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A terceirização de serviços no âmbito da administração pública no Brasil e as consequências ao trabalhador (página 2)


Partes: 1, 2, 3

O objetivo visado aqui não é comprometido com ideologia de qualquer natureza, as citações levam em conta a adequação teórica às necessidades da discussão em foco, buscando do direito, uma base conceitual para compreendê-lo sob uma ótica do trabalho terceirizado, no que tange o sócio jurídico.

A análise das situações reais e hipotéticas na terceirização de serviços mostra quais as consequências para o trabalhador, tanto o terceirizado como do quadro próprio da contratante e identifica onde está à legalidade ou ilegalidade dos eventos e quais os reflexos trabalhistas, jurídicos e sociais em geral.

Quanto aos aspectos psicológicos e subjetivos que derivam das relações de trabalho entre o trabalhador terceirizado com a prestadora de serviços, também com o tomador de serviços e os empregados desta, torna possível visualizar as influências disto na vida social do trabalhador.

Por fim, através de apresentação da jurisprudência envolvendo os assuntos relacionados no trabalho, tem-se a noção da mudança das explanações nos julgamentos das demandas na Justiça do trabalho. Na apresentação dos projetos para a terceirização, dentro de uma ótica jurídica, inserem-se as perspectivas para esse instituto.

A terceirização é um assunto que demanda debate em diversas áreas da sociedade, o campo delimitado para pesquisa está em torno da visão empresarial, do sistema jurídico trabalhista e do trabalhador.

Procurou-se abster da ótica política, pois devido à multiplicidade de facetas neste campo, tornaria difícil uma análise mais concisa a respeito da terceirização, principalmente pela ênfase dada ao contexto da Administração Pública.

2 O CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇAO DA TERCEIRIZAÇAO NO BRASIL

Em todo o momento histórico onde houve mudança no pensamento das pessoas, ele foi seguido por novas formas de ver o mundo e de agir, formando assim, numa visão hegeliana, um "movimento cíclico" na produção de ideologias, que servem ao interesse de uma ou outra classe, e quando usadas convenientemente, justificam suas ações.

Então, ubi societas, ibi jus[1]estamos diante de um dinamismo social para a produção do Direito, afirmando Reale (1995, p. 155) que "tudo que é capaz de modificar a sociedade, seus costumes, tradições e necessidades, pode produzir direito, uma vez que sua fonte material não tem origem determinada".

A sociedade atual reflete a transição em todas as esferas pela qual passa o mundo capitalista, onde novos modos de gestão da produção têm sido incorporados para atender as exigências do capitalismo moderno, configurando novas regras que afetam as sociedades em âmbito global na relação trabalho versus capital e com isso o manter a legítima existência deste último. (BICUDO, 2002, p. 27)

Transição esta, que pode ser caracterizada como efeito da globalização, ou seja, a aproximação mundial de mercados, culturas, maior interação mundial, socialização do conhecimento tecnológico, busca da universalização dos direitos humanos, etc. (BICUDO, 2002, p. 27)

A terceirização, veio das ideias de produção do fordismo[2]e toyotismo[3]sendo consequência de uma estratégia mundial de técnica moderna de produção, que converge o foco da empresa para as suas atividades fins, ou seja, àquelas que estão liga das diretamente ao processo de produção.

As atividades que não estão diretamente ligadas à produção são tidas como aquelas que podem ser contratadas por áreas especializadas, como uma maneira de a empresa se dedicar mais a uma sofisticação tecnológica que é exigida nas atividades fins.

No entendimento de Guilherme Mastrichi Basso, que vem apresentando o seguinte posicionamento:

O tema terceirização já foi analisado e decantado em prosa e verso em todas as revistas jurídicas do país e vem sendo estudado até mesmo por outros ramos da ciência preocupados com o aumento da produtividade, a diminuição de custos, a otimização de recursos humanos e materiais, a migração da mão-de-obra, as novas tecnologias, aí incluídas a engenharia e a sociologia, dentre outros. (BASSO, 2008, p. 89)

Desta forma, importa ressaltar que por ser um assunto que foi e é muito discorrido pelas diversas áreas do conhecimento, não se faz necessário o confronto de doutrinas uma com as outras com o fim de se chegar a um conceito enxuto de terceirização.

Conforme se verifica em Biavaschi (2008, p. 72), a terceirização não é assunto de debate fácil, pois afirma que: "uma das dificuldades de conceituá-la reside nas distintas formas por meio das quais se vem apresentando no mundo do trabalho, bem como na multiplicidade de conceitos que lhes são atribuídos por autores de diversas áreas do conhecimento".

Com isso, o intuito é o de apenas expor ideias que sirvam para um melhor entendimento sobre o instituto, ou seja, não seria viável detalhar e debater cada um dos vários pontos de vista, pois cada qual está focado naquilo que lhe é conveniente.

O sentido da denominação de terceirização vem do latim tertius, que significa a entrada de um estranho numa relacionamento entre duas pessoas. Tendo, portanto, como entendimento, o relacionamento entre duas pessoas, ou aquele entre a empresa que é o contratante e o seu cliente, sendo que o contratado estaria fora dessa relação, por isso então, ele é chamado de terceiro. (MARTINS, 2005, p. 19)

Viana (apud SOUTO MAIOR, 2009, p. 161), apresenta o seguinte posicionamento sobre a terceirização em relação às empresas, em que ela apresenta vantagens na redução de custos, crescimento de lucros, ingresso rápido e simples de mão de obra, elevação da produtividade com a concentração de forças no foco principal de atividade.

Percebe-se que no ponto de vista do capitalismo, a adesão ao instituto da terceirização soa melhor do que muitos investimentos que envolvam recursos próprios de uma empresa, embora não seja considerada ainda, a qualidade nos processos produtivos e da mão de obra.

No entanto, Márcio Túlio Viana, em outro estudo, expõe a terceirização em relação ao trabalhador, em que:

[...] não é diferente, sob alguns aspectos, do burro de carga ou do trator que o fazendeiro abastado aluga aos sitiantes vizinhos. Jogado daqui para ali, de lá para cá, é ele próprio – e não apenas sua força de trabalho – que se torna objeto do contrato, ainda que dentro de certos limites. Num passe de mágica, e sem perder de todo sua condição humana, o trabalhador se vê transformado em mercadoria. Seu corpo está exposto na vitrine: a empresa tomadora vai às compras para obtê-lo, e de certo modo o pesa, mede e escolhe. (VIANA, 2012, p. 201)

Além disso, não há o valor do trabalho, somente o preço como se fosse a matéria prima, onde tal preço, ainda é determinado pelo usuário final e diante da vulnerabilidade do trabalhador, não tem nenhum poder de negociação.

Ressalta ainda Viana (2012, p. 203), que quando se fala em terceirização, dificilmente percebe-se da sua complexidade, pois não se trata de um fenômeno isolado nem de uma simples questão jurídica.

A terceirização está inserida num processo que envolve praticamente quase todos os setores da sociedade, pois faz parte hoje, da cadeia produtiva do país, lançando reflexos a longo alcance.

Assim, seguindo uma evolução histórica e gradativa do instituto da terceirização e a conceituação já vista, tem-se, na conceituação do DIEESE (2007, p. 5), portanto, que é simplesmente onde uma empresa deixa de executar uma ou mais atividades que são realizadas por empregados contratados diretamente e as transfere à outra empresa.

Com isso, a empresa que terceiriza é a contratante ou tomadora de serviços e a empresa que executa a atividade terceirizada é a contratada, prestadora de serviços ou terceirizada. (DIEESE, 2007, p. 5)

Desse contrato entre as duas empresas, com numa relação especial entre elas onde, uma contratante, em um processo de terceirização, pode ser contratada em outro processo e vice-versa.

Tal processo se consolidou e passou a ser conhecido como down sizing ou outsourcing, que tem o significado de reconcentração de empresas ou desverticalização. (DIEESE, 2003, p. 5-6)

Importa agora, trazer o conceito de terceirização do contexto geral para um contexto mais específico, que pode ser, onde as atividades fim são executadas pela própria empresa ou podem ser terceirizadas.

Desta forma, uma empresa pode contratar outras empresas para as atividades meio, ou seja, é aquela que faz parte do processo de apoio à produção do bem ou do serviço, que é a razão de ser da empresa. Estas atividades não serão executadas por empregados próprios, uma vez que a contratada deverá ter fornecer a mão de obra.

O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) apresenta um reforço no conceito de terceirização no Brasil da seguinte forma:

O termo terceirização usado no Brasil não é uma tradução, mas o equivalente ao inglês outsourcing, cujo significado literal é fornecimento vindo de fora. Em português, é possível que terceirizar tenha como origem a idéia de um trabalho realizado por terceiros, no sentido amplo em que se usa a expressão como referência a algo feito por outros. (DIEESE, 2003, p.6)

A terceirização, como termo, foi usado pela primeira vez nos Estados Unidos da América, durante a 2ª Guerra Mundial. As indústrias bélicas precisavam produzir mais e decidiram se concentrar nas atividades-fim, ou seja, aquelas que faziam parte de um processo específico de produção do bem ou do serviço que é a razão de ser da empresa, por exemplo, a produção dos motores destinados a veículos produzidos em uma montadora de veículos. (CASTRO, 2000, 75)

Antes da 2ª Guerra Mundial as atividades prestadas por terceiros não poderiam ser conceituadas como terceirização, pois, conforme assinala Castro (2000, p. 75), somente a partir deste marco histórico é que se tem a terceirização interferindo na sociedade e na economia e seu estudo pelo Direito Social.

Num direcionamento dentro da esfera laboral, temos o entendimento jurídico de Delgado (2003, p. 429-430), apresentando a terceirização como um fenômeno para o direito do trabalho e possibilita a separação entre relação econômica e jus trabalhista que lhe seria correspondente e por ela o trabalhador é colocado no processo produtivo do tomador de serviços sem ter laços empregatícios com o mesmo.

Essa separação feita entre a relação do trabalhador com a empresa tomadora e a relação com a empresa terceirizada, traz um desarranjo no direito do trabalho no que tange aos seus clássicos princípios redistributivos e tutelares. (DELGADO, 2003, p. 429-430)

Parece existir disso, certa fragilidade do direito trabalhista na defesa do trabalhador em relação ao sistema capitalista, que deveras, é o ente hipossuficiente na relação empregatícia que permeia a terceirização.

Considerando que com o processo de terceirização surge um modelo de relação jurídica e sócio econômica, que pode ser chamado de trilateral, pois se difere daquele modelo de emprego onde era essencialmente caracterizado pela relação bilateral. (DELGADO, 2003, p. 429-430)

Nesse sentido, percebe-se que no instituto da terceirização, além do empregado e do empregador, há a inserção da figura do tomador de serviços.

Disso, podemos compreender a terceirização de serviços como a relação trilateral, que tem como objetivo possibilitar maior agilidade, flexibilidade e transformação do sistema produtivo, permitindo desta forma, a desverticalização das empresas, já que colabora para a especialização das atividades. (DELGADO, 2003, p. 430)

Tais atividades, embora não sejam caracterizadas como atividade-fim, interferem diretamente no resultado final do processo de produção, ou seja, estão ligadas ao mesmo fim.

No Brasil, a terceirização como novo tipo de técnica, começou a ser difundido nas décadas de 50 e 60, quando as primeiras multinacionais do setor automobilístico aqui se instalaram. Nesse contexto se inicia a então denominada contratação de serviço de terceiros, uma vez tal segmento buscava focar seus negócios apenas na montagem dos veículos, deixando para terceiros a tarefa de fabricar e fornecer os componentes. (SEKIDO, 2010, p. 9-10)

A partir disso, a terceirização ganhou mais impulso, com o surgimento de novas empresas prestadoras de serviços no ramo de conservação e limpeza e em seguida de vigilância, expandindo cada vez mais o campo de atuação para outros setores. (SEKIDO, 2010, p. 10)

Na época tal instituto ainda não era conhecido oficialmente pela denominação terceirização, pois o termo só ficou conhecido no direito apenas com a Lei nº 6.019/74, Lei do Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas.

Essa foi a primeira norma que tratou efetivamente da terceirização, mas que tratava somente da terceirização temporária, sendo que o instituto de caráter permanente só foi autorizado com a Lei nº 7.102/83, que tratava do trabalho de vigilância bancária.

Com a Lei nº 8.949/94, que adicionou o parágrafo único do art. 442 da CLT, tem-se que, in verbis: "Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela". (BRASIL, 2014)

Verifica-se, portanto, que após a instauração de tal dispositivo, começaram com a criação e desenvolvimento das cooperativas de trabalho para a realização de atividades diversas, executadas nas áreas rurais e também nas áreas urbanas.

A partir da Lei nº 8.987/95, regulamentou-se o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e vem em seu artigo 25, § 1º, prevendo que, in verbis: "a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados". (BRASIL, 2014)

Para o DIEESE (2003, p.), a terceirização em quase todos os países capitalistas, teve seu desenvolvimento acelerado a partir do início da década de 70, a partir da 3ª Revolução Industrial e que se prolongou até os últimos anos, sendo como um rearranjo produtivo.

É visível este desenvolvimento seguindo a cronologia dos dispositivos apresentados que, embora não sejam específicos ao instituto da terceirização, em alguns momentos margeiam o assunto.

Num contexto de evolução do instituto da terceirização no Brasil, mas voltado para um cenário globalizado, o DIEESE (2003, p. 9) apresenta o seguinte posicionamento, afirmando que era primordial para as empresas garantirem posição no mercado globalizado, mesmo que este não apresentava as melhores perspectivas econômicas.

Com isso, destacando que:

Por esse motivo, as empresas brasileiras definiram estratégias que lhes permitiram ganhos de produtividade e diferenciais de competitividade. Algumas delas optaram pela redução de custos por meio do enxugamento dos quadros funcionais das empresas e da precarização das relações de trabalho. Outras escolheram focalizar os esforços em seu produto final, terceirizando as chamadas atividades meio. Outras, ainda, combinaram essas duas estratégias. Em todos esses casos, o resultado para os trabalhadores foi a piora das condições de vida e de trabalho. (DIEESE, 2003, p. 9)

Percebe-se então, que a terceirização como processo de gestão é recente no Brasil e deve apresentar, ainda, crescimento contínuo. Este novo assumido pelas empresas foi importe para fortalecer um conceito com tendência aos rumos de evolução do setor de produção e da sociedade globalizada.

Por outro lado, o sistema econômico e o aumento de produtividade, maior competitividade entre a concorrência acabam por ter maior prioridade sobre as condições dos trabalhadores. Com isso, estabelecendo-se um ambiente onde a precarização das relações de trabalho leva vantagem sobre a proteção do trabalhador.

Assim definida, a terceirização toma maior forma na definição de Jorge Luiz Souto Maior, ressaltando que:

[...] só se concretiza, validamente, no sentido de manter a relação de emprego entre os trabalhadores e a empresa prestadora, quando a prestadora de serviços possua uma atividade empresarial própria, assumindo o risco econômico, que é próprio da atividade empresarial, e a sua contratação se destine à realização de serviços especializados, isto é, serviços que não sejam indispensáveis ou permanente no desenvolvimento da atividade produtiva da empresa contratante (tomadora), configurando-se, por isso, uma situação excepcional e com duração determinada dentro do contexto empresarial da empresa tomadora. (SOUTO MAIOR, 2009, p. 164)

Quando não levadas tais situações como sendo primordial na contratação de prestadoras de serviços, temos a entrada de empresas interpostas, onde a detentora do contrato com a tomadora é apenas uma pessoa jurídica que subcontrata a mão de obra, servindo apenas como mero figurante no processo.

Diante disso, vistas as situações acima colocadas, se percebe quão grande tem sido essas influências também no instituto da terceirização e veremos o quanto ainda há para se caminhar até concretizar-se a regulamentação do mesmo, principalmente tratando-se do foco principal deste trabalho, que é o uso do instituto pelas empresas públicas.

Toda essa reestruturação na organização do trabalho porque passaram as empresas nas últimas décadas, pode ser considerada como consequência do avanço do desenvolvimento tecnológico, trazendo consigo a flexibilização e desregulamentação que procuram tornar os processos mais liberais.

Nota-se que isso tem reflexo no mundo do trabalho, com alterações na legislação trabalhista, nas relações entre empresa e empregado, nas formas de contratos de emprego, etc..

2.1 A TERCEIRIZAÇAO DE SERVIÇOS NA ADMINISTRAÇAO PÚBLICA

Na terceirização de serviços na Administração Pública não foge ao modelo privado de contrato trilateral de trabalhadores, com a existência das três partes intervenientes, onde, permanece a prestadora dos serviços, o empregado desta e o tomador dos serviços, agora como ente público.

Para discorrer sobre a terceirização no âmbito da Administração Pública, faz-se necessário entender o que é sua conceituação, sem intenções de gerar controvérsias quanto às opiniões divergentes.

Como o objetivo é de tratar a terceirização de serviços no âmbito da Administração Pública não como um todo, é mais útil seu conceito em sentido subjetivo da administração indireta, nesse contexto ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

Às vezes, a lei opta pela execução indireta da atividade administrativa, transferindo-a a pessoas jurídicas com personalidade de direito público ou privado, que compõem a chamada Administração Indireta do Estado. Desse modo, pode-se definir Administração Pública, em sentido subjetivo, como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. [grifo do original] (DI PIETRO, 2012, p. 58)

Desse modo, podem ser enumeradas as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas. Tais entes considerados subjetivos e que são parte da administração indireta, estão descritos no art. 4º, II, do Decreto Lei nº 200/67. (BRASIL, 2014)

Como o ente estatal atende a sociedade fazendo-se de substituto do Estado, quando na execução de serviços à Administração Pública, o ente privado, prestador de serviços não poderá abrir mão de prezar pelos princípios que orientam o Direito Público também.

Para contribuir com esse entendimento, cabe aqui a ideia de Ramos (2001, p. 216), quanto à terceirização de serviços no âmbito da Administração Pública, onde esta pode ser a transferência da execução das atividades para alguma entidade privada.

No entanto, deve ser conservada a gestão estratégica e operacional da tal atividade contratada e que esta não seja a atividade fim, ou seja, que não está ligada ao fim jurídico do Estado.

Portanto, só não podem ser terceirizadas as atividades que são próprias e indelegáveis do Estado e necessárias à sobrevivência da sociedade. Nisso incluem-se as atividades de segurança pública, forças armadas, justiça, gestão tributária, controle interno e externo da Administração Pública e exercício do poder de polícia. (RAMOS, 2001, p.216)

Diante disso, Ramos (2001, p. 216) ainda conceituando a terceirização a Administração Pública, descreve que: "A introdução de particulares nos serviços estatais está circunscrita aos fins complementares do Estado".

Denota-se que, a terceirização de serviços pode ser vista também como um fenômeno e como uma tendência mundial que, embora tenha se iniciado na iniciativa privada, foi ganhando também, aos poucos, a esfera da Administração Pública.

Porém, partindo para a noção de serviço público, o assunto é mais limitado, devendo ser sobrepesado também os princípios que norteiam a Administração Pública e procurar aplicar as normas jurídicas a cada caso concreto. (DELGADO, 2003, p. 430)

No que tange ao conceito de serviço público, Maria Sylvia Zanella Di Pietro versa que:

Serviço público é toda a atividade que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer à necessidade coletiva, sob regime jurídico predominantemente público. Abrange todas as atividades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade, foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade. (DI PIETRO, 2012, p. 56)

Nota-se que a coletividade aqui é colocada em foco, visando atendimento aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

No setor público, a terceirização teve início, legalmente falando, a partir do Decreto Lei nº 200/67, prevendo que a Administração Pública, sempre que possível, se utilizasse da execução indireta de algumas atividades do serviço público, mediante contratos e desde que satisfeitas algumas condições prescritas no art. 10, § 7[4]da referida lei.

No entanto, seu início se deu antes do Decreto Lei nº 200/67, conforme diz Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirmando que:

Na realidade, isto sempre foi feito [a terceirização de serviços no âmbito da Administração Pública], sem que se empregasse o termo terceirização, o que permite reafirmar que o direito administrativo moderno foi invadido por termos novos para designar institutos antigos, apenas com a diferença de que hoje vêm carregados de novas ideologias. [grifo nosso] (DI PIETRO, 2009, p. 179)

A Administração Pública iniciou uma contínua reforma na década de 80, que visava à redução do seu aparelhamento administrativo, com isso ele tornou-se mais flexível, eficiente e focado para o atendimento das necessidades sociais. (DI PIETRO, 2009, p. 28)

Com efeito, disso surgiram as privatizações, que compreendiam na quebra de monopólios de atividades exercidas exclusivamente pelo poder público, delegando os serviços públicos a particulares e a terceirização, que busca a colaboração de entidades privadas para desempenhar as atividades acessórias da Administração. (DI PIETRO, 2009, p. 28)

Esse desmembramento no desempenho das atividades acessórias visava ao atendimento da sociedade nos moldes do mercado privado, que se inseria a terceirização como estratégia de produção.

A Constituição de 1988 criou previsão para o instituto da terceirização no inciso XXI do artigo 37[5]que permite a contratação de serviços de terceiros pela Administração Pública, desde que exista lei específica prevendo licitação e regras para os contratos a serem realizados. (ARGOLO, 2014)

Para tanto, a contratação de terceirização de serviços, foi e continua sendo regida pela Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública) e constitui-se em uma das maneiras por onde o Estado busca contratação com o setor privado para a realização de suas atividades.

Através da terceirização no âmbito da Administração Pública, as atividades de prestação do serviço são repassadas para empresas privadas especializadas, a fim de que o ente público possa melhor desempenhar suas competências institucionais, ou seja, atividade que pode ser considerada como sendo sua atividade fim.

O art. 6°, II da Lei nº 8.666/93[6]define prestação de serviços como a atividade destinada a obter determina utilidade de interesse para a administração.

Sendo assim, reforça o entendimento acima, onde o serviço terceirizado é uma tarefa prestada pelo setor privado à Administração Pública para satisfação dos interesses desta em apoio ao exercício de suas atribuições.

Porém, após o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, foi quando a Administração Pública começou a se desenvolver muito mais rapidamente, em 1995, começando a partir deste a criação de novas carreiras de nível superior e extintos cargos de nível médio e intermediário, adotando-se a política de contratação desses serviços. (ARGOLO, 2014)

O Decreto 2.271/97, que disciplina a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, deixa claro quais são as ponderações para evitar o desvirtuamento da contratação de serviços pelos entes públicos.

Nesse Decreto, o art. 4º, II[7]veda a inclusão de cláusulas nos instrumentos contratuais que permitam a caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão de obra ou empregados da contratada subordinados à administração da contratante.

Argôlo (2014) acrescenta que "na terceirização (no âmbito da Administração Pública) apenas se transfere a execução de determinado serviço e a remuneração é feita, exclusivamente, pelo Poder Público, não havendo, portanto, contrapartida do administrado". (grifo nosso)

O administrado é o prestador de serviço, que se insere no processo produtivo apenas como fornecedor de especialidade em apoio à função principal do ente público tomador de serviços, discriminada em contrato e com campo de ação totalmente delimitado pelo mesmo.

A Administração Pública é parte do Estado Democrático de Direito, e como tal visa fomentar o desenvolvimento da cidadania, inclui-se nisso, o cidadão trabalhador, o que quer dizer que a ação da terceirização dentro do setor público deve estar dentro da égide do direito do Trabalho e dos preceitos de proteção à dignidade humana.

3 A REGULAMENTAÇAO DO INSTITUTO DA TERCEIRIZAÇAO

Apesar de se ter certo que, normalmente, o mundo vai se modificando, as leis não acompanham a sua evolução. Assim como a demora em adequar a legislação à realidade, além do tempo indefinido gasto com as tramitações no Congresso Nacional, inúmeros Projetos de Lei vão sendo criados com o mesmo foco, não sendo diferente com a terceirização.

Considerando a terceirização como modalidade de organização que dá maior abertura à possibilidade de potencializar a redução de custo, principalmente em relação ao "custo trabalho", parece justificável, sob o ponto de vista empresarial, o fato de que em uma nova norma não exista restrição alguma à terceirização de atividades. (DIEESE, 2009, p. 2)

Portanto, é possível que, se não haverem regras que limitem o uso do instituto, para que a parte hipossuficiente, que é o trabalhador, sinta-se protegido, haja uma enorme quantidade de empresas levando a cabo a prática da terceirização apenas sob a sua conveniência.

Dentro disso, no ponto de vista dos trabalhadores, também parece justificável e claro a defesa de severa restrição a esta prática, não havendo conhecimento de benefícios concretos aos trabalhadores terceirizados. Pelo contrário, os estudos realizados apontam para consequências nocivas para os que estão nessas condições. (DIEESE, 2009, p. 2)

Atualmente, não há lei expressa e específica que regulamente o instituto da terceirização, existem somente artigos esparsos que esbarram o tema, mas nada que dê amplitude aos direitos dos trabalhadores terceirizados em relação a possíveis abusos por parte deste sistema.

Porém, outras leis direcionam e orientam sobre o assunto, que para aplicação prática quando o assunto for parte de discussão, deve ser levado em conta o que prescreve o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, dizendo que, in verbis, "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". (BRASIL, 2014).

Além disso, o CPC (Código de Processo Civil), em seu art. 126, traz mais orientações quando da falta de lei específica, onde: "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito". (BRASIL, 2014)

Para tanto, ainda há a previsão na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em seu art. 8º e parágrafo único, orientando que, in verbis:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste". (BRASIL, 2014)

Dessa forma, considerando as determinações que há em leis não específicas, o conjunto disto torna a legislação brasileira ambígua, causando com isso, várias implicações nas análises dos processos por parte da Justiça do Trabalho, mesmo que seja caso a caso.

Devido haver um conflito entre vários dispositivos, Márcio Túlio Viana expõe o seguinte contexto:

[...] as regras jurídicas se mostram desafiadas umas pelas outras. E entre essas regras em conflito se encontram exatamente as que viabilizam a terceirização. Vista como "vantagem comparativa" de um ordenamento sobre o outro, ela surge como uma suposta necessidade da economia, que por sua vez seria obra do destino: uma espécie de tsunami que afoga em suas vagas as normas de proteção. E a concorrência também se dá no plano interno. O Direito do Trabalho entra em choque com o Direito Civil e o Empresarial – e a tendência é perder terreno. (VIANA, 2012, p. 206)

Como já visto anteriormente, há previsões do uso da terceirização no âmbito da Administração Pública em artigos esparsos na legislação brasileira e em súmulas, porém, com cada um comportando entendimentos em todos os seus sentidos ou formas.

Diante disso, Abdala ainda reforça a afirmação dizendo que:

Todos sofrem as conseqüências da total ausência de normatização no campo dos serviços terceirizados: os trabalhadores, porque vítimas das fraudes por parte de prestadoras de serviço inidôneas; as prestadoras de serviços idôneas, pelas conseqüências à imagem negativa da sua atividade e, ainda, pela concorrência predatória; as tomadoras de serviços de boa-fé, pela indefinição e insegurança jurídicas; e, por fim, o próprio Estado, vítima não só como tomador de serviços, mas, também, como arrecadador do que lhe é devido por contribuições fiscais e previdenciárias. Some-se a isso a questão grave relativa à saúde e à segurança na prestação de serviços terceirizados. (ABDALA, 2008, p.17)

As licitações feitas para os contratos de terceirização de serviços, embora a lei determine que seja pelo melhor preço, a tomadora de serviços, mesmo na condição de ente público, também busca pela redução de custos, então na prática o fechamento das contratações acabam por priorizar o menor preço. Isso tem reflexo na contratação de empresas inidôneas e sem estrutura para arcar com as consequências advindas do contrato.

Em diversas causas trabalhistas é possível verificar a inadimplência dos prestadores de serviços em relação aos direitos trabalhista nos contratos de terceirização. No entanto, não se vislumbra a quantidade de obrigações fiscais e previdenciárias em que tais empresas deixam de cumprir.

Ressaltam-se as contribuições de imposto de renda retido na fonte do trabalhador, das quais muitas delas não são repassadas à Receita Federal, causando com isso, alguns inconvenientes ao contribuinte quando na Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física faz constar rendimento da empresa como fonte pagadora.

As questões referentes ao meio ambiente de trabalho em que fica exposto o trabalhador terceirizado ficam muitas vezes precarizadas, pois para o estabelecimento de CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) é necessário o preenchimento de alguns requisitos, entre eles o número de funcionários do empregador. Tendo que, alguns contratos tem um número baixo de trabalhadores terceirizados, estes poucos ficam expostos às condições de trabalho que lhe são apresentadas, por mais agressiva que seja.

O que há de mais específico, considerado como regra legal para limitação quanto ao uso do instituto da terceirização, tanto no setor privado quanto no setor público, é a Súmula 331 do TST, como será visto na sequencia da leitura.

3.1 A SÚMULA 331 DO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E SUAS REVISÕES

Atualmente, o que regulamenta a terceirização como instituto flexibilizado das relações trabalhistas é a Súmula 331[8]do Colendo TST (Tribunal Superior do Trabalho). Foi criada no ano de 1993, como um enunciado e após audiência pública realizada pelo TST, que revisou o enunciado 256, de 1986, passando a se denominar como Súmula a partir da Resolução 126 de 2005.

O objetivo visado na criação da Súmula foi o de coibir abusos praticados em relação aos direitos dos trabalhadores terceirizados, onde se podia traçar um rascunho dentro da qual se enquadrava o instituto da terceirização.

Desde sua criação, a Súmula 331 teve diversas críticas em relação à falta de estabelecimento de limites absolutos quanto ao uso da terceirização.

Conforme exemplifica o DIEESE (2006, p. 3) afirmando que "as empresas parecem não ter limites para a terceirização e algumas chegam ao limite de terceirizar todas as suas unidades produtivas".

Conforme assinala Souto Maior (2009, p. 161), acerca de que a perspectiva da Súmula, foi somente do lado empresarial, por outra perspectiva, vem permitindo que o que se apresentava como vantagem produtiva se utilizasse como "técnica de precarização de trabalho".

Com intuito de não permitir a contratação de apenas uma intermediadora de mão de obra, traz a Súmula referida, no inciso I, a restrição, que de acordo com Abdala (2008, p. 20) significa que a empresa tem que ser especializada, capacitada e organizada naquele tipo de serviço que se propõe a executar e não apenas locadora de mão-de-obra.

Tal assunto, demanda em atenção da Justiça do Trabalho, pois a locação de mão de obra, em que o trabalhador da terceirizada labora juntamente com os trabalhadores da empresa tomadora de serviços, nas dependências desta, pode, em determinadas situações ir contra o princípio de isonomia.

Diante disso, é importante a descrição da OJ-SDI1-383[9]do Colendo TST, que denota, in verbis:

TERCEIRIZAÇAO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRES-TADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, "A", DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974 (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, "a", da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.

Histórico: Redação original - DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010. (BRASIL, 2014)

Pela regra, a locação de mão de obra terceirizada é lícita para atividade-meio da empresa tomadora dos serviços, desde que não caracterizada a subordinação direta ou a pessoalidade em relação à tomadora.

Desta forma, se estabelece o vínculo direto, caso a caracterização do trabalho do empregado terceirizado enquadre-se na atividade-fim da empresa tomadora de serviços.

Nesse entendimento, nos traz a CLT, em seu art. 2º, parágrafo único, que, in verbis:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[...]

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. [grifo nosso] (BRASIL, 2014)

Os direitos laborais previstos na CLT aplicam-se ao prestador de serviço que trabalham sob algum vínculo empregatício. Esta relação de emprego, no entanto, não se realiza apenas com a formalização de um contrato de trabalho e fazendo a anotação na CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social), devido à existência do princípio de Primazia da Realidade pode estabelecer-se o vínculo empregatício.

Nesse contexto, tem-se a observação de Dora Maria de Oliveira Ramos, destacando que:

O empregado, ao depender juridicamente do empregador, subordina-se contratualmente ao poder de comando, submetendo-se às suas ordens.

[...] É necessário, pois, que o tomador dirija os serviços diretamente, dando ordens aos empregados da contratada e submetendo-os ao seu poder disciplinar, para que se caracterize o requisito da subordinação. (RAMOS, 2001, p. 66)

O que não quer dizer que ordens dadas ao responsável pela contratada (preposto) configurem a subordinação e tenha caráter de vínculo empregatício, pois ele é o representante legal da empresa perante o tomador de serviços.

Nesse contexto, Viana (2012, p. 220) assinala que "havendo pessoalidade e subordinação, a terceirização se torna ilícita – mas, como se sabe, sem produzir a consequência normal, ou seja, sem que se forme o vínculo de emprego com a Administração Pública, já que falta o requisito do concurso".

No entanto, Jorge Luiz Souto Maior, ainda sobre a questão de vínculo empregatício prescreve que:

[...] quem se insere no contexto produtivo de outrem, com a mera prestação de serviços, seja de forma pessoal, seja na forma de empresa de prestação de serviços, não assume qualquer risco econômico atinente à produção, daí porque, segundo a definição legal, não pode ser considerado empregador. (SOUTO MAIOR, 2009, p. 163)

Desta forma, levando em conta a aceitação do instituto da terceirização pela Súmula 331, estabelece-se uma incongruência, pois no caso de o tomador de serviços ser um ente público, este não poderá aceitar o vínculo empregatício consigo do trabalhador terceirizado.

Ou seja, tratando-se de emprego na Administração Pública, desde a Constituição de 1988, no art. 37, II[10]a aprovação em concurso público é colocada como condição para investidura em cargos ou empregos públicos, em obediência aos princípios da impessoalidade e da moralidade.

Citado por Nilson Barbosa Perissé, o autor Hermano Gomes Brasil define que:

A existência de pessoalidade e subordinação pode ser verificada pela simples observação, em qualquer órgão da Administração Pública, devido ao fato dos gestores dos contratos exercerem domínio direto da mão-de-obra, que são atribuições das empresas contratadas, através de controles de ponto, concessão de licenças e folgas, elaboração de escalas de férias e, ainda mais grave, indicações de nomes para contratação, bem como proteção e locações privilegiada. (BRASIL apud PERISSÉ, 2011, p. 111)

Então, pela lei, há impossibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego com a Administração Pública, em função da necessidade de concurso público para tanto.

Também, a Lei nº 8666/93 em seu art. 22, § 4, dispõe que, in verbis, "concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmio ou remuneração aos vencedores". (BRASIL, 2014)

Apesar de a licitação ser regida pelos princípios da publicidade e da escolha da melhor proposta, Ramos (2001, p. 160) reforça e evidencia a situação onde, "uma vez eleito o vencedor do certame, o administrador poderá a seu talante, por exemplo, em nome de uma relação harmoniosa para a execução contratual, pleitear a contratação pela terceirizada de pessoas por ele indicadas".

Quanto ao inciso IV da Súmula 331, no que tange ao setor privado, o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços impõe a responsabilidade subsidiária objetiva da tomadora de serviços.

No entanto, diante da obrigatoriedade de licitar seus serviços, para a Administração Pública deve haver a verificação do regular cumprimento do disposto no art. 67, §1º, da Lei nº 8.666/93[11]que prevê o acompanhamento de todo o contrato de prestação de serviços com a empresa contratada.

Deve exigir os comprovantes dos pagamentos realizados quanto aos empregados terceirizados que atuam nos entes públicos tomadores de serviços, notificando a empresa contratada para que sejam regularizadas quaisquer eventuais violações contratuais, caso estas ocorram.

No setor público, a responsabilidade subsidiária depende da demonstração de culpa in vigilando ou in eligendo da Administração Pública, devido ao aceite pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 16, conforme se contextualiza no subcapítulo seguinte.

Quando do julgamento da ADC nº 16, interposta pelo Governador do Distrito Federal, ao Egrégio STF, foi sugerido o arquivamento da ação, sob a argumentação de que o Colendo TST não arguiu declaração de inconstitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, não sendo oportuno ao STF o julgamento da ação.

No entanto, foi ponderado pela maioria, que o inciso IV da Súmula 331, deu origem a várias ações reclamatórias que justificam o pronunciamento sobre a matéria que estava pauta.

Desta forma estabeleceu-se decisão no sentido de que é constitucional o artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, que nega a transferência de encargos trabalhistas de uma empresa contratada ao ente da Administração Pública contratante em caso de inadimplemento dessas obrigações por vencedor de correspondente licitação.

Nesse contexto, o STF entendeu que a redação antiga do item IV da Súmula 331 do TST era contrária à sua Súmula 10 e ao artigo 97 da Constituição Federal, tendo em vista que afastava a aplicação do artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/93 com base nos fundamentos e nos critérios de origem constitucional, sem ter examinado e declarado a sua inconstitucionalidade.

As consequências da decisão do STF na ADC 16 são imediatas, uma vez que, o art. 102, § 2º da Constituição Federal dispõe, in verbis:

As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (BRASIL, 2014)

Tem-se, portanto, que a partir disso a revisão da Súmula 331 do TST, teve a alteração no inciso IV e a criação de dois novos incisos, o V e o VI, que tratam da demonstração de culpa in eligendo ou da culpa in vigilando da Administração Pública e as quais tipos de verbas se referem quanto à responsabilidade solidária, caso seja comprovada.

Antes mesmo da revisão da Súmula 331 do TST, já havia discussão sobre tal conteúdo, nesse sentido Abdala (2008, p. 22) destaca que "a Lei nº 8.666/93 assegura à Administração Pública uma série de cautelas para se evitar a contratação de empresa inidônea e para se garantir quanto a descumprimento de obrigações por parte da empresa prestadora de serviços", que são os art. 27, III e art. 31, I, § 1º ao 5º.

Conforme configura Abdala (2008, p. 22), se os entes públicos durante uma licitação tiverem observados os dispositivos da lei "não haverá risco de contratação de empresa inidônea, se assim não agir, emerge clara a "culpa in eligendo da Administração Pública"". (grifo do original)

Embora exista tal previsão legal que orientem as formas de contratação com algum ente público, ainda é necessário que se tenha fiscalização por parte dos órgãos que fiscalizam os entes da Administração Pública nas esferas federais, estaduais e municipais.

Quanto ao estabelecimento da culpa in vigilando, basta a não observância aos art. 58 e 67, que trazem as prerrogativas para a Administração Pública fiscalizar a execução do contrato e o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da contratada. (ABDALA, 2008, p. 24)

O ente da Administração Pública, quando na posição de contratante tem o dever de fiscalizar, em todo o tempo de duração de um contrato administrativo, plenamente e tempestivamente, o cumprimento pelo contratado, das suas obrigações trabalhistas como empregador dos trabalhadores terceirizados que estão ativos no âmbito da Administração Pública.

Corroborando com esta assertiva, Silva (2011, p. 121) observa que o Estado, ao terceirizar serviços que, a princípio, lhe caberia prestar, "cria a situação jurídica que ensejou, ainda que de forma mediata, a prestação laboral sem a devida contraprestação. Assume o risco, portanto, de ter que honrar o pagamento de tais verbas".

O poder para fiscalizar, que por sua vez faz parte da contraprestação, tem ainda mais importância fundamental, qual seja, garantir que a qualidade do serviço que será contratado através da Administração Pública, tenha padrões e certificações exigidas pela lei.

Nesse mesmo sentido, Vantuil Abdala apresenta o seguinte entendimento do Colendo TST:

Esta Corte [Colendo TST] sempre entendeu haver a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto aos débitos trabalhistas não adimplidos pela empresa contratada para a prestação de serviços, quando essa, em virtude de sua inidoneidade financeira, não é capaz de satisfazer os direitos dos trabalhadores. E essa responsabilidade subsidiária existe igualmente para a Administração Pública, quando contrata a prestação de serviços, apesar do disposto no § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93[12][grifo nosso] (ABDALA, 2008, p. 22)

Assim, partindo da observação de cada caso e dos fatos que comprovem a culpa do ente público in eligendo ou in vigilando, torna-se possível que a Administração Pública seja responsabilizada subsidiariamente pelo inadimplemento da prestadora de serviços.

Este inadimplemento, por parte da prestadora de serviços, considerado como responsabilidade solidária da contratante, contempla agora todos os débitos decorrentes de condenação em ação que o objeto é o da relação de trabalho enquanto o empregado esteve à disposição da tomadora por intermédio da contratada.

Toda essa matéria constitui ônus de prova da tomadora de serviços, que caso dela não se desincumbe, conforme art. 818 da CLT[13]e art. 333, II, do CPC[14](Código de Processo Civil), pode atrair a responsabilidade secundária pelas verbas contratuais não adimplidas pela prestadora de serviços.

Isto por beneficiar-se dos serviços do empregado terceirizado, pela sua função social, como determinada pelos art. 170, III[15]e art. 173, I e III[16]da Constituição de 1988.

Da mesma forma também, o ente público na condição de tomador de serviços pode atrair a responsabilidade subsidiária por não fiscalizar regularmente a prestação de serviços da empresa contratada, conforme determina o art. 67 da Lei nº 8.666/93, como já vista anteriormente.

4 AS CONSEQUÊNCIAS DA TERCEIRIZAÇAO AO TRABALHADOR

4.1 OS EFEITOS SÓCIO ECONOMICOS DA TERCEIRIZAÇAO AO TRABALHADOR

Até aqui, foi oferecido maior tratamento à parte material e formal do instituto da terceirização com ênfase no âmbito da Administração Pública. Buscou-se uma forma cronológica para que fosse possível o entendimento conceitual e seu posicionamento dentro da esfera jurídica e pública.

Mas, sem pretensão de esgotar as facetas sobre o assunto e muito menos de levantar polêmicas acerca dos entendimentos diversos, será visto qual a influência da terceirização na sociedade, tendo como centro o trabalhador assalariado que mantém contrato de emprego com prestador de serviço à Administração Pública.

A terceirização não contém em si, todas as características de um espelho do mundo do trabalho da atualidade, ela apenas mostra muito sobre como ele se transforma dia a dia.

Falar em terceirização, é falar em flexibilização, palavra de ordem que tem grande valor na atualidade em qualquer setor empresarial, quanto maior ainda no setor produtivo.

Nessa busca pela competitividade, surge também a procura por melhoras nas formas para acelerar a produtividade, pois isso é ganho caso se tenha alguma concorrência comercial.

Dentro deste contexto tem-se Lancman citado (apud PERISSÉ, 2011, p. 102), onde descreve que os empregos considerados normais ou estáveis, que deram lugar a dispositivos precários na área trabalhista, entre eles, a terceirização, se deu devido à lógica da flexibilidade na formatação de novos contratos de trabalho.

Essa flexibilização se está nos contratos também está na aplicação da lei, uma vez que a Administração Pública só age dentro do que a lei permite, ou seja, pelo contrato que deve estar nos moldes da licitação.

Sendo assim, o trabalhador pode-se dizer que tem seus direitos trabalhistas flexibilizados à conveniência do capital, ou seja, do empregador.

Uma das consequências da nova lógica, depois de instaurada, foi o surgimento do medo da perda do trabalho estável, onde Selma Lacman apresenta a seguinte posição:

Esta lógica de restrição de oportunidades termina por atingir também as condições daqueles que ainda estão empregados. [...] O fim do trabalho estável traz consigo a perda de esperança, do sonho de ascensão e de progresso social por meio do trabalho. O trabalho, para grande parte da população, limita-se as ganhos necessários para a sobrevivência imediata. (LANCMAN, 2008, p. 28-30 apud PERISSÉ, 2011, p. 103)

O trabalhador acaba muitas vezes, por concordar com trabalhos em situações precárias, que estão marginalizados quanto à dignidade humana, apenas para pagar suprir um mínimo de necessidades básicas e sobreviver de forma precária, se sujeitando às relações de trabalho que oferecem condições de sobrevivência no limite do aceitável.

Nessa concordância segue o DIEESE (2009, p. 2), que salienta os diversos problemas vividos pelos trabalhadores na terceirização, destacando-se entre eles a diminuição de salários, redução de benefícios sociais, diminuição da qualificação da força de trabalho, jornadas de trabalho mais extensas, piora das condições de saúde e de segurança no ambiente laboral e ainda, desorganização da representação sindical.

Dessa forma, aquele trabalhador terceirizado, que tem rendimento incerto, sem estabilidade de emprego, pois está num mercado de trabalho temporário, tem a vida marcada por sofrimentos, incertezas e dívidas financeiras, contraídas como resultado de tais situações.

Nas relações de trabalho existem muitas razões para causar preocupações, principalmente nas formas em que são realizadas as contratações na terceirização, pois quando colocados sob a ótica dos princípios do Direito do Trabalho, são vistas várias implicações, pela tendência à proteção do trabalhador como parte hipossuficiente nessas relações. Podem ser vistas implicações em diversos aspectos na sociedade. (DELGADO, 2003, p. 430)

Como o Direito Trabalhista é protetivo, tendo como baliza a necessidade de proteção do trabalhador, o foco de tal sistema jurídico deveria ser lançado primeiramente sobre essas questões, numa a perspectiva de diminuição, senão da erradicação do trabalho precário.

Em divulgação feita pelo SINDIPETRO-PR-SC (Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina), informando dados da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do DIEESE, mostram que em 2011 no Brasil tínhamos mais de 10 milhões de trabalhadores terceirizados na prestação de serviços.

Num estudo ainda de 2011, também mostra que o trabalhador, na condição de terceirizado, quando comparado com trabalhador próprio de empresas que utilizam a terceirização, fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada cerca de 4 horas a mais semanalmente e ganha salário de 27% a menos. A cada 10 acidentes de trabalho, 8 deles ocorrem com trabalhadores terceirizados. (SINDIPETROPRSC, 2013, p. 4)

Isto acarreta ao sistema judiciário trabalhista, demandas das mais diversas especificidades, sendo milhares delas com cobranças diretas aos tomadores de serviços por motivos de abstenção de pagamentos por parte das prestadoras de serviços aos seus empregados.

Segundo Abdala (2008, p. 17), em meados de 2008, existiam no Colendo TST, cerca de 9.259 processos em que trabalhador cobra da tomadora de serviços, os direitos que não foram pagos pela empresa terceirizada.

Levando em conta que menos de dez por cento das ações das varas de trabalho chegam ao TST, pode-se ter uma noção do quanto há de insegurança nas relações jurídicas no instituto da terceirização.

Há ainda, a preocupação sobre as situações que não respeitam ao princípio da dignidade humana do trabalhador e ainda ao princípio da isonomia, naquelas em que o trabalhador terceirizado executa os mesmos serviços que o empregado da tomadora, mas em condições inferiores.

Essas situações ocorrem, conforme exemplifica Abdala (2008, p. 21), é porque "quando se está realmente num contrato de prestação de serviços, o que interessa ao tomador é pura e simplesmente o resultado do trabalho, e não quem, como e quando o executa".

Tratando-se de Administração Pública, existem alguns detalhes que não passaram despercebidos:

[...] na área estatal, impõe-se a regulamentação desse tipo de contratação, cada vez mais utilizada e deturpada, até como fraude ao mandamento constitucional da admissão no serviço público mediante concurso. Não é demais considerar, ainda, a hipótese da utilização do contrato com empresa de prestação de serviços na área pública para interesses outros, nem sempre confessáveis, como o nepotismo, e até para sub-reptícia fonte de arrecadação de fundos de campanha eleitoral.

Juntem-se a isso as questões atinentes a dano moral, discriminação, assédio sexual e pontificação da responsabilidade, tudo a justificar a urgente normatização do instituto. (ABDALA, 2008, p. 18)

No Estado Democrático de Direito, através do artigo 1º, II da atual Constituição Federal, constitui um sistema de garantias na atualidade, não caberia à Administração Pública permitir a violação dos princípios que regem o direito do trabalho, contando ainda mais, que é o principal beneficiário pelos serviços prestados pela força de trabalho terceirizada.

A responsabilidade da Administração Pública vem através de norma constitucional, para dar cumprimento aos direitos e garantias fundamentais, que além da vinculação do ente público também impõe ao ente privado, o respeito aos preceitos mínimos nas relações trabalhistas.

Contribui também para esse entendimento, a afirmação de Viana quanto à terceirização na Administração Pública:

 

No setor público, a terceirização ganha alguns contornos diferentes [comparado ao setor privado]. Em geral, tem servido não tanto para agilizar os serviços ou baixar salários, mas para burlar a exigência do concurso. Além disso, o próprio trabalhador, quase sempre, eterniza-se no posto, enquanto as fornecedoras se vão sucedendo. [grifo nosso] (VIANA, 2012, p. 220)

As prestadoras de serviços vão sendo substituídas a cada término de contrato, enquanto que a mão de obra é relocada para o novo contrato.

O que se tem debatido muito em relação ao instituto da terceirização, é quanto a sua aceitação pelo sistema jurídico, principalmente após a revisão da Súmula 331 que tornou ainda mais estabelecido o uso do instituto.

Quanto a isso, Viana (2012, p. 209) vem sustentando a necessidade de contê-la e afirma que a Súmula 331 traz restrições, mas também reforça a terceirização, além de aceita-la mesmo em hipóteses não previstas em lei.

Destaca Souto Maior, que:

[...] a terceirização ao longo de 20 (vinte) anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho no Brasil, desde quando foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em 1993, serviu para o aumento vertiginoso da precarização das condições de trabalho. É impossível ir à Justiça do Trabalho e não se deparar, nas milhares audiências que ocorrem a cada dia, com ações nas quais trabalhadores terceirizados buscam direitos de verbas rescisórias, que deixaram de ser pagas por empresas terceirizadas, que sumiram. (SOUTO MAIOR, 2013)

Dentro disso, põe-se a Administração Pública, que através da jurisprudência é possível verificar vários entes públicos participando como réu, em ações derivadas de contratos trabalhistas onde figuram como tomadores de serviços.

Souto Maior (2009, p. 169) traz uma discussão pertinente em relação à discrepância que há numa comparação entre o Direito Civil e o Direito do Trabalho, no que tange à responsabilidade dos créditos devidos ao trabalhador terceirizado, quando requeridos através de processo jurídico.

Pois, levando em conta que a Súmula 331 alude a uma responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, condicionada a prova de culpa in eligendo ou in vigilando e ainda não sendo pela totalidade da dívida da prestadora de serviços, no Código Civil há tratamento diferenciado para a lide quando existe a pluralidade de devedores e o credor.

Porquanto, basta haver a solidariedade entre os devedores, (para o Direito trabalhista seria hipoteticamente tanto o prestador de serviços, que mantém contrato empregatício direto com o terceirizado, quanto o tomador de serviços), haveria a possibilidade do credor (reclamante) exigir de ambos a totalidade da dívida. (SOUTO MAIOR, 2009, p. 169)

Percebe-se então, que uma das principais características do Direito do Trabalho, que é a proteção à parte hipossuficiente ainda é ineficiente, pois em relação ao Direito Civil, parece haver menos direitos em casos de inadimplência.

Por outro lado, a culpa objetiva que decorre de responsabilidade civil quanto a um ato ilícito é um aparente formalismo jurídico, pois Jorge Luiz Souto Maior faz analogia ao Art. 455 da CLT, como versa, in verbis:

Nos contratos de subempreiteira responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para garantia das obrigações previstas neste artigo. (MAIOR, 2009, p. 170)

Com isso, se percebe que o delineamento feito nas relações entre o tomador de serviços e o contratado (empreiteira) não é o mesmo entre o contratado e o subcontratado (subempreiteira).

Outro assunto com pouco menos questionamento acerca da terceirização, mas não menos importante, que afeta também as empresas de Administração Pública, é referente à sindicalização.

Neste sentido, através de seminário proposto pela OIT, Renato Henry Sant'Anna[17](2013), avalia que a terceirização no setor público pode ser considerada uma prática contrária ao direito à sindicalização, pois entende que a contratação de funcionário por meio de serviços terceirizados é uma forma de enfraquecer o movimento sindical.

Considerando que os empregados estão vinculados legalmente a diferentes empregadores, o que acaba dificultando a unidade dos trabalhadores e consequentemente a obtenção de vantagens que o movimento organizado poderia oferecer, e afirma que "a terceirização quebra a espinha do sindicato do trabalhador, na medida em que colocam no ambiente de trabalho vários empregadores e acaba por esfacelar a unidade que poderia unir os trabalhadores no sindicato". (SANT"ANNA, 2013)

As empresas não podem contratar pessoas físicas além do regime trabalhista para o exercerem funções ligadas à sua atividade fim, pois isso seria um modo de transferir-lhes os riscos de sua própria atividade econômica, circunstância vedada, conforme já visto, pela norma do art. 2º da CLT.

Com isso, configura-se a chamada permanência, que também se constitui em um elemento integrante do contrato empregatício. Tanto que é a referida atividade fim que define qual a vinculação sindical do trabalhador. Não se confunde com vínculo sindical aqui referido, aquele que seja associativo ou o profissional.

De acordo com o que apresenta Ferreira e Almeida, citado por Nilson Barbosa Perissé, onde:

É a organização dos trabalhadores em sindicatos por categorias profissionais, que estão ligadas à atividade econômica central exercida por seu empregador. Entretanto, o processo de reestruturação produtiva que ocorreu na maior parte das empresas brasileiras no final da década de oitenta e durante a década de noventa geraram diversas transformações na organização da produção e do trabalho. Uma das características marcantes desse processo é o aumento da terceirização, assim, no mesmo local de trabalho, convivem trabalhadores que possuem representações sindicais diferentes, o que acaba gerando novos desafios para o movimento sindical (FERREIRA; ALMEIDA, apud PERISSÉ, 2011, p. 157)

Se determinada empresa prestadora de serviços de manutenção industrial é contratada por uma indústria química, por exemplo, o vínculo sindical do trabalhador terceirizado será com o sindicato que representa a categoria da manutenção industrial e não com o sindicato que representa os trabalhadores das indústrias químicas.

Isso denota a fragilidade no sistema de representatividade do coletivo dos trabalhadores, pois não há uma organização de classe estabelecida na terceirização.

O fato dos contratos serem por tempo determinado, sendo a maioria de curta duração, aproximadamente um ano, dificulta o fortalecimento da solidariedade entre os trabalhadores, contribuindo para o crescimento do receio de perder o emprego com envolvimento de atividades sindicais, pois além do olho da observação do empregador (prestador de serviços) há os olhos do tomador de serviços.

4.2 OS EFEITOS PSICOLÓGICOS E SUBJETIVOS DA TERCEIRIZAÇAO AO TRABALHADOR

O trabalho para a vida dos trabalhadores é o eixo central que faz as conexões deste com outros setores da sociedade. Pois, verifica-se pelo fato das pessoas passarem uma grande parte de suas vidas no trabalho, logo tal ambiente induz diretamente a formação social, intelectual, moral e saúde do empregado. Tanto no aspecto negativo quanto no positivo.

É incontestável por toda a sociedade a importância de uma identidade pessoal. Para o trabalhador não é diferente o fato da necessidade em ter sua identidade profissional, de ter seu lugar e o que ele representa dentro de uma organização em que faz parte.

Porém, diante da reestruturação constante nas organizações do mundo do trabalho, há por parte do trabalhador terceirizado, a perda da noção de qual é o seu lugar, o que faz na vida e onde trabalha ou de qual organização ele é participante.

Vale ressaltar o que expõe Souto Maior (2009, p. 162), que existem dificuldades causadas pela terceirização, pois, "na prática, a identificação do real empregador daquele que procura a Justiça para resgatar um pouco da dignidade perdida ao perceber que prestou serviço e não sabe sequer de quem cobrar seus direitos".

Além destes fatores, o trabalhador terceirizado em atividade no espaço físico que não é o seu e nem da empresa com quem mantém o vínculo de emprego, mas do tomador de serviços, onde prevalecem as normas e regras deste último.

Conforme exemplifica Perissé (2011, p. 118), acerca do sentimento de que tipo de identidade terá o trabalhador terceirizado "se sua empresa é daquelas que atrasa pagamentos e procrastina no atendimento a obrigações legais mínimas, como o recolhimento previdenciário e o depósito mensal do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço)"? (grifo nosso)

Tem-se, portanto, na prática, um trabalhador terceirizado, apenas, que é empregado de alguém, só não se sabe de quem. Há perda do referencial de integração devido à falta desta definição, não há o sentimento de "se sentir em casa", e sim, a impressão de ser visita indesejada.

Nesse contexto, no entendimento de Perissé (2011, p. 115), embora os serviços sejam terceirizados, quem os executa são os trabalhadores que não se importando com as características formais e as configurações do contrato da prestadora de serviços com a tomadora, compartilham além do espaço físico, os mesmos investimentos psíquicos.

Nesse ambiente, não é visado somente o trabalho em troca da remuneração satisfatória, mas também um lugar onde o trabalhador possa vislumbrar um vínculo social capaz de possibilitar o desenvolvimento de ações de cidadania, de crescimento pessoal e profissional nesse ambiente.

Dentro desse entendimento, Julia Coutinho Costa Lima, citado por Nilson Barbosa Perissé, apresenta o seguinte posicionamento:

A impossibilidade de conquistar um emprego estável faz com que os sujeitos estabeleçam suas trajetórias numa alternância de emprego e não emprego (atividade e inatividade), aceitando tarefas de curta duração, descontínuas e insignificantes e sendo potencialmente demitíveis, ou seja, tendo a "precariedade como destino". Como essas pessoas poderiam, então, construir para si mesmas a projeção de um futuro? E também, como poderiam rever seus passados e construir auto-narrativas sobre esse passado? (LIMA, apud PERISSÉ, 2011, p. 115)

Denota-se, que existem problemas em relação à identidade profissional, do trabalhador terceirizado, devido aos contratos com vínculos precários que na falta da estabilidade e de empregadores diversificados, fortalece a sua subjetividade, surgindo, desta forma, um espaço entre o contrato em si, que é o formal e aquele contrato psicológico que mantem ou com a prestadora de serviços ou com o tomador.

No entendimento de Lopes e Silva (apud PERISSÉ, 2011, p. 118), "um profissional que participa de um contexto de terceirização é capaz de manter um contrato psicológico com a empresa contratante diferente, no entanto, daquele que ele mantém com a sua empregadora de fato".

A inserção do trabalhador terceirizado no contexto social da tomadora de serviços é relegada a um segundo plano, deixado de lado, transparecendo uma rejeição, não em relação à pessoa, mas um estigma de terceirizado criado pelo instituto da terceirização, ao mesmo tempo em que se beneficia dele.

Tal estigma se percebe nas relações interpessoais entre empregados terceirizados e servidores públicos, a subordinação constante do primeiro para o segundo o traz um sentimento de inferioridade, de humilhação.

A diferença social e as condições de trabalho entre um e outro é notável e discrepante a postura de arrogância e superioridade consentida, que há nos servidores públicos em relação aos terceirizados, faz com que estes se sintam rejeitados e discriminados.

Além desses aspectos apresentados, há a questão salarial, pois a cada vez que houver alteração da empresa terceirizada, tem-se redução salarial, quando muito, se mantém como no contrato anterior.

Visto que a prestadora de serviços tem como produto a mão de obra, ou seja, ela é a matéria prima do seu negócio, e como qualquer empresa de capital que objetiva o crescimento no mercado, tem entre seus modos de gestão a redução contínua no custo da matéria prima, torna-se óbvio que com a diminuição do custo da mão de obra, a prestadora de serviços possa ter um maior lucro.

A redução ou a falta de aumento nos salários é ainda um agravante na situação do ambiente de trabalho do empregado terceirizado, enquanto que empregados próprios da tomadora de serviços na Administração Pública percebem aumentos pela lei, entre outros benefícios que se incorporam ao salário e as promoções, planos de carreira, coisas angariadas somente através da existência de certa estabilidade.

Outra situação que não passa despercebida é o gozo de férias do trabalhador terceirizado, uma vez que a maioria dos contratos tem duração de aproximadamente um ano, existe o risco de apenas perceber o direito de remuneração das férias (isso quando a prestadora de serviços honra com as verbas rescisórias ao fim do contrato), "deixando o empregado à mercê de uma escravidão sem fim". (BRASIL, apud PERISSÉ, 2011, p. 120) (grifo nosso)

Na terceirização, o trabalhador geralmente tem jornadas de trabalho bem mais longas que servidores público, a maioria 44 horas semanais, sem mencionar as horas extras solicitadas. O prejuízo que traz à vida de tais trabalhadores estende-se à sua família, pois a convivência com ela fica totalmente comprometida. É sacrificante e desgastante a todos os envolvidos.

A saúde, sem o descanso necessário ao organismo, fica deveras comprometida, que além dos fatores de risco de doenças profissionais, estão expostos ao risco de doenças mentais.

A prestadora de serviços que sai, devido a um contrato que finda, procede à demissão e a prestadora de serviços que entra, através de um contrato que se inicia, procede à contratação do mesmo pessoal, com isso, aparenta certa estabilidade. Este tipo de rotatividade, que parece uma "dança das cadeiras", faz com que trabalhador terceirizado fique confuso.

Essas situações por que passa o trabalhador terceirizado, evidencia uma solidão no ambiente laboral, conforme exemplifica Nilson Barbosa Perissé, nos trazendo que:

- a solidão de atuar numa obra, num escritório ou numa oficina cujo gestor não é seu empregador, mas o tomador de serviços, cujos empregados próprios enquadram-se numa outra relação de trabalho, com salários, vantagens e benefícios diferentes dos seus;

- a solidão de, em muitas situações, não estar representado por um sindicato de classe, mas por sindicatos que abarcam uma infinidade de profissões abrangidas pelo contrato celebrado entre a tomadora de serviços e a empresa terceirizada;

- a solidão da convivência com os empregados da tomadora de serviços, com quem não faz sentido compartilhar as contradições e desmandos de seu empregador, dados os diferentes vínculos trabalhistas e condições contratuais;

- a solidão de atuar em trabalhos temporários, que podem ser interrompidos a cada término de validade do contrato entre a tomadora de serviços e a empresa terceirizada. (PERISSÉ, 2011, p. 21)

Esses determinados tipos de contextos podem trazer como consequência psicológica ao trabalhador terceirizado, que se encontra em tal situação, certo sofrimento psíquico, gerando confusão e angústia.

O tratamento dispensado ao trabalhador terceirizado, nesse contexto de prestação de serviços, se assemelha ao tratamento que seria dado a um robô que: não tem sentimentos, não tem sonhos, não tem ambições, não tem família, não tem vida social, não necessita de descanso, não adoece e nem se acidenta. Então, para que entre outras coisas esse robô necessitaria de direitos trabalhistas?

No entanto, o trabalhador terceirizado é um ser humano e como tal está protegido pelos mesmos direitos e garantias concedidos pela Constituição Federal àqueles que lhes afrontam, sendo merecedor nato de toda a dignidade humana.

5 OS ENTENDIMENTOS JURIPRUDENCIAIS E PERSPECTIVAS PARA O INSTITUTO DA TERCEIRIZAÇAO

5. 1 JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência anterior ao julgamento da ADC nº 16, que deu nova redação a Sumula 331 do TST, tinha julgamentos desfavoráveis aos entes públicos quando a matéria era sobre a responsabilidade da Administração Pública por questões ligadas à terceirização, principalmente a responsabilidade subsidiária por inadimplência da prestadora de serviços em relação a débitos trabalhistas e previdenciário. Destarte, os julgamentos tratam de vários outros assuntos pertinentes à terceirização que foram vistos até então.

Segue julgamento de Recurso de Revista pelo Colendo TST, in verbis:

EMBARGOS DE DECLARAÇAO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. [...] Embargante PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS e são Embargados SDR - SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS LTDA. e JOSÉ NASCIMENTO SILVA SOUSA.

[...] negou provimento ao agravo de instrumento da segunda reclamada, Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS, [...] se reconheceu a responsabilidade subsidiária da [...] tomadora de serviços, pelo pagamento das verbas trabalhistas a que os obreiros teriam direito, se harmoniza com a disposição contida no item IV da Súmula nº 331 do TST. [...] A Petrobras opõe embargos declaratórios, às fls. 412-415, sustentando que o TST, ao aplicar a Súmula nº 331, item IV, que consagraria entendimento diverso do contido no artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, teria invadido a esfera de competência legislativa atribuída a outro Poder, desrespeitando, assim, o artigo 2º da Constituição Federal. [...] Declara que a antinomia existente entre o artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 e a Súmula nº 331, item IV, do TST vem sendo discutida perante o Supremo Tribunal Federal, em ação declaratória de constitucionalidade. [...] Consigna que a decisão do TST, em que se teria afastado a incidência do § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, aplicando o disposto na Súmula nº 331, item IV, do TST, sem que houvesse declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, ofendeu o artigo 97 da Constituição Federal, contrariando, ainda, a Súmula vinculante nº 10 do STF. [...] Ressalta que o STF, em recente decisão proferida na Reclamação nº 6.970/SP, concedeu liminar para suspender os efeitos de decisão do TST pela qual se teria afastado a aplicabilidade do § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, e que esta Corte, ao afastar a aplicação desse dispositivo legal sem declarar a sua inconstitucionalidade, contrariou o disposto na Súmula nº 10 do excelso Pretório. [...] Por fim, alegou que não poderia responder pelo pagamento das multas previstas nos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT, ao argumento de que a responsabilidade subsidiária deveria incidir apenas sobre direitos trabalhistas, e não sobre multas de caráter pessoal e punitivo, sob pena de violação do artigo 5º, inciso II, da Carta Magna. [...] Registra-se que a embargante, em suas razões de recurso de revista, nada argumentou acerca da violação do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, sob a ótica do artigo 97 da Constituição Federal. Trata-se, pois, de inovação recursal. [...] Com relação à apontada contrariedade à Súmula vinculante nº 10 do STF, igualmente, tem-se que a embargante nada afirmou a respeito em suas razões recursais, motivo pelo qual a sua arguição, em embargos declaratórios, também constitui inovação recursal. [...] Por fim, quanto às multas dos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT, observa-se que a questão já foi suficientemente examinada, tendo este Colegiado consignados todos os fundamentos que ampararam seu posicionamento quanto ao tema (fls. 404-407), não ressentindo a matéria de omissão. [...] por unanimidade, rejeitar os embargos declaratórios. (TST-AIRR-16340-67.2006.5.19.0062, 2ª T., Rel.: Minº. Vantuil Abdala Roberto Pessoa, J. em 09.12.2009, DEJT em 14.05.2010)

Partes: 1, 2, 3


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