusão (art. 323, inciso I, do CPP), como, por exemplo, o homicídio doloso, estupro, atentado violento ao pudor, roubo, etc; b) os de racismo, crimes hediondos, tortura, tráfico de entorpecentes, terrorismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, inc. XLII, XLIII e XLIV, da CF/88); c) os crimes punidos com reclusão que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça.

Se a prisão do eleitor é cabível na hipótese em que a sentença condenatória por crime inafiançável não transitou em julgado, a fortiori será possível quando o trânsito em julgado já haver ocorrido.

No que pertine aos membros da mesa receptora de votos, fiscais de partidos ou coligações e candidatos, a restrição à prisão no período eleitoral fica ampliada – art. 236, § 1º, do CE.

Os membros das mesas receptoras, fiscais e Delegados de partido13 não podem ser presos salvo em caso de flagrante delito, enquanto estiverem no efetivo exercício de suas funções. Fora delas, a situação equipara-se a de um eleitor comum, aplicando-se a regra contida no caput do art. 236 do CE.

Os candidatos a cargos eletivos não podem ser presos desde 15 dias antes da data prevista para as eleições, à exceção da hipótese de flagrante delito.

Cumpre fazer referência que tramita atualmente no Congresso Nacional projeto de lei de autoria do Senador Francisco Pereira (PL-ES), que visa a acrescentar duas novas exceções à proibição de prisão de candidatos nos prazos do artigo 236 do CE, quais sejam: a) sentença condenatória transitada em julgado, e, b) prisão preventiva decretada antes do início do período de 15 dias que o dispositivo determina.

Desrespeito a salvo-conduto

No seu artigo 235, o Código Eleitoral autoriza ao Juiz Eleitoral ou ao Presidente da mesa receptora de votos expedir salvo-conduto - com cominação de prisão de até 05 dias em caso de desobediência – em favor de eleitor que sofrer violência, moral ou física, na liberdade de votar, ou pelo fato de ter votado.

A finalidade do salvo-conduto é garantir que o eleitor não sofra qualquer espécie de coação ou constrangimento quando está se dirigindo a sua seção de votação, enquanto vota e após ter votado.

Como já visto, em muitos rincões do Brasil, onde ainda imperam o ‘coronelismo’ ou o trabalho ‘semi-escravo’, é muito comum haver facilidades para coagir eleitores.

A medida pode ser ordenada, como explica FÁVILA RIBEIRO, ‘não apenas contra autoridade policial ou autoridade pública em geral, dispondo de maior elastério, recaindo contra qualquer pessoa que esteja a ocasionar gravame, físico ou moral, à liberdade de voto. Nessas condições, o salvo-conduto poderá ser emitido em favor do eleitor em virtude de coação emanada de patrão contra o seu empregado, do proprietário contra os seus colonos ou rendeiros, do dirigente sindical contra associados, do diretor de estabelecimento de ensino contra os seus discípulos, do chefe de família contra o outro cônjuge, seus filhos e dependentes, enfim, genericamente, contra quem quer que esteja a cometer violência moral ou física sobre o desempenho do eleitor no ato de votação’ (2000, p. 415).

O salvo-conduto é válido das 72h anteriores ao início da votação até 48h depois do seu encerramento.

Em conseqüência do que foi exposto, estão vedadas, na interpretação ‘tradicional’ do artigo 236 do Código Eleitoral, as prisões temporárias; prisões preventivas; as decorrentes de sentença de pronúncia e de sentenças condenatórias por crimes afiançáveis; a prisão do depositário infiel.

Esclareça-se, por oportuno, que no período previsto no artigo 236 do CE não pode ser feita a prisão do eleitor devedor de alimentos por não estar albergada pelas exceções do citado dispositivo legal, conforme ensinam PEDRO ROBERTO DECOMAIN e PÉRICLES PRADE (2004, p. 300).

4. Releituras do art. 236 do Código Eleitoral

Estudou-se retro os casos em que, na interpretação tradicional (literal) do artigo 236 do Código Eleitoral as prisões de eleitor podem (ou não) ser efetuadas.

No entanto, a insatisfação dos juristas em geral com a rigidez do texto legal, inadequado para fazer frente às candentes necessidades de, em alguns casos durante o período eleitoral, decretarem-se prisões provisórias, vem paulatinamente obrigando os operadores do Direito a fazer novas leituras sobre o artigo 236 do Código Eleitoral, flexibilizando-o em atendimento ao direito constitucional à segurança e ao princípio da efetividade do processo.

Com efeito, parece ser quase um consenso entre os doutrinadores que a interpretação tradicional conferida ao art. 236 do Código Eleitoral não vem ao encontro dos ditames da justiça social e do direito à segurança.

No tópico seguinte, serão vistos alguns posicionamentos que vão desde a afirmação de inconstitucionalidade do artigo 236 do CE, sua revogação, até sua aplicabilidade restrita aos crimes eleitorais, passando pelos ensinos de que a prisão por determinação de autoridade judicial no período eleitoral não é vedada pela norma em comento e de que é possível o cumprimento da ordem de prisão no período eleitoral, desde que decretada anteriormente a esse período.

4.1 Revogação e inconstitucionalidade

JOEL J. CÂNDIDO, eminente especialista em Direito Eleitoral, no plano doutrinário é uma das vozes que se levanta para afirmar a revogação do artigo 236 do Código Eleitoral. E o faz nos seguintes termos:

"Hoje, com a vigência do art. 5º, LXI14, da Constituição Federal, o art. 236 e § 1º, do Código Eleitoral, está revogado. Mesmo fora daqueles períodos, ninguém pode ser preso, a não ser nas exceções mencionadas na lei. E pelas exceções constitucionais a prisão será legal, podendo ser efetuada mesmo dentro dos períodos aludidos no Código Eleitoral. Em resumo: se a prisão não for nos moldes da Constituição Federal, nunca poderá ser efetuada; dentro dos limites da Constituição Federal pode sempre ser executada, mesmo em época de eleição." (2003, p. 303).

A Constituição brasileira, tão pródiga na concessão de direitos, não oporia qualquer óbice para que a prisão de eleitores se fizesse dentro do período citado no artigo 236 do CE.

Acatando-se in totum tal ordem de idéias, forçoso seria também concluir que o artigo 298 do Código Eleitoral estaria revogado15.

Já na senda na inconstitucionalidade, argumenta-se que a vedação posta no artigo 236 do CE consagra verdadeira afronta ao princípio da isonomia, criando duas classes de cidadãos, uma sujeita às prisões cautelares no período do artigo 236 do CE e outra imune pela simples condição de ser eleitora.

Na visão dos críticos, o art. 236 da Lei n.º 4.737/65 estaria criando um supercidadão, que no período especificado não poderia ser preso. O alistamento eleitoral e o direito de votar seriam os diferenciais. A discriminação não se justificaria, até mesmo porque o não-alistado eleitor também tem participação política, influenciando outros com sua opinião, trabalhando para candidatos, cobrando realizações da classe política, etc.

Cite-se outra possível situação que violaria o princípio da isonomia: dois indivíduos que praticaram o mesmo delito censurável, ostentando um a condição de eleitor e o outro não. O último poderá ser preso preventivamente no período do artigo 236 do CE enquanto o primeiro não, dada a sua condição de eleitor.

De outro lado, poderíamos ter situações teratológicas com a aplicação irrestrita do art. 236 do CE. Por exemplo: um indivíduo eleitor que cometesse um delito de furto no período eleitoral poderia ter sua liberdade restringida pela prisão em flagrante (prisão provisória). Já um narcotraficante, um estuprador ou um latrocida, indivíduos socialmente muito mais perigosos e que cometeram delitos que causam grande clamor social, não poderiam ter a prisão preventiva ou a prisão temporária decretadas.

Isso não se poderia admitir, pois, como lembra CARLOS MAXIMILIANO, "Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis" (p. 136).

Em comentário ao artigo 236 do CE, MARCOS RAMAYANA tece as seguintes e judiciosas considerações: "Consagra o artigo legal evidente exagero, que não mais merece permanecer na ordem jurídica, pois os motivos que embasaram o legislador para a adoção da regra não prevalecem nos tempos atuais (2004, p. 353). No entanto, do texto acima não fica claro se RAMAYANA considera o artigo 236 da Lei n.º 4.737/65 inconstitucional ou, simplesmente, desnecessário.

Importante referir que no Congresso Nacional tramita o Projeto de Lei n.º 7.573/200616, de autoria do Deputado Fernando de Fabinho (PFL-BA), que propõe a revogação pura e simples do artigo 236 do Código Eleitoral. A redação do projeto é a seguinte:

"PROJETO DE LEI N.º 7.573/2006

"Revoga o art. 236 do Código Eleitoral.

"O Congresso Nacional decreta:

"Art. 1º. Esta lei revoga o art. 236 da Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, de maneira a relativizar o princípio do direito de voto diante do princípio da segurança da sociedade, permitindo em todo o território nacional a prisão dos cidadãos, mesmo no período compreendido entre os cinco dias que antecedem e as quarenta e oito horas que se sucedem à eleição.

"Art. 2º. Revogue-se o art. 236 da Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965.

"Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Na justificativa do projeto de lei, Sua Excelência faz as seguintes e judiciosas considerações, que certamente externam o pensamento de respeitável parcela da comunidade jurídica e do povo em geral: "...sopesando o direito de voto e o direito de segurança da sociedade contra os indivíduos que atentam contra os valores que lhe são caros, o legislador preferiu o primeiro, estabelecendo algumas exceções. No entanto, passadas mais de quatro décadas da entrada em vigor da norma e vivendo nós hoje em um mundo muito mais violento, penso que não mais se justifica tal garantia eleitoral. O livre exercício do sufrágio há de ser garantido de outra forma, mas não mais dando um salvo-conduto de uma semana a inúmeros criminosos, para que circulem tranqüilamente no período das eleições".

4.2 Vedação à prisão somente para crimes eleitorais

Em interessante e instrutivo artigo publicado no Jornal Correio Braziliense de 30.09.2002 (Caderno Direito & Justiça), FRANCISCO RODRIGUES DA SILVA, membro do Poder Judiciário de Pernambuco, defende que a vedação à prisão de eleitor nos prazos do art. 236 da Lei n.º 4.737/65 diz respeito exclusivamente aos processos por prática de crimes eleitorais propriamente ditos, excluindo-se as demais espécies de delitos.

Textualmente, é referido:

"Os crimes eleitorais foram criados e instituídos pelo Legislativo federal, como fundamento e reflexo maior da República Federativa do Brasil, levando em meta a cidadania e o pluralismo político, para garantir e assegurar a soberania popular mediante plebiscito e referendo exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, obrigatório e facultativo.

Essas infrações penal-eleitorais são conceituadas e definidas no Código Eleitoral (artigos 289 a 354, da Lei nº 4.737, de 15-7-1965)..."

"(...)

"Com efeito, para os crimes propriamente eleitorais, e somente para eles, não cabendo para os demais crimes, o Código Eleitoral pátrio, no intuito manifesto de assegurar e garantir o sufrágio universal, em prol da cidadania, que se reflete no direito de votar e ser votado e até mesmo para evitar as conhecidas ‘‘denúncias pré-fabricadas’’, inclusive à instauração de ‘‘processos-eleitoreiros’’ contra adversários políticos nos períodos eleitorais, se antecipou, dizendo o seguinte:
Art. 236, 1º. (...)

"Não nos esqueçamos, sob outro enfoque, que o Código Eleitoral adotou providências iminente (rápida, à época de sua edição) e eminente (de qualidade) com o objetivo de evitar prisões advindas de ‘‘queixas eleitorais temerárias’’ e instauração de ‘‘processos forjados’’ contra desafetos e adversários políticos no período considerado, por lei, como do pleito ou em razão dele.

Essa causa inteligente e legal, e nesse aspecto aplaudimos de público, de suspensão temporária da eficácia de mandado de prisão, prevista somente no Código de Ritualidade Eleitoral, nas hipóteses que não haja incompatibilidade com a Constituição Federal, se dirige à ordem de segregação processual a bem do rito eleitoral — não confundir com processo criminal eleitoral — por crime exclusivamente previsto nos artigos do Diploma Punitivo Eleitoral, jamais por crime de outra natureza (crime comum, federal, militar, tributário, econômico, de responsabilidade etc.), previstos no Código Penal e leis especiais.

Nesse viés, se ninguém deve ser segregado ou levado à prisão por fato alheio, estranho, sem conexão ou continência com o fato-crime objeto de prisão previamente definido em lei como crime, é intuitivo também que ninguém mereça ser beneficiado por um privilégio dado a certa modalidade de crime. Trocando em miúdos, ninguém tem o direito de que seja suspensa ou sobrestada ordem de prisão por um crime comum, quando referido privilégio foi concedido tão-somente aos crimes eleitorais em benefício de procedimento eleitoral.

Daí admitirmos, entretanto, que ordem judicial de prisão daquele período, de fato e de direito, deve ser sobrestada, porém unicamente por fato indigitado criminoso na órbita eleitoral, a bem dos objetivos da República Federativa do Brasil, quais sejam, a soberania popular e a cidadania, não se cogitando em crimes de outras naturezas e diverso do pleito.

As assertivas do culto magistrado apontam, portanto, para a necessidade de utilizar-se da técnica de ‘interpretação conforme a Constituição’ para compatibilizar o art. 236 da Lei n.º 4.737/65 com a Carta Magna.

Na técnica de interpretação conforme a Constituição, obter-se-ia uma única interpretação do art. 236 do Código Eleitoral, afastando-se as demais interpretações possíveis.

Segundo o magistério de GILMAR MENDES, na interpretação conforme a Constituição o Tribunal declara qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Lei Fundamental. Essa forma de decisão possui flexibilidade, que permite renúncia ao formalismo jurídico em nome da idéia de justiça material e da segurança jurídica (2005, p. 287).

Não há se confundir essa técnica com a declaração de nulidade sem redução de texto, na qual os órgãos da Administração Pública e do Poder Judiciário ficam impedidos de adotar determinadas interpretações, mas sem prejuízo das demais existentes.

Na interpretação conforme a Constituição, esclareça-se, o Poder Judiciário e a Administração Pública ficam proibidos de patrocinar toda e qualquer interpretação diversa daquela encampada pela Corte Constitucional.

4.3. Cabimento de prisão provisória por ordem judicial

Em outro importante trabalho doutrinário17, no qual também é feita uma interpretação conforme a Constituição, GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO sustenta que o preceito do artigo 236 da Lei n.º 4.737/65 visa, em razão da importância de um pleito eleitoral para a Nação, evitar embaraços ilícitos ao exercício de voto. No entanto, fundado o impedimento em ordem judicial ou inquérito policial, em sede de segregação cautelar, não há como considerar tal circunstância um óbice ilícito ao exercício do sufrágio.

Prossegue o autor dizendo que "...não haverá, no ato de custódia, qualquer desvio ou abuso de poder de autoridade contrário a liberdade de voto (artigo 237 do C.E.). Haverá, sim, a ação da autoridade em prol da sociedade visando a responsabilização eficaz do cidadão pela prática de delito, com sua segregação por força de permissivo judicial evidenciando não estar ele apto a permanecer livre".

Concluindo, afirma que seu posicionamento é no sentido de ‘que a ordem de prisão passada por autoridade judiciária competente, seja de cunho definitivo, seja de cunho cautelar, não pode ser entendida como óbice a legítimo exercício de sufrágio, nem abuso de poder em desfavor da liberdade do voto, podendo ser cumprida mesmo no lapso estipulado no artigo 236 da Lei Eleitoral’.

Essa linha de idéias desafia novamente a aplicação da técnica de interpretação conforme a Constituição. O enfoque dado pelo autor sugere que a vedação à prisão nos prazos do art. 236 do CE diz respeito, tão-somente, aos embaraços ilícitos para o exercício do sufrágio, e não à normal atividade jurisdicional de decretação de prisões, sejam elas cautelares ou definitivas.

4.4. O significado do verbo ‘prender’ no caput do art. 236 do Código Eleitoral

Finalmente, é de serem feitas algumas considerações sobre o significado do verbo ‘prender’, contido no caput do artigo 236 do CE.

Autores há que sustentam que a prisão de um acusado possui dois momentos distintos: a decretação e a execução do comando judicial.

Segundo PAULO GUIMARÃES, especialista em Direito Eleitoral, ‘Quando o Código Eleitoral afirma que nenhuma autoridade pode ‘prender’ candidatos em um determinado período, ele se refere à decretação, e não ao ato físico de prender’. Assim, se a prisão foi decretada antes do período previsto no artigo 236 do CE, é válida e pode ser executada a qualquer momento, até que sobrevenha ordem judicial em sentido contrário’.

Comentando sobre a possibilidade de prisão de candidato a cargo eletivo do Distrito Federal no prazo previsto no artigo 236 do CE, LEOVEGILDO MORAIS, criminalista e ex-Procurador da República, assevera: "O que o Código Eleitoral visa proteger, em seu artigo 236, é o abuso de poder, a perseguição política contra um candidato. A intenção é impedir que, por força de algum motivo político, o candidato venha a ser preso no período de 15 dias antes e 48 horas depois da votação. Obviamente, isso não se aplica a quem teve a prisão decretada antes do período em questão. Nesse caso, trata-se apenas da execução de uma ordem judicial".

O raciocínio de que no período eleitoral possa ser executada a ordem de prisão decretada antes do seu início seria totalmente aplicável à situação do eleitor e das pessoas referidas na primeira parte do § 1º do art. 236 do Código Eleitoral.

Relembre-se que tramita no Congresso Nacional projeto de lei 18de autoria do Senador Francisco Pereira (PL-ES), que autoriza a prisão preventiva de candidato nos casos de ter sido decretada antes do início do período de 15 dias que o artigo 236, § 1º, do CE, determina.

5. Visão crítica dos posicionamentos externados nos itens 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4.

Em que pese respeitáveis os quatro posicionamentos acima mencionados, crê-se não ser possível fazer interpretações tão restritivas do artigo 236 do CE, ou, ainda, considerá-lo revogado ou simplesmente inconstitucional. Salvo melhor juízo, a garantia do direito ao voto e o direito à segurança não só podem como devem coexistir no nosso ordenamento jurídico. As propostas hermenêuticas vistas nos itens 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4 esvaziam de maneira muito significativa a garantia do direito ao voto editada pelo legislador positivo.

RUI STOCCO e LEANDRO DE OLIVEIRA STOCCO não compartilham do entendimento que o art. 236 do CE estaria revogado. Sustentam esses autores que: "...o só fato do advento da Constituição Federal e do disposto no seu art. 5º, inciso LXI não tem o condão de impedir que a lei específica (Cód. Eleitoral) estabeleça regras de exceção e de validade temporária para o período eleitoral, voltadas à proteção e regularidade do pleito e para assegurar o direito constitucional do exercício da cidadania através da manifestação da vontade, expressada através do voto. Aliás, este Código Eleitoral foi posto a lume quando vigorava uma outra Constituição, que já previa a possibilidade de prisão com as garantias que especificava e nas hipóteses previstas em lei infraconstitucional, cuja sede principal é o Código de Processo Penal" (p. 751).

A época de eleições (independentemente dos cargos em disputa), pelas suas características específicas e grandes transformações, que dizem respeito à própria organização do Estado, é um período de exceção. E nesse período de exceção deve ter primazia a legislação eleitoral.

São vários os motivos que ainda justificam, embora com alguns temperamentos, a garantia prevista no artigo 236 do Código Eleitoral. Mencionar-se-á alguns.

1) especialmente nas eleições municipais, é assaz comum os candidatos aos cargos eletivos majoritários ou proporcionais se elegerem por escassa margem de votos, que algumas vezes não chega a uma dezena. Candidatos nas eleições proporcionais perdem eleições ou tornam-se suplentes por um ou dois votos. Nas últimas eleições municipais (2004), candidatos foram eleitos com apenas dois ou três votos de vantagem sobre seus adversários19. Em outros casos, candidatos à vereança obtiveram o mesmo número de votos, tendo a ocupação do cargo eletivo de ser decidida por critérios de desempate20. Nessas situações, vê-se bem que a prisão de um ou dois eleitores do candidato que se sagrou vencedor, feita no período do art. 236 do CE, poderia inverter completamente o resultado das eleições, fraudando-se, assim, a vontade popular.

2) A prisão de candidatos e fiscais e Delegados de partidos ou coligações, especialmente após o término da votação, poderia ensejar fraudes nas eleições por falta de fiscalização na apuração de votos.

Antes do advento das urnas eletrônicas, a apuração dos votos era feita manualmente, com anotações em planilhas, e sujeita a vários erros, de forma que uma fiscalização intensa dos partidos era primordial para que não houvesse distorção da vontade popular externada nas urnas.

Claro que hoje, em razão da utilização das urnas eletrônicas, as apurações dos votos não se estendem por vários dias, como antigamente, e as chances de fraudes e erros diminuíram bastante, mas nem por isso a fiscalização deve ser negligenciada, pois é fator de legitimação do pleito.

FÁVILA RIBEIRO faz as seguintes observações ao comentar o § 1º do art. 236 do Código Eleitoral (os grifos não constam do original):

"Enquanto para os mesários e fiscais de partidos não houve cronometração de tempo, em relação aos candidatos recua essa garantia aos 15 dias que precedem as eleições. Para os mesários, o lapso de tempo pode ser mais dilatado se for cometido à própria mesa receptora o encargo de proceder também à contagem de votos, nos termos dos arts. 188-189 do Código Eleitoral. Se houver essa distensão funcional, persistirão em atividade os mesários, ficando ainda amparados pela garantia até o completo encerramento dos trabalhos.

"No tocante aos fiscais, para os que devam atuar exclusivamente nas atividades pertinentes à votação, logo após a sua realização ficam desprovidos da garantia eleitoral. Para os que estejam no desempenho de atividade de fiscalização na fase de apuração é compreensível que se dilate a garantia até que se concluam os trabalhos de apuração da circunscrição em que estejam participando. Quanto aos candidatos retrocede a proteção legal a 15 dias antecedentes ao pleito, e deve manter-se eficaz enquanto estiver pendente a apuração para que tenham ensejo de assistir e participar de todos os trabalhos em resguardo de seus interesses e da própria mecânica representativa. (2000, pp. 417-418).

3) A prisão do eleitor é vedada desde cinco dias antes do pleito para que ele não possa ser preso enquanto se desloca para a sua seção de votação. Em 1932, quanto a garantia da vedação à prisão no período eleitoral foi criada, o Brasil era um país em que a maioria da população vivia em zonas rurais, distante, portanto, dos locais de votação. Não raro, o deslocamente até uma sessão eleitoral poderia levar alguns dias. Os meios de transporte também eram precários, de forma que o eleitor se deslocava com carroças ou até mesmo a pé, fazendo dois ou três dias de caminhada.

Mesmo nos dias atuais, o eleitor pode levar dias para deslocar-se até sua seção eleitoral. Isso ocorre especialmente quando o eleitor mora em um Estado da Federação e vota em outro. É comum eleitores sequer transferirem seu título para a cidade em que moram, justamente para no dia da eleição poderem visitar familiares e parentes na cidade a qual seu título eleitoral ficou vinculado.

4) Outro motivo para vedar a prisão no período eleitoral foi evitar o abuso da força policial para intimidar o eleitor. Era comum, especialmente nas pequenas comunas, uma espécie de subordinação da polícia aos poderosos locais. Policiais eram facilmente cooptados pelos ‘coronéis’ locais e atuavam a seu serviço, intimando eleitores com ameaças de prisão para que votassem ou deixassem de votar em determinados candidatos. Muitas vezes a prisão era feita em caráter de represália, imediatamente após a eleição, motivo também para que a garantia eleitoral fosse estendida para até 48 horas após o encerramento da votação.

Não é incomum membros das corporações policiais, especialmente nas pequenas cidades, terem afinidades com políticos locais, fato que às vezes enseja intimidação do eleitor identificado com as cores partidárias opostas, por medo de alguma ‘armação’ ou vindita.

Oportuno lembrar que até o advento do Código Eleitoral de 1932 não havia, na prática, o voto secreto, de forma que era fácil os chefes locais saberem em quem determinados eleitores votaram.21

É de bom alvitre ressaltar que os membros do Poder Judiciário também eram muito sujeitos às influências dos chefes políticos locais, nem sempre exercendo os juízes suas funções com a isenção necessária.

Não caia no olvido, por exemplo, que mais recentemente na nossa história o Ato Institucional n.º 5, de 1968, conferiu ao Chefe do Poder Executivo Federal poderes para demitir, remover, aposentar ou colocar em disponibilidade os magistrados, sendo suspensas as garantias constitucionais da vitaliciedade e inamovibilidade. Sem a garantia da inamovibilidade, se um magistrado proferir uma decisão que vá contra os interesses de um Chefe do Executivo, por manobras políticas poderia ser transferido para uma Comarca distante.

5) A vedação à prisão antes e depois da eleição também foi positivada para evitar acirramento de ânimos, especialmente nas pequenas comunas. Sabe-se que eleição é paixão, e as pessoas muitas vezes perdem o senso de medida em época eleitoral. Por exemplo, é comum membros de uma mesma família se agredirem – após discussões inflamadas -, motivados por divergências políticas. A prisão de eleitor no período eleitoral pode dar ensejo a vinganças contra partidários de agremiação oposta, principalmente quando se acredita que eles de alguma forma contribuíram para a prisão. Conturba-se, assim, o ambiente eleitoral, o que faz com que muitos eleitores sequer compareçam às urnas, tudo para preservar a integridade física e, às vezes, a própria vida.

Em todas as eleições, o TSE tem de autorizar o envio de tropas do Exército para garantir a tranqüilidade do pleito em alguns lugares do país.

O envio de tropas é comum nas eleições. Em 1994, 12 estados receberam as forças armadas. Em 1996, o exército esteve presente em 10 unidades da Federação. Em 1998, 09 estados pediram e foram atendidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, que determinou o envio das forças federais.

Em 2002, justificando o envio de tropas federais para as eleições do Distrito Federal, o então Vice-Presidente do TSE, Sepúlveda Pertence afirmou: ‘‘A possível briga entre as duas torcidas, a situação delicada, as notícias e os boatos recentes foram importantes na hora de decidir22.’’

Ainda, forças policiais são reforçadas em muitas cidades face ao periclitar da segurança pública por razões de disputas eleitorais.

Partes: 1, 2, 3


 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.