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A sociedade orgânica (página 2)


Partes: 1, 2, 3, 4

O presente trabalho será severo com o raciocínio do leitor, pois consideramos que as dimensões não racionais são muito mais simples e severas com o raciocínio que muitos argumentos racionais, precisando ser abordado cada detalhe para explicar a sua verdadeira essência. Portanto, tentaremos abordar idéias e conceitos de forma clara e precisa, que poderiam ser transmitidos de forma mais simples e profunda usando outro tipo de linguagem.

Um dos propósitos do presente trabalho será mostrar a necessidade de superar o patamar racional de análise da realidade e das relações sociais e organizacionais, para subir ao patamar da consciência e sintetizar o que representaria uma realidade social harmônica em sua essência.

A busca de estabelecer uma abordagem diferente começa pelo questionamento dos paradigmas que determinam e moldam as organizações sociais. Um questionamento adequado dos paradigmas vigentes permite considerar a possibilidade de as organizações evoluírem a estágios mais avançados, no sentido de oferecer a possibilidade de incluir nas dimensões organizacionais, termos relacionados à cooperação das pessoas, à consciência, à solidariedade e à harmonia, além dos benefícios materiais que as organizações vigentes oferecem.

A possibilidade de oferecer uma alternativa à forma como as organizações modernas e a sociedade estão organizadas, permitindo conservar as virtudes que elas têm e superando alguns de seus defeitos, justifica a busca de novos paradigmas que possam melhorá-las. Consideramos necessário acreditar numa forma diferente de enxergar a realidade, de se fazerem as coisas e de organizar a sociedade e o Estado. Acreditamos que a evolução faz parte essencial da natureza do ser humano e das instituições que ele criou, para poder ter a esperança de que o mundo em que vivemos hoje possa melhorar. É nesse sentido que o trabalho a ser realizado atinge seu argumento mais contundente e adquire sua relevância: considerar que é possível dar rédea solta à imaginação e dar-se a oportunidade de sonhar com uma realidade organizacional e social mais justa, mais humana, mais cooperativa, mais consciente e mais harmônica, mediante a criação de organizações orgânicas.

A presente dissertação consta de 5 partes claramente diferenciadas, cada uma com propósito bem definido, em que cada parte encontra parte de sua justificativa com base na relação dela com o resto, num todo propositadamente integrado: O Papel da Consciência no Comportamento do Homem, a Estrutura Orgânica, a Sociedade Orgânica, o Estado Orgânico e Mudança de Paradigmas.

A dissertação começa estudando o papel da consciência no comportamento do ser humano, fator fundamental dentro da estrutura organizacional orgânica; no segundo capítulo estabelecemos o referencial teórico do Paradigma Orgânico; e no terceiro, a possível aplicação desse referencial à sociedade, procurando-se refletir sobre o trabalho numa hipotética sociedade orgânica, a possibilidade de um sistema econômico organizado sob os paradigmas orgânicos, e o estabelecimento de Comunidades Orgânicas; continuamos no capítulo seguinte com a aplicação da teoria, agora em nível do Estado, mediante os delineamentos gerais do Estado Orgânico. Finalmente, estabelecemos uma série de conceitos relacionados com a mudança de paradigmas em nível social e organizacional, por considerá-los necessários à operacionalização do paradigma orgânico, ou de qualquer outro paradigma congênere.

CAPÍTULO 1

CONSCIÊNCIA E REALIDADE HARMÓNICA

Para a implementação da estrutura orgânica em nível organizacional e social, consideramos importante a análise e a síntese dos fenômenos psicológicos que acompanham o processo de integração do homem ao ambiente social, e o comportamento que ele desenvolve nesse processo. "Para entender la dinámica del proceso social tenemos que entender la dinámica de los procesos psicológicos que operan dentro del individuo, del mismo modo que, para entender al individuo, debemos observarlo en el marco de la cultura que lo rodea" (Fromm. 1952: 22). Assim, consideramos importante estudar alguns dos fatores que mais incidem no comportamento das pessoas, especialmente os relacionados com a motivação para implementar mudanças.

1.1- O PAPEL DA CONSCIÊNCIA NO COMPORTAMENTO

1.1.1- Motivação do Comportamento

Para falar do comportamento de uma pessoa faz-se necessário abordar o conceito de motivação. "Um motivo é um fator interno que dá início, dirige e integra o comportamento de uma pessoa (...) A motivação distingue-se de outros fatores que também influem no comportamento, tais como a experiência passada de uma pessoa, suas capacidades físicas e a situação ambiente em que se encontra, se bem que esses fatores possam influenciar a motivação" (Murray. 1967: 20). Murray divide o motivo em dois componentes: o impulso interno que leva uma pessoa a agir, e a recompensa, que leva o motivo a seu término uma vez atingido o objetivo; depois acrescenta o fator consciência, pois estabelece que a motivação inclui o desejo consciente de obter algo. "A relação entre a motivação e o comportamento é por vezes complexa (...) Só depois de conhecermos e aprendermos algo mais sobre esses complexos efeitos da motivação é que estaremos aptos a compreender o comportamento humano" (Murray. 1967: 39).

1.1.2- Os Fatores que influenciam o comportamento

1.1.2.1- As Necessidades

Para Maslow (1963) as necessidades influenciam decisivamente a motivação do comportamento das pessoas. "Las necesidades que corrientemente se toman como punto de partida para la teoría de la motivación, son los llamados impulsos fisiológicos" (Maslow. 1963: 85). Existem necessidades que são prioritárias no comportamento do homem (fome, sede, etc). "Pero, ¿qué ocurre con los deseos de un hombre, cuando hay suficiente pan y cuando su estómago está habitualmente lleno? Entonces, aparecen otras necesidades de nivel superior y éstas dominan el organismo más que las tendencias fisiológicas. Y cuando estas se satisfacen a su vez, aparecen nuevas (aún más superiores), y así sucesivamente. Esto es lo que tentamos explicar cuando decimos que las necesidades humanas básicas, están organizadas en una jerarquía del predominio relativo" (Maslow. 1963: 88). Assim, Maslow estabelece a seguinte hierarquia relativa de ordem crescente: Necessidades Fisiológicas, Necessidades de Segurança, Necessidades de Afeição, Necessidades de Auto-Estima e Necessidades de Auto-Realização.

A hierarquia estabelecida não significa que uma necessidade superior deixe de aparecer até a anterior ser plenamente satisfeita. "Por ejemplo, es como si el ciudadano medio estuviese satisfecho en un 85% de sus necesidades fisiológicas, 70% de sus necesidades de seguridad, 50% de sus necesidades de amor, 40% de sus necesidades de auto-aprecio, y 10% de sus necesidades de self-actualization (...) Respecto a la aparición de una nueva necesidad después de la satisfacción de una necesidad predominante, podemos señalar que no surge de repente, sino que es una aparición progresiva, en pequeños grados, a partir de la nada" (Maslow. 1963: 105).

As necessidades básicas desempenham um papel fundamental no comportamento das pessoas, mas elas não determinam todos os comportamentos. Qualquer comportamento pode ser um canal que permite o fluxo de vários impulsos. A maior parte do comportamento é "multimotivado", em que todas as necessidades básicas podem exercer a sua influência, mais do que uma delas especificamente. O comportamento não está exclusivamente determinado pelas necessidades básicas. Ademais, nem todo comportamento resulta da motivação. Existem muitos determinantes diferentes dos motivos, como o campo externo. O comportamento pode ser determinado de forma completa pelo campo externo, inclusive por estímulos externos, específicos e isolados (Maslow. 1963).

1.1.2.1.1- A Necessidade do Relacionamento

Fromm (1952) estabelece que as necessidades fisiológicas não constituem a única parte da natureza humana que possuem caráter inevitável. Existe outra parte que é igualmente compulsiva não arraigada nos processos corporais, mas na essência mesma da vida humana, na sua forma e na sua prática: "la necesidad de relacionarse con el mundo exterior, la necesidad de evitar el aislamiento. Sentirse completamente aislado y solitario conduce a la desintegración mental, del mismo modo que la inanición conduce a la muerte" (Fromm. 1952: 37).

Fromm assinala que essa conexão com os outros não tem só a ver com o contato físico, mas com a relação baseada em idéias, valores ou pelo menos, em normas sociais que providenciam ao indivíduo o sentimento de pertencer a alguma coisa. A ausência de conexão com valores, símbolos ou normas, que pode-se denominar de solidão moral, é tão intolerável quanto a solidão física, ou, dito de outra forma, a solidão física só se torna intolerável quando ela vai acompanhada da solidão moral. Assim, a conexão moral com o mundo pode assumir distintas formas: o monge solitário que acredita em Deus ou o prisioneiro político isolado do resto das pessoas, mas que se sente unido com os seus companheiros de luta.

Essa necessidade conduz o ser humano a estabelecer formas de conexão com o mundo exterior, de forma a canalizar a necessidade de pertencer a alguma coisa.

1.1.2.2- A Razão

O fator racional exerce grande influência no comportamento das pessoas. A racionalidade tem forte presença na motivação do comportamento, sobretudo no caso do homem moderno, em que muito da dinâmica circundante se determina pela razão.

A razão permite a adaptação a situações inéditas no desenvolvimento da realidade quotidiana, ajudando o homem a avaliar uma situação e a tomar uma decisão determinada. A razão permite analisar as diversas alternativas que se apresentam diante de uma situação qualquer, e mediante a avaliação das vantagens e desvantagens que uma decisão poderá trazer, conduz o homem à tomada de uma decisão, modificando o seu comportamento face a uma situação inédita. Nesse processo existirão fatores relacionados com experiência passada, o "investimento" de recursos, de tempo, de carga emocional e outros que deverá ser feito, ou aos resultados vantajosos possíveis de se tomar a decisão X.

Em geral, a razão serve como ferramenta para atingir um objetivo baseado em uma necessidade. Exemplos: 1) Um problema de aritmética ou um experimento científico requerem uso exclusivo da razão para ser resolvido, e as necessidades a serem satisfeitas podem ser a auto-estima e a auto-realização. 2) Uma guerra requer planejamento e estratégia, além dos instrumentos de poder político envolvidos, que podem ser enfrentados de forma exclusivamente racional, mas ela obedecerá à satisfação das necessidades relacionadas com sobrevivência (fisiológicas), segurança, auto-estima ou auto-realização.

A razão, porém, não determina por si só o comportamento do homem, nem é o único argumento de que se vale para tomar uma decisão, pois há vários fatores relacionados tanto à natureza humana (sentimentos, medos, desejos, etc) quanto à experiência passada que interferem no processo decisório. É conhecido o caso de pessoas que, embora especialistas em determinada área, perante uma situação inédita, precisam de tempo para a ela se adaptarem, e muitas vezes até cometem "erros de principiantes". É conhecido o caso dos jogadores de xadrez que, mostrando grande perícia e domínio da situação perante decisões conhecidas, podem cometer erros "infantis" perante situações até então desconhecidas.

1.1.2.3- O Coração

Aceitando que comportamento do homem não é inteiramente racional, devemos buscar outras fontes de motivação que nos levem a compreender o comportamento. Nesse sentido, os fatores emocionais desempenham um papel fundamental na determinação do comportamento do homem, e esses fatores emocionais nós o denominaremos de Coração, a voz interna que representa tanto o aspecto emocional quanto a sabedoria interna, que leva o ser humano a se integrar ao mundo que o circunda.

Nesse sentido, é esclarecedora a postura que Gandhi tomou a respeito do Coração, sobretudo em momentos de crise. Gandhi tomou consciência do Coração quando deu seus primeiros passos na Africa do Sul, no início do que posteriormente ficou conhecido como "Satyagraha", que no mundo ocidental tem sido interpretado como "Resistência Pacífica", intimamente relacionado com a "arma" da não violência, à qual Gandhi se referiu como uma interpretação incompleta de uma filosofia baseada na "Verdade"[1] (Gandhi. 1958).

Ele foi para África do Sul no início do século com o propósito inicial de exercer sua profissão de advogado, mas as circunstâncias fizeram com que passasse a liderar o movimento que defenderia os direitos dos hindus, perante um regime que os oprimia e se aproveitava de suas carências. Assim, ele se transformou em porta-voz e representante dessa comunidade, e agiu como mediador perante o governo da África do Sul, para exigir o respeito dos mínimos direitos civis. Durante esse processo, houve momentos de violência e de ânimos exaltados, que em muitas ocasiões fizeram com que os esforços que estavam sendo feitos perdessem o rumo construtivo. O Mahatma teve que apelar para o fator emocional a fim de acalmar os ânimos, e poder seguir na direção adequada. Assim, ele afirma:

"Até 1906, Eu me baseava simplesmente no chamado à razão (...) Mas conclui que a razão não conseguiu produzir uma impressão quando o momento crítico chegou na África do Sul (...) se você quiser fazer algo realmente importante você deve satisfazer não só a razão, você deve também ganhar o coração"[2] (Gandhi. 1958).

Vemos como a formação inicial racional de Gandhi cedeu seu lugar a uma forma de ser em que reconhecia a necessidade de se dirigir também aos aspectos não racionais do ser humano, denominando-os de Coração, para ganhar confiança e não perder o rumo construtivo dos acontecimentos. E deu resultado, pois suas reivindicações foram atendidas e o processo continuou pela senda do diálogo e de relativa mútua compreensão.

A Satyagraha foi posteriormente aplicada com sucesso na Índia, durante o processo que conduziu à emancipação da dominação do império colonialista britânico, e mais uma vez, o apelo ao coração do povo indiano e das forças estrangeiras, se fez necessário, válido e eficaz, para atingir o objetivo. Entre outras ações, os longos jejuns efetivados pelo Mahatma fizeram com que as razões e emoções se misturassem e dessem como resultado a erradicação dos conflitos armados e a busca de meios pacíficos para superar as divergências. O apelo ao Coração não só serviu para o processo independentista, mas também para o processo de reconciliação entre as comunidades hindus e os muçulmanas[3]

A aceitação do Coração como fator que influencia o comportamento humano, providencia uma perspectiva diferente da realidade, em que a mútua compreensão, a aceitação das aspiraçoes das outras pessoas e o desejo de viver em paz, permitem levar o diálogo pela via do consenso e da harmonia. O Coração permite transformar desejos e sonhos em projetos e obras pela via da esperança e da convivência pacífica, entes que dificilmente possam ser representados em termos cartesianos.

Murray (1967) outorga um papel fundamental ao aspecto emocional nos processos do comportamento do homem. No caso da emoção, ela ajuda a modificar o comportamento em base ao sentimento que cada alternativa exercerá sobre a pessoa. Existem exemplos na vida diária das pessoas em que o fator Coração prevalece sobre o fator Razão na tomada de decisoes que conduzem à modificação do comportamento.

Com isso, queremos afirmar que devemos reconhecer a existência de fatores emocionais no comportamento das pessoas, e desenhar uma realidade organizacional que inclua esses fatores de forma adequada.

1.1.2.4- A Consciência

O conceito de consciência, historicamente, tem tido duas abordagens (Gomes Penna. 1985): a) a que a considera expressão do sistema nervoso altamente desenvolvido e lhe concede status de fenômeno biológico; b) a que nela percebe a expressão da condição social do homem e, em especial, da necessidade de o homem comunicar-se com outro (perspectiva sociológica).

A perspectiva sociológica permite estabelecer diferentes níveis de consciência no que se refere ao relacionamento do homem com a sociedade. O homem se relaciona com a sociedade de acordo a seu nível de consciência. Existem pessoas egoístas, responsáveis e altruístas, termos relativos e, até certo ponto, subjetivos. Assim como existem pessoas que só enxergam o que elas podem obter do sistema, existem outras pessoas que, além de enxergar o que elas recebem do sistema, estão conscientes do que estão fazendo por ele, do serviço que estão dando ao sistema no decorrer do seu trabalho quotidiano. Qual é a diferença entre estes dois tipos de pessoas?

A resposta está orientada em função do nível de consciência de cada pessoa. De acordo com os diferentes níveis de consciência de uma pessoa, ela pode discernir o que é melhor para ela, o que é melhor para o time, o que é melhor para a organização, o que é melhor para o país e o que é melhor para todos (Otomura. 1996). Quanto maior o nível de consciência do homem, maior será seu compromisso com o entorno (social e ambiental) e maior será a capacidade de discernir a importância do bem geral no seu próprio bem estar. A consciência permite reconhecer a importância das outras pessoas na vida de toda pessoa. Quanto maior o nível de consciência de cada pessoa, maiores serão as possibilidades de aceitar ceder parte de seu bem estar para ajudar no bem estar das outras pessoas.

Mas, o nível de consciência não é diretamente mensurável. Ele pode ser avaliado de acordo com as obras das pessoas. Elas falam pelas pessoas, são a sua representação, o seu cartão de apresentação, a manifestação do que elas têm dentro de si, expresso mediante o comportamento que levou a sua criação. O coração pode ser conhecido pelo Amor que ele coloca nas suas obras, mas não podemos enxergar o Amor que fez aquilo se tornar realidade, o que nós podemos ver é a obra em si.

O aumento no nível de consciência permite reconhecer a necessidade do ser humano estar com pessoas. Afinal de contas, o ser humano sempre tende a estar com pessoas, fazendo-se necessário reconhecer o entorno como parte da pessoa.

Como assinala Fromm (1952), a necessidade de relacionamento das pessoas é fundamental para a saúde mental e emocional. As pessoas tendem a estar entre pessoas, necessitam estar entre elas. O indivíduo nasce, cresce e se desenvolve rodeado de pessoas, seja no campo ou na cidade, fazendo com que as outras pessoas formem parte de sua vida quotidiana. Dificilmente uma pessoa escolherá se instalar fora do contato com o mundo social, sem nenhum tipo de contato ou relacionamento com outras pessoas.

Partindo dessa base consideramos importante afirmar que as pessoas fazem parte da vida de toda pessoa, mesmo que ela não saiba disso. Assim, as pessoas fazem parte do mundo de toda pessoa, mesmo que ela não esteja consciente disso. Portanto, não se pode considerar a existência de um indivíduo isoladamente do resto dos indivíduos. A vida de alguém, as atividades sociais, o trabalho e as atividades diárias estão diretamente atreladas à vida de outras pessoas.

Ora, se as outras pessoas fazem parte da vida de todo indivíduo, então podemos afirmar que o resto das pessoas faz parte do indivíduo. Com isso queremos dizer que o resto do mundo social faz parte integral de qualquer indivíduo. Uma parte importante do indivíduo está composto pelas pessoas, isto é, as pessoas fazem parte do indivíduo. Ele determina muito do seu comportamento e da suas atividades na vida real, em base ao relacionamento com as pessoas, sejam elas representadas pelo seu comportamento no relacionamento com elas, pelas convenções sociais, pelo código de ética ou pelas relações familiares.

Com isso estamos afirmando que o resto das pessoas não existe sob a forma de um ente externo que deva ser tratado como tal, mas sob uma forma integrada, em que as pessoas formam parte intrínseca de toda pessoa. Essa consideração permite superar a fragmentação das relações sociais, em que os indivíduos são considerados como seres isolados representados como elementos com características diferenciadas do resto dos indivíduos, em direção a uma visão mais integrada, em que o indivíduo e o resto dos indivíduos conformam uma realidade única, não só do ponto de vista de um observador externo, em que a sociedade é vista como um ente único integrado por todas as pessoas, mas também de um ponto de vista interno, em que cada indivíduo considera as pessoas como parte de si mesmo.

Essa visão permite estabelecer o bem estar de uma pessoa dependente tanto do seu próprio bem estar quanto do bem estar das outras pessoas. Dificilmente uma pessoa considerará a situação dela como de bem estar, ainda que suas necessidades diversas estejam cobertas, se o resto do entorno social não tem essas necessidades cobertas. No caso de uma pessoa estar bem alimentada, o fato dela enxergar ao seu redor e constatar a existência de fome entre seus congêneres, induzirá nela um sentimento diferente do bem estar, seja por solidariedade ou por remorso de consciência.

Para apoiar essas considerações, queremos tomar o caso do que acontece no caso de uma pessoa causar a morte de outra. Quando alguém mata outro, algo morre dentro da pessoa que matou. Isso que morre pode ser o respeito pela vida, a integração ao mundo social, a disposição a ajudar outras pessoas ou a compaixão pelo semelhante. Quando alguém mata outra pessoa, mata alguma coisa dentro de si, e isso que mata impedirá a sua integração posterior ao mundo social do qual faz parte. Assim, quando uma pessoa mata outra pessoa, ele deixa de ser a pessoa que era, tornando-se um ser diferente. Quando uma pessoa mata outra pessoa, ela também morre.

Por outro lado, numa positiva, podemos considerar o que acontece quando uma pessoa ajuda a outrém. Nesse caso, quem ajuda está ajudando tanto o outro quanto a si mesmo. A sensação de saber que ajudou outra pessoa permite surgir um sentimento de satisfação, dando sentido a sua vida, e permitindo o surgimento de uma forma diferente e melhorada de sua relação com os outros. Ao ajudar a outra pessoa, o indivíduo esquece sua individualidade e sua separação, e se integra ao mundo de outra maneira, permitindo compartilhar o mundo da outra pessoa, e observando o próprio mundo de uma perspectiva diferente: a perspectiva de constatar que não está só no mundo, mas que os mundos de duas pessoas podem se transformar numa realidade diferente plenamente integrada, em que as atividades de duas pessoas podem coexistir de forma harmônica. Portanto, quando uma pessoa ajuda outra pessoa, se ajuda a si mesma.

Uma situação interna muito diferente surge quando a pessoa recebe dinheiro por um serviço que presta a outrém. Não sabemos o por quê, mas a sensação da pessoa que "ajudou" é completamente diferente. Ela não atinge o mesmo grau de satisfação que poderia sentir no caso de não receber nada em troca. Ela deu para receber, num círculo que se torna vicioso, pois o objetivo final é se ajudar a si mesma. Nessa perspectiva, pode-se considerar harmônica aquela atitude que visa ajudar os outros de forma desinteressada, pois permite surgir um sentimento interno de integração com o entorno social.

Assim, vemos como a consideração do fato de as pessoas fazerem parte do mundo de outros, permite aceitar que uma pessoa receberá o que ela entrega às outras pessoas. Ela experimentará o que ela oferecer a outra pessoa. Isso permite aceitar a consciência de as pessoas formarem um todo unificado, e permitirá induzir o surgimento de um tipo de organização social que lide mais de acordo com premissas harmônicas do que com premissas individualistas.

É fundamental fazer a ressalva que a ajuda a si mesmo é também importante. A harmonia também consiste em se considerar a si mesmo como parte dos outros. Assim, considera-se importante a ajuda que vá dirigida ao próprio bem estar. Isto é, uma atitude harmônica permite colocar o bem estar próprio e o bem estar alheio no mesmo patamar, numa dinâmica em que a ajuda dos outros permitirá considerar o próprio bem estar tão importante quanto o bem estar dos outros. Isto é, o equilíbrio faz parte fundamental de um comportamento harmônico.

Tomando um exemplo orgânico, podemos considerar o equilíbrio que rege o funcionamento interno de uma planta: cada célula viva exerce sua função de forma a considerar o seu crescimento e o crescimento das outras células igualmente importantes, numa dinâmica em que a existência da planta está por cima de qualquer outra prioridade. Assim, uma célula não obterá do meio ambiente orgânico mais do que ela precisa para viver e cumprir a sua função, assim como qualquer uma das células restantes manterá o mesmo equilíbrio orgânico, fazendo com que o alimento orgânico que a planta recebe seja suficiente para garantir a vida da planta, numa dinâmica em que o equilíbrio permite o funcionamento harmônico do sistema.

Da mesma forma, podemos considerar que a estrutura social deve ser regida por uma dinâmica em que o equilíbrio entre as diferentes pessoas permita o funcionamento harmônico do sistema social. Cada pessoa é importante. O equilíbrio interno de cada pessoa, que permite considerar o bem estar próprio e o bem estar dos outros igualmente importantes, induzirá o estabelecimento de uma dinâmica em que o equilíbrio interno de cada pessoa será tão importante quanto o equilíbrio geral da sociedade.

A consciência de considerar o resto das pessoas como parte de si mesmo e o bem estar das outras pessoas tão importante quanto o próprio, permitirá superar a ilusão de separação que existe nas relações sociais e organizacionais. O homem faz parte de si mesmo, do entorno e do universo. Ele não é um ente à parte que deva ser analisado e separado como um elemento alheio à estrutura. Ele faz parte da estrutura natural e social na qual se encontra imerso.

Mediante a aceitação dessa realidade, o homem poderá aceitar que é parte integral do sistema social, onde ele e o entorno formam um todo indivisível. Nesse sentido, a análise separada das partes e do todo revela-se incompleta. Só uma relação integrada do homem com o seu entorno (no sentido de aceitá-lo como parte de si mesmo) pode garantir um comportamento harmônico e cooperativo nas pessoas.

1.1.2.5- Outros Fatores

Sai do escopo de nosso objetivo aprofundar a análise e síntese da influência no comportamento de outros fatores além da razão, o coração e a consciência, mas consideramos necessário assinalar a existência de outros fatores que exercem influência sobre o comportamento do homem: a intuição, o inconsciente e o campo externo.

A intuição representa um canal de percepção de uma realidade que não se revela aos 5 sentidos naturais, nem se deduz pelo raciocínio. A intuição permite perceber acontecimentos e situações não perceptíveis de outra forma. Em geral, a consciência não participa desse processo, pois tende-se a modificar o comportamento de uma pessoa de uma forma não muito clara para ser formalizada. Mas, ela existe e a tendência é a considerá-la como fator de influência no comportamento humano.

A pessoa que segue a intuição dela, tende a atuar de forma não explicável nem deduzível aos olhos de uma terceira. Ainda mais, a pessoa que age segundo a intuição não sabe explicar o por quê do comportamento que está assumindo, mesmo que tenha certeza que é o adequado. O homem moderno tem esquecido a importância da intuição como fator modelador de atitudes adequadas, pois tem dado importância fundamental ao perceptível e ao deduzível. Mas a intuição existe, mesmo que não possa ser demonstrada nem explicada.

Um acontecimento passado tende a ser explicado como uma relação de causas e efeitos plausíveis que induziram um resultado determinado, mas basta aplicar esse mesmo raciocínio ao tempo presente e futuro para atingir resultados divergentes das expectativas que se formaram. O grande desafio do homem é conciliar a percepção da realidade sob a forma de um equilíbrio entre a intuição e a razão.

Às vezes uma pessoa não sabe por quê, mas toma uma decisão e efetiva um comportamento de forma não inteiramente consciente, obedecendo a uma sorte de pressentimento sobre o que deve ser feito em relação a uma determinada situação. Isso corresponde a um comportamento intuitivo, um reflexo não necessariamente consciente que permite tomar a decisão certa diante de uma situação determinada. Não existe demonstração científica que permita determinar a existência da intuição, mas aceita-se que ela existe, e que muitas vezes permite tomar a decisão certa face a uma situação incerta. A intuição pode ser considerada como um sexto sentido, adicional aos 5 sentidos tradicionais.

O inconsciente constitui outro fator importante na hora de modelar o comportamento humano. O inconsciente está conformado por aquelas partes que foram reprimidas pela educação (escola freudiana), mas também pelo denominado "Inconsciente Coletivo" (Jung. 1955). "El inconsciente no sólo contiene elementos personales, sino también impersonales, colectivos, en forma de categorías heredadas o arquetipos. Por esto he establecido la hipótesis de que el inconsciente, digamos en sus estratos más profundos, posee contenidos colectivos, relativamente animados, y por lo mismo he propuesto el término inconsciente colectivo" (Jung. 1955: 69). O inconsciente age diretamente sobre o comportamento humano, sem passar por qualquer um dos fatores assinalados até agora, e abrange o material psíquico que não tenha traspassado o umbral da consciência.

Maslow menciona o campo externo como influência decisiva no comportamento humano. O campo externo age tanto sobre a consciência quanto diretamente sobre o inconsciente. Ele tem a forma de costumes, influência cultural, convenções, ética, moral, comportamentos imitados, moda, etc, que dão lugar a uma pessoa eleger um tipo de comportamento num ambiente social determinado.

1.1.3- Relação entre os diferentes fatores

A seguir estabeleceremos a relação entre os diferentes fatores assinalados, e mostraremos nossa convicção que a modificação ética e harmônica do comportamento do homem passa através do apelo à consciência.

As necessidades influem sobre o comportamento, mas antes elas passam pela consciência, pois à percepção da necessidade segue-se um processo em que a consciência permite tomar conta da situação e fazer uma escolha. Explicamos com exemplos: 1) Um homem está com fome, ele quer comer, avalia as possibilidades de saciar seu apetite e toma a decisão que ele considerar a mais conveniente; assim, antes de ele efetivar a motivação no seu comportamento, ele tomou consciência a sua fome, e avaliou as diferentes possibilidades para saciá-la (provavelmente usando a razão). 2) Uma pessoa se enfrenta a um animal que ameaça a sua segurança, ela quer voltar a sua situação original e considera as diferentes possibilidades, se atirar nele ou fugir, depois tomará sua decisão. Assim, antes de modificar seu comportamento, essa pessoa esteve consciente do perigo, avaliou as diferentes possibilidades (em questão de segundos) e tomou a decisão sobre o seu comportamento. Nos dois exemplos vemos como a cada modificação do comportamento precede-se uma motivação em que a consciência encontra-se envolvida. Em geral, a evidência mostra que para satisfazer uma necessidade, gera-se um processo em que a consciência permite ao indivíduo avaliar a situação, examinar as alternativas e tomar uma decisão. Portanto, em muitos casos a consciência serve como elo de ligação entre as necessidades e a modificação do comportamento.

Por outro lado, tanto a razão quanto o coração tendem a passar pela consciência antes de influir na modificação do comportamento. O indivíduo tende a avaliar as diferentes alternativas baseado em considerações racionais e emocionais, tentando encontrar um justo equilíbrio entre o que pensa e o que sente. Isso não quer dizer que o comportamento será sempre equilibrado, pois a tendência será dar peso a um ou outro. Mas, dependendo da situação, o indivíduo tomará uma decisão mais baseada na razão ou no coração. Acreditamos que, quanto maior o nível de consciência da pessoa, maior o peso que será dado ao coração. Portanto, segundo a nossa convicção, num aumento de consciência da pessoa, o peso se desloca da razão para o coração.

A intuição age diretamente sobre o comportamento da pessoa sem necessariamente passar pelo consciente, portanto, a influência tenderá a ser "direta", sem por isso descartar que uma pessoa possa ter a consciência da influência. O inconsciente por definição não passa pelo consciente. E o campo externo tem influência sobre diversos fatores, pudendo este se manifestar numa influência sobre a razão, o coração, a consciência e o comportamento.

Fazendo um resumo do dito até agora, temos que as necessidades são uma grande fonte de motivação do comportamento do homem, existindo diferentes tipos de necessidades, elas pudendo agir sobre qualquer um dos outros fatores comportamentais, dada a sua diversidade e natureza. A consciência incide diretamente sobre o comportamento do homem, e ela é influenciada em grande medida pela razão e pelo coração. Os três fatores estão inter-relacionados e o comportamento do homem está em grande medida influenciado por eles, mas também está influenciado pela intuição, o inconsciente e o campo externo.

Podemos representar esquematicamente esses fatores da seguinte forma (Fig. 1.1):

Monografias.com

Fig. 1.1: Fatores que influenciam o comportamento do homem

O ser humano não está influenciado "mecanicamente" pelos fatores acima assinalados, com base a uma relação causa-efeito que possa determinar um comportamento X mediante uma alimentação adequada das variáveis de entrada. O comportamento do ser humano não pode ser previamente estabelecido. Ele não é um sistema suscetível de ser manejado segundo a vontade de terceiros, mediante o correto fornecimento de dados. O ser humano é um ser complexo, tanto na sua estrutura interna quanto no seu comportamento, que pode ser compreendido com base numa série de fatores pertencentes à realidade onde ele se desenvolve, alguns deles não facilmente cognoscíveis. Acima de tudo, ele tem a possibilidade e o direito da agir de forma autônoma segundo os seus desejos, sendo esses desejos tanto parte de sua própria natureza quanto induzidos pelo ambiente social onde se desenvolve. O ser humano deve agir, e sempre deverá a agir, de acordo com o princípio de Liberdade. Nesse sentido, concordamos com Fromm quando estabelece que:

"La existencia humana empieza cuando el grado de fijación instintiva de la conducta es inferior a cierto límite; cuando la adaptación a la naturaleza deja de tener carácter coercitivo; cuando la manera de obrar ya no es fijada por mecanismos hereditarios. En otras palabras, la existencia humana y la libertad son inseparables desde un principio" (Fromm. 1952: 47)

Baseando-nos no princípio de liberdade, queremos estabelecer uma dinâmica em que o ser humano se sinta livre de agir de forma harmônica, sem ser coagido a se comportar de forma individualista e egoísta pelas convenções existentes no sistema socio-econômico vigente, mas que possa mostrar a realidade cooperativa e solidária que ele possui dentro de si.

1.1.4- Modificação do comportamento do Homem

Mas, o que determina o comportamento de uma pessoa? Aceitando a influência de todos os fatores acima mencionados, consideramos que o nível de consciência determina em grande parte o comportamento de uma pessoa. Um nível de consciência baixo permitirá que o resto dos fatores envolvidos exerçam maior influência sobre o comportamento da pessoa, permitindo assim, que tanto o campo externo quanto as necessidades modelem em maior proporção as suas ações. Um nível de consciência mais elevado, permite encontrar um equilíbrio entre esses fatores, aceitando o fato dos argumentos do coração serem tão válidos quantos os argumentos provindos da razão.

Onde começa o processo de modificação do comportamento em direção a um maior bem geral? Em todas as partes e em nenhuma parte, pois não tem princípio nem final. Para induzir alguma mudança no comportamento das pessoas e visar o estabelecimento de uma realidade social harmônica, poder-se-ia tentar agir sobre qualquer um dos fatores internos e externos envolvidos no processo que leva à manifestação do comportamento humano, sempre tendo presente que ele é "multimotivado". Mas, considerações pessoais nos levam a aceitar que uma mudança eticamente aceitável dirige-se ao aumento do nível de consciência das pessoas.

Consideramos que uma mudança ética e verdadeira começa pela mudança do nível de consciência, permitindo o indivíduo se manifestar como um ser autônomo em sua natureza. Somos convictos de que a mudança do comportamento via consciência é diferente da mudança do comportamento via campo externo, pois esta se baseia em estímulos e respostas, o comportamento sendo condicionado a continuidade dos estímulos ao longo do tempo, enquanto aquela visa uma mudança na essência do comportamento das pessoas, isto é, a mudança do comportamento via consciência é de caráter permanente pois se dirige aos princípios morais e à essência própria do ser humano.

Por outro lado, as necessidades podem determinar o nível de consciência, pois sendo satisfeito um determinado nível de necessidades, a pessoa pode aspirar a satisfazer outro ordem de necessidades, aumentando assim, o seu nível de consciência. Mas, a consciência também pode determinar as necessidades. Maslow (1963) menciona como as pessoas que tem sido satisfeitas em suas necessidades básicas durante a vida toda, especialmente nos primeiros anos, desenvolvem uma capacidade excepcional para resistir a frustração presente ou futura dessas necessidades, devido a que têm uma estrutura de caráter firme e sadia, como resultado da satisfação básica. São aquelas pessoas firmes, que podem resistir a qualquer discordância ou oposição, que lutam contra a corrente da opinião pública e que defendem a verdade ainda à custa de sua integridade pessoal. São as pessoas que amaram e que têm sido amadas e têm tido grandes amizades que podem se manter firmes perante a rejeição social ou a perseguição.

Poderíamos tentar satisfazer as necessidades de todas as pessoas, subindo o patamar de consciência coletiva, mas isso não garante que o resultado conduzirá ao bem geral, pois o individualismo de algumas pessoas pode transformar o processo em um jogo de poder, em que a satisfação de suas necessidades transformar-se-á em uma questão prioritária sobre a satisfação das necessidades de outras pessoas. Poderíamos tentar usar argumentos racionais para mostrar a necessidade de viver sob condições harmônicas, mas dado o resultado que temos alcançado sob a égide dos paradigmas modernos (individualismo, racionalidade, eficiência econômica...), duvidamos que os paradigmas racionais sejam suficientes para atingir tal fim. Poderíamos tentar agir sob o campo externo, direcionando um processo modelado pela técnica de estímulo-resposta, para induzir modificações no comportamento em direção a características solidárias e cooperativas (isso já tem sido proposto à luz da teoria behaviorista de Skinner, com resultados longe dos esperados) mas consideramos que esse não deve ser o roteiro a seguir, porque essa teoria estabelece que o comportamento do homem é basicamente influenciado por forças externas, deixando de lado uma série de forças naturais presentes no homem (emoção, razão, consciência), e o objetivo não é criar uma espécie de autômatos emocionais, que sejam formados desde crianças com base em técnicas de estímulo-resposta, para atingir o objetivo de uma convivência harmônica, mas desenhar uma realidade organizacional e social que satisfaça as aspirações das pessoas que querem viver sob princípios harmônicos. Poderíamos tentar agir sobre a consciência das pessoas, mostrando a necessidade de conviver de forma pacífica e harmônica para atingir o bem geral, baseado num processo de educação alicerçado na visão global da realidade, mostrando a necessidade de considerá-la como uma estrutura interdependente. Consideramos que a via da consciência constitui a alternativa mais adequada para introduzir mudanças organizacionais e sociais.

Assim, combinando o princípio de liberdade com uma modificação do comportamento baseado na consciência, poderíamos estabelecer uma organização social harmônica na sua essência e condizente com valores humanistas e reais, que permita ao ser humano a liberdade de agir segundo as premissas que sua consciência considerar mais convenientes. Se considerarmos que o ser humano age por consciência, mais do que pelos outros fatores assinalados, sejam eles as necessidades, a razão, a emoção, a intuição, o campo externo ou o inconsciente, poderemos sonhar em criar uma realidade que permita o surgimento da igualdade e da solidariedade entre os seres humanos.

Para o surgimento de uma organização social baseada na consciência das pessoas, será necessário levar a cabo um processo educacional que permita ao ser humano assimilar o conhecimento de pertencer a uma realidade eminentemente harmônica e enxergar as vantagens de assumir comportamentos cooperativos e solidários e de pertencer a um sistema com tais características.

1.1.5- O Aumento do Nível de Consciência

O estabelecimento de uma organização social harmônica só poderá se tornar realidade, se o objetivo da modificação do comportamento humano em direção a formas mais cooperativas, for alcançado com base no aumento no nível de consciência do homem. Uma ação sobre qualquer uma das outras variáveis envolvidas no comportamento, destinada para tal fim, pode e será vista como uma manipulação sobre o ser humano. Visto assim, o objetivo primordial para o estabelecimento de uma realidade social harmônica será uma ação direcionada ao aumento do nível de consciência das pessoas. Mas, como poderá ser feito isso?

Consideramos que o processo pode se dar de maneira conjugada, em que a satisfação das necessidades das pessoas vá junto com um processo de conscientização[4]com base em processo de educação, mostrando a necessidade de viver sob paradigmas harmônicos para atingir o bem estar geral. Ele pode ser feito mostrando as boas conseqüências de ver a realidade de forma global, em que as conseqüências da implantação de uma realidade harmônica forem analisadas.

Assim como foi feito com a razão, que foi implantada na mentalidade do homem, transformando o encantamento do mundo em uma persistente "cientifização" da realidade, definindo e fundando a sociedade moderna, da mesma forma pode ser conduzido um processo amplo de educação em que se incluam as escolas, as universidades, a mídia, na conversa diária das pessoas, a fim de reduzir o mistério que existe sobre a consciência global, orgânica e harmônica da realidade. Mostrando as vantagens de aceitar a convivência harmônica dos homens, da relação do homem com seu entorno, social e natural, da possibilidade de se enxergar a si mesmo como parte de uma dinâmica pacífica e harmônica.

Temos a plena convicção de que o homem nasceu para ser feliz, para se relacionar com seus semelhantes de maneira cordial, para criar um mundo onde a ameaça da guerra desapareça definitivamente do seu horizonte, em que as diferenças entre pessoas, comunidades e países possam ser transformadas em constante diálogo de diversidade e de enriquecimento mútuo, em que o relacionamento entre os homens será determinado por constante troca de bem estar e benefícios, baseada na consciência de fazer parte da mesma raça, do mesmo destino e do mesmo planeta. O homem é capaz de levar a cabo o que é capaz de imaginar. Será que se terá chegado ao momento de imaginar o advento de uma era de paz, de cooperação, de solidariedade e de harmonia? Existem todas as condições para que a resposta seja afirmativa, Será uma questão de imaginação e de transformá-la em realidade?

1.1.6- Conclusões Parciais

De acordo com o escrito até agora, podemos chegar às seguintes conclusões:

1) A representação do homem como um ser exclusivamente racional, revela-se limitada na hora de modelar e criar organizações que possam lidar de maneira adequada com as fontes de motivação do ser humano.

2) Existem fatores adicionais à razão que devem ser incluídos no discurso da motivação do ser humano e no desenho das organizações. Dentre tais fatores vale ressaltar: o coração, a intuição e a consciência.

3) Quanto maior o nível de consciência de uma pessoa, maior será a influência do coração no comportamento dela, e maior será o equilíbrio entre os diferentes fatores que influenciam o comportamento (entre o coração, a razão, a intuição, a consciência e as necessidades).

4) Um entorno organizacional harmônico com a natureza do homem, tenderá a incluir os fatores que influenciam o comportamento humano (o coração, a razão, a intuição e a consciência) na dinâmica organizacional, e os aceitará como valores que se devam respeitar para atender os interesses das pessoas e, portanto, das organizações.

1.2-REALIDADE HARMÓNICA

A ciência nos exige comprovar o que vemos, mesmo que o que se observa seja evidente e não precise de demonstração para sua aceitação. Ao abordar um novo conceito ou uma forma diferente de enxergar as coisas, nos enfrentamos com uma dicotomia própria de situações inéditas: seja tentamos demonstrar o novo paradigma ou o aceitamos até ele comprovar sua veracidade através da experiência.

A ciência nos exige comprovação, enquanto que a realidade continua sendo da mesma forma, isto é, a aceitação de um novo paradigma não muda a realidade, mas a nossa compreensão sobre a realidade. Assim, na tentativa de estabelecer o paradigma da harmonia em nível organizacional e social nos defrontamos com um desafio: tentamos demonstrar a sua veracidade e aplicá-la às organizações, ou aceitamos que ela existe e tentamos criar uma ordem organizacional coerente com seus preceitos. Nós decidimos escolher a segunda alternativa.

1.2.1-Organicidade

Estamos perante uma realidade natural que se revela maravilhosamente harmônica. As plantas, os animais, o Cosmos, a realidade atômica, até mesmo o corpo humano, são de uma complexidade que às vezes nos assusta se os analisarmos detidamente. Mas, se olharmos mais profundamente e tentarmos analisá-los de um ponto de vista que revele a sua essência, podemos perceber a unicidade básica do Universo baseada na harmonia dos processos naturais.

Assim, em vez de falar de complexidade nós preferimos falar de Organicidade, que é um conceito muito mais profundo e abrangente do que o primeiro, para descrever e denotar a organização e o funcionamento básico de todo sistema orgânico. A Organicidade, por sua vez, leva consigo uma conotação comparável ao que o caos representa para a Complexidade, que serve para denotar a característica fundamental com que os processos naturais, tanto dos seres vivos quanto do Universo em que nos encontramos, se desenvolvem: a Harmonia.

Ao falar de Organicidade, estabelece-se uma comparação entre o que se passa nos organismos vivos e a realidade que nos rodeia. Assim, pode-se aplicar determinados conceitos existentes em nível biológico (adaptação, crescimento, diferenciação, homeostase, flexibilidade, integração...) a diferentes sistemas naturais e sociais, considerando tais sistemas como seres vivos, com características similares às de uma estrutura orgânica.

Para isso, é necessário reconhecer a harmonia básica dos sistemas naturais. Fora o mundo social e cultural, podemos constatar a existência de uma realidade que se revela eminentemente harmônica, onde os processos de evolução natural se desenvolvem com uma plasticidade e uma facilidade assombrosas. O crescimento de uma planta, o equilíbrio dos ecossistemas, a concepção de um ser vivo, o movimento dos astros, o equilíbrio climático, o funcionamento do corpo humano e o mundo sub-marinho, formam parte de uma realidade cuja organicidade se evidencia e cujas características harmônicas tendem a ser aceitas.

A harmonia evidencia-se no fato de que qualquer uma das unidades básicas que integram a estrutura dos sistemas naturais, tem uma função bem determinada e integra-se de forma coerente com o sistema, sem tendências a ocupar o espaço e a função dos outros elementos de forma conflitiva. Por exemplo, no caso de uma planta, todas as células desempenham uma função respectiva, que permite o crescimento harmônico da planta, integrando-se todas num sistema eminentemente harmônico.

A natureza nos mostra como o homem encontra-se inserido em uma realidade cósmica e universal essencialmente harmônica. Os planetas giram harmonicamente em torno ao sol, a lua gira em torno à Terra, a Terra gira em torno a si mesma. O equilíbrio do clima em nível planetário está baseado em uma dinâmica essencialmente harmônica que permite a vida. A vida dos animais e das plantas, a chuva, as estações, a seca, a vida marinha, a cadeia de alimentação dos animais até chegar ao homem, têm o seu lugar dentro de um equilíbrio incrível e surpreendente, em que a harmonia constitui o fator necessário e fundamental para manter o sistema planetário funcionando de forma global.

Os sistemas naturais são essencialmente harmônicos. O corpo humano é um sistema harmônico. As suas funções desenvolvem-se de forma harmônica, numa dança sincronizada em que uns e outros órgãos estão integrados de forma equilibrada, permitindo a vida e o desenvolvimento do ser humano. A física tem mostrado o comportamento harmônico dos objetos, desde os corpos celestes até os átomos, num equilíbrio cósmico e universal que permite o nascimento, o crescimento, o desenvolvimento e a morte de todos os objetos envolvidos, em contínua reciclagem de energia e matéria. Em nível social, o homem e os animais superiores mostram a tendência natural de se organizarem em comunidades, em que a conduta ligada à necessidade de viver em grupos e manadas respectivamente, revela as vantagens do comportamento solidário e a organização social. No homem, "existen fuertes impulsos hacia la conducta y la cooperación sociales: la cooperación es el rasgo dominante y, desde el punto de vista biológico, el más importante de todos" (Eli In Darin-Drabkin. 1962: 19).

Baseados nessas considerações permitimo-nos partir do princípio de que a natureza (e o homem faz parte dela) é harmônica por essência. Consideramos que um dos grandes conflitos do ser humano é saber que faz parte integral de uma grande ordem essencialmente harmônica, e ter sido obrigado a raciocinar como um ente separado da realidade que o rodeia. Foi no momento em que o homem entrou na Era Moderna (Marcuse. 1973), que deixou atrás todas as considerações integradoras da ordem natural e decidiu se separar mentalmente do meio ambiente e dos seus congêneres, para enxergar-se a si mesmo como um ente à parte e enxergar a realidade como muitos elementos agindo em conjunto, esquecendo que ele alguma vez enxergou essa realidade como um grande concerto dirigido por uma mão divina. A sociedade moderna encontra-se modelada pelo conflito como forma de atingir o progresso individual e social.

Nesse sentido, fazemos apelo à visão integradora do homem com a natureza vista por Fromm:

"La emergencia del hombre de la naturaleza se realiza mediante un proceso que se extiende por largo tiempo; en gran parte permanece todavía atado al mundo del cual ha emergido; sigue integrando la naturaleza: el suelo sobre el que vive, el sol, la luna y las estrellas, los árboles y las flores, los animales y el grupo de personas con las cuales se halla ligado por lazos de sangre. Las religiones primitivas ofrecen un testimonio de los sentimientos de unidad absoluta del hombre con la naturaleza. La naturaleza animada e inanimada forma parte de su mundo humano, o, como también puede formularse, el hombre constituye un elemento integrante del mundo natural" (Fromm. 1952: 49)

Assim, estabelecemos e propomos o desafio de modelar e criar uma realidade social e organizacional harmônica, em consonância com a realidade natural da qual fazemos parte.

Aceitar a harmonia em nível organizacional e social não significa negar a diversidade de opiniões nem a argumentação aberta para chegar a acordo, nem impõe o sacrifício da liberdade para estabelecer uma realidade em que as aspirações das pessoas sejam satisfeitas, mas permite que o ser humano possa se entregar a uma dinâmica integradora com o meio ambiente social e natural, de maneira de induzir o seu progresso como indivíduo e como sociedade de forma mais fluída.

Por que o homem se empenha em desenhar sistemas sociais e organizacionais baseados no conflito? Uma resposta pode ser sugerida pela maneira como o homem moderno enfrenta a realidade que o rodeia: de forma fragmentada. A racionalidade exacerbada tem feito o homem esquecer a visão de conjunto e a harmonia inerente dos processos naturais, induzindo-o a focalizar cada vez mais de perto esses processos, deixando de lado o ponto de partida que o levou a análise microscópica: entender a realidade como um todo. Do ponto de vista racional, considera-se que não é possível se relacionar com seus semelhantes de forma harmônica, pois não se enxerga a sociedade como um conjunto ou como um ser vivo, mas como um grupo de pessoas separadas cada uma tentando agir em sua própria direção.

Mas, existe uma saída: não basear os relacionamentos na razão, mas na consciência de fazer parte de uma realidade harmônica. O homem não deve se considerar como de uma natureza diferente. Ele faz parte da natureza e, portanto, deve ser possível desenhar uma realidade social paralela à essência dessa natureza.

A nossa proposta encaminha-se ao estabelecimento de uma realidade organizacional e social que possa lidar adequadamente com fatores relacionados à tendência natural do homem a agir em conjunto, permitindo surgir a dinâmica integradora da cooperação e na harmonia. È com base nessa perspectiva que sugerimos o desenho de uma realidade baseada em princípios conscientes e orgânicos mais do que em princípios mecanicistas e burocráticos.

1.3- O PRINCÍPIO DA ORGANIZAÇAO HARMÓNICA

Sob os preceitos modernos, dentro das organizações as relações humanas estão revestidas pelo caráter funcional e pela individualidade

Nas empresas modernas, elas estão condicionadas pelo serviço que os empregados oferecem à organização, pela sua contribuição na obtenção do lucro. Do ponto de vista do empregado, ele determina o seu relacionamento com a organização com base no que ela pode lhe oferecer, especialmente no que diz ao bem estar material (salário, bônus, etc) e ao status profissional. Numa relação em que cada parte tenta obter do outro o máximo ao menor custo possível. Nesse sentido um menor custo pode implicar menor salário aos olhos da empresa e menor quantidade de trabalho aos olhos do empregado.

Esse tipo de relacionamento tende a causar conflito nos vínculos empregatícios, pois na maioria dos casos, os objetivos da organização diferem dos objetivos dos empregados, motivo pelo qual têm surgido em nível das organizações, correntes teóricas que visam o alívio desse conflito, que se manifesta como "um crescente mal–estar de nossas organizações atuais, mal-estar este que, na prática, manifesta-se como infelicidade individual e ineficiência organizacional" (Leite. 1995: 88). O conflito empregatício existe não só nas empresas privadas, mas também nas organizações públicas, razão que nos leva a buscar a origem dele nas organizações em geral, e não só na esfera privada.

Como fundir ambos objetivos, os pessoais e os organizacionais? Até agora não tem surgido uma proposta que permita fundir os lucros operacionais e os lucros pessoais, pois ambos são inversamente proporcionais, isto é, para uma pessoa aumentar seu lucro deve acontecer uma de duas coisas: o crescimento da empresa, mediante o aumento de sua produtividade e do trabalho providenciado dos empregados, permitindo o aumento das vendas e portanto, a fatia que pode ser repartida entre os empregados da empresa, ou mediante a diminuição dos lucros da empresa, para serem destinados ao salário dos empregados.

Como pode-se apreciar, ambos interesses são conflitantes: o interesse da empresa e o interesse do indivíduo. A empresa adquire uma identidade corporal que lhe permite definir e estabelecer parâmetros de sua própria individualidade, criando-se assim "o interesse individual da empresa", trazendo consigo uma série de termos que normalmente seriam destinados a descrever o interesse individual de uma pessoa: o interesse da empresa, o lucro da empresa, os objetivos da empresa. Esses objetivos diferem dos objetivos dos empregados, que, enfrentando-se perante a escolha entre seu interesse e o interesse da empresa, prefeririam decidir pelo próprio interesse.

As tentativas de fusão entre os objetivos da organização e dos empregados não tem atingido os resultados esperados, por uma razão muito simples: são conflitantes. Na tentativa de fundir os dois objetivos, o resultado acaba não satisfazendo nem à organização nem aos empregados, ficando num meio termo entre a organização e o indivíduo, deixando todas as partes descontentes.

A tentativa de fusão dos dois objetivos questiona os paradigmas que deram vida à organização moderna, e sugere o surgimento de paradigmas organizacionais diferentes, porque essa tentativa faz com que os objetivos principais das organizações (o lucro e a gestão de recursos) sejam trocados por objetivos mais relacionados com as pessoas que integram as organizações, não havendo, portanto, essa separação tão nítida entre os meios e os fins.

A fusão dos dois objetivos implica a fusão dos meios e dos fins, pois a união dos objetivos das pessoas e das organizações transforma o paradigma organizacional numa só realidade. Isso sugere o surgimento de um tipo de organização diferente (baseada em outros paradigmas). Portanto, a fusão dos dois objetivos pode implicar o desaparecimento da organização moderna e permitir o surgimento de outro tipo de organização.

O surgimento de outro tipo de organização estaria baseado em princípios diferentes. A seguir sugerimos um desses princípios, aquele que consideramos que daria origem a outros princípios e a outro tipo de organização.

1.3.1- Princípio Superior

Um princípio diferente passa pela convicção de aceitar a superação dos paradigmas vigentes como princípios válidos de organização. Assim, é necessário apelar a princípios não presentes nas organizações modernas.

As organizações sociais dos insetos são conhecidas pela sua ordem e disposição baseadas no instinto. Mas, o instinto é uma categoria que diminui e desaparece nas formas zoológicas superiores, especialmente na humana (Fromm. 1952). Portanto, devemos buscar um princípio de organização que cumpra o papel organizador que exerce o instinto nas formas zoológicas inferiores, e que esteja presente na espécie humana, para lidar com estruturas organizacionais adequadas. É necessário estabelecer um princípio geral que se dirija à consciência humana e possa orientar o comportamento das pessoas em direção a um mesmo objetivo de forma harmônica. No estabelecimento desse princípio, devemos aceitar um princípio que se dirija à consciência e, simultaneamente, à satisfação da razão e do coração.

Após diversas tentativas, destinadas a encontrar um princípio que satisfaça a esses requisitos, consideramos que o princípio mais adequado para o estabelecimento de um estrutura organizacional e social baseada em princípios harmônicos, é o maior sentimento que o ser humano pode experimentar, é a força mais sutil e maravilhosa que existe no universo, é a energia que pode levar o ser humano ao cumprimento de façanhas incríveis, a que permite uma pessoa dar sua vida para salvar a vida de outra pessoa, a musa que cantam os poetas e autores mais consagrados, o motivo que permite expressar o argumento mais sublime expressável por todo ser humano e a inspiração que levou à criação das maiores obras feitas pela humanidade: o Amor.

O Amor constitui um princípio e uma metáfora. Ele pode ser visto como uma forma de viajar ou como um objetivo, como um sentimento universal ou como um princípio superior da humanidade, como uma estrela no horizonte, indicando o roteiro a seguir, ou como as ondas e o vento que dão forma ao mar.

O Amor pode representar um princípio de organização, um princípio de escolha, um princípio de consciência e um princípio de vida. O Amor permite uma pessoa enxergar as outras pessoas como parte de si mesma. Quando uma pessoa ama, ela dá sem esperar resposta, mas mesmo assim, ela está disposto a receber, numa dinâmica universal de boas intenções.

Quando o ser humano ama outra pessoa, ele cuida dela, a considera parte dele, e está disposto a sacrificar parte de seu bem estar para providenciar o bem estar da pessoa amada. Não estamos falando exclusivamente do Amor de casal, estamos considerando aquele Amor que permite o indivíduo considerar as outras pessoas como parte de si mesmo. O Amor permite compartilhar as coisas boas que qualquer pessoa pode oferecer a seus semelhantes.

O Amor permite tomar decisões harmônicas na direção adequada. O Amor pelo semelhante permite considerar o bem estar das pessoas como parte do bem estar pessoal. Em uma relação normal de mãe-filho, seria capaz uma mãe comer sem oferecer parte de sua comida a seu filho faminto? Ou, seria capaz uma pessoa de negar ajuda a um familiar? Quando o Amor existe no relacionamento das pessoas, o bem estar dos seres amados torna-se parte fundamental para o bem estar pessoal.

Se o Amor fosse descoberto pela ciência, a nossa concepção sobre a realidade mudaria drasticamente. Mas, por que esperar a que ela seja descoberta pela ciência se, como hipótese, ela pode nos ajudar a desenhar uma realidade harmônica e solidária? Por que insistir no conflito, se o Amor pode significar um princípio adequado de organização para atingir o bem estar geral? A única resposta que nos nega essa possibilidade é o fato do nível de consciência não ser o suficientemente elevado para imaginar uma realidade social harmônica, solidária e cooperativa.

Um nível de consciência adequado nos permitirá sonhar com o bem estar geral sem necessidade de continuar com mecanismos racionais de controle e de manter um entorno social estável. Não basta com querer estabelecer uma sociedade orgânica regida pelo Amor, em que o comportamento das pessoas seja regido pela consciência. Faz-se necessário contar com a consciência como elemento orientador do comportamento das pessoas, para poder estabelecer uma organização social coerente com princípios harmônicos.

Convictos de estarmos imersos numa realidade natural essencialmente harmônica, e na possibilidade de desenhar uma realidade social baseada no princípio do Amor, nos permitimos o risco de sonhar com uma realidade social baseada em princípios humanistas e solidários, em que o lado bom do ser humano possa surgir cada dia e a cada momento.

A seguir, passamos a considerar os aspectos relacionados ao princípio do Amor e à a sua decorrência no comportamento harmônico do homem, mediante a aplicação estrutural da Abordagem Orgânica. No próximo capítulo estabeleceremos os delineamentos gerais da Estrutura Orgânica.

CAPÍTULO 2

ESTRUTURA ORGÃNICA

"Simplesmente propomos enxergar o Universo não como uma grande máquina, mas como uma grande rede"

2.1- ABORDAGEM CONVENIENTE

Para justificar a validade de aceitar uma Abordagem diferente da Abordagem Mecanicista-Burocrática aplicado às organizações modernas, vamos estabelecer uma comparação com o que foi um grande debate no mundo matemático no século XIX (Poincaré. 1984)[5].

2.1.1- A Geometria Euclidiana, de Lobatchevsky e de Riemann

A Geometria se baseia num certo número de axiomas (convenções) indemonstráveis. Durante muito tempo se procurou, em vão, demonstrar o terceiro postulado de Euclides (uma das pedras sobre as quais se construiu todo o cálculo geométrico), segundo o qual através de um ponto dado passa apenas uma linha paralela a uma reta dada, e que nunca tinha sido demonstrado.

Durante o primeiro quartel do século XIX, um russo e um húngaro, Lobatchevsky e Riemann estabeleceram, de maneira irrefutável, que essa demonstração é impossível. Lobatchevski, na sua tentativa de demonstrar o postulado de Euclides, inverteu o problema, quer dizer, estabeleceu que através de um determinado ponto podem passar duas linhas paralelas a uma reta dada. A partir daí deduziu uma série de teoremas "entre os quais é impossível assinalar qualquer contradição" (Poincaré. 1984: 46), acabando por construir uma geometria da lógica tão congruente quanto a euclidiana, mas incompatível com esta. A partir daí, a matemática começou a ser questionada na sua certeza absoluta. Agora existiam duas formas diferentes de abordar o campo das matemáticas. Quase simultaneamente, Riemann construiu uma geometria tão impecável quanto a euclidiana, eliminando não só o terceiro postulado, como também o primeiro, segundo o qual só uma reta pode passar por dois pontos. O único problema é que não era compatível com as geometrias de Euclides e de Lobatchevski. Aliás, a Geometria de Riemann é a que mais se aproxima à Teoria da Relatividade de Einstein.

Poincaré abordou a polêmica surgida em torno de qual das geometrias era a verdadeira. Cada geometria estava fundada sobre determinados axiomas, os quais eram aceitos como verdades. Poincaré concluiu que os axiomas geométricos não eram verdades inabaláveis, mas que são convenções. Daí se perguntou qual das duas geometrias era a verdadeira: a de Euclides ou a de Riemann?. Tal pergunta não tinha fundamento. Uma geometria não é mais verdadeira do que a outra, pode ser mais conveniente. A geometria não é verdadeira, é mais cômoda.

2.1.2- Abordagem Conveniente em Nível Organizacional

Assim, podemos estabelecer considerações semelhantes no que diz respeito à Abordagem Mecanicista e à Abordagem Orgânica. A Abordagem Mecanicista-Burocrática estabelece um modelo e parte de determinados pressupostos que permitem construir a estrutura burocrática moderna. Podemos propor um modelo organizacional diferente, baseado em convenções diferentes, para construir uma estrutura diferente (A Estrutura Orgânica), provavelmente incompatível com a Estrutura Mecanicista.

A Abordagem Orgânica enxerga a organização como uma estrutura em rede, onde a unidade e a estrutura formam um todo inseparável, tendo tanto a unidade quanto o todo igual importância, e as pessoas sendo consideradas não como fatores, mas como protagonistas da dinâmica organizacional. Tanto uma abordagem quanto a outra estão fundadas sobre determinadas convenções, que, não sendo necessariamente verdadeiras, permitem criar uma estrutura válida. Porém, existe um ingrediente fundamental para o funcionamento da Estrutura Orgânica: a Consciência.

2.2- ABORDAGEM ORGÃNICA

Em nível de Modelagem Organizacional, o termo orgânico aplica-se, em geral, a técnicas que permitem aumentar a flexibilidade da estrutura organizacional, mediante uma série de propostas referentes à tomada de decisões, à tecnologia da informação, ao desenvolvimento das relações laterais e à descentralização da estrutura. O termo orgânico surgiu devido à necessidade de estabelecer outro ponto de referência em relação as estruturas burocráticas tradicionais, mais rígidas, descritas como de tipo mecanicista.

Usamos o termo orgânico para denotar aquela estrutura em rede que possui os princípios de Autopoiesis e do Holograma e com propriedades das estruturas orgânicas, tais como adaptação, equilíbrio e flexibilidade.

A estrutura em rede é uma ferramenta muito poderosa na hora de modelar analiticamente qualquer tipo de organização presente na natureza e na realidade social. Assim como a abordagem mecanicista nos permite comparar a realidade social e natural com elementos, mecanismos e processos mecânicos, estabelecendo um paralelismo entre o objeto de estudo e a realidade, da mesma maneira podemos comparar a realidade natural e social com uma rede, estabelecendo metáforas que nos permitam modelá-la como tal e definir propriedades nos sistemas em estudo comparáveis àquelas de uma rede. Desde o átomo até o Universo, passando pelos organismos biológicos, os sistemas podem ser comparados e modelados como estruturas em rede. Mas, quais são as características de uma estrutura orgânica em rede que podem ser aplicáveis aos sistemas sociais e organizacionais? A seguir, mostramos aqueles princípios e propriedades contidos em tal afirmação.

2.2.1- Pressupostos

É necessário mostrar os pressupostos que nos permitem entender a realidade social e natural como uma estrutura em rede. São basicamente duas:

Representação em rede da realidade: As estruturas organizacionais e sociais podem ser representadas, analisadas e sintetizadas como estruturas orgânicas, isto é, como estruturas em rede com características próprias dos sistemas orgânicos.

Comportamento consciente das pessoas: O comportamento das pessoas está determinado pelo nível de consciência. Uma estrutura orgânica organizacional só poderá funcionar adequadamente se as pessoas que integram a estrutura agem de acordo ao nível de consciência orgânico, que se define como aquele nível de consciência em que cada pessoa considera as outras pessoas tão importantes quanto si mesma. Esse nível de consciência permitirá atingir um nível de funcionamento harmônico.

2.2.2- Estrutura Orgânica

Dentro da concepção orgânica, a estrutura em rede adquire uma importância fundamental. Ela baseia-se no princípio de que cada unidade está relacionada com o resto das unidades mediante uma teia de relações composta por elementos similares, igualmente importantes. Dentro desse princípio, estamos assumindo a propriedade autopoiética da unidade (Maturana&Varela. 1980), em que a unidade representa um sistema auto-referente de características particulares relacionado com outros sistemas unitários de características similares, e que, em seu conjunto, conformam um sistema referente maior, com características provindas das unidades que a conformam e com características adicionadas, em que o sistema é maior que a soma das unidades.

Assim, dentro de uma organização, uma pessoa pode ser considerada como uma unidade que está relacionada com outras unidades de características similares (as outras pessoas), mas em conjunto podem configurar um time de trabalho (sistema maior). Esse mesmo time de trabalho pode ser considerado como uma unidade de trabalho que está relacionado com outras unidades (o resto dos times de trabalho) de características similares, e que, em conjunto, configuram um grupo de trabalho (sistema de grupo), e assim por diante. Numa escala de menor a maior, podemos apreciar a conformação das seguintes unidades: pessoa, time, grupo, departamento, área, organização, comunidade, sociedade nacional (país), sociedade internacional (mundo), universo[6]

Assim, estamos estabelecendo duas características da estrutura orgânica:

  • a) Princípio Autopoiético da Unidade: a unidade define, através das suas propriedades, o espaço onde ela existe e o domínio dos fenômenos que ela pode gerar em suas interações com outras unidades. Toda estrutura pode ser considerada tanto unidade quanto sistema, e as duas considerações dependerão do enfoque que for dado à estrutura (Maturana e Varela. 1980). Por exemplo, a pessoa pode ser considerada como a unidade organizacional e o sistema o grupo de trabalho, mas se ela for considerada como parte de um grupo de trabalho, então a unidade organizacional será o grupo e o sistema será o departamanento, e assim por diante.

  • b) Princípio do Holograma: o sistema tem a propriedade que em todas partes se reencontra o mesmo sistema que forma o todo. Estamos analisando as organizações como uma grande rede que permite analisar cada recanto que a constitui como uma rede. Como se fosse um holograma de uma grande rede. Temos uma rede que mostra muitas interligações, em que se fizéssemos um corte em qualquer uma das partes e enxergássemos o que pode mostrar essa dissecção, veríamos uma rede igual, da mesma forma e com as mesmas características (Fig. 2.1).

Monografias.com

Figura 2.1: O Princípio do Holograma na Estrutura Orgânica

Definimos a estrutura em rede que possui os dois princípios assinalados como Estrutura Orgânica.

2.2.3- Propriedades da Estrutura Orgânica

A Estrutura Orgânica possui as seguintes propriedades:

Adaptação: a capacidade de adaptação é um fator fundamental para a sobrevivência do sistema. Em termos biológicos, os seres vivos têm desenvolvido o denominado estresse, que permite a adaptação a uma situação determinada (Ramos. 1985). De forma similar, a Estrutura Orgânica organizacional tem a capacidade de se adaptar às condições estabelecidas pelo ambiente, dentro de certos parâmetros.

Autonomia: cada unidade tem a característica de cumprir a sua função da forma mais conveniente, desde que ela vise o bem geral, dando lugar à autonomia como elemento essencial da estrutura, sem perder de vista que é parte da estrutura.

Autopoiesis: termo criado por Maturana & Varela (1980). A Autopoiesis (Poiesis: criação, produção) é necessária e suficiente para caracterizar a organização dos sistemas vivos. Ela se refere ao que sucede dentro da dinâmica própria dos sistemas vivos, em que a maneira de afirmar a sua autonomia é através da sua natureza como unidades auto-referentes, em relação ao contexto a partir do qual foram definidos como unidades. Da mesma forma, este conceito serve para caracterizar qualquer organização, em que a sua identidade se afirma como uma unidade auto-referente.

Confiança: as pessoas integrantes da estrutura orgânica terão o nível de consciência orgânico, portanto, não existirão "mecanismos" de controle. As unidades serão coordenadas e não controladas. Os elementos integrantes do sistema (pessoas, equipes, grupos, organizações, etc) estarão conscientes de suas responsabilidades e da importância de sua função para o funcionamento do sistema. Não precisarão de controle para o cumprimento das tarefas, mas de confiança, por parte das unidades e do resto das pessoas que integram o sistema, para elas exercerem a sua função. Assim, cada pessoa confiará no trabalho efetivado pelas outras pessoas, e do mesmo modo, infundirá confiança nas outras pessoas no que diz ao trabalho por ela exercido.

Coordenação: a hierarquia constitui uma convenção criada para organizar um grupo de pessoas trabalhando em direção a um objetivo determinado. Estabeleceu-se uma certa ordem onde existem superiores e subordinados que cumprem uma certa variedade de tarefas. Mas, acontece que "outra característica das organizações que não se encontra em grande escala no organismo biológico é a hierarquia" (Boulding. 1953: XXIX). Em uma estrutura orgânica, a hierarquia não existe no sentido burocrático do termo, pois ela reside no cumprimento de funções e objetivos por parte das unidades no intuito de atingir o bem estar geral, isto é, uma unidade não está subordinada a outra unidade, recebendo ordens e tarefas, mas cada unidade cumpre a sua própria responsabilidade de forma autônoma, cooperativa e integrada, subordinando sua função ao bem estar geral do sistema. Em nível organizacional, a consciência permitirá determinar o comportamento adequado de cada unidade (pessoa, grupo, departamento e organização), através da necessidade do cumprimento da responsabilidade de cada unidade para o funcionamento adequado do sistema. Em uma organização orgânica, acreditar-se-á na consciência das pessoas e confiar-se-á no critério do indivíduo na interação com a organização. Assim, mais importante do que o estabelecimento da hierarquia será a coordenação das coisas, mediante um arranjo organizacional adequado que permita as pessoas se comportarem de forma consciente para trabalhar pelo bem geral. A consciência das pessoas permitirá dar liberdade suficiente para cumprirem as tarefas que forem necessárias, coordenadas por uma unidade destinada para tal fim, que desempenhe o papel de garantir as condições necessárias para sua execução.

Descentralização: a coordenação e autonomia conduzem a uma dinâmica em que a descentralização encontra um valor fundamental no funcionamento da estrutura.

Desenvolvimento: estabelecendo uma metáfora biológica, assim como os organismos vivos nascem, crescem, se desenvolvem, se reproduzem e morrem, da mesma forma as organizações orgânicas têm o seu próprio processo de desenvolvimento que lhes permite ter um ciclo de vida capaz de evidenciar a transformação própria das organizações. Toda organização nasce, cresce e se desenvolve, algumas se reproduzem e outras morrem. Se nós aceitarmos essa dinâmica como um processo natural das organizações, as mudanças organizacionais serão vistas de forma natural.

Diferenciação: a diferenciação faz parte integral da estrutura interna das organizações orgânicas. Cada unidade tem uma função a ser desempenhada em um determinado período de tempo. A funcionalidade da estrutura permite que as tarefas sejam organizadas de maneira de serem desempenhadas eficazmente pelas unidades que fazem parte da estrutura.

Eqüifinalidade: o mesmo estado final pode ser atingido por meios diferentes, a partir de diferentes pontos de partida, com diferentes recursos e de diferentes maneiras.

Flexibilidade: as pessoas e unidades orgânicas poderão desempenhar diferentes funções ao longo de um período determinado. Não será preciso que a rotina se instale dentro da dinâmica de trabalho da unidade. O importante é o serviço que possa render ao sistema para o seu correto funcionamento, e não a definição de funções que impeça lidar de maneira satisfatória com os imprevistos que surjam na realidade. Assim, a estrutura organizacional será flexível tanto na sua natureza quanto na suas funções, desde que se estabeleçam parâmetros do verdadeiro objetivo do sistema. Por outro lado cada unidade poderá desempenhar sua função onde for necessário, no lugar onde for preciso. A unidade (a pessoa, a equipe, o grupo, etc) não precisará permanecer no mesmo posto de trabalho de forma permanente. O importante será a função a ser desempenhada, e não o lugar a ser ocupado para cumprir tal função

Homeostase: ela diz respeito à auto-regulação e á capacidade de manter um estado equilibrado, num processo em que a retroalimentação permite modificar as condições finais do sistema, de acordo com parâmetros preestabelecidos.

Integração: a unificação e a harmonização das funções a serem desempenhadas pelas diversas unidades que integram o sistema são elementos fundamentais no desempenho da organização.

Liderança: ela estará em todas partes e em nenhuma parte. Ela estará em cada pessoa e unidade exercendo a sua função, ciente de sua responsabilidade para o funcionamento adequado da estrutura, atento a qualquer falha que possa existir, para ser emendada por ela mesma, ou para comunicar à pessoa ou comunidade apta para emendá-la. A liderança no corpo humano está numa sorte de ordem implicada, em que cada célula, tecido, órgão e sistema, sabe exatamente o quê fazer para manter o funcionamento adequado do organismo. Em uma estrutura orgânica, as pessoas e as unidades serão ativas, dinâmicas, participativas e responsáveis de cumprirem a sua função. A liderança passará de pessoa a pessoa, dependendo das necessidades do sistema num momento dado. Cada pessoa saberá o quê fazer para manter o funcionamento adequado do time, da estrutura e do sistema.

Ordem Implicada Cooperativa: toda estrutura orgânica possui uma ordem implicada que rege e determina sua manifestação externa. Bohm estabelece que "as leis da ordem implicada são tais que há uma subtotalidade relativamente independente, recorrente, estável, que constitui a ordem explicada, e que basicamente, é a ordem com a qual costumamos entrar em contato na experiência ordinária" (Bohm. 1998: 272). A ordem explicada é conseqüência da ordem implicada. A Física pode descrever o movimento dos planetas e o movimento das partículas subatômicas, mas não consegue explicar o por quê disso. Usamos esse argumento para mostrar a diferença entre ordem explicada e ordem implicada; a Biologia permite entender os fenômenos dos seres vivos, mas não permite compreender por quê é assim, e assim por diante. A ciência moderna tem atingido níveis fantásticos de descrição dos fenômenos naturais, permitindo entender suas causas e efeitos, mas não permite compreender a ordem implicada que dá origem a esses fenômenos. Mas a ordem implicada existe, e determina as diferentes manifestações que dão origem aos fenômenos da natureza. Em nível organizacional, o reconhecimento da ordem implicada harmônica e cooperativa trará como conseqüência a substituição da hierarquia por uma ordem interna que permitirá o cumprimento das funções das pessoas de uma forma mais natural e fluída. Com isto queremos dizer que pode existir uma forma mais natural de cumprir as funções organizacionais do que a estrutura hierárquica e mecanicista.

Unidade no tempo: a estrutura orgânica mantém sua identidade ao longo do tempo, mais especificamente, durante o período compreendido entre seu nascimento e sua morte. Após tal período, as unidades integrantes da estrutura se desagregam, passando a constituir outro tipo de estrutura ou de sistema[7]Isso não quer dizer que a estrutura se mantenha em funcionamento com os mesmos elementos desde seu início, pois a reciclagem deles faz parte da dinâmica da estrutura orgânica. Contudo, as características de interação entre os elementos da estrutura se mantêm, permitindo seu funcionamento e sua existência[8]

2.2.4- Forças Orgânicas

2.2.4.1- Força de Atração Orgânica

A nível das estruturas orgânicas[9]existe uma força que faz com que os sistemas naturais mantenham sua unidade no tempo, essa força a podemos denominar de Força de Atração Orgânica.

Nos sistemas planetários e estelares, essa força centrípeta se chama de gravidade, que permite as diferentes partículas que conformam o planeta ou a estrela não perambularem no Universo, mas conformarem um sistema definido e estabelecido. No universo sub-atómico, essa força mantêm os elétrons, os prótons e os nêutrons se movimentando de forma permanente dentro de um rádio de ação determinado, permitindo a unidade que determina a existência do átomo. Nos organismos vivos existe uma força de atração que permite a vida, mediante a unidade da estrutura e a interação dos seus diferentes componentes. A existência dessa força ainda não tem sido formalizada no mundo científico, mas ela existe e permite a vida dos seres vivos.

Nos sistemas sociais, ela se manifesta como uma força natural que faz com que as pessoas tendam a estar com pessoas, que interajam entre si e que permaneçam unidas entanto comunidade ao longo do tempo. Isso não impede algumas pessoas, que fazem parte da comunidade, saírem de um sistema determinado para se integrar a outra comunidade. Mas essa força existe, e permite a vida dos sistemas sociais.

Essa força de atração se encontra presente em todo sistema que possa ser qualificado de orgânico. Nos sistemas estelares e nos sistemas atômicos é reconhecida como força centrípeta. Nos sistemas vivos ainda não existe um nome específico que possa expressar a natureza permanente dessa força, mas basta que um organismo morra para que essa força desapareça, e o organismo tenda a se transformar em lixo orgânico.

A nível social, essa força permite a formação de vilarejos, de povoados, de pequenas cidades e de grandes cidades, numa escala progressiva em que as condições naturais, sociais e materiais permitem o aumento do número de indivíduos que desejam morar num lugar determinado.

2.2.4.2- Força Centrífuga Orgânica e Espaço Vital

Essa força de atração não é a única força existente. Em geral, ela encontra-se equilibrada por uma força de igual magnitude mas de sentido contrário que denominaremos de Força de Repulsão Orgânica, que faz com que a coesão não se transforme numa fusão dos elementos integrantes da estrutura orgânica, mas conserve um certo equilíbrio de atração-repulsão. Esse equilíbrio tende à delimitar o que denominaremos de Espaço Vital da Estrutura, que evidencia a necessidade das unidades orgânicas (sejam elas planetas, células, átomos ou seres vivos) disporem de um determinado espaço físico para viver. Assim, a nível planetário, o movimento de translação dos planetas permite compensar ou equilibrar a força da gravidade do sol; a nível sub-atômico, o movimento permite manter o equilíbrio das partículas; e a nível organizacional e social, o movimento permite manter o equilíbrio das unidades que conformam o sistema organizacional, sejam elas pessoas ou unidades.

Como podemos observar, a Força de Atração depende em grande parte da natureza interna das unidades orgânicas, enquanto que a Força de Repulsão depende do movimento inerente dessas unidades. Podemos estabelecer que a Força de Atração é mais de natureza estática, quanto que a Força de Repulsão é mais de natureza dinâmica.

O equilíbrio dessas forças está intimamente atrelado ao movimento do sistema, isto é, a força centrífuga existe pelo movimento circular (ou elipsoidal) em torno a um centro determinado (o sol no caso do sistema solar, e o núcleo no caso atômico), compensando assim, a força centrípeta gravitacional. No caso dos organismos vivos não existe um centro formal que permita estabelecer a força centrífuga e a força centrípeta que permitam determinar a direção das forças. Mas, sim pode-se determinar que essa força de atração em direção ao organismo existe enquanto o organismo estiver em movimento (isto é, enquanto estiver vivo), pois se o organismo morre a força de atração para si cessará de existir e se produzirá a "fuga" dos componentes orgânicos. Nos organismos vivos podemos supor que existe uma força equivalente à força centrífuga gravitacional que permite que os diferentes componentes do organismo não se fundam, mas que conformem um equilíbrio dando lugar à forma conhecida do corpo humano (ou do corpo do organismo que esteja sendo considerado, seja planta ou animal).

A nível social, a existência das forças de atração e de repulsão ainda não tem sido claramente formalizadas, mas dada a relação similar existente entre os diversos sistemas orgânicos, a intuição nos leva a pensar que elas existem. A força de atração tende a existir, pois como assinalou Fromm (1952), o homem tem a necessidade de estar em relação com outros homens, seja numa situação física ou numa situação moral de conjunção de idéias. E para manter o equilíbrio dos sistemas sociais, acreditamos que existe uma força que equilibra a força de atração.

2.2.4.3- Equilíbrio dos Sistemas Orgânicos

Como podemos observar, a existência das forças de atração e repulsão permite manter um equilíbrio que dá forma e vida ao sistema orgânico. Do ponto de vista organizacional e social, essas forças se transformam em um equilíbrio, não sempre harmônico, que dá forma e vida ao sistema social. Dizemos não sempre harmônico, porque muitas vezes o conflito se instala no seio de diferentes instâncias organizacionais, devido, em grande parte, ao desequilíbrio das forças vitais ou ao desrespeito do espaço vital das pessoas.

O individualismo estabelece a primazia do indivíduo sobre o coletivo (Força de Atração maior que a Força de Repulsão), criando tensões nas relações entre os indivíduos que conformam o sistema. Seria possível imaginar o Sol atraindo todos os planetas em direção a seu centro? Essa hipótese eliminaria a existência do Sistema Solar. Seria possível imaginar o núcleo do átomo atraindo os elétrons em direção a si mesmo? Isso, em geral, só pode acontecer a nível experimental, e isso representa um estado alterado do sistema em questão. Podemos imaginar as células do corpo humano aproximando-se umas a outras diminuindo o tamanho do organismo? Isso não acontece, pois mantém-se um estado de equilíbrio entre a força de atração e de repulsão do corpo. Nesses exemplos vemos como a supremacia da força de atração elimina a essência do sistema.

Por outro lado, o coletivismo estabelece a subordinação do indivíduo ao coletivo (Força de Repulsão maior que a Força de Atração), induzindo uma desagregação das forças sociais que conduzem a um equilíbrio estável. perguntamos: Seria possível imaginar os planetas "em fuga", fora da órbita solar? Não é difícil imaginar as conseqüências disso, toda vez que essa hipótese eliminaria por completo o sistema solar e a vida sobre a Terra. Poderíamos imaginar os elétrons "em fuga" fora da órbita do sistema atômico? Isso eliminaria a ordem natural que dá lugar à existência dos sistemas moleculares. Poderíamos imaginar as células e os órgãos do corpo humano se desfazendo subitamente? Isso elimina a vida dos seres vivos. Como podemos observar, em toda estrutura orgânica existe um equilíbrio de forças que permite a continuidade do sistema ao longo do tempo.

Se aplicarmos esse tipo de análise aos sistemas organizacionais e sociais, começamos por afirmar que a primazia da força de atração sobre a força de repulsão, e vice-versa, tem conseqüências desarmônicas sobre toda estrutura organizacional. Um equilíbrio torna-se necessário para o surgimento de sistemas organizacionais e sociais harmônicos. Uma dinâmica social equilibrada deve surgir do equilíbrio entre o indivíduo e o coletivo.

Quando uma pessoa se considera mais importante do que os outros, seu ego e seu menosprezo as outras pessoas cresce, considerando o bem estar próprio prioritário, trazendo como conseqüência a negligência do bem estar dos outros, esquecendo que ele precisa dos outros para viver, e trazendo o conflito ao plano das relações pessoais, organizacionais e sociais, pois as outras pessoas por sua vez tenderão a velar pelo próprio bem estar. No caso contrário, quando uma pessoa considera outra pessoa (ou outras pessoas) mais importante do que ela mesma, passa a subordinar seu próprio bem estar ao bem estar da outras pessoa, instalando-se um desequilíbrio no relacionamento entre ela e seu entorno social.

Nenhuma das duas situações constitui uma situação de equilíbrio, pois o comportamento individualista é implosivo (tende a explodir para dentro), diminuindo o serviço que uma pessoa pode providenciar à sociedade, eliminando um equilíbrio estável necessário para o funcionamento adequado de uma organização. E o comportamento coletivista é dispersivo, e tende a desagregar o conjunto social, pois o centro de atenção do indivíduo estando sobre os outros indivíduos, diminui-se a coesão da organização e da sociedade como um todo, tendendo as forças sociais a serem centrífugas. Uma situação equilibrada a constitui o comportamento de um indivíduo baseado na consideração do bem estar das outras pessoas tão importante quanto o seu próprio bem estar.

O equilíbrio está muito relacionado com o espaço vital. Um espaço vital adequado permitirá manter um equilíbrio harmônico. O conceito de espaço vital não implica só o espaço físico, mas uma série de condições que permitam o pleno desenvolvimento de uma pessoa ou de uma organização: autonomia, descentralização, liberdade de ação, capacidade de decisão, etc. Toda pessoa e/ou organização precisa de um mínimo espaço vital para cumprir de forma adequada com suas responsabilidades e atividades. Se o espaço vital for desrespeitado, o conflito instalar-se-á no seio das relações organizacionais e sociais. Um arranjo organizacional inadequado trará como conseqüência a invasão do espaço das pessoas, conflito de responsabilidades, excessivo controle hierárquico e um poder de decisão insuficiente para cada pessoa, assim como o relacionamento inadequado entre as unidades, fluxo insuficiente de recursos e "incomunicação" intensiva.

Partes: 1, 2, 3, 4


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