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Junto com os fins, surgiram os meios. Ao mesmo tempo que a educação se torna um instrumento estratégico da reprodução social e de promoção das populações, surgem as tecnologias que permitem dar um grande salto nas formas, organização e conteúdo da educação. Informática, multimidia, telecomunicações, bancos de dados, videos e tantos outros elementos se generalizam rapidamente. A televisão, hoje um agente importante de formação, pode ser encontrada nos domicílios mais humildes. Os custos destes instrumentos estão baixando vertiginosamente.
Partindo das tendências constatadas em diversos paises, vislumbramos um conceito de educação que se abre rapidamente para um enfoque mais amplo: com efeito, já não basta hoje trabalhar com propostas de modernização da educação. Trata-se de repensar a dinâmica do conhecimento no seu sentido mais amplo, e as novas funções do educador como mediador deste processo.
As resistências à mudança são fortes. De forma geral, como as novas tecnologias surgem normalmente através dos paises ricos, e em seguida através dos segmentos ricos da nossa sociedade, temos uma tendência natural a identificá-las com interesses dos grupos econômicos dominantes. E a verdade é que servem inicialmente estes interesses. No entanto, uma atitude defensiva frente às novas tecnologias pode terminar por acuar-nos a posições em que os segmentos mais retrógrados da sociedade se apresentam como arautos da modernidade.
Com as transformações revolucionárias que atingem o universo do conhecimento em geral, dotar-se de instrumentos e instituições adequados de gestão nesta área constitui seguramente um eixo essencial de ruptura do nosso atraso.
Não se trata de inundar as escolas e outras instituições de computadores, como que caídos de pára-quedas. Numerosos estudos feitos em empresas mostram como a simples informatização leva apenas a que as mesmas bobagens sejam feitas com maior rapidez, além do acúmulo de equipamento sofisticado utilizado como máquinas de escrever. Trata-se de organizar a assimilação produtiva de um conjunto de instrumentos poderosos que só poderão funcionar efetivamente ao promovermos a mudança cultural , no sentido mais amplo, correspondente.
Esta mudança cultural, de civilização, é planetária. Para dar um exemplo, todos já vimos notícias sobre a perda da importância relativa da agricultura. Nos Estados Unidos, ela envolveria quando muito 2% da população ativa. No entanto, ao olharmos de mais perto, constatamos que em torno destes 2% que são realmente muito poucos, funcionam empresas que prestam serviços de inseminação artificial, outras que prestam serviços de análise de solo, outras ainda que organizam sistemas de estocagem e conservação da produção, ou prestam serviços de pesquisa, meteorologia e assim por diante. Quando formos somando as diversas atividades diretamente ligadas à agricultura, mas que não trabalham a terra, chegaremos a pelo menos 20% da população ativa americana. Em outros termos, o que está acontecendo não é o desaparecimento da agricultura: mudou a forma de fazer agricultura, com menos atividade de "enxada", perfeitamente passível de mecanização, e muito mais conteúdo de organização do conhecimento.
A indústria, com algumas décadas de atraso relativamente à agricultura, está seguindo o mesmo caminho. O número de trabalhadores industriais, do chamado setor secundário, está diminuindo por toda parte, gerando um desemprego inclusive muito sentido nos centros industriais tradicionais do Estado. Mas na realidade, enquanto a atividade operacional junto à máquina se reduz rapidamente, desenvolvem-se atividades de organização, pesquisa, gerenciamento, design e outras que têm sido chamadas de atividades "intangíveis", porque não levam a um produto físico, não trabalham com uma máquina concreta. Muita gente tem chamado estas atividades com o termo vago de serviços. Mas na realidade, trata-se de uma forma mais intensiva em conhecimento de desenvolver atividades de transformação produtiva industrial.
Surgem também com força e peso renovados as atividades ligadas às políticas sociais, que prestam serviços diretamente às pessoas, como a saúde, o imenso setor vagamente chamado de indústria do entretenimento, e a própria educação que se generaliza para atingir todas as pessoas e todas as idades. São áreas muito intensivas em conhecimento, e que são capilares, ou seja, precisam chegar a cada pessoa, cada família, de maneira específica e diferenciada, exigindo sistemas muito complexos de organização e gerenciamento, o que implica em mais conhecimento.
Não menos importantes são as atividades de governo. Ainda que o discurso ideológico sobre Estado mínimo renda votos, o mundo realmente existente vê as atividades públicas crescer em todo o planeta. Não há mistério nisto, e muito pouca ideologia. Com a urbanização, coisas que eram realizadas individualmente por cada família, no mundo de populações rurais dispersas, exigem agora serviços públicos articulados, como água, energia, esgoto, ruas, redes escolares e assim por diante, serviços que exigem visão de conjunto, planejamento, respeito aos interesses sociais e ambientais, e que funcionam muito mal em mãos privadas. É interessante ver hoje que uma instituição tão insuspeita de "estatismo" como o Fundo Monetário Internacional apresenta dados que demonstram rigorosamente que quanto mais desenvolvidos os países, maior é, proporcionalmente, a dimensão dos serviços públicos. Só que estes serviços de organização e gerenciamento social exigem hoje mais do que a tradicional burocracia: precisem ser ágeis e flexíveis. Isto exige não só uma grande intensidade em informação, como o acesso generalizado a esta informação, para que se garanta a democracia e a transparência.
Ou seja, a educação, e os sistemas de gestão do conhecimento que se desenvolvem em torno dela, têm de aprender a utilizar as novas tecnologias para transformar a educação, na mesma proporção em que estas tecnologias estão transformando o mundo que nos cerca. A transformação é de forma e de conteúdo.
Desta forma, não é apenas a educação que se defronta com novas tecnologias: estas mesmas tecnologias estão impactando todo o universo social, e e gerando novas dinâmicas onde o conhecimento vai se tornando gradualmente central. A transformação envolve praticamente todas as áreas de atividade, economia, política, cultura, a própria organização do tecido social e das nossas relações, além de provocar uma mudança radical de como utilizamos o nosso principal recurso não-renovável, o curto tempo da nossa vida.
A base técnica da revolução que estamos sofrendo é bastante simples. O ponto de partida é a adoção de um código binário: em vez de escrever por exemplo a letra "a", eu posso decidir, por convenção, a sua substituição por uma combinação de "0" e "1". Ou seja, substituimos uma representação gráfica, o "a", um desenho, por um símbolo abstrato que consiste na combinação de dois dígitos. Se optarmos por unidades de 8 dígitos, cada letra do alfabeto poderá ser substituida por algo como, por exemplo, 00101100. Como se trata de dois dígitos, com 8 posições, podemos ter 256 combinações, permitindo dar expressão não apenas ao alfabeto, como aos números, a um lá menor de um timbre determinado, a um ponto de cor numa tela, e assim por diante. E se aumentarmos o tamanho da "palavra" digital, de 8 para 16 posições, por exemplo, poderemos incluir todos os caracteres chineses, pois temos à nossa disposição 65.516 combinações.
Não é uma coisa nova, nem misteriosa. No código morse, usa-se também um código binário, de pontos e traços. Um pedido de socorro, por exemplo, S.O.S., é representado por tres pontos, tres traços, e tres pontos. Pode ser transmitido com sinais de lanterna, alternando tres piscadas curtas, tres longas e tres curtas. Os pontos e traços podem ser representados sob forma de luz, ou de som, pouco importa, conquanto possamos distinguir dois sinais diferentes.
Para ter dois sinais diferentes, basta uma variação. Esta variação se exprime graficamente como combinação de "0" e "1", mas pode ser representada concretamente com o polo positivo ou negativo em termos magnéticos, ou como uma variação de comprimento de ondas de luz e assim por diante. O essencial é que com uma variação, podemos dar expressão a dois sinais. E com a combinação de dois sinais, podemos dar a expressão a todo o universo de comunicação, seja de letras, de cores, de uma sinfonia ou de um filme, a toda a memória acumulada e registrada da humanidade. Entramos na era di-gital.
O segundo ponto desta revolução se prende ao fato da eletrônica moderna ter conseguido "ancorar" estes dígitos em movimentos de nível atómico, de elétrons, de fótons. Através dos avanços que geraram semi-condutores, transistores, circuitos integrados e micro-processadores, tornou-se possível transformar o "a" que escrevemos no teclado em sinais eletrônicos minúsculos que se gravam no disco rígido ou no disquete do nosso computador. Em outros termos, todo o acervo de conhecimento da humanidade passou para uma base que é, para todos os efeitos práticos, infinitamente pequena, e que se desloca na velocidade da luz. O conhecimento deixou de ser uma matéria para se tornar um "flúido" de maleabilidade ilimitada.
O terceiro ponto desta transformação, consistiu em organizar a "navegação" neste fluido informativo. Os movimentos de nível atômico não precisam necessariamente ter uma base material: podemos receber uma informação digital através de ondas, retransmitidas por um satélite, encaminhadas por um cabo ótico ou um fio de telefone. Aqui também nada é radicalmente novo. O telefone, ou fone a distância, nos permitia ouvir alguém que fala longe. Mas a transformação da voz em sinais elétricos no ponto de partida, e a sua reconversão em voz no ponto de chegada, se dava por analogia. Uma boa imagem para lembrar a diferença nos vem dos antigos discos com agulha: na gravação, a agulha vibrava ao som da música, gravando o disco. Quando escutamos a música, a agulha, ao passar pelos mesmos sulcos, vibra igualmente, e com o alto falante se obtém de novo a música. O sistema digital, por sua vez, permite que navegue da mesma forma a imagem, o símbolo, o som, codificados em dígitos. Isto gerou uma base comum para todo o sistema de conhecimento, e tornou possível a transmissão de gigantescas quantidades de informação sem deformações ou erros. E se há problemas na transmissão, o próprio código nos alerta.
O quarto ponto é um pouco menos visível, mas igualmente essencial: trata-se de organizar a busca das informações, de forma a que não nos vejamos afogados pelo excesso de dados. Recorreu-se aqui ao matemático britânico George Boole, que desenvolveu no século XIX metodologias de organização pensamento que foram resgatadas para a "busca" que fazemos na internet ou nos diversos instrumentos de navegação. Por exemplo, interessa-me consultar obras sobre a relação entre o salário e o desemprego, em países pobres, não anteriores a 1995. Isto em termos de instruções de busca significa que me interessa o conceito salário e o conceito desemprego, ou ainda todas as obras onde aparece o conceito de salário ou o de desemprego, e assim por diante.
Tece-se assim a gramática que dá sentido à busca, permitindo sucessivos afinamentos que nos levam ao ponto certo, mesmo entre bilhões de unidades de informação.
O quinto ponto é um resultado: o sistema digital permitiu a rápida convergência de todos os instrumentos que geram, transmitem e recebem informação sob suas diversas formas.
O conhecimento, o dado, o símbolo, tudo trafega neste gigantesco aglomerado onde telefonia (voz), televisão (imagem), e informática (informação) se articulam para formar o que Dênis de Morais chama de infotelecomunicação , presente na lição de casa das nossas crianças, na música do nosso CD, na escolha dos produtos no supermercado, no código de barras, no cartão de crédito, nas nossas horas de lazer, na forma de organizarmos o nosso trabalho, no conhecimento que Estado e empresas têm das nossas atividades, na maneira e no horário dos bombardeios de uma guerra, além da forma como as próprias bombas são guiadas. De certa forma, não podemos evitar o óbvio: este conjunto de atividades agigantou-se de maneira fenomenal, adquirindo um papel absolutamente central nas atividades humanas em geral.
O resto é uma corrida de aplicações. O computador ganha todo dia novos softwares que organizam a "ponte" entre o que vemos na tela e sua expressão ao nível do microprocessador. Os próprios micro-processadores ganham todo ano maior velocidade e capacidade. A transmissão passa gradualmente do cobre para a fibra ótica.
O planeta se vê enfeixado por satélites geo-estacionários, que cobrem todo o espaço terrestre, e permitem que qualquer escola isolada da Mongólia, por exemplo, tenha acesso a qualquer acervo de conhecimentos informatizados de qualquer universidade ou empresa do mundo. Os oceanos recebem nos seus leitos os cabos óticos intercontinentais, que devem permitir a transmissão instantânea de gigantescas massas de informação. As rodovias ganham valetas com cabos óticos, gerando gradualmente uma nova e gigantesca teia de aranha planetária que revoluciona simultaneamente a telefonia, a televisão, o acesso a banco de dados e a bibliotecas, as relações entre empresas ou entre departamentos de uma empresa. 0 acervo de conhecimento de toda a humanidade é transformado num gigantesco sistema de vasos comunicantes, onde todos podem ter acesso a tudo
Esta conectividade instantânea de qualquer ser humano, de qualquer unidade residencial ou de trabalho, em termos de informação e de comunicação, gera por sua vez uma dramática transformação nas relações humanas: a internet vem por primeira vez colocar à disposição de qualquer pessoa com os conhecimentos e recursos necessários - e se trata aqui de uma condicionante de imensa importância - a possibilidade de se comunicar, a partir de qualquer ponto, com qualquer outro usuário do planeta. Forma-se rapidamente o que tem sido chamado de sociedade em rede . A internet é simplesmente o sistema de suporte organizado à comunicação planetária.
Quando o conhecimento se torna um elemento chave de transformação social, a própria importância da educação muda qualitativamente. Deixa de ser um complemento, e adquire uma nova centralidade no processo.
Por enquanto, as novas tecnologias são um instrumento, à espera do tipo de utilização que dele faremos. O que representa para nós, como instrumento de transformação da educação, o fato do conhecimento passar a se apresentar como um fluido não-material que banha o planeta e que circula praticamente na velocidade da luz?
É nesta velocidade que podem ser estocados, transformados, ou transmitidos para qualquer parte do mundo, textos, imagens de desenhos ou pinturas, músicas, fotos, filmes, fórmulas matemáticas. O longo processo técnico e econômico que conectou grande parte das escolas, instituições de pesquisa, bibliotecas, empresas, organizações comunitárias e domicílios com o mundo de eletricidade, telefone e antenas de rádio e televisão, permite hoje o funcionamento de uma imensa rede de comunicação científica e cultural, uma conectividade universal jamais prevista nas suas dimensões. Frente a este tipo de inovação, a invenção da imprensa por Gutenberg, com toda a sua importância, aparece como um avanço bem modesto, por revolucionária que fosse na época.
Pondo de lado os diversos tipos de exageros sobre a "inteligência artificial", ou as desconfianças naturais dos desinformados, a realidade é que a informática, associada às telecomunicações, permite:
a) estocar de forma prática, em disquetes, em discos rígidos e em discos laser, e cada vez mais simplesmente na "rede", gigantescos volumes de informação. Estamos falando de centenas de milhões de unidades de informação que cabem no bolso, ou que sequer precisam de bolso, pois passam a ser universalmente acessíveis a partir de qualquer ponto, com ou sem fio.
b) trabalhar esta informação de forma inteligente, permitindo a formação de bancos de dados sociais e individuais de uso simples e prático, e eliminando as rotinas burocráticas que tanto paralisam o trabalho científico. Pesquisar dezenas de obras para saber quem disse o que sobre um assunto particular, "navegando" entre as mais diversas opiniões, torna-se uma tarefa extremamente simples;
c) transmitir a informação de forma muito flexível, hoje através do telefone conectado ao computador, amanhã via cabo de fibras óticas ou antenas, de forma barata e precisa. Inaugura-se assim uma nova era de comunicação de conhecimentos. Isto implica que de qualquer sala de aula ou residência, podem ser acessados dados de qualquer biblioteca do mundo, ou ainda que as escolas podem transmitir informações científicas de uma para outra;
d) integrar a imagem fixa ou animada, o som e o texto de maneira muito simples, ultrapassando a tradicional divisão entre a mensagem lida no livro, ouvida no rádio ou vista numa tela; nada impede, neste universo, um aluno de escrever um poema com pinturas e cores que o acompanham, e uma música de fundo correspondente. O dígito não discrimina entre símbolo, cor, número, voz.
e) manejar os sistemas sem ser especialista: acabou-se o tempo em que o usuário tinha de aprender uma "linguagem", ou simplesmente tinha que parar de pensar no problema do seu interesse científico para pensar no como manejar o computador. A geração dos programas "user-friendly", ou seja "amigos" do usuário, torna o processo pouco mais complicado que o da aprendizagem do uso da máquina de escrever; mas exige também uma mudança de atitudes frente ao conhecimento de forma geral, mudança cultural que esta sim é freqüentemente complexa.
Trata-se aqui de dados bastante conhecidos, e o que queremos notar, ao lembrá-los brevemente, é que estamos perante um universo que se descortina com rapidez vertiginosa, e que será o universo do cotidiano das pessoas que hoje formamos.
Por outro lado, as pessoas só agora começam a se dar conta de que o custo total de um equipamento de primeira linha, com enorme capacidade de estocagem de dados, impressora laser, modem para conexão com telefone, scanner para transporte direto de textos ou imagens do papel para a forma magnética, é da mesma magnitude que um bom aparelho de televisão, ou pouco mais. Hoje temos aparelhos de televisão em 92% dos domicílios do país. E estes custos estão caindo vertiginosamente. Ainda há pouco tempo, uma ligação telefônica para o exterior era caríssima: hoje podemos nos conectar durante horas a preços baixíssimos. É a nova conectividade planetária.
A variável dos custos é importante: quando com o preço da construção de uma escola pode-se comprar milhares de equipamentos de informática e de vídeo, a composição tecnológica dos investimentos na educação deve ser colocada em discussão. Por outro lado, um livro científico médio hoje custa cerca de 50 reais, valor que permite comprar em CD uma enciclopédia universal. Transmitir os dados de um livro científico informatizado, por modem, custa dezenas de vezes menos do que a fotocópias com as quais tantos professores se "defendem".
Não há dúvida que é perfeitamente legítima a atitude de uma professora de periferia, que se debate com os problemas mais dramáticos e elementares, e com um salário absurdo: "o que é que eu tenho a ver com isto?" Faz parte da nossa realidade, ainda, a luta pelo "Aurélio". Mas a implicação prática que vemos, frente à existência paralela deste atraso e da modernização, é que temos que trabalhar em "dois tempos", fazendo o melhor possível no universo preterido que constitui a nossa educação, mas criando rapidamente as condições para uma utilização "nossa" dos novos potenciais que surgem.
O desafio não é simples: como professores, precisamos preparar os alunos para trabalhar com um universo tecnológico no qual nós mesmos ainda somos principiantes. É útil lembrar a história que nos traz Seymour Papert, em A Máquina da Criança: uma professora de informática se sentia cada vez mais ultrapassada pelo ritmo das crianças, que não só captavam muito facilmente o que ela ensinava, como iam adiante com maior rapidez. Numa aula, confrontada com uma pergunta que não sabia responder, e que sequer entendia, a professora teve um acesso de bom senso, e fez um novo pacto com os alunos. Doravante, ela não se sentiria obrigada a conhecer todas as áreas do que ensinava, sobretudo neste universo tão repleto de coisas novas. Ela passaria a orientar os alunos na sua aquisição de capacidades informáticas, e deixaria de ser uma repassadora de conteúdos. Ela, como professora, sabe organizar a aprendizagem, o que não significa que precisa saber tudo.
Voltamos assim à visão que apresentamos no início: mudam as tecnologias, mas também muda o mundo que devemos estudar, e precisam mudar as próprias formas de ensino. A informática não é apenas a chegada de novas máquinas. E neste caso, não resolve sequer a mentalidade do "manual de instruções": a compreensão das novas dinâmicas ainda está em plena construção.
Não é preciso ser nenhum deslumbrado da eletrônica para constatar que o movimento transformador que atinge hoje a informação, a comunicação e a própria educação constitui uma profunda revolução tecnológica. Este potencial pode ser visto como fator de desequilíbrios, reforçando as ilhas de excelência destinadas a grupos privilegiados, ou pode constituir uma poderosa alavanca de promoção e resgate da cidadania de uma grande massa de marginalizados, criando no país uma base ampla de conhecimento, uma autêntica revolução científica e cultural.
Nesta rearticulação da sociedade, hoje urbanizada e coexistindo em "vizinhanças", e frente ao novo papel do conhecimento no nosso cotidiano, as estruturas de ensino poderiam evoluir, por exemplo, para um papel muito mais organizador de espaços culturais e científicos do que propriamente de "lecionador" no sentido tradicional. De toda forma o espaço urbano abre possibilidades para a organização de redes culturais interativas que colocam novos desafios ao próprio conceito de educação.
Conforme vimos, tudo indica que não estamos enfrentando apenas uma revolução tecnológica. Na realidade, o conjunto de transformações parece estar levando a uma sinergia da comunicação, informação e formação, criando uma realidade nova, que está sendo designada como "sociedade do conhecimento". De certo modo, o processo reflete os primeiros passos do homo culturalis, em contraposição ao homo economicus dos séculos XIX e XX.
Entrar neste universo da modernidade cibernética, quando somos um país em grande parte subdesenvolvido, envolve dificuldades. De certa forma, precisamos traçar caminhos próprios, e não basta aplicarmos fórmulas desenvolvidas para países ricos. É útil lembrar alguns dados. Os gastos públicos por aluno nos ensinos pré-primário, primário e secundário, em 1990, foram de 2.419 dólares por ano nos paises ricos, contra 263 dólares nos paises do terceiro mundo. "De uma forma geral, constata a Unesco, são os paises mais pobres que fornecem a educação mais limitada". Ou seja, os que deveriam gastar mais em educação para alcançar os mais ricos, são justamente os que gastam menos. A esperança de vida escolar em certos paises é inferior a 500 dias, enquanto atinge 3.100 dias no Canadá.
É interessante notar que o balanço mundial da Unesco sobre a situação da educação no mundo presta um tributo ao que conseguimos fazer com os poucos recursos que temos: "Estudos internacionais realizados pela Asociación Internacional de Evaluación Escolar (IEA) demostraram que os estudantes dos países desenvolvidos não têm um rendimento muito superior - mais ainda, em alguns casos não é sequer melhor - em provas comparáveis de compreensão de leitura, aritmética e ciências, por exemplo, do que o dos estudantes relativamente pobres onde o gasto por aluno é muito inferior".
Isto mostra que dinheiro e tecnologia não é tudo. Mas implica sim que estamos trabalhando, em termos de educação, com universos profundamente diferenciados. O mesmo relatório internacional menciona que na cidade de São Paulo, o número de chefes de familia com menos de um ano de escolarização é 22 vezes superior na periferia do que nas áreas centrais da cidade.
Ampliando esta visão para o Brasil, o Relatório Nacional Brasileiro à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, (Copenhague 1995) constatou que "no que se refere aos 8 anos do ensino básico, apenas 34% dos que nele ingressam chegam à sua conclusão, no geral com um tempo de permanência 50% maior do que o período previsto. Existem também descompassos entre a oferta e a demanda, estimando-se em 4 milhões o número de crianças fora da escola, ao mesmo tempo que se verifica uma sobrecarga da rede pública. Apenas 1% da população chega à universidade, sendo que o ensino de segundo grau (do 9º ao 11º anos) representa outro grande afunilamento, já que somente 30% da população entre 15 e 19 anos de idade tem acesso a ele."
Como inverter a dinâmica de uma educação que hoje constitui um fator de reforço das desigualdades, como rearticular os diversos universos sociais cada vez mais distantes? O nosso desafio, portanto, não é só de introduzir novas tecnologias, com o conjunto de transformações que isto implica, mas também de assegurar que as transformações sejam fonte de oportunidades.
Resumindo as noções gerais, ou macro-tendências, que vimos até agora, e buscando sistematizar o que elas representam em termos práticas para a nossa ação, sugerimos os seguintes pontos de referência:
É necessário repensar de forma mais dinâmica e com novos enfoques a questão do universo de conhecimentos a trabalhar: ninguém mais pode aprender tudo, mesmo de uma área especializada. O velho debate que data ainda do século XVI, sobre se a cabeça deve ser bem cheia ou bem feita, torna-se mais presente do que nunca. "Encher" a cabeça tornou-se inviável, além de inútil.
Se o século XX foi o século da produção industrial, dos bens de consumo durável, o século XXI será o século da informação, da sociedade do conhecimento. Não há nenhum "futurismo" pretensioso nesta afirmação, e sim uma preocupação com as medidas práticas que se tornam necessárias, e cujo estudo deve figurar na nossa agenda. Não podemos mais trabalhar com um universo simplificado da educação formal, complementado por uma área de educação de adultos para recuperar "atrazos". E na realidade, diversas formas e canais de organização e transmissão do conhecimento já existem, enriquecendo o leque do universo educacional.
Neste sentido, a convergência tecnológica que vimos mais acima, que funde a telefonia, a informática e a televisão num grande sistema interativo de gestão do conhecimento, nos leva a que a educação deixe de ser um universo em sí, e se torne um articulador dos diversos espaços do conhecimento. Estes espaços hoje comunicam naturalmente, na medida em que todos têm um denominador comum, o sistema digital de informações. São apenas dimensões, formas de apresentação, embalagens diferenciadas do mesmo universo. A sua segmentação frequentemente resulta mais das heranças institucionais e organizacionais que herdamos de outros tempos, do que propriamente de qualquer lógica e racionalidade em função da sua utilidade prática.
Um bom exemplo da diversificação dos espaços educacionais nos é fornecido pela formação nas empresas. Atualmente, as empresas norte-americanas gastam cerca de 60 bilhões de dólares com formação nas empresas. A importância deste novo segmento da educação pode ser avaliada se lembrarmos que os EUA gastam cerca de 6,8% do PIB com educação pública, ou seja cerca de 340 bilhões de dólares, enquanto a formação nas empresas também se cifra em mais de 100 bilhões, cifra próxima da totalidade dos gastos públicos com o ensino de terceiro grau. Não há dúvida que o universo empresarial brasileiro está dramaticamente atrasado nesta área, como aliás os Estados-Unidos estão atrasados relativamente ao Japão ou à Alemanha. Mas o fato é que este espaço está conhecendo um desenvolvimento muito rápido em todos os paises, já não mais limitado aos empresários com "consciência social", mas generalizado pela própria complexidade crescente dos processos produtivos. Grandes empresas estão inclusive se dotando de universidades corporativas, que já são mais de 1.300 nos Estados Unidos. No Brasil já temos 8 universidades empresariais instaladas, e cerca de 40 em fase de preparação.
É preciso levar em conta uma profunda transformação que está ocorrendo na área empresarial: enquanto a produção tradicional podia se contentar com um trabalhador pouco formado, sendo a educação vista essencialmente como um "bandaid social" que permitia falar em "igualdade de chances à partida", hoje o setor empresarial moderno passa a precisar crescentemente da educação para o seu próprio desenvolvimento. Em outros termos, se os Estados Unidos investem este volume de recursos na formação nas empresas, e o Japão e a Alemanha cerca de 2 ou 3 vezes mais, não se trata de idealismo, mas de uma transição exigida pelo próprio ritmo de transformações tecnológicas. Pode-se gostar ou não da tendência, mas o fato é que se trata de uma nova área que adquiriu peso da mesma ordem de grandeza que a educação formal. Podemos discutir as formas de articular os nossos esforços com esse universo. O que não podemos nos permitir, é ignorá-lo.
Outra área que está surgindo com força, pelo potencial que representa, é a reorientação da televisão e da mídia em geral. Há um gigantesco capital acumulado, que são os aparelhos de televisão instalados em 92% dos domicílios do país, as infraestruturas de transmissão e retransmissão, o imenso know-how acumulado pelos técnicos em comunicação no Brasil. Um bom exemplo do aproveitamento deste capital é o Public Broadcasting Service (PBS) dos Estados Unidos, assistido por mais de 90 milhões de pessoas, com programas educacionais diversos de gigantesco impacto cultural no país. A rede não é nem privada nem Estatal, é gerida por um conselho que envolve televisões locais e organizações comunitárias, com forte representação de instituições de ensino.
Se considerarmos que a população, e em particular as crianças, assistem a programas de televisão algumas horas por dia, é evidente que uma reorientação da nossa mídia, no sentido de elevar o nível científico e tecnológico da população, poderia ter efeitos muito significativos. E a rede tem índices de audiência muito elevados, pela própria qualidade dos programas e estrutura descentralizada que permite participação local efetiva. A PBS gasta anualmente cerca de 1,3 bilhões de dólares. No Brasil gastamos anualmente cerca de 5 bilhões de dólares em publicidade. A Fundação Anchieta, pioneira nesta orientação com a TV-Cultura, permanece uma jóia solitária no deserto intelectual das grandes redes de TV, e se vê submetida a fortes pressões de cunho comercial.
Diretamente vinculado à televisão, mas constituindo hoje um processo autônomo extremamente importante, é o vídeo. Retomando o mesmo exemplo da televisão americana, a Pbs-video abastece toda a rede educacional, hospitais, organizações comunitárias etc., com cassetes de vídeo, racionalizando o acesso ao gigantesco acervo de filmes científicos e educativos que hoje existem no mundo. No Brasil, temos a Associação Brasileira de Vídeo Popular, e todo o movimento pela Lei da Informação Democrática que abraçou a luta pela ampliação e democratização dos espaços educacionais, luta que deveria ser de todo a comunidade educacional e científica em geral.. O universo da educação formal, entre professores e alunos, representa no Brasil cerca de 40 milhões de pessoas, mais de 20% da população. A ausência ou quase ausência do movimento organizado dos educadores na luta pela democratização dos meios de comunicação de massa e da informação em geral é particularmente grave, e reflete a insuficiente compreensão de que não se trata só da educação, mas do conjunto das áreas ligadas ao universo do conhecimento.
É importante lembrar que com a internet ligada com cabo, ninguém precisará mais de videoteca, os filmes poderão ser passados diretamente em qualquer sala de aula com computador.
Um outro espaço do conhecimento em plena expansão é o dos cursos técnicos especializados. A expansão é compreensível, já que com o surgimento de inúmeras novas tecnologias, os mais diversos segmentos da população buscam cursos de design, de programação, de inseminação artificial e outras técnicas agrícolas, bem como apoio técnico para criação de micro e pequenas empresas etc. Esta área ocupa um espaço crescente, e não pode mais ser descartada como atividade marginal, como no tempo dos cursos de datilografia. Em reuniões organizadas em São Paulo, a Câmara Júnior de Comércio do Japão expôs como 60 mil pequenas empresas japonesas, conectadas por computador, cruzam diariamente as suas propostas ou dificuldades tecnológicas. Assim por exemplo, um trabalhador que enfrenta uma dificuldade técnica determinada, descreve-a no computador, e recebe no dia seguinte na sua tela comunicações sobre que empresa resolveu de que maneira esta dificuldade. Em outros termos, em vez de multiplicar cursinhos de qualidade freqüentemente duvidosa, o Japão trabalha nesta área com a criação de um ambiente tecnológico integrado, que envolve tanto cursos como comunicações informais, e sobretudo a formação de uma cultura associativa e colaborativa das empresas. Pode-se pensar que isto não tem nada a ver com educação. Ou pode-se pensar que a educação tem muito a ver com os sistemas concretos de produção e distribuição de conhecimentos de forma geral.
Uma outra área de trabalho que deve passar a interessar a educação é a organização do espaço científico domiciliar. Nestes tempos de Internet e outros produtos, um número crescente de professores está se interessando hoje em organizar o seu espaço de trabalho em casa, ultrapassando a visão de pilhas de papel, de livros perdidos e esquecidos. Como este problema deve ser enfrentado ao nível da criança, que carrega entre a casa e a escola volumes absurdos de material, sem a mínima orientação de como se organiza conhecimento acumulado de forma a torná-lo acessível quando necessário? Longe de ser secundária, a criação de ambiente propício na casa é hoje fundamental, e trata-se de trabalhar este assunto de forma organizada, na linha de ergonomia do trabalho intelectual, entre outros. É importante entender que entre a nossa geração e a geração dos nossos filhos, o volume e tempo de vida da informação mudaram radicalmente, e o que já é um problema para nós, será um problema muito maior para eles. Trata-se sem dúvida ainda, entre nós, de um problema da classe média. Mas dentro de poucos anos, quando os preços dos sistemas informáticos não se contarão mais em milhares, e sim em algumas centenas de dólares, já não será mais.
A atualidade deste espaço educacional é reforçada pelos avanços recentes das telecomunicações, que ultrapassaram de longe o ritmo de inovação da própria área informática. Um balanço realizado pela União Européia, aponta em particular para as importantes implicações destes avanços para a área da educação: "O fornecimento de serviços educacionais a distância, utilizando as infraestruturas avançadas de telecomunicações que hoje o tornam possível, constitui a única opção viável para que a dimensão européia da educação se torne uma realidade acessível para todos, e não restrita a uma pequena elite...A tecnologia hoje torna possível que as telecomunicações desempenhem um papel chave na democratização da informação e do conhecimento, equilibrando o problema de como (e não "se") o conhecimento será acessado não só pelos prósperos (cidadãos urbanos bem formados da faixa superior) mas também pelos marginalizados (seja por razões de distância geográfica, de deficiências individuais ou qualquer outra razão)."
Outro espaço que está surgindo com força é o espaço do conhecimento comunitário. Trata-se de uma área até hoje fundamentalmente trabalhada pelas Organizações Não Governamentais (as ONG's) de diversos tipos, Organizações de Base Comunitária (OBC's), Organizações da Sociedade Civil (OSC), organizações religiosas e tantas outras, que vão compondo gradualmente este novo universo chamado de Terceiro Setor. A sua importância tem sido sistematicamente subestimada no Brasil. É importante lembrar que só nos Estados Unidos o setor sem fins lucrativos, como lá é chamado, representa uma contribuição ao PIB de 700 bilhões de dólares por ano, mais do que a totalidade do PIB brasileiro. Não se trata de aprovar ou não este tipo de iniciativas, e sim de constatar que se elas se desenvolvem com tanto dinamismo, é que há um vazio não preenchido. A força deste processo, com as suas dimensões positivas e negativas, resulta da própria força do processo de urbanização, e que torna a comunidade organizável em torno do chamado "espaço de vida". A articulação com as ONG's e organizações de base comunitária, hoje intensamente conectadas aos meios modernos de comunicação, pode ser a base de um excelente canal de articulação da escola e de cada ensino específico com os problemas realmente sentidos na comunidade.
Outra área em plena expansão e que precisa de uma "reengenharia" institucional é a área de Pesquisa e Desenvolvimento. A pesquisa no Brasil apresenta duas características que devem ser vistas com realismo: o distanciamento entre a academia, a empresa e a comunidade, por um lado, e a frágil coordenação entre centros científicos por outro. Quando se visita os diversos campi científicos, fica-se impressionado a que ponto se trata de ilhas, ou de um "arquipélago" de instituições com frágil complementaridade e sinergia. Hoje qualquer pesquisador acessa em segundos no seu computador a produção científica da Europa ou dos Estados Unidos, via Internet, mas tem muito mais dificuldade para acessar a produção de outras instituições do seu próprio Estado, ou às vezes de sua própria cidade.
É essencial, de toda forma, tomar consciência que a existência das tecnologias modernas de comunicação torna hoje simples e barato realizar um salto qualitativo na convergência dos trabalhos de ciência e tecnologia no país, permitindo ao mesmo tempo maior contato entre as instituições científicas e a melhor articulação com setores empresariais e de ciência aplicada, abrindo espaço para um ambiente de progresso científico e cultural generalizado. Para a escola, e para cada professor individualmente, organizar a ponte direta de comunicação com os centros de pesquisa pode constituir uma base importante de diversificação e enriquecimento de ensino, na medida em que deixa de exigir visitas e deslocamentos caros em tempo e dinheiro.
A formação de adultos é um espaço que precisa ser revisto em profundidade. Não se pode tratar o adulto como uma criança, que precisaria recuperar o "atraso". O adulto está profundamente integrado na luta pela vida, e sistemas que infantilizam são simplesmente humilhantes. Num estudo realizado na Costa Rica, contatamos diversas comunidades no intuito de identificar prioridades educacionais, imaginando que a educação fosse a serviço delas. As propostas que surgiram se ordenaram claramente segundo três grupos de interesses. Um primeiro grupo envolve o conhecimento dos direitos individuais e comunitários, dos canais burocráticos de acesso à administração local, de organização comunitária: é a comunidade tentando fortalecer os seus "músculos" políticos. Um segundo grupo envolve técnicas de autoconstrução; organização de pequenas e micro-empresas, tecnologia de esterilização de água, formas de construção de pequenas infraestruturas, e outras técnicas ligadas à construção física do espaço comunitário. Um terceiro grupo, enfim, envolve um conjunto de áreas de conhecimento que permitem enfrentar o desemprego: corte e costura, carpintaria, micro-produção caseira etc
No conjunto, as propostas são excepcionalmente coerentes, e mostram que o processo é viável ao se colocar a educação no nível de prestação de serviços, e não como uma imposição tecnocrática ou burocrática como foi o Mobral. Na realidade, trata-se de associar o processo educacional de uma comunidade com o conjunto dos seus esforços de modernização, desenvolvimento e recuperação de cidadania. Não se trata de questionar o universo formal de conhecimentos, e sim de integrá-lo com o processo real de transformação do cotidiano que o adulto procura.
Em outros termos, trata-se menos de oferecer um "pacote" fechado de conhecimentos, e mais de se colocar a educação ao serviço de uma comunidade que moldará o universo de conhecimentos de que necessita segundo os momentos e a dinâmica concreta do seu desenvolvimento. E neste processo é o conjunto de instrumentos, desde a aula convencional até os sistemas baratos e modernos de TV comunitária, e as novas conquistas tecnológicas, que poderão ser utilizados, num processo em que o educador é mais um "parteiro" do potencial local do que propriamente fonte de saber.
Quando repensamos a educação formal neste contexto, é para considerá-la como atividade central e organizadora, e não mais como eixo único de formação. Em outros termos, a escola tem de passar a ser um pouco menos "lecionadora", e bastante mais organizadora, ou estimuladora, de um processo cujo movimento deve envolver os pais e a comunidade, integrando os diversos espaços educacionais que existem na sociedade, e sobretudo ajudando a criar este ambiente científico-cultural que leva à ampliação do leque de opções e reforço das atitudes criativas do cidadão.
Nesta linha, o ensino superior deveria ser profundamente revisto, na medida em que poderia buscar maior impacto de mobilização das transformações, ultrapassando o seu papel hoje tão estreito de formação de elites corporativas. Em termos de cronologia do ensino, este espaço deveria ultrapassar o seu formato fechado, de licenciatura em 4 ou 5 anos, para se abrir a ciclos de atualização científica do estudante de qualquer idade. Em outros termos, é importante que um professor de matemática possa cursar um semestre de informática para se atualizar, sem necessariamente cursar toda uma faculdade, e que o conjunto de adultos profissionais do país possam passar a ver na educação superior um espaço permanente de atualização. O fechamento existente entre a carreira "acadêmica" e as carreiras "técnicas" constitui simplesmente um anacronismo. Estamos na era da flexibilidade.
Finalmente, devemos abrir a escola para o mundo que a cerca. Uma proposta prática é assegurar que crianças já no início da adolescência visitem de forma sistemática e programada diversos tipos de empresas, bancos, micro-empresas familiares, empresas públicas etc., rompendo com a situação absurda do aluno ver a distancia entre o que aprendeu e o mundo real somente quando chega aos 18 anos. Há experiências numerosas neste sentido, e devemos tomar medidas renovadoras com urgência. E não podemos mais considerar o aluno como pessoa em "idade escolar", porque há cada vez menos "idade" para isso.Um exemplo evidente é a universidade para idosos: como a terceira idade é hoje um período da ordem de duas a três décadas, a formação para um conjunto de atividades possíveis adquiriu grande importância.
De forma geral, o professor funciona num espaço só, a escola. Mas o aluno constrói gradualmente a sua visão de mundo a partir de um conjunto de espaços que hoje trabalham o conhecimento, e a conexão da escola com estes diversos universos, tornada possível pelas novas tecnologias, é essencial. A escola pode celebrar convênios com emissoras de televisão para ter acesso a uma série de programas interessantes. Podem ser realizadas teleconferências com membros da comunidade sobre os problemas locais, para confrontar diversos pontes de vista. Podem ser entrevistados on-line especialistas científicos sobre um problema que um professor está discutindo no momento com alunos. Enfim, o potencial é imenso. Muitos professores têm a cabeça aberta para este tipo de inovações, de articulações dos diversos espaços do conhecimento.
Por outro lado, é freqüentemente difícil um professor tomar estas iniciativas, sem o respaldo da instituição onde trabalha. Em outros termos, não basta a adaptação da atitude e das práticas pedagógicas: é preciso organizar a escola, as diversas instituições, para que isto seja possível.
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