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O novo federalismo (página 2)

Fernando Lima
Partes: 1, 2, 3


 

1.2.1.2. Fundou-se, porém, a República, com o Decreto n°1, (NOTA N°6) da lavra de RUY, institucional do novo Governo Provisório, da nova Forma de Estado, da nova Forma de Governo, do novo Sistema de Governo.

1.2.1.3.          Decretada (art. 1°) essa nova Forma de Estado, as Províncias, reunidas pelo laço da Federação, passaram a constituir os Estados Unidos do Brasil (art. 2°). Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima SOBERANIA (NOTA N°7), decretaria oportunamente sua Constituição definitiva, elegendo seus corpos deliberantes e seus governos locais (art. 3°).

1.3.             Esses os fundamentos, estabelecidos pelo Poder Constituinte Revolucionário, de nossa organização federal. Para a manutenção do equilíbrio federativo, o Governo Federal INTERVIRIA, com o apoio da força pública, quando houvesse necessidade de assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas (art. 6° ).

1.4. A necessidade de fortalecer a União, "o Brasil que os Estados não criaram, porque ele criou os Estados", exigiu enorme esforço dos "brasileiros da Constituinte contra os patriotas dos Estados do Brasil". (NOTA N°8) A superexcitação mórbida, turvando a lucidez do senso político, tornou a Federação moda, entusiasmo, cegueira, palavra mágica, a cuja simples invocação tudo há de ceder, ainda que a invoquem mal, fora de propósito e em prejuízo da Federação mesmo, levando a um apetite desordenado e doentio de federalismo, cuja expansão sem corretivo seria a perversão e a ruína da reforma federal. (NOTA N° 9).

1.4.1. A partir desses fundamentos, não cessou a evolução de nosso Federalismo: ora com a "política dos Estados" degenerando na "política dos Governadores" (CAMPOS SALES, oligarquias estaduais, "esse satrapismo irresponsável e onipotente", RUY) e o enfraquecimento da União, ora com o prevalecimento do Poder Federal e a efetiva anulação da autonomia das unidades federadas, sua história é a de nossa evolução constitucional.

1.5.           Não existe Estado Federal único, que faça com que se desnature uma forma atípica, mas, na diversidade, deveremos identificar as constantes irredutíveis do Federalismo, com a autonomia das Unidades Federadas e os limites a essa autonomia, o Mínimo Federativo (ORLANDO BITAR, Organização Federal Brasileira, 1955), a partilha de competências e os instrumentos destinados à manutenção do equilíbrio estrutural dessa Forma de Estado, especialmente o instituto da intervenção federal.

1.6. Os limites deste trabalho impossibilitam estudo mais aprofundado do Federalismo e de sua prática no Brasil. Impõe-se, porém, o enquadramento da matéria.

2. PODER E CONSTITUIÇÃO

2.1. O Poder fundamenta o Direito e o Estado. Da Revolução Francesa resultou a atribuição da titularidade do Poder ao Povo (corretamente, jurisdicionados, que, exercendo direta ou indiretamente o Poder Constituinte, criariam a Constituição), com a doutrina da soberania nacional, consagrada no art. 3° da Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão: "Le principe de toute souveraineté réside essentiellement dans la Nation. Nul corps, nul individu ne peut exercer d'autorité qui n'en émane expressément". (NOTA N° 10)

2.2. O Poder, individualizado nas sociedades primitivas, mero fenômeno de força, deveria, através de sua institucionalização, criar o Estado e o Direito (KELSEN os identifica). A Constituição é, assim, o Estatuto do Poder. (NOTA N° 11)

2.3. Escrita ou consuetudinária, racionalizada ou não racionalizada, a Constituição é sempre um sistema de normas EM VIGOR (o Poder é a energia da idéia do Direito, F. Geny), referentes às decisões fundamentais do Estado, quaisquer que sejam suas fontes: Constituição escrita, lei, costume, jurisprudência.

2.3.1. A Constituição escrita consagra essas decisões fundamentais, visando sua estabilidade, embora, infelizmente, a estabilidade ou instabilidade das instituições não resulte, necessariamente, de qualquer fórmula jurídica. Como não existe outro Direito senão aquele que, em dado período, efetivamente vigora, a Constituição escrita pode ser apenas uma "folha de papel". (A Constituição é uma Lei Fundamental, resultante de uma força ativa que está na realidade social, econômica, etc.: a Constituição é a suma dos fatores reais do Poder que regem o Estado em determinada época). (NOTA N° 12)

3. FORMAS POLÍTICAS

3.1. Essas decisões fundamentais referem-se à estrutura e ao funcionamento do Estado. O Direito Constitucional, como "ciência positiva das Constituições" (PINTO FERREIRA), estuda, em cada Estado, o sistema de normas que regulam sua organização, funcionamento e proteção e os direitos e deveres fundamentais de seus juriscicionados (o Direito Constitucional é o sistema de normas que regulam a organização, o funcionamento e a proteção de um determinado Estado, e os direitos e deveres fundamentais de seus jurisdicionados, ORLANDO BITAR)

3.1.1. Organização e funcionamento do Estado significam, portanto, estrutura e exercício do Poder: é o problema das Formas Políticas (FORMAS DE ESTADO, FORMAS DE GOVERNO, SISTEMAS DE GOVERNO e REGIMES POLÍTICOS, Estado Unitário ou Estado Composto, União Pessoal, União Real, União Incorporada, Federação e Confederação, Aristocracia, Timocracia, Oligarquia, Democracia e Tirania, Monarquia, Aristocracia, Democracia ou Govemo constitucional, Tirania, Oligarquia e Demagogia ou Democracia, Plutocracia, Democracia Social, Democracia Popular, Liberalismo, Intervencionismo e Estatismo, Socialismo, Comunismo, Monarquia e República, Presidencialismo, Parlamentarismo e Sistema colegiado, Democracia e Autocracia), tão debatido e caótico, mesmo etimologicamente. (NOTA N°13)

4. FORMAS DE ESTADO

4.1. QUEIROZ LIMA classifica os Estados considerando dois critérios: o da extensão de sua soberania e o de sua estrutura.

4.1.1. Pelo primeiro critério, os Estados seriam soberanos ou semi-soberanos, conforme seu poder de governo sofresse ou não a influência limitadora de um Estado estrangeiro. Conceituando o Estado semi-soberano como aquele que, por este ou aquele conjunto de cir-cunstâncias, não é inteiramente livre de dispor de sua               própria autoridade, procura distinguir essa situação jurídica da autonomia dos Estados integrantes de uma Federação:

 "O Estado Federal é uma resultante dos próprios Estados-membros, é, em todo rigor técnico e prático do conceito, a UNIÃO desses Estados. Pode-se dizer, reduzindo o assunto às suas linhas mais simples, que, em virtude do pacto federativo ou confederativo, os Estados-membros aceitaram que certa ordem de poderes não fosse exercida pelos Estados isoladamente, mas incorporados numa única entidade política e jurídica. Obedecendo aos preceitos constitucionais da União, os Estados não obedecem senão a si próprios. Há um simples deslocamento do exercício do pleno poder de governo, mas não há diminuição desse poder. Além disso, o que caracteriza a quebra de soberania, no sentido técnico e próprio da expressão, não é a limitação da autoridade política, mas a interferência de um poder estranho no raio de ação do Estado". (NOTA N°14)

4.1.1.1. Seriam Estados semi-soberanos os Estados vassalos e os Estados protegidos. Considerada hoje a soberania como essencial ao Estado, a questão reduz-se à sua conceituação e à definição de seus limites. (NOTA N°15)

4.1.2. Quanto à estrutura, pode o Estado ser simples ou composto, conforme o Poder Público se apresente debaixo de uma única expressão, centralizado a nível estatal seu poder normativo (o que não impossibilita certo grau de descentralização administrativa), ou existam dois ou mais campos de atividade do Estado, duas ou mais esferas de poder de governo, equilibrando-se e harmonizando-se de acordo com um regime de direito mais ou menos complexo.

4.1.2.1. Os tipos mais característicos de Estado composto, para Queiroz Lima, são a União Pessoal, a União Real, a União Incorporada, a Confederação de Estados e o Estado Federal. Abandonado o problema da centralização ou descentralização, o estudo das Uniões de Estados, de que só temos exemplos históricos, e as diversas teorias a respeito da distinção entre Federação e Confederação, deveremos abordar mais diretamente o Estado Federal.

5. FEDERAÇÃO

5.1. O Estado Federal é, assim, um Estado composto, resultando da União de diversos Estados. Para MONTESQUIEU, uma República pequena seria destruída pelo inimigo; se fosse grande, os vícios internos a destruiriam. A centralização do Poder seria a solução, somente evitada pela República Federativa:

 "Si une république est petite, elle est détruite par une force étrangère; si elle  est grande, elle se détruit par un vice intérieur. Ce double inconvénient infecte également les démocraties et les aristocraties, soit qu'elles soient bonnes, soit qu'elles soient mauvaises. Le mal est dons la chose même: il n'y a aucune forme qui puisse yremédier.

Ainsi il y a grande apparence que los hommes auraient été a la fin obligés de vivre toujours sous le gouvernement d'un seul, s'ils n'avaient imaginé une manière de constitution qui a tous les avantages intérieurs du Gouvernement républicain et la force extérieure du monarchique. Je parle de la république fédérative.

Cette forme de gouvernement est une convention par laquelle plusieurs corps politiques consentent à devenir citoyens d'un État plus grand qu'ils veulent former. C'est une société de sociétés qui en font une nouvelle qui peut s'agrandir par de nouveaux associés, jusqu'à ce que sa puissance suffise à la sûreté de ceux qui se sont unis".

5.1.1. Essa organização, como a separação dos Poderes, com suas faculdades de estatuir e de impedir (le pouvoir arrête le pouvoir), poderia também evitar a tirania:

"Cette sorte de république, capable de résister à la force extérieure, peut se maintenir dans sa grandeur sans que l'intérieur se corrompe. La forme de cette société prévient tous les inconvénients.

Celui qui voudrait usurper ne pourrait guère être également accrédité dans tous les États confédérés. S'il se rendait trop puissant dans l'un, il alarmerait tous les autres; s'il subjuguait une partie, celle qui serait libre encore pourrait lui résister avec des forces indépendantes de celles qu'il aurait usurpées, et l'accabler avant qu'il eût achevé de s'établir. S'il arrive quelque sédition chez un des membres confédérés, les autres peuvent l'apaiser. Si quelques abus s'introduisent quelque part, ils sont corrigés par les parties saines. Cet État peut périr d'un côté sans périr de l'autre; la conféderation peut être dissoute, et les confédérés rester souverains.

Composé de petites républiques, il jouit de la bonté du gouvernement intérieur de chacune; et, à l'égard du dehors, il a, par la force de l'association, tous les avantages des grandes monarchies". (NOTA N°16)

5.2. Na realidade, o Federalismo é criação norte-americana, além do Presidencialismo e do moderno partido político. Como reunir populações e territórios diversos e heterogêneos em um sistema político uniforme? Como criar um governo bastante forte para as modernas responsabilidades, sem eliminar as liberdades do Homem? Historicamente, duas soluções, ambas insatisfatórias: os governos ou eram muito fortes para as liberdades de seus súditos, ou muito fracos para assegurar a ordem e a proteção.

5.2.1. A solução britânica levou ao fortalecimento exagerado da autoridade central, e a independência dos Estados Unidos é um monumento a esse erro:

"Is life so dear, or peace so sweet, as to be purchased at the price of chains and slavery? Forbid it, Almighty God! I know not what course others may take; but as for me, give me liberty, or give me death! (NOTA N°17)

5.2.2. Os próprios americanos tentaram a segunda: feita a independência das treze antigas colônias (NOTA N°18), por seus representantes no Segundo Congresso Continental, reunido em Filadélfia de 1° de junho a 4 de julho de 1776, os Estados Unidos adotaram os "Artigos da Confederação", aprovados pelo Congresso em 15.11.1777, ratificadas pelos Estados e em vigor a 1° de março de 1781. (NOTA No.19)

5.2.3. Haveria uma terceira solução? A Convenção Constitucional a criou:

"We the People of the United States, lN ORDER TO FORM A MORE PERFECT UNION, establish Justice, insure domestic tranquility, provide for the common defense, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America". (NOTA N° 20)

5.2.4. As idéias de Aristóteles, Harrington, Locke, Bolingbroke, Montesquieu, consagradas pela Revolução Francesa, adotadas pelas Constituições das antigas colônias, expostas ao povo em defesa da Constituição que seria votada pela Convenção Constitucional (NOTA No.21), integraram-se em regras constitucionais criadoras de um novo Sistema de Governo, o Presidencialismo, e uma nova Forma de Estado, a Federação. A Constituição dos 13 Estados de1787 adaptou-se à vida dos 50 de 1974 por 25 Emendas e especialmente pela construção jurisprudencial da Suprerna Corte: doutrina dos poderes implícitos, imunidade tributária da União em face dos Estados, imunidade tributária dos Estados em face da União, doutrina do controle jurisdicional de constitucionalidade, federalismo dual, federalismo orgânico, evolução (da concepção adjetiva à concepção substantiva) do "due process of law", etc. (NOTA N° 22)

5 . 3. A Confederação He1vética (nominalmente : EIDGENOSSENSCHAFT, corporação, comunidade baseada sobre o juramento) é hoje, na realidade, uma Federação.

5.3.1. Três cantões (assim se chamam as Unidades Federadas na Suíça), Uri, Schwyz e Unterwald, celebraram, em 1° de agosto de 1291, o pacto originário.(NOTA N°23) Outros Cantões foram se associando (NOTA N°24) e hoje, política e constitucionalmente, são 22, embora, geograficamente, sejam 25, considerados os meios Cantões nos de Unterwald, Basiléia e Appenzzel. (NOTA N° 25)

         5.3.2. Originariamente organizada, como os Estados Unidos, sob a Forma Confederal, a Suíça adotou a Forma de Estado Federal, com sua Constituição de 29.05.1874, reformada em 1848, visando "affermir l'alliance des ccnfédérés, rnaintenir et accroitre l'unité, la force et l'honneur de la Nation suisse". . . (NOTA N° 26)

5.4. Outros Estados adotaram o Federalismo:

5.4.1. Na Argentina, a realidade social determinou essa Forma de Estado, em 1853:

"Esta ideologia (referindo-se aos princípios estruturais da ideologia constitucional adotada: liberdad, justicia, democracia, federalismo, teísmo) no es una mera construcción teórica, ni responde únicamente a motivaciones racionales; está condicionada por el pasado histórico, en el que se fue conformando a través del proceso iniciado en 1810. Cuando la constitución hace recepción de ella en 1853, se limita a recogerla de la estructura social subyacente en que había surgido y en la que se conservaba vigente." (NOTA N°27) A Constituição de 1853 foi substituída em 1949, mantida a Federação (arts. 1°, 5°, 6º, 104 e 105 de 1853; arts. 1°, 5º, 6°, 97 e 98 de 1949).

5.4.2. O México, por sua Constituição de 1917, adotou a Forma Federal (arts. 40 a 48 e 115 a 122).

5.4.3. A Venezuela organizou-se também sob a Forma Federal, pela Constituição de 1936 (arts. 12 a 18 e 100, n°s 23 e 25).

         5.4.4. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, por sua Constituição de 05.12.1936, reformada em 1947, "é um Estado Federativo, constituído com base no agrupamento voluntário das Repúblicas Socialistas Soviéticas" . . . (art. 13) Assegurada sua autonomia (art. 16), podem elas, entretanto, separar-se (art. 17) e manter relações internacionais (art. 18-A), pelo que alguns autores preferem considerá-la uma Confederação. Na realidade, não tem sido admitido o direito de secessão: o que existe é o Partido e um regime fortemente centralizador, embora o Legislativo (Soviete Supremo da U.R.S.S.), bicameral, enseje a representação das Repúblicas Federadas no Soviete das Nacionalidades.

5.4.5. A Constituição da República Federal da Alemanha, de 23.05.1949 (Lei Fundamental de Bonn), provisória (art. 146), desejada a unificação, adotou, como a Constituição de Weimar (1919), a Forma de Estado Federal.

5.4.6. Áustria (1920), Canadá, Índia, Austrália, Iugoslávia, adotaram, também, essa Forma de Estado.

5.5. Não existe, como vimos, um Estado Federal padrão: do Estado Unitário absoluto (ideal) à completa independência entre diversos Estados (também impossível), da mais acentuada centralização à descentralização administrativa, ou política; inúmeras são as gradações. Nessa escala, impõe-se a fixação dos limites: a necessidade da sistematização obriga-nos a indicar as constantes irredutíveis, tipificadoras do Federalismo.

 5.5.1. Para GEORGES SCELLE (NOTA N°28), a caracterização jurídica do Federalismo (sentido estrito: doutrina e prática do Estado Federal) depende de duas LEIS: a Lei de Autonomia das Unidades Federadas e a Lei de Participação e Colaboração dessas Unidades na constituição e no funcionamento do Poder Federal.

5.5.1.1. Pela primeira, devem as Unidades integrantes do Estado Federal possuir certo grau de liberdade, tanto no que se refere à sua organização, como ao seu governo e à sua administração. AUTONOMIA (norma própria), significa, portanto, que essas unidades organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que livremente adotarem (conceptuais também as receitas próprias, sem o que não haveria qualquer liberdade), limitada, porém (isso a distingue da soberania), para o resguardo da indispensável unidade do Estado Federal, pela obrigatoriedade da observância de determinados princípios constitucionais que estabelecem o mínimo de uniformidade limitador de sua possibilidade de diversificação organizatória. (MÍNIMO FEDERATIVO) (NOTA N°29) Soberano é, assim, o Estado Federal (poder supremo internamente, independente internacionalmente: mais corretamente, nas relações interestatais) - as Unidades que o integram são autônomas.

5.5.1.2. Sendo a Federação um Estado composto, caracterizado pelo pluralismo normativo, pela convivência de diversas esferas de Poder, as várias órbitas jurisdicionais que a integram devem incidir HARMONICAMENTE sobre os mesmos jurisdicionados. Um dos problemas centrais da organização federal é, consequentemente, o da partilha, repartição ou distribuição de competências entre as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, que tem sido resolvido, pelos Estados Federais, através de três critérios, referentes às competências político-administrativas e normativas:

5.5.1.2.1. O da enumeração, pela Constituição, da competência da União e da competência dos Estados-membros. É o critério adotado pela Austrália.

5.5.1.2.2. O da enumeração, pela Constituição, da competência da União, deixando residual a competência dos Estados-membros. E o critério norte-americano, utilizado também no Brasil, enumerada, ainda, entre nós, a competência municipal.

5.5.1.2.3. O da enumeração da competência dos Estados-membros, deixando à União a competência não enumerada, adotado na África do Sul e no Canadá.

5.5.1.3. No tocante à competência tributária, impositiva ou fiscal (discriminação de rendas), porém, a regra é a enumeração para as diversas esferas de jurisdição do Estado Federal.

5.5.1.4. Pela Lei de Participação ou Colaboração, devem as Unidades Federadas participar na constituição e no funcionamento do Poder Federal. Sendo a Constituição o Estatuto da Federação, representação e Estado Federal são indissociáveis: originado na deliberação dos representantes do povo (corretamente, população, significando a totalidade do elemento humano do Estado, excluindo-se, para a conceituação do povo, os estrangeiros), cuja soberania passa a ser exercida em diversos níveis, a manutenção do equilíbrio federativo depende de sua atuação:

5.5.1.4.1. No próprio processo de reforma constitucional, normalmente confiado o exercício da função reformadora ao Poder Legislativo. No Brasil, o Poder Constituinte originário estabeleceu a imutabilidade da Forma de Estado adotada: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a FEDERAÇÃO ou a República". (art. 47, § 1º) Será, portanto, inconstitucional, emenda que atente contra os pressupostos básicos de nossa organização federativa, cuja latitude dependerá, em última análise, da palavra do mais autorizado intérprete da Constituição: o Supremo Tribunal Federal. (art. 119, l,I)

5.5.1.4.2. Na interpretação e aplicação dos dispositivos constitucionais, pelo exercício da função normativa, legiferante (normalmente do Poder Legislativo), pela aplicação administrativa dessas normas (basicamente do Poder Executivo) e especialmente pela sua aplicação contenciosa, missão do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal: guardião da Constituição e árbitro da Federação), da qual resulta, como nos Estados Unidos, a mudança constitucional. (Verfassungsaenderung, na Doutrina germânica, em oposição à reforma)

5.5.1.4.3. Na recíproca inspecção dos Poderes Constituídos: Legislativo, Executivo e Judiciário, além da criação e aplicação das normas (faculté de statuer), possuem missão fiscalizadora (faculté d'empêcher: le droit de rendre nulle une résolution prise par quelque autre . . ), que os obriga a "aller de concert", evitando a tirania: LE POUVOIR ARRÉTE LE POUVOIR. (NOTA N° 30)

5.5.1.4.4. No processo interventivo, que deverá ser estudado mais detalhadamente: é o coração do Sistema.

5.5.1.5. A Federação, como a Democracia, como a República, como qualquer Forma Política, depende, assim, da representação, do processo político. É, como a Democracia, uma PARTIDOCRACIA (NOTA N°31), porque não pode ser concebido esse processo sem os Partidos, instrumentos disciplinadores da vida política. Democracia é, hoje, palavra-chave em qualquer organização constitucional: todos os Estados se proclamam democráticos. Para KELSEN, Democracia e Autocracia são regimes ideais, caracterizando-se a Democracia pela coincidência entre a vontade dos governados e a vontade dos governantes. (NOTA N°32) Mas o povo sabe escolher seus representantes? O processo político funciona satisfatoriamente? Os representantes, uma vez eleitos, saberão governar o Estado de acordo com a vontade de seus representados? (e os não eleitos - Legalidade e Legitimidade) E o próprio Povo, sabe o que quer? Segurança, tranquilidade, bens materiais, desenvolvimento, cultura, sem liberdade? ou deseja apenas ser livre? Sem as mínimas condições de subsistência ?

5.5.1.5.1. A verdade é que não existem Formas Políticas perfeitas, porque o Homem não é perfeito: qualquer que seja a organização de um Estado, é sempre ele a causa de sua ruína, por suas ambições pessoais, sua sede de Poder. Por isso mesmo, não existem leis perfeitas, mas indispensáveis.

5.6. Organizado o Estado Brasileiro, em 1824, sob a Forma Unitária, adotamos, por influência norte-americana (e argentina), abandonando o eixo ideológico continental-europeu, a Forma de Estado Federal, em 1889 (Decreto n°1, de 15.11).

5.6.1. Nosso Federalismo, ao contrário do Helvético e do Norte-americano, resultou, assim, de um processo dissociativo.

5.6.1.1. Historicamente, ensina GEORGES SCELLE, os Estados Federais formam-se por dois processos: o associativo e o dissociativo. Pelo processo associativo, por agregação ou centrípeto, dois ou mais Estados, antes independentes, renunciam à sua soberania para constituírem, por sua união, um novo Estado - FEDERAL. Pelo processo dissociativo, por segregação ou centrífugo, um Estado Unitário confere autonomia a subunidades.

5.6.1.2. Esse processo genético fora também estudado por JULIAN BARRAQUERO (NOTA N° 33), que realça a diversidade formativa das Federações, importante na exegese das normas reguladoras da partilha de competências entre o Poder Federal e os Poderes Locais. Na ausência de norma inconcussa, serão solucionados os conflitos, positivos ou negativos, de competência, por esse elemento histórico (combinado, evidentemente, com as modernas tendências: a Constituição vive, destina-se a uma realidade social e deve, como queria MARSHALL (NOTA N° 34), dirimir todas as crises dos negócios humanos). É a feliz observação de Barraquero: se o processo foi associativo, pergunta-se, em caso de conflito de competência - até onde vai a União? Até onde o Poder Local (preexistente ao Central e seu formador) abdicou de sua soberania? Se dissociativo, porém, o processo originador do Estado Federal, deve-se indagar até onde permanece a força do Poder Central, preexistente aos Locais.

5.6.2. Considerada sua estrutura, nosso Federalismo é tridimensional: competência da União, arts. 8°, 21 e 22; competência dos Estados, residual, art. 13 § 1°; competência tributária, art. 23; competência dos Municípios, arts. 15 e 24. A Constituição assegura a autonomia dos Municípios e a dos Estados, limitadas pelo Mínimo Federativo (art. 13 e art. 10, VII), enumerando taxativamente as hipóteses permissivas de intervenção federal nos Estados (art. 10) e de intervenção dos Estados em seus Municípios (art. 15, § 3°).

5.6.2.1. A organização federal brasileira desde o início diferiu da norte-americana, por sua tridimensionalidade: a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 já assegurava a autonomia municipal, embora, não a definindo, ensejasse, na prática, sua inexistência:

5.6.2.1.1. O debate na Constituinte, com o art. 67 do Projeto do Governo e a Emenda Lauro Sodré, de que resultou o art. 68 da Constituição de 1891, lacônico, provocou controvérsia relativa à nomeabilidade ou eletividade dos intendentes municipais. Esse artigo assegurava a autonomia municipal, porém dizendo, apenas, que os Estados organizar-se-iam de forma que ficasse assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeitasse ao seu PECULIAR INTERESSE.

5.6.2.1.2. Ruy Barbosa, Pedro Lessa, Amaro Cavalcanti, Carlos Maximiliano, Clóvis Bevilaqua, Inglês de Souza, Araújo Castro e Bento de Faria defendiam a tese da eletividade dos intendentes, achando que seria um mito a autonomia municipal, se os Municípios tivessem o Chefe do Executivo nomeado, ao invés de diretamente escolhido pelo eleitorado municipal.

5.6.2.1.3. Defendiam a tese oposta, da nomeabilidade, Viveiros de Castro, Alcides Cruz, Epitácio Pessoa, Afonso Celso, Assis Brasil.

5.6.2.1.4. A consequência do laconismo do art. 68 de nossa primeira Constituição Republicana foi que, na sua vigência, apenas Amazonas, Pará, Santa Catarina, Sergipe, Rio Grande do Sul e Goiás permitiram que seus Municípios tivessem intendentes eleitos. O Estado do Ceará também o fez, mas adotando a eleição indireta, enquanto que todos os outros nomeavam os intendentes de seus Municípios.

5.6.2.1.5. A Constituição de 16 de julho de 1934 institucionalizou definitivamente nosso Federalismo tridimensional, com a perfeita definição do autogoverno e da auto-administração municipais de seu art. 13:

 "Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente:

I – a eletividade dos Prefeitos e dos Vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele ser eleito por esta;

II - a decretação dos seus impostos e taxas e a arrecadação e aplicação das suas rendas;

III - a organização dos serviços de sua competência".

5.6.2.1.6. A autonomia municipal está hoje definida no art. 15, obrigados os Estados a respeitá-la, sob pena de intervenção federal (art.10, V, e), como o próprio Governo Federal (princípio da supremacia constitucional, controle jurisdicional de constitucionalidade, S.T.F.)

5.6.2.1.6.1. O Município é, assim, autônomo, porque possui auto-governo (art, 15, I), pela eleição direta de Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores, sendo, porém, nomeados pelo Governador do Estado os Prefeitos das Capitais, das estâncias hidrominerais e dos Municípios de interesse da segurança nacional (art. 15, §1°) (NOTA N°35) e pelo Governador do Território os Prefeitos de seus Municípios (art, 17, § 3°).

 5.6.2.1.6.2. A autonomia municipal significa, ainda, auto-administração (art, 15, II), com receitas próprias (art. 24 e arts. 25 e 26 - participação na receita tributária da União) e a realização, por funcionários municipais, de seus serviços públicos.

5.6.2.2. Com referência à autonomia estadual, também não foi feliz nossa primeira Constituição Republicana: "Cada Estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA UNIÃO" (art. 63). (NOTA N°36) Assegurava-se aos Estados a possibilidade de diversificação organizatória, indispensável no Federalismo, limitada apenas pelo respeito aos princípios constitucionais da União. Quais seriam, porém, esses princípios?

5.6.2.2.1. A Doutrina procurou resolver o problema: para JOÃO BARBALHO, um dos mais autorizados intérpretes da Constituição de 1891, esses princípios constitucionais, que os Estados deveriam respeitar, eram - a liberdade individual e suas garantias; a democracia; a representação política; a forma republicana; e o regime federativo. (NOTA N°37) Carlos Maximiliano acrescentava, ainda, a autonomia municipal. (NOTA N° 38)

5.6.2.2.2. A consequência da falta de uma perfeita enumeração das hipóteses permissivas de intervenção, no art. 6° da Constituição de 1891, e da fluidez de conceitos como os de "negócios peculiares aos Estados" e "principios constitucionais da União" foi a exacerbação da tendência centralizadora, em detrimento da autonomia dos Estados-membros, que viveram sob regime de permanente intervenção.

5.6.2.2.3. Ruy Barbosa, em sua plataforma como candidato à Presidência, em 1910 (como em discursos, proferidos no Senado, de 24 a 27 de setembro de 1913, a respeito da intervenção no Amazonas, defendera, pela teoria dos poderes implícitos, a criação legal da figura do interventor civil e, em artigos coligidos em livro - "O artigo 6° da Constituição e a Intervenção de 1920 na Bahia", defenderia, contra EPITÁCIO, a tese da facultatividade da intervenção), pugnava pela reforma constitucional, especialmente para que fossem enumerados esses princípios e para que a Constituição dissesse qual a sanção que poderia advir em consequência de sua inobservância. Com efeito, a Reforma de 1926 já enumerou esses princípios, tratando da intervenção federal, no art. 6º, II, e hoje eles estão no art. 13 e no art. 10, VII.

5.6.2.2.4. A autonomia estadual é, assim, maior do que a municipal: além do auto-governo (art. 13, §§ 2°e 6°; art. 112, VI e art. 144 - vide, porém, art. 189 e Emenda Constitucional n°2, de 09.05.72) e da auto-administração, com receitas próprias (art. 23; participação na receita tributaria da União, arts. 25 e 26), possuem os Estados auto-organização: "Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: "... (art. 13, "caput" - seguem nove incisos, enumerando o Mínimo Federativo Brasileiro), enquanto os Municípios, malgrado as reivindicações municipalistas, especialmente na Constituinte de 1946, são organizados por uma lei estadual.

5.6.2.3. Deve a Constituição, portanto, pela peculiaridade de nosso Federalismo tridimensional, partilhar as competências político-administrativas, normativas, e tributárias entre União, Estados e Muni-cípios. O critério adotado, para a partilha das competências político-administrativas e normativas, é o mesmo norte-americano: a competência da União é enumerada (hoje no art. 8° ) e a dos Estados residual, pelo disposto no art. 13, §1°: "Aos Estados são conferidos todos os poderes que, explícita ou implicitamente, não lhes sejam vedados por esta Constituição". Também é enumerada a competência municipal (art. 15).

5.6.2.3.1. Deve-se observar a inexistência, no Brasil, do cruciante problema que é, nos Estados Unidos, a competência concorrente. Nossa Constituição, ao partilhar as competências entre União, Estados e Municípios, estabelece-as privativas (o que não exclui a legislação supletiva dos Estados sobre certas matérias - art. 8°, XVII, c, d, e, n, q, v - ou, ainda, a participação dos Estados e Municípios na receita tributária da União - arts. 25 e 26).

5.6.2.3.2. Adotado o critério norte-americano desde 1891, adotamos também a teoria dos poderes implícitos (instrumentais, indispensáveis para a efetivação da competência expressa), construída pela Suprema Corte, com base na decisão do caso Mc Culloch contra Maryland (4 Wheaton 316, 437, fevereiro de 1819, sendo "Chief Justice" da Suprema Corte John Marshall). A competência dos Estados é, portanto, residual: tudo aquilo que não lhes tenha sido expressamente vedado pela Constituição (v.g., art. 9°), nem tenha sido conferido, expressa (art. 8° e art. l5) ou implicitamente, à União ou aos Municípios. Esse princípio, hoje consagrado no art. 13, § 1°, objeto, nos Estados Unidos, da célebre Emenda n°10, matéria penosa na experiência política norte-americana, ingressou em nosso constitucionalismo por emenda de RUY ao projeto da Comissão de Juristas, omisso, através do artigo 65, n° II : "É facultado aos Estados:...II - em geral todo e qualquer poder ou direito, que lhes não for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas cláusulas expressas da Constituição".

5.6.2.3.3. No tocante à competência tributária, como já observamos, a Constituição a enumera para a União (arts. 21 e 22), para os Estados (art. 23) e para os Municípios (art. 24), estabelecido, como natural consectário de nossa organização federativa, o princípio da imunidade tributária recíproca (art. 19, III, a), bem como outras limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 18, I, II,§§ 2º, 3° e 5°; art. 19, I,II, III, b, c, d, § 2°; art. 20, I, II, III; art. 21, § 1°,§ 2°, II, § 3°, § 6°; art. 22; art. 23, II, § 2°, § 3°, § 4°, § 5°, § 6°, § 7°; art. 24, II, § 4°; art.43, I;  art. 55, II;  art. 153, §§ 1°, 2°, 11, 22 e 29).

5.6.2.4. Assegurada aos Estados e Municípios sua autonomia, limita a Constituição Federal a possibilidade de diversificação por um mínimo de uniformidade obrigatória: é o Mínimo Federativo Brasileiro, hoje definido no art. 13 e no art, 10, VII. A inobservância desses princípios pelos Estados poderá acarretar a nulificação do ato desrespeitador, declarado inconstitucional (art. 13) ou, mesmo, quando se tratar daqueles mais importantes (art. 10, VII), também a intervenção federal.

5.6.2.4.1. Tratando dos princípios que na Constituição de 1946 eram enumerados no art. 7º, VII, assim ORLANDO BITAR (Organização Federal Brasileira, 1955) conceituava o Mínimo Federativo:

 "Eis o MÍNIMO FEDERATIVO - os 20 Estados que constituem a União se mantêm unidos e sua FEDE RAÇÃO - seu pacto, seu"foedus", repousa sobre a aceitação solene e consentida (seus representantes elaboraram a Constituição - participando da vontade estatal daquelas BASES UNIFORMES. Tais bases nós as denominamos o EIXO DA FEDERAÇÃO. É em torno delas que a Nação gira, enquanto o Estado, sua forma institucionalizada, é FEDERATIVO. Quebrado um daqueles princípios - é DEVER DA UNIÃO (na qual estão hipostasiadas as demais entidades membros) INTERVIR - não para punir, nem se concebe hoje a intervenção neste caráter repressivo de "morra por ello", mas para restaurar, para refazer o equilíbrio, PARA REAMOLDAR A ESTRUTURA COMPROMETIDA. Aqueles princípios, então, são cardeais, são medulares, são AXIAIS".

5.6.3 Tipificado nosso Federalismo como DISSOCIATIVO (gênese), em oposição aos Federalismos Norte-americano e Helvético, e TRIDIMENSIONAL (estrutura), pelo nível constitucional que assume também, entre nós, a autonomia dos Municípios (a entidade municipal existe nos Estados Unidos e na Suíça - e mesmo em vários Estados Unitários - mas sua autonomia dependerá do Estado-membro), resta-nos realçar seu aspecto SOLIDÁRIO, considerado o relacionamento financeiro, especialmente, entre o Poder Federal e as Unidades Federadas. (NOTA No.39)

5.6.3.1. Vigorou entre nós, na chamada Primeira República (até 1930), o federalismo segregacionista, reflexo da concepção norte-americana do "dual federalism": União e Estados seguiriam vidas paralelas, sem intimidade e cooperação maiores através das relações intergovernamentais. Denota essa orientação no Brasil a regulamentação da matéria referente à calamidade pública, no art. 5° da Constituição de 1891: " Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, às necessidades de seu governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, solicitar" (e AMARO CAVALCANTl, como Ministro da Justiça e Negócios Interiores, expediu, em 22.03.1897, célebre Circular, estabelecendo o conceito relativo de calamidade pública).

5.6.3.2. Com a Revolução de 30, entre nós; com o "New Deal", nos Estados Unidos, sob os reflexos da crise tremenda de outubro de 1929, começa uma nova concepção do Federalismo - ORGÂNICO E COOPERATIVO. Nossa Constituição de 16 de julho de 1934 institucionalizou esse novo convívio entre União e Estados, com o estabelecimento de uma reciprocidade substancial e orgânica, independentemente da anomalia única da calamidade pública.

5.6.3.3. É, porém, na Constituição de 1946 que tal organicidade se sistematiza, fundada na cooperação tributária e financeira, resultando a fórmula aperfeiçoada do FEDERALISMO SOLIDÁRIO, definitivamente institucionalizado em 1967. Assim descreve ORLANDO BITAR (cit.) o novo Federalismo:

"A condução lúcida do complexo federativo por parte da União fez criar instrumentos basilares fomentadores quer do desenvolvimento nacional, quer do desenvolvimento regional, cujos planos passam a ser solidariamente de competência federal (art, 8°, XIV). Assim, organismos portentosos comandam, numa articulação estreita entre si e com a União, a batalha do desenvolvimento: Banco Nacional do Desenvolvimento, Banco do Brasil, Banco Central do Brasil, Banco Nacional de Crédito Cooperativo, Banco do Nordeste, Banco da Amazonia, Banco Nacional da Habitação, SERFHAU, SUDAM, SUDENE, SUVALE, SUDESUD, SUDECO (1967). Esta orquestração majestosa colima as duas metas constitucionais supremas: desenvolvimento e segurança nacional, como resulta da abundância de normas provedoras. Desenvolvimento: art. 4º, I; 8°, V e XIV; 24, § 4º; 43, IV;  160, caput. Segurança Nacional: 4º, I; 8°, V e VIII, c; 15, § 1º, b; 32; 55, I;  57, VI; 81, VII; 82, IV;  86 a 89; 91 e 92; 129, § 1º;  153, § 34 e 163".

"O desenvolvimento não é apenas objeto de urra conceituação macro -política, porque se constitui em meta dos destinos nacionais. Há que transplantar-se o conceito para a área subjetiva dos direitos fundamentais, sob a inspiração transcendente de que é o jurisdicionado o destinatário último da grandeza e da prosperidade do Estado, até a realização daquela "civitas maxima" e fraterna dos povos. Ao lado do direito ao desenvolvimento indenegável a cada povo, erige-se o direito de cada um a PARTICIPAR DO DESENVOL VIMENTO, como condição e pressuposto à plenitude de sua própria personalidade, O subdesenvolvimento, na expressão do Senador e Professor Franco Montoro (Revista de Informação Legislativa, 19/5), é a maior violação dos direitos do homem".

"O novo federalismo é o quadro jurídico do desenvolvimento, cujos frutos são ostensivos, dignificando o Brasil - nosso PNB cresceu 11,3% em 1971 - e dignificando a todos os brasileiros".

5.6.3.4. A União é hoje, assim, incomparavelmente mais forte que os Estados, verificando-se, ainda, nítido primado do Poder Executivo (a Revolução fez-se contra o Poder Legislativo e a classe política, enfraquecendo, conseqüentemente, a representação dos Estados no Poder Federal): a moderna tendência centralizadora, com a atribuição de poderes cada vez maiores à União, manifesta-se em consonância com a escalada do intervencionismo estatal, abandonadas as concepções puramente liberais.

5.6.3.4.1. Isso é decorrência do desenvolvimento industrial e da explosão tecnológica (NOTA N°40): e o Estado pode assegurar aos jurisdicionados todos os direitos, EXCETO O DE PROVOCAR SUA DESTRUIÇÃO. Se a prática das instituições aparta-se da realidade social, se o Direito não evolve coerentemente com sua finalidade de regular e aperfeiçoar as relações sociais, o Estado deverá defender-se. A construção federativa não repousa apenas na repartição de competências, na assecuração da autonomia das unidades federadas, limitada entretanto pelo Mínimo Federativo, e na enumeração taxativa das hipóteses permissivas de intervenção: a prática das instituições, como de resto toda a organização e funcionamento estatais, depende da educação política dos jurisdicionados, depende da atuação dos partidos políticos, não apenas como entidades detentoras do monopólio de captação dos sufrágios e sim como orientadoras do processo político, depende da cotidiana vivificação, por governantes e governados, das normas amorfas contidas nos textos legais e das diversas soluções adotadas com referência ao processo representativo (meio e não fim). O objetivo é sempre o das "metas constitucionais supremas: desenvolvimento e segurança nacional".

5.7. É o eterno dilema: LIBERDADE - AUTORIDADE, também na vida federativa. Sua conciliação resultará sempre em um equilíbrio permanentemente tenso e instável, cujo rompimento acarretará desnaturação da estrutura.

5.7.1. O valor essencial do Federalismo (GEORGES SCELLE) consiste, realmente, na conciliação (ou tentativa de) dessas duas tendências ou necessidades opostas, contraditórias e aparentemente inconciliáveis, incompossíveis: a de unidade Estatal, de segurança da Federação, para a manutenção do vínculo federativo e a de liberdade, de autonomia, das unidades que o integram. Rompido esse equilíbrio pela exacerbação da primeira tendência, resultará um Estado Unitário; se, ao contrário, as Unidades Federadas delirarem em suas autonomias, pela inobservância do Mínimo Federativo, teremos o rompimento do vínculo e o nascimento de novos Estados - independentes.

5.7.2. A intervenção é uma espada permanentemente alçada sobre a autonomia das Unidades Federadas, para obviar o rompimento do vínculo federativo, enquanto que os excessos centralizadores encontram no controle de constitucionalidade seu mais eficaz obstáculo: a Constituição Federal, como Estatuto da Federação, como norma suprema, impõe-se igualmente ao Poder Federal e às Unidades Federadas.

5.8. O Federalismo é, realmente, um dos princípios gerais do Direito Constitucional Moderno (NOTA N°41), desenvolvendo-se, porém, cada vez mais, a tendência centralizadora, interna como interestatalmente. As bases da Federação Mundial estão lançadas e dela, pela ação de catalizadores internos (superpopulação, poluição, etc.) ou externos (ainda no domínio da Ficção Científica), deverá surgir um Estado Unitário, no qual Homem e Máquina disputarão o Poder. Que a luta pela emancipação humana leve à vitória final da liberdade sobre a opressão e do Direito contra o arbítrio.

 

Partes: 1, 2, 3


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