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A sociedade orgânica (página 3)


Partes: 1, 2, 3, 4

Portanto, na consideração das condições adequadas de cumprimento de tarefas de uma pessoa e/ou organização, faz-se necessário aceitar a existência da força de atração, força de repulsão e o espaço vital para chegar a um situação de equilíbrio harmônica. O reconhecimento dessa realidade tenderá a substituir o conflito pela harmonia, tanto a nível individual quanto a nível organizacional e social, induzindo a tendência de todos agirem em prol do bem estar de todos, surgindo uma dinâmica organizacional em que o equilíbrio fará parte fundamental da vida do indivíduo, do grupo, da organização, da comunidade e da sociedade.

Essa situação levada a grande escala permitirá estabelecer um equilíbrio de forças sociais, em que o indivíduo tenderá a manter um equilíbrio entre seu bem estar (força de atração) e o bem estar dos outros (força de repulsão), e as organizações tenderão a manter um equilíbrio entre o bem estar da organização (força de atração) e o bem estar das outras organizações (força de repulsão).

2.2.5- Representação Matricial de uma Estrutura Orgânica

"Em muitos fenômenos biológicos e também nas ciências sociais e do comportamento são aplicáveis os modelos e as expressões matemáticas" (Bertalanffy)

A representação matemática de uma estrutura orgânica pode ser feita em forma matricial, permitindo mostrar as unidades integrantes, a interdependência com as outras unidades e a estrutura total.

Suponhamos que exista uma estrutura em rede de n-elementos, existindo a possibilidade de que cada elemento ai (i= 1, 2, ... n) possa se relacionar com o resto dos n-1 elementos, e a relação pode ser expressada da seguinte forma:

aij = 0, se a relação do elemento i com o elemento j causa prejuízo ao elemento j. (isto é: prejuízo>0). O termo aij representa a relação do elemento i com o j-ésimo elemento (j= 1, 2, ... n). Podemos denominar esse comportamento de não cooperativo.

aij = 1, se a relação do elemento i com o elemento j causa algum benefício ou se pelo menos não causa algum prejuízo ao elemento j (isto é: benefício > 0). Podemos denominar esse comportamento de cooperativo.

  • Quando afirmamos que causa algum prejuízo, nos referimos a algum efeito que desvirtue sua função (por ex. Una célula cancerígena causa prejuízo às células que estão ao redor e pode causar prejuízo ao organismo inteiro).

  • Quando afirmamos que causa algum benefício, nos referimos a que a interação entre as duas unidades favorece a função de algumas delas ou pelo menos não a prejudica. Pode se dar o caso em que duas unidades possam não ter alguma relação permanente, ou sequer tenham algum tipo de relação ao longo do processo de vida da estrutura orgânica.

  • Estabelecemos como convenção que a relação de um elemento consigo mesmo é igual a 1 (aij = 1, para i = j) pois partimos do princípio de que uma unidade não vai causar prejuízo a si mesma.

A expressão da relação dos elementos aij (i= 1 ,2, ... n; j= 1, 2, ... n) funcionando na estrutura em rede, expressa-se em forma de matriz A, onde a posição aii (i=j) representa a relação de um elemento consigo mesmo. Assim, a estrutura em rede expressa-se da seguinte maneira:

Matriz Aij dos n-elementos da estrutura em rede (i= 1 ,2, ... n; j= 1, 2, ... n):

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  • A relação simétrica aij e aji não são necessariamente iguais, pois um elemento pode causar prejuízo a outro, enquanto que o outro pode ser indiferente à ação do primeiro (por ex. Uma célula cancerígena causa prejuízo a uma célula normal, mas a normal não causa prejuízo à célula cancerígena. Nesse caso, se definirmos a1=célula cancerígena e a2=célula normal, então as relações entra as duas células serão: a12 = 0, que representa a ação da célula cancerígena sobre a célula normal, e a21 = 1, que representa a ação da célula normal sobre a célula cancerígena). Portanto, a matriz Ann não é necessariamente simétrica.

2.2.5.1- Definições

A seguir estabeleceremos uma série de definições importantes relacionados com a estrutura organizacional orgânica.

Definição 1: Uma estrutura em rede está constituída por uma série de elementos similares interligados dispostos a agirem em conjunto.

É interessante ressaltar nessa definição o termo "dispostos", pois isso representa o fato de que os elementos podem ou não agir uns sobre outros (seja de forma prejudicial ou benéfica), mas isso não garante que eles o façam, isto é, as condições estão dadas para eles acometerem esse fato mas não o estabelece como ponto de partida. Outra questão importante é aquela representada pelo termo "similares", em que se estabelece desde o início que as características de interação entre os elementos é baseada em condições de igualdade.

Definição 2: Uma estrutura será denominada de "Estrutura Individualista", se e somente se, os valores da relação dos elementos da matriz Ann, que representa o funcionamento de sua estrutura, são iguais a zero, exceto aqueles que por definição são iguais a 1 (a11 , a22 , a33 , a44 ... ann ). Nesse caso, diremos que o sistema é Individualista.

A estrutura individualista estabelece que cada elemento age de forma de procurar só o seu benefício sem importar-se com o benefício dos outros. A representação matricial será a seguinte:

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Definição 3: Uma estrutura será denominada de "Estrutura Cooperativa", se alguns dos valores mútuos de relacionamento entre dois elementos quaisquer (aij e aji,) são iguais a 1.

Nesse sentido, estabelecemos que basta com que dois elementos de uma estrutura ajam de forma mutuamente cooperativa (por ex. a12 e a21 ) para definir a estrutura como uma estrutura cooperativa.

Definição 4: Uma estrutura em rede será denominada de "Estrutura Harmônica", se e somente se, os valores da relação de todos elementos da matriz Ann, que representa o funcionamento de sua estrutura, são iguais a 1. Nesse caso, diremos que o sistema é Harmônico.

A Estrutura Harmônica estabelece que os elementos interagem de forma que todos agem de forma a atingir o seu próprio benefício e o benefício dos outros, mesmo que o benefício dos outros signifique não causar prejuízo ou simplesmente não interagir diretamente[10]A representação matricial será a seguinte:

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2.2.5.2- Determinantes associados às matrizes orgânicas

Cada matriz tem um determinante associado ao sistema[11]O determinante representa o resultado da interação entre todos os elementos da matriz. A resolução do determinante nos permitirá determinar algumas características do sistema, especialmente aquelas relacionadas com a inter-dependência dos elementos que o compõem.

Os resultados que se podem estabelecer entre o determinante e o sistema são os seguintes:

  • Se o determinante da matriz associada ao sistema é igual a zero {D(Aij) = 0}, significa que o sistema é linearmente dependente[12]isto é, que pelo menos algum dos elementos do sistema depende dos outros. Nesse caso, podemos afirmar que existe uma estrutura em rede, pois pelo menos um dos elementos se relaciona com algum dos outros de forma estruturada.

( Do ponto de vista organizacional, podemos interpretar que existe uma relação de dependência entre as pessoas ou unidades, em que uma das pessoas ou unidades é dependente de outras pessoas ou unidades.

  • Se o determinante da matriz associada ao sistema for diferente de zero {D(Aij) ( 0}, significa que a estrutura é linearmente independente, isto é, que os elementos do sistema são independentes uns dos outros. Nesse caso, podemos afirmar que não existe estrutura em rede, pois não existe relação de dependência entre as diferentes unidades que compõem o sistema.

( Do ponto de vista organizacional, podemos interpretar que não existe uma estrutura organizacional em rede, pois as pessoas agem de forma independente.

O interessante desse tipo de análise é que podemos estabelecer uma relação de dependência ou independência entre muitas variáveis com valores simples (0 e 1) de relação entre as unidades, pudendo ser resolvidos com operações matemáticas relativamente simples.

2.2.5.3- Diferentes tipos de Matrizes

A seguir, mostraremos alguns exemplos da representação matricial de diversos grupos atuando em rede.

  • a) Exemplo de representação matricial de duas pessoas agindo de formas competitiva e cooperativa:

  • As duas pessoas serão representadas como a1 e a2, e o relacionamento entre elas será representado como a11 , a22 , a21 e a12 , sendo que os valores a11 e a22 são iguais a 1 por definição (a cooperação de cada pessoa consigo mesma), e a relação a12 e a21 representa o relacionamento (cooperativo ou não cooperativo) de a1 com a2 e vice-versa.

* A representação matricial será a seguinte:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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  • Se o valor de aij = 0, então não se desenhará a flecha

  • A flecha dupla representa a12 e a21

a.1) Se as duas pessoas tiverem um comportamento competitivo, os valores da relação a21 e a12 , serão os seguintes:

a12 = 0 (a1 não coopera com a2 )

a21 = 0 (a2 não coopera com a1 )

e, por definição: a11 =1 ; a22 = 1 (cada um coopera consigo mesmo)

* A representação matricial será a Matriz Individualista 2 x 2:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante será igual a:

D(A22) = 1

Portanto, o sistema é linearmente independente

( Quando os dois elementos agem de forma "individualista", o sistema é linearmente independente, isto é, os elementos envolvidos têm padrões de comportamento separados um do outro. Nesse sentido, pode-se afirmar que não existe estrutura em rede.

a.2) No caso de duas pessoas terem um comportamento cooperativo, os valores serão :

a12 = 1 (a1 coopera com a2 )

a21 = 1 (a2 coopera com a1 )

e, por definição: a11 =1 ; a22 = 1

* A representação matricial será a Matriz Harmônica:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante será igual a:

D(A22) = 0

Portanto, o sistema é linearmente dependente

( Quando os dois elementos agem de forma "cooperativa", o sistema é linearmente dependente, isto é, os elementos envolvidos têm padrões de comportamento relacionados um ao outro, um depende do outro. Pode-se afirmar que existe uma estrutura em rede.

a.3) No caso de um deles cooperando com o outro, mas o outro não cooperando com o primeiro, os valores serão:

a12 = 1 (de a1 coopera com a2 )

a21 = 0 (a2 não coopera com a1 )

e, por definição: a11 =1 ; a22 = 1

* A representação matricial será:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante será igual a:

D(A22) = 1

Portanto, o sistema é linearmente independente

( Quando só um dos dois elementos age de forma "cooperativa", o sistema é linearmente independente, isto é, não existe correlação de dependência, é como se os dois estivessem agindo de forma independente. Pode-se afirmar que não existe estrutura em rede.

  • b) Exemplo de representação matricial de três pessoas agindo de formas competitiva e cooperativa:

  • As três pessoas serão representadas como a1 , a2 e a3, e o relacionamento entre elas será representado como a11 , a12 , a13 , a21 , a22, a23 , a31 , a32 e a33 , sendo que os valores a11 , a22 e a33 , são iguais a 1 por definição (a cooperação de cada pessoa consigo mesma), e o resto dos valores dependerá do tipo de relacionamento.

* A representação matricial será a seguinte:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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b.1) Se três pessoas tiverem um comportamento competitivo, os valores da relação a12 , a13 , a21 , a23 , a31 , a32 , serão os seguintes:

a12 = a13 = a21 = a23 = a31 = a32 = 0 (não há cooperação entre os integrantes )

e, por definição: a11 =1 ; a22 = 1 ; a33 = 1 (cada um coopera consigo mesmo)

* A representação matricial será a Matriz Individualista:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante é igual a:

D(A33) = 1

Portanto, o sistema é linearmente independente

( Quando os três elementos agem de forma "individualista", o sistema é linearmente independente, isto é, os elementos envolvidos têm padrões de comportamento não relacionados. Portanto, não existe estrutura em rede.

b.2) No caso de as três pessoas terem um comportamento cooperativo entre todas elas, os valores serão :

a12 = a13 = a21 = a23 = a31 = a32 = 1 (há cooperação entre a1 , a2 e a3)

e, por definição: a11 =1 ; a22 = 1 ; a33 = 1

* A representação matricial será a Matriz Harmônica:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante é igual a:

D(A33) = 0

Portanto, o sistema é linearmente dependente

( Quando os três elementos agem de forma "cooperativa", o sistema é linearmente dependente, isto é, os elementos envolvidos têm padrões de comportamento relacionados, um depende dos outros. Pode-se afirmar que existe uma estrutura em rede.

b.3) No caso de dois deles cooperarem entre si (a1 e a2), mas o terceiro (a3) tendo um relacionamento não cooperativo com os dois primeiros, os valores serão:

a12 = a21 = 1 (a1 e a2 cooperando entre si)

a13 = a23 = a31 = a32 = 0 (não há cooperação entre a3 com a1 e a2)

* A representação matricial será:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante é igual a:

D(A33) = 0

Portanto, o sistema é linearmente dependente

( Quando dois elementos agem de forma "cooperativa", o sistema é linearmente dependente, isto é, alguns dos elementos envolvidos têm padrões de comportamento relacionados, um deles pelo menos depende de algum outro. Pode-se afirmar que existe uma estrutura em rede.

Esse caso é interessante porque estabelece que, mesmo que um dos três elementos aja de forma independente, os outros dois conseguem formar uma estrutura em rede, ainda que ela seja incompleta em relação ao número de participantes (pois, agindo dessa forma, esses três elementos conseguem gerar uma estrutura cooperativa).

2.2.5.4- A Representação da Hierarquia

A seguir, faremos a representação matricial sobre um caso simples de um grupo de pessoas agindo de forma hierárquica, usando os procedimentos matemáticos mostrados na seção anterior.

  • a) Caso de Hierarquia não cooperativa

Vamos mostrar um caso em que o chefe se beneficia do trabalho dos empregados sem cooperar com eles, e onde os empregados tendem a colaborar com o chefe mas não a colaborar entre eles.

Suponhamos que existam três empregados (a1 , a2 e a3) e um chefe (a4 ) dispostos para a execução de um trabalho determinado. O empregado a1 tende a cooperar com os outros dois empregados (a2 e a3 ) e com o chefe (a4); o empregado a2 não coopera com a1, e coopera com a3 e com o chefe (a4); o empregado a3 não coopera com a1 e a2 , pois só coopera com o chefe (a4), e o chefe não coopera com os empregados. Assim, os valores de relacionamento serão os seguintes:

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* A representação matricial será a seguinte:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante é igual a:

D(A44) = 1

Portanto, o sistema é linearmente independente

( Esse resultado estabelece que uma organização baseada em equipes hierárquicas não cooperativas, constitui uma estrutura linearmente independente, portanto, os elementos estão agindo de forma separada. Isso se deve ao fato de que os 4 elementos integrantes têm um comportamento relativamente individualista. Nenhum dos elementos envolvidos tem um comportamento cooperativo, dando e recebendo ajuda simultaneamente, pois cada um deles dá a um elemento que não o corresponde, nenhum dos 4 elementos coopera com aquele que está cooperando com ele (não se forma uma flecha dupla). Portanto, não existe uma estrutura em rede.

  • b) Caso de Hierarquia com tendência à cooperação

Vamos mostrar um caso em que dois dos elementos tendem a cooperar entre si (podem ser dois empregados cooperando entre si ou o chefe cooperando com um dos empregados).

Suponhamos que existam três empregados (a1 , a2 e a3) e um chefe (a4 ) dispostos para a execução de um trabalho determinado. O empregado a1 tende a cooperar com os outros dois empregados (a2 e a3 ) e com o chefe (a4); o empregado a2 tende a cooperar com a1 e a3 e com o chefe (a4); o empregado a3 não coopera com a1 e a2 , pois só coopera com o chefe (a4), e o chefe não coopera com os empregados. Assim, os valores de relacionamento serão os seguintes:

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* A representação matricial será a seguinte:

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* A representação gráfica será a seguinte:

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* O Determinante é igual a:

D(A44) = 0

Portanto, o sistema é linearmente dependente

( Esse resultado estabelece que uma organização baseada em equipes hierárquicas com tendência a cooperar, constitui uma estrutura linearmente dependente, portanto, alguns elementos estão agindo de forma cooperativa. Isso se deve ao fato de que os elementos a1 e a2 se ajudam mutuamente. O que é interessante é que basta com que dois elementos cooperem entre si para inaugurar a estrutura em rede.

2.3-CONCLUSÕES PARCIAIS

A mesma análise pode ser aplicada para estruturas matriciais de 4, 5, 6,...n elementos. As ferramentas informáticas atuais nos permitem fazer essa análise de uma maneira relativamente simples sem precisar de complicadas equações. Portanto, podemos modelar uma estrutura em rede composta por n-elementos. A nossa análise (de até 10 elementos agindo em uma estrutura), nos permite chegar às seguintes conclusões:

  • 1) Em uma estrutura em rede, a hierarquia perde sentido, pois o que importa é a cooperação entre os diferentes elementos que conformam o sistema (do ponto de vista matricial, o que importa é a cooperação do elemento denominado "chefe" com os outros elementos, e não a atração para si da ajuda do resto dos elementos). Por outro lado, a cooperação permite o surgimento de um fenômeno mais importante que a hierarquia: a sinergia, que permite estabelecer que o todo é maior do que a soma das partes.

  • 2) Em qualquer matriz individualista, o resultado sempre será linearmente independente, portanto, não haverá estrutura em rede. Em uma matriz em que ao menos dois elementos se encontrem agindo de forma mutuamente cooperativa, o sistema será linearmente dependente. Em qualquer matriz harmônica, o resultado sempre será linearmente dependente, portanto, haverá uma relação de dependência entre todos os elementos.

  • 3) Quanto mais elementos tendam a cooperar com o resto dos elementos, maior será a Organicidade da estrutura, e portanto, maiores serão as características que o aproximem do funcionamento dos seres vivos. Para as organizações, estas características se traduzem em maior flexibilidade, maior capacidade de adaptação, maiores possibilidades de renovação e maior tendência à evolução.

Havendo estabelecido os delineamentos gerais da Abordagem Orgânica e da Estrutura Orgânica, passamos a determinar a aplicação dessa bagagem teórica. Que tipo de organização permitirá ao indivíduo ver a realidade como uma rede, integrar-se ao entorno, considerar o ambiente social como parte dele e desenvolver um comportamento consciente? A seguir estabelecemos os lineamentos gerais da Sociedade Orgânica.

CAPÍTULO 3

A SOCIEDADE ORGÃNICA

A Abordagem Orgânica da sociedade está integrada por 3 blocos claramente diferenciados: a Organização do Trabalho, a Economia Orgânica e as Comunidades Orgânicas, aspectos que consideramos fundamentais dentro da dinâmica participativa, consciente e cooperativa necessários para o funcionamento adequado da Sociedade Orgânica.

A seguir, apresentamos os aspectos relacionados à Organização Orgânica do Trabalho.

3.1- ORGANIZAÇAO DO TRABALHO

A organização do trabalho constitui ponto fundamental no desenho da Sociedade Orgânica. Até agora, temos assinalado alguns traços trabalhistas acerca de como as pessoas estariam organizadas sob o paradigma orgânico, sobretudo, no assunto relacionado à hierarquia e ao controle, a serem substituídos pela coordenação e a consciência, e àquele relacionado com as unidades de produção de bens e serviços, no sentido de integrar uma grande rede e na organização interna. Porém, é necessário aprofundar mais sobre o tema.

Hoje, os temas relacionados ao desemprego estrutural, à progressiva substituição da mão de obra pela tecnologia, à redução da jornada de trabalho para preservar empregos e à vantagem competitiva que têm alguns países em desenvolvimento pelo custo reduzido da mão de obra, formam parte integral da agenda do mercado de trabalho, em que a resolução dos problemas a serem enfrentados pelos governos atuais para enfrentar o problema do desemprego passa por considerações de tipo estrutural da economia de mercado.

Mas, muitas vezes acontece que a implementação de uma medida destinada a resolver o problema do desemprego, é seguida pelo surgimento de efeitos secundários no mercado trabalhista (por exemplo, a implementação do seguro ao desemprego, que tenta manter no mercado de consumo às pessoas desempregadas, é seguido por uma situação em que as pessoas beneficiárias exercem atividades no mercado informal, recebendo tanto o seguro ao desemprego quanto o ingresso informal, representando uma carga para o orçamento governamental). E esses efeitos secundários, tendem a ser enfrentados mediante a implementação de novas medidas que tenderão novamente a gerar outros efeitos secundários, e assim por diante, estabelecendo-se um círculo vicioso, produto, em grande parte, da análise racional e fragmentada da realidade.

Requer-se perspectiva diferente para analisar a realidade, não só no mercado trabalhista, mas também na sociedade em geral, em que uma análise global permita obter uma visão panorâmica da situação, e permitir a tomar medidas adequadas e pertinentes. Mas, para isso, precisar-se-á de uma forma diferente de ver as coisas.

3.1.1- Perspectiva Vigente: Incorporação da Tecnologia e o trabalho

Desde a era da segunda Revolução Industrial, a incorporação de tecnologia à produção econômica, tem sido vista como causa de destruição de muitos empregos, mesmo que por causa dela, a sociedade se beneficie de uma série de vantagens ligadas à uma melhor produção de bens e serviços e a um aumento da produtividade.

A partir do início da Idade Moderna, muito da tecnologia incorporada tem visado substituir o ser humano em uma série de atividades rotineiras que, do ponto de vista da realização pessoal das pessoas que exercem a atividade, não conduzem a nada transcendental, salvo pelo fato de lhe fornecer ao salário necessário para sobreviver. Do ponto de vista dos teóricos econômicos, a inovação tecnológica é benéfica, pois as pessoas substituídas pelos sistemas automatizados, tendem a migrar em direção àquelas indústrias que estão produzindo a tecnologia incorporada, gerando um sistema de destruição e geração de empregos puxado pela inovação tecnológica.

Mas, devido ao ritmo acelerado da inovação tecnológica hoje, a geração de novos empregos não está sendo suficiente para compensar o aumento da substituição de empregados por sistemas automatizados, fazendo com que o destino do sistema econômico e produtivo tenda à automatização geral, onde o ser humano será acompanhante ou supervisor de um processo de produção que não precisará de sua força física ou habilidade manual para a produção de mercadorias.

Se analisarmos o sistema econômico e produtivo sob os paradigmas atuais, apresenta-se uma situação paradoxal, que se traduz numa situação conflitiva. Por um lado, o ser humano precisa ser produtivo para poder formar parte do sistema econômico e receber assim um ingresso (produtivo, não só do ponto de vista de que ele mesmo produza um bem ou serviço, mas no sentido de que a atividade que ele faça, possa ser vista como uma mercadoria suscetível de ser adquirida por outras pessoas, que apreciem o que ele faz, e que estejam dispostas a entregar dinheiro em troca do benefício de contar com essa mercadoria). Por outro lado, a tendência atual é a substituição do homem pela máquina, e se o ser humano for substituído pela tecnologia na atividade produtiva, sem a possibilidade de encontrar outro emprego, como ele poderá receber um salário?

Sob os paradigmas atuais, o paradoxo está em que, por um lado, o ser humano precisa ser produtivo para receber um salário e integrar o sistema econômico, e por outro lado, o ser humano está sendo substituído pela tecnologia, não permitindo-lhe exercer uma atividade útil à sociedade nem perceber um salário que lhe permita manter-se dentro dessa dinâmica (aos deslocados, no máximo oferece-lhes um seguro desemprego enquanto não encontrarem outro emprego, o objetivo, porém, continua ser empregado).

A sociedade moderna também enfrenta outros paradoxos igualmente importantes: 1) a incorporação tecnológica permite aumentar o nível de produtividade, permitindo assim, a existência de cada vez mais bens e serviços a disposição da população, mas cada vez mais aumentam os excluídos (os desempregados que foram substituídos pela tecnologia); 2) a incorporação tecnológica permite poupar o ser humano de atividades rotineiras e repetitivas permitindo-lhe, hipoteticamente, se dedicar a atividades mais de acordo com a sua realização pessoal, mas exigi-se-lhe procurar um emprego que lhe permita seguir sendo produtivo, sem importar se for rotineiro e repetitivo.

A sociedade industrial não tem sabido lidar adequadamente com uma realidade que estabelece a substituição do homem pela máquina, em atividades que dificilmente conduzirão a sua realização como pessoa à serviço da sociedade. Convive-se com uma inovação tecnológica que não oferece resposta à interrogação do quê fazer com os deslocados pela incorporação tecnológica.

A incorporação tecnológica permite poupar o ser humano de atividades rotineiras (que dificilmente irão conduzi-lo a sua realização pessoal), e poderia permitir-lhe dedicar-se a exercer atividades mais em sintonia com sua condição de ser humano e não de autômato da era industrial. A sociedade aproveita a incorporação tecnológica para produzir mais bens e serviços, mas não faz considerações acerca do maior tempo livre de que dispõe o ser humano para ser aproveitado em prol do seu crescimento pessoal.

Os paradigmas sobre os quais se baseia o sistema econômico atual, não permitem conceber que a tecnologia possa substituir o ser humano e que, paralelamente, o ser humano possa aproveitar para se dedicar a exercer atividades não produtivas.

3.1.2- Perspectiva Orgânica

A perspectiva orgânica começa abordando questões relacionadas com o papel do trabalho na sociedade e na realização das pessoas.

Se a sociedade for vista como uma rede, o papel das pessoas e das instituições que a conformam é o de mantê-la em um nível de funcionamento adequado. O discurso não gira em torno ao objetivo individual das pessoas, mas do objetivo do sistema em geral, que está atrelado ao bem estar das pessoas, numa relação multi-direcionada, recorrente e com retroalimentação permanente.

A sociedade não deve impor condições aos cidadãos que vão em contra do bem estar deles, e o cidadão não deve colocar os seus interesses acima do bem estar do resto das pessoas. Se todos colocarem seus interesses ao mesmo nível que o do resto das pessoas, o princípio de harmonia instalar-se-ia no discurso da organização da sociedade.

A relação entre as pessoas deverá ser de mútua confiança, porque o bem estar de um é o bem estar de todos. Todas as pessoas se consideram integrantes do mesmo organismo (a sociedade), e o bem estar delas é o bem estar de todos. Esse tem sido o fio condutor deste trabalho: pensamento, coração, consciência.

3.1.2.1- O papel do trabalho

Em uma sociedade orgânica, o trabalho será visto como o meio que permite ao indivíduo fornecer um serviço à sociedade, como a forma de ele merecer o serviço das outras pessoas e como um dos meios para ele atingir a sua realização pessoal. O trabalho efetivará sua contribuição à sociedade, e a forma pela qual o indivíduo contribuirá para o bem estar dos seus integrantes. O indivíduo será, ao mesmo tempo, objeto e sujeito, protagonista e acompanhante, fornecedor e recebedor. A sociedade precisará dele tanto quanto ele precisará da sociedade. Não existirá a dicotomia entre indivíduo e sociedade, porque afinal de contas, o indivíduo é a sociedade. Ao fornecer um serviço à sociedade, ele estará fornecendo esse serviço a ele mesmo.

O trabalho não será visto como uma carga que o ser humano deve suportar para sobreviver, mas como um meio de atingir a sua satisfação, provinda de duas fontes: o exercício de sua vocação (desfrutando da atividade que ele exerce na vida) e a consciência de render um serviço à sociedade.

As pessoas precisam de roupas, comida, moradia, de objetos materiais e de serviços fornecidos pelas outras pessoas para viverem. A questão é como organizar um sistema que permita alocar os bens e serviços que as pessoas necessitam de forma livre, igualitária, justa e consciente. Livre, porque cada pessoa deve ter acesso sem restrições a eles; Igualitária, porque todos os cidadãos têm os mesmos direitos e deveres; Justa, porque os critérios de justiça são necessários para a instauração da harmonia na sociedade; e Consciente, porque cada pessoa decidirá não receber mais de que precisará para viver.

3.1.2.2- Incorporação da Tecnologia

A incorporação de tecnologia que substitui o ser humano em atividades repetitivas e rotineiras, permitirá ao ser humano a desempenhar atividades que conduzam à sua realização pessoal. Assim, ele ficará livre de exercer atividade sem sentido para seu progresso pessoal, para exercer a sua vocação e coadjuvar no funcionamento adequado da sociedade, não só na produção material, mas também no exercício de qualquer atividade que contribua para o desenvolvimento da sociedade (arte, ciência, pesquisa, artesanato, etc). A tecnologia permitirá libertar o ser humano de atividades materialmente necessárias e substituí-las por atividades espiritualmente satisfatórias (espiritual no sentido de serem exercidas aquelas atividades que alimentam o espírito humano: arte, pesquisa, atividades altruístas, prestação de serviços, ensino).

3.1.2.3- Vocação

O cidadão consciente encontrará sua realização pessoal na medida em que for útil à sociedade, e na medida em que efetive o seu crescimento pessoal mediante a efetivação do seu bem estar material, do aprendizado constante e no exercício de sua vocação.

A Sociedade Orgânica estabelecerá a motivação do indivíduo como parte fundamental do trabalho a ser efetivado, daí a importância de cada pessoa exercer a sua vocação. Aceitar-se-á que toda pessoa tem alguma atividade que sabe fazer melhor, tanto pelas suas habilidades quanto pela paixão que a pessoa demonstra enquanto exercer sua vocação. Todas as pessoas terão a oportunidade de aprender diferentes tarefas e poderão escolher a preferida, ou a gama de preferidas.

A incorporação tecnológica permitirá que muitas atividades, necessárias para o funcionamento adequado da sociedade, sejam feitas por máquinas, permitindo ao ser humano a possibilidade de exercer a sua vocação. No caso de uma atividade for necessária para o funcionamento adequado da sociedade, ainda não efetivada mediante processos automatizados (seja porque ainda não existe a tecnologia apropriada para a sua aplicação, ou pela falta de recursos para aplicá-la em grande escala), os cidadãos conscientes farão concessões no sentido de se alternarem entre o desempenho temporário da atividade necessária para o funcionamento da sociedade e o exercício de sua vocação. Nesse sentido haverá alternância dupla: o indivíduo se alternará entre a atividade dita necessária e sua atividade vocacional, e vários indivíduos se alternarão no cumprimento da atividade necessária, em meio de uma dinâmica em que a solidariedade e a consciência exercerão um papel regulador fundamental para o funcionamento da sociedade.

Como definir a vocação das pessoas? Consideramos que mediante um processo educacional adequado, em que serão testadas as habilidades e as tendências das pessoas desde crianças, recebendo instrução em diferentes atividades, para depois ter a possibilidade de escolher livremente de acordo com critérios tais como liberdade, consciência, habilidades e necessidades sociais.

3.1.3- Distribuição

Uma vez definido o papel do trabalho, da incorporação tecnológica e da vocação, falta delinear como será a distribuição do ingresso, em um sistema em que não haverá distinção entre as pessoas, nem pelas atividades exercidas nem por algum motivo relacionado ao tipo de trabalho efetivado.

Existem alguns pressupostos iniciais que merecem serem ressaltados:

  • a) Os integrantes da Sociedade Orgânica são pessoas conscientes que lutam pelo bem estar de todos;

  • b) Todos os integrantes da sociedade ou da comunidade têm direito ao acesso do bem estar material que lhe garanta levar uma vida de forma digna (isso inclui alimentação, vestimenta, educação, moradia);

  • c) A prioridade econômica é o fornecimento igualitário dos bens e serviços produzidos;

  • d) Todas as pessoas que trabalham têm direito ao exercício de sua vocação, salvo por motivos de força maior (por exemplo, se incorporação tecnológica for insuficiente para efetivar o trabalho socialmente necessário, e se se precise de mão de obra para efetivar os itens do ponto -b-);

  • e) O excedente econômico deve ser distribuído de forma igualitária entre todos os integrantes da população (mesmo que, pela própria essência da Sociedade Orgânica, a tendência é a não existência do excedente econômico).

A partir desses pressupostos, podemos afirmar que o direito à distribuição de bens e serviços se fará com caráter igualitário entre todas as pessoas. Não se justificará, sob nenhum motivo, a desigualdade na distribuição de bens e serviços, nem por motivos ideológicos, nem por motivos de eficiência econômica, nem por questões relacionadas a avanços tecnológicos. O único motivo que pode justificar a desigualdade é a consciência de um cidadão ceder parte de seu direito para ajudar a alguma outra pessoa que considere precisar mais do que ele. Não será uma questão de sistema econômico, mas uma questão de consciência.

3.1.3.1-A Consciência do necessário

O cidadão consciente não tentará obter mais bens materiais além do que ele precisa para viver. Ele fornecerá um serviço, ciente de sua responsabilidade e da importância da sua atividade para o funcionamento adequado da Sociedade Orgânica. A consciência do necessário evitará a produção desnecessária de bens e serviços. Observe-se mais uma vez como a questão da consciência impregna toda nossa reflexão.

Por outro lado, a consciência dos cidadãos permitirá estabelecer um sistema que propiciará efetivar a atividade socialmente necessária para o adequado funcionamento da sociedade. Assim, estabelecer-se-á um sistema em que o trabalho seja regido não por uma carga horária, mas pelo trabalho socialmente necessário. O cidadão não precisará permanecer no lugar de trabalho durante 8 horas diárias, mas durante o tempo necessário para fornecer à sociedade do seu serviço, podendo ser mais ou menos de 8 horas, dentro dos limites necessários para manter um equilíbrio físico e emocional

3.1.4- Organização das Unidades de Produção

A organização da produção será feita com base na produção de comunidades conectadas em rede inspiradas na estrutura orgânica, configurando um grande sistema de produção destinado a satisfazer às necessidades da sociedade.

A necessidade de um sistema de informação apurado que possa substituir o sistema de preços revela-se fundamental para instaurar um sistema de distribuição adequado pressupostos assinalados. Por outro lado, surge a interrogação de como a Sociedade Orgânica poderá estimular os ganhos de produtividade, a inovação tecnológica e o aumento de eficiência que tem caracterizado a economia de mercado. Portanto, antes de abordar o sistema de organização das unidades de produção, é preciso estabelecer os princípios de funcionamento da Economia Orgânica.

3.2- ECONOMIA ORGÃNICA

A produção e distribuição de bens e serviços em uma economia orgânica visará estabelecer uma alternativa para a economia de mercado, baseada na estruturação de uma sociedade que lide de maneira satisfatória com a produção e distribuição de bens e serviços em grande escala, incluindo fatores tais como distribuição justa e igualitária, harmonia, igualdade, cooperação e comportamento consciente dos seus integrantes.

3.2.1- Ineficiência da Economia de Mercado

O motivo fundamental da economia de mercado é a busca de lucro, que surge como conseqüência do interesse individual das pessoas. O incentivo fundamental das pessoas é a satisfação de suas próprias necessidades, e o mecanismo fundamental é a concorrência, que constitui a dinâmica pela que determina a produção e distribuição de bens e serviços em grande escala.

Acontece, porém, que a economia de mercado é uma ordem socio-econômica surgida no século XIX, que submete o homem a uma ordem estabelecida com base na compra e venda de mercadorias, sendo estas representadas por praticamente qualquer fator que possa ser oferecido sob a forma de intercâmbio. A origem dessa submissão está na imposição do sistema capitalista sob o espectro da fome, e não baseado na sedução pelas tendências naturais de associação do ser humano (Polanyi. 1997).

O interesse individual não é necessariamente representativo da essência natural do homem, não justificando, portanto, a imposição de um sistema econômico que se revela totalitário nas suas bases, pela tendência a eliminar o surgimento de qualquer alternativa (Marcuse. 1973). Nesse sentido, Polanyi afirma que "si examinamos la historia de la civillización humana nos encontramos con que el hombre no actúa como defensor de su interés individual sino más bien como asegurador de su posición social, de sus reivindicaciones sociales, de sus activos sociales" (Polanyi. 1997: 235), questionando assim, a justificativa natural do interesse individual do homem.

Em relação à concorrência, ela é um fenômeno espalhado na natureza que ocorre "quando os recursos ou matérias primas necessários para a síntese, crescimento ou sobrevivência, são limitados ou tornam-se escassos"[13] (Nicoles e Prigogine. 1977: 429), surgindo assim, outro questionamento importante a um dos ícones da economia de mercado: a concorrência, pois ela tende a ocorrer em situações de escassez, não sendo, portanto, uma situação generalizada nem forçosamente natural.

Consideramos que a concorrência e o comportamento individualista do homem, são pressupostos que contribuem para a manutenção de um sistema de produção e distribuição de bens e serviços em grande escala, mas que neglicenciam a necessidade de estabelecer a igualdade ou a solidariedade entre os homens como fatores importantes da dinâmica social.

A economia de mercado parte do princípio de insuficiência de bens e matérias primas e do individualismo do ser humano, para lidar com a alocação de bens e serviços em grande escala, mas que revela a sua incapacidade de enfrentar a desigualdade na repartição dos bens e serviços produzidos. Assim, partindo de pressupostos não necessariamente verdadeiros, mas sim convenientes, estabelece-se um sistema de produção e alocação de recursos que negligencia fatores que tendem a ser verdadeiros, como a cooperação, a igualdade das pessoas e a solidariedade do ser humano

Nesse sentido a existência da desigualdade na distribuição da renda, indica duas possibilidades: os bens produzidos superam em grande escala as necessidades da população, e portanto, o excedente é destinado a um setor determinado da população, ou a distribuição é deficiente. Do ponto de vista ético, qualquer uma das duas possibilidades é questionável. A primeira, porque não é necessário produzir mais do necessário, seja pelo desperdício dos bens e serviços que não poderão ser usados ou porque a necessidade de produzir em níveis adequados tem se transformado em um imperativo para o desenvolvimento sustentável, devido à necessidade de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais. A segunda, porque entramos na dicotomia entre o que deve ser feito o os meios que usamos para que isso possa ser feito. Se a existência das desigualdades socio-econômicas se justifica para manter em funcionamento um sistema econômico que não permite a satisfação das necessidades de toda a população e permite a existência da pobreza, então a organização do sistema deve ser questionada e modificada.

Se pudéssemos mostrar que os recursos e matérias primas são suficientes para favorecer todos os integrantes da sociedade, hipoteticamente poderíamos decretar a caducidade da economia de mercado baseada em mecanismos de concorrência.

Mas não vamos dedicar-nos à tarefa de mostrá-lo, mas de recorrer a um trabalho pertinente que determina a deficiência do sistema econômico atual para prever a fome, mesmo em presença de suficiência de alimentos. Para isso, vamos nos referir à obra de Amartya Sen (1990), Prêmio Nobel de Economia 1998, em que se analisam as diferentes causas da fome em diversas partes do globo (Africa Sub-sahariana, Asia e América Latina). Sen afirma que:

"uma pessoa pode ser reduzida ao estado de faminto se alguma mudança econômica impossibilita ele ou ela de adquirir um pacote de mercadorias com suficiente comida. Isso pode acontecer seja pela queda na dotação (por exemplo a alienação da terra, ou a perda da capacidade de trabalhar por enfermidade), ou devido a uma mudança desfavorável nas condições de intercâmbio (por exemplo perda do emprego, queda dos salários, aumento dos preços da comida, queda do preço dos bens ou serviços oferecidos pela pessoa, redução das previsões da previdência social)[14]" (Drèze e Sen. 1990: 3).

Todos os fatores que ele menciona estão relacionados com a forma como o sistema econômico está organizado. Depois acrescenta:

"É fácil estabelecer que o problema de aquisição é realmente fundamental as questões relacionadas com fome e inanição no mundo moderno"[15] (Drèze e Sen. 1990: 34-35)

Sem mostra como a produção de comida tem superado a taxa de crescimento da população (cifras da FAO-1985) e, no entanto, tem se intensificado a fome em algumas partes do mundo.

Assim, o caso da alimentação (necessidade fundamental para a vida) mostra a deficiência do sistema econômico para efetivar a alocação de um recursos fundamental. No intuito de assegurar a alocação dita eficiente de recursos, o homem é reduzido a uma situação ilusória de permanente falta de recursos (mediante o mecanismo da concorrência), mesmo que essa alocação seja visivelmente desigual e ineficiente.

3.2.2- O Incentivo Orgânico

Em uma Sociedade Orgânica, o incentivo fundamental das pessoas continuará sendo a satisfação de suas próprias necessidades, só que, pelo fato de serem pessoas conscientes, dentro de suas necessidades estarão incluídas as necessidades das outras pessoas. Elas não se considerarão entes à parte do resto da sociedade, elas se consideram a sociedade, de tal maneira que suas necessidades abrangem a satisfação das necessidades das outras pessoas. A harmonia dessa dinâmica consiste em cada pessoa considerar o seu bem estar tão importante quanto o bem estar das outras pessoas.

Assim, numa sociedade em que a consciência for o ingrediente fundamental do comportamento das pessoas, aceitar-se-á um sistema em que a distribuição igualitária e harmônica dos bens e serviços acompanhará a sua alocação eficiente, para gerar o funcionamento adequado do sistema.

A questão é como criar um sistema eficiente de alocação de recursos, o suficientemente efetivo e eficaz para que a distribuição de bens e serviços em grande escala seja igualitária e harmônica.

3.2.3- O Sistema de Preços

Para o estabelecimento de uma economia orgânica é necessário estabelecer um sistema de informação que permita substituir o sistema de preços da economia de mercado.

Friedman (1971) afirma que o problema econômico pode ser subdividido em 5 problemas interrelacionados: fixar padrões; organizar a produção; distribuir o produto; prover a manutenção e o progresso econômico; e ajustar a curto prazo, o consumo e a produção. O sistema de preços exerce "três tipos de função, para solucionar os 5 problemas (...) Eles transmitem informação, efetiva e eficientemente; criam um incentivo para que os usuários dos recursos se guiem por essa informação e proporcionem um incentivo aos donos dos recursos, para que sigam tal informação" (Friedman. 1971: 12). Mais adiante acrescenta que "o problema que um sistema de preços resolve é extremamente complicado, envolvendo a coordenação das atividades de dezenas e centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo, e seu ajustamento rápido a condições constantemente mutáveis. O sistema de preços é um artifício extremamente sutil e complexo para a resolução desse problema" (Friedman. 1971: 13).

A análise de Friedman permite assumir uma perspectiva diferente ao afirmar que o sistema de preços é um artifício que resolve os 5 problemas econômicos. Vale resgatar que, dentre esses 5 problemas, não existe nenhuma consideração relacionada com a distribuição igualitária ou sequer justa dos bens e serviços produzidos. O discurso gira em torno a um sistema de informação que lida com o uso adequado dos recursos econômicos, tanto do ponto de vista do fornecedor como do usuário, para sua alocação eficaz e eficiente, mas não se faz questão de mencionar alguma consideração relacionada à distribuição justa ou igualitária de recursos.

Esse sistema é eficaz e eficiente no sentido de alocar bens e serviços, sem considerar fatores adicionais, como o caráter com que deve ser feito (igualitária ou consciente). Questionamos o objetivo único do sistema como sendo a "alocação eficiente de recursos", pois o sistema não está formado por recursos, está formado por pessoas, e o objetivo final deve ser as pessoas.

Explicamos claramente a nossa objeção mediante um caso hipotético. Suponhamos que existam dez pessoas, potencialmente consumidoras, das quais duas têm a possibilidade de adquirir 3 unidades de um bem X produzido (necessário para a vida, digamos um bem de alimentação), outras 3 pessoas têm a possibilidade de adquirir 1 unidade desse bem, e o restante das pessoas não possuem os recursos para adquiri-lo (5 pessoas não têm possibilidades de adquiri-lo, isto é, a metade do grupo não consegue obter esse bem). O sistema de preços faz com que a alocação seja eficaz e eficiente para que o bem X seja produzido e distribuído entre as pessoas que possam adquiri-lo, mas não garante que todas as pessoas que precisem desse bem tenham possibilidade de fazê-lo.

Daí o questionamento do sistema da economia de mercado e da necessidade de criar outro sistema ou artifício que possa substituir o sistema de preços, capaz de resolver questões relacionadas à distribuição justa e igualitária de bens e serviços, além dos 5 problemas econômicos assinalados.

3.2.3.1- Coordenação e Ajustamento

Friedman menciona duas características fundamentais para o sistema de informação: coordenação e ajustamento. Como estabelecer um sistema de coordenação e ajustamento de fluxo de mercadorias que lide de maneira satisfatória com questões relacionadas à distribuição igualitária?

O sistema de preços da economia de mercado está diretamente atrelado ao interesse individual, já que as pessoas buscam obter o maior lucro possível, dentro de uma dinâmica em que o critério de estabelecer um preço adequado se baseia na obtenção do lucro sem ser tirado do mercado pelos concorrentes. Assim, a cadeia de interesse individual vai se espalhando pelo sistema todo, resolvendo a complexidade de lidar com variáveis diferentes.

Mas, no fundo aceita-se a incapacidade de lidar de maneira conveniente com uma quantidade adicional de variáveis para atingir um objetivo preestabelecido. Dito de outra maneira, ao aceitar conviver com um sistema de preços, aceita-se a incapacidade de planejar adequadamente a distribuição de bens e serviços, e deixa-se aos mecanismos do mercado a tentativa de resolver esses problemas.

E se formos ousados e tentarmos construir um sistema capaz de lidar com tais variáveis, procurando introduzir fatores de tipo igualitário?, e se formos o suficientemente arriscados para questionar a ordem vigente e estabelecer um sistema que lide de maneira satisfatória com tais fatores? Nesse sentido devemos questionar, o que já estamos fazendo, o princípio moldador da ordem atual, que é o interesse individual, a ser substituído pelo interesse consciente.

3.2.4- O "Sistema de Custos" como substituto do Sistema de Preços

O princípio do interesse consciente permite às pessoas assumirem a responsabilidade do destino das outras pessoas, aceitando-as como parte de si mesmas.

Assim, ao oferecer um bem ou um serviço a outra(s) pessoas(s), toda pessoa consciente se perguntará: que preço poderia oferecer a mim mesmo por este bem ou serviço? A resposta muito provavelmente será a de estabelecer um preço igual ao custo desse bem ou serviço. Dessa forma, o preço a ser estabelecido em uma economia orgânica será igual ao preço de custo.

O sistema vigente inviabiliza isso do ponto de vista econômico, pois não será possível direcionar os investimentos que conduzam a um aumento da produção ou à melhora da competitividade via aumento da produtividade, e finalmente, não poderá ser satisfeito o interesse individual através do lucro. Certamente, sob os paradigmas atuais não é possível, mas nós estamos estabelecendo outro tipo de paradigmas para enfrentar essa situação, e estamos tentando desenhar um sistema sob novos paradigmas.

Suponhamos que, em uma economia orgânica, um empresário precisa de alguns investimentos para aumentar a produção. Do ponto de vista econômico atual, ao produzir a preço de custo, ele não possuirá os recursos necessários para realizá-los. Do ponto de vista orgânico, ele poderá fazer os investimentos, e incluir essas despesas nos custos dos produtos produzidos a partir desse momento.

Na verdade, parece ser a mesma situação mas invertendo a ordem dos acontecimentos. Sob os paradigmas atuais, ele precisa do lucro para fazer os investimentos futuros. Sob os paradigmas orgânicos, os investimentos serão incluídos nos custos futuros. Do ponto de vista ético, a segunda atitude é mais justificável do que a primeira, pois na primeira o empresário age por interesse individual. E, na segunda, é visto como uma pessoa que se ocupa de melhorar o equipamento técnico para benefício da sociedade.

Mas, se não existe o lucro, por que o empresário estaria interessado em reduzir os custos? Por uma questão de consciência, pois o interesse pessoal dele (sob a perspectiva orgânica) abrange as outras pessoas. É como se ele estivesse vendendo a ele mesmo ou a sua família. Por que o empresário estará interessado em incorporar tecnologia e aumentar a produtividade? Para beneficiar os integrantes da sociedade, aumentando a capacidade de satisfazer a número maior de pessoas.

Façamos o seguinte exercício: suponhamos que é necessário organizar a produção de uma família, em que cada pessoa está encarregada de cumprir uma função. Os membros da família, em princípio, não venderiam as mercadorias a si mesmos buscando o lucro, mas venderiam a preço de custo, procurando o benefício de todos os integrantes. Do ponto de vista da produção, qualquer membro da família estaria interessado em aumentar a produtividade, reduzir os custos da atividade que ele estiver realizando ou buscar melhoras na produção, para beneficiar a ele mesmo e a sua família.

Pois bem, esse é o propósito da Abordagem Orgânica: considerar que todos formamos parte da mesma realidade, em que é necessário satisfazer as necessidades de todos os seus integrantes.

Mas, ainda continua presente o sistema de preços, ainda que ele for reduzido ao "sistema de custos". Antes de proceder à substituição do sistema de preços é necessário fazer uma análise no que diz respeito ao mecanismo de concorrência da economia de mercado e como substitui-lo por um mecanismo cooperativo, próprio de uma estrutura em rede.

3.2.5- Concorrência e Cooperação

O mecanismo de concorrência permite reduzir custos, assegurar a livre disponibilidade de bens e serviços, incorporar tecnologia e aumentar a produtividade numa situação ilusória de falta de recursos suficientes para abastecer a toda a população.

Se supuséssemos que não existe tal escassez de recursos, poderíamos, hipoteticamente, estabelecer outro tipo de processo para atingir os mesmo objetivos, além de serem incluídos aspectos relacionados à perspectiva orgânica (como a igualdade e a cooperação).

Dentro da concepção econômica atual, os produtores fazem parte de uma dinâmica em que a busca pela obtenção do lucro faz parte da concepção "natural" do sistema, levando a cabo práticas tais como propaganda visando prejudicar o concorrente e a briga pela conquista do mercado, numa disputa permanente em que o interesse individual serve como incentivo para justificar tais práticas. Na realidade, além de encarecerem o produto, tais práticas são desarmônicas, já que produzem uma dinâmica de instabilidade baseada numa briga sem vencedores, dada a necessidade de manter a concorrência.

Dentro da concepção em rede da Sociedade Orgânica, em uma determinada área econômica, propomos que os produtores do bem X estabeleçam uma rede de fornecimento desse bem, encarregando-se todos eles de velar pela suficiência no fornecimento, pela qualidade do produto e pelas melhorias do processo produtivo. Explicamos com um exemplo:

Suponhamos que existam 100 consumidores reais para o bem X e existem 10 empresas concorrentes lutando para conquistar esses clientes. Sob a perspectiva orgânica, as 10 empresas chegam a um acordo para fornecer o bem X às 100 pessoas, em um processo cooperativo em que o preço do produto é "justo" (no sentido de vender o produto ao preço de custo do produto, e não com fatores adicionais como o custo da campanha de marketing para vender o produto). Isso não quer dizer que todas as empresas vendam ao mesmo preço, pois na apuração dele influem fatores de trasnporte, de logística, de distribuição ou mesmo de fatores ligados com a produção. Entre essas 10 empresas seria prática comum compartilhar tecnologia, em que cada empresa encarregar-se-ia de fornecer o bem a um determinado número de pessoas, fazendo a ressalva que cada pessoa é livre de trocar de fornecedor.

As objeções sobre os paradigmas atuais poderão ser as seguintes:

  • a) Objeção econômica: Por que um empresário teria interesse em produzir o bem X se ele não pode obter lucro? Resposta orgânica: Por uma questão de satisfação pessoal, pois o empresário encontra sentido em sua vida mediante o fornecimento do bem X à sociedade, contribuindo para o bem estar das pessoas.

  • b) Objeção econômica: as 10 empresas formam um cartel, prejudicando o consumidor pelo preço não concorrente estabelecido. Resposta orgânica: as 10 empresas formam uma rede cooperativa de unidades de produção, em que o bem é fornecido a preço de custo.

  • c) Objeção econômica: dada a falta de concorrência, as 10 empresas não se ocupariam de melhorar a qualidade do produto, reduzir os custos ou aumentar a produtividade. Resposta orgânica: a consciência das pessoas que integrarão a unidade de produção fará com que estejam sempre em busca de satisfazer a tais exigências. O fator moldador do comportamento econômico será o interesse consciente e a busca do bem estar da sociedade.

  • d) Objeção econômica: a diferença de preços entre as empresas fará com que aquela que tiver o maior preço será prejudicada e sairá do mercado. Resposta orgânica: as 10 unidades de produção formarão uma rede cooperativa de fornecimento do produto. Elas tenderão a compartilhar a tecnologia de produção. Elas produzirão para cobrir seus custos, e a diferença no preço se deverá a fatores relacionados com o custo diferenciado do produto, segundo as características de produção de cada unidade. Os usuários estarão conscientes da relação cooperativa entre as unidades de produção, o que permite confiar em um preço justo. Se uma pessoa decidir optar pelo produto fornecido de outra unidade de produção, provavelmente o custo do traslado até o lugar geográfico da outra unidade de produção eqüivalerá à diferença do produto fornecido pela unidade de produção mais próxima.

Em resumo, o sistema econômico vigente está baseado no interesse individual para moldar atitudes e explicar comportamentos racionais do ser humano. O sistema orgânico estabelecerá o interesse consciente como fator norteador do comportamento humana. O interesse consciente continuará sendo o interesse individual das pessoas, mas o escopo da individualidade inclui o restante das pessoas, pois cada um considerará os outros como parte de si mesmo.

3.2.6- Sistema de Informação Orgânico

Uma das características fundamentais da estrutura em rede é o fluxo de informação permanente entre suas unidades. Do ponto de vista econômico, as unidades podem ser analisadas como unidades produtoras, distribuidoras e consumidoras. Mas, do ponto de vista orgânico é diferente, pois as unidades produtoras são também consumidoras e eventualmente distribuidoras, e o mesmo se aplica com as distribuidoras e consumidoras. Portanto, não é pertinente fazer essa fragmentação de funções entre as unidades que configuram o sistema. Ademais, as pessoas podem ser vistas como produtoras, prestando um serviço com o trabalho delas, consumidoras e eventualmente distribuidoras. Consideramos melhor estabelecer que as unidades formam parte de uma dinâmica em que a troca de recursos e de informação faz parte integral do funcionamento do sistema orgânico.

O fluxo de informação num sistema orgânico será completo, no sentido de fornecer todos os dados requeridos para o cumprimento da função das unidades, permanente; visando comunicar de forma constante algum tipo de modificação na tarefa a realizar-se; pertinente, no que diz respeito ao fato de fornecer a informação necessária; e translacional, no sentido de que as unidades servem elas mesmas como canais de informação destinada a outras unidades, formando parte da cadeia de ligação entre duas unidades diferentes.

A coordenação e o ajustamento serão os objetivos fundamentais do sistema de informação, tanto para a organização do trabalho quanto da produção dos bens e serviços.

O sistema de informação de bens e serviços permitirá o conhecimento sobre a disponibilidade e necessidades dos itens a serem produzidos e distribuídos, mediante um fornecimento constante de informação sobre os requerimentos dos cidadãos e dos insumos das unidades de produção e distribuição.

Para isso, é necessário a implementação de um sistema que permita conhecer de antemão as necessidades de produção. Do ponto de vista tecnológico, consideramos que não existe maior problema para a criação desse sistema de informação. Consideramos que a questão importante é a logística do sistema, pois Como conhecer as necessidades dos cidadãos? Como comunicar essa informação às unidades de produção e distribuição de bens e serviços? Será melhor fazê-lo mediante uma planificação prévia ao momento do fornecimento do produto ou mediante um processo on line? no caso da resposta estiver na planificação, Quanto tempo de antecipação é necessário para o fornecimento de informação por parte dos cidadãos e das unidades?

Dado o caráter cooperativo do sistema orgânico, consideramos que o sistema de informação a ser implementado, tem duas facetas: sob condições normais, via prévio fornecimento de informação (no início do período estabelecido como a unidade de tempo, afinal do qual o bem e/ou serviço serão fornecidos) por parte dos cidadãos e das unidades de produção aos centros de produção e/ou distribuição dos bens e serviços, e de insumos respectivamente; e sob condições extraordinárias, mediante um processo on line, em que o cidadão e/ou a unidade de produção possa ter acesso imediato ao bem requerido.

O sistema de informação a ser implementado possui a faceta da planificação, através de um processo que permite conhecer com antecipação as necessidades dos entes envolvidos, e a faceta do imediato, em que o cidadão e/ou a unidade de produção, tendo que sair-se da planificação inicial, estabelecida no início da unidade de tempo, requer do fornecimento do bem ou serviço para o cumprimento de sua função.

O procedimento será, em linhas gerais, o seguinte: no momento de ser estabelecido o sistema de informação, define-se o que será denominado de "unidade de tempo" (por exemplo: um dia, uma semana, um mês, um semestre, etc), ao início do qual, os usuários (incluídos pessoas físicas e unidades produtoras e/ou distribuidoras) comunicarão os seus requerimentos de bens e dos serviços às unidades fornecedoras (pessoas e unidades de produção ou distribuição) pertinentes. A unidade de tempo não será a mesma para cada bem ou serviço, ela depende da características particulares (por exemplo: os produtos perecíveis requerem de uma unidade de tempo menor que os veículos), porém, definir-se-á uma mesma unidade para produtos similares. A tarefa a ser cumprida pelos envolvidos será a seguinte:

a) Por parte do usuário, ele tem a responsabilidade de fornecer a informação dos seus requerimentos a unidades produtoras pertinentes, ao início de cada unidade de tempo. No caso de ele necessitar a mesma quantidade para o período seguinte, não precisará contatar a unidade correspondente, e esta repetirá o pedido anterior.

b) Por parte das unidades fornecedoras, elas têm a responsabilidade de receber a informação, processá-la e fornecer o bem e/ou serviço solicitado. No caso de não ter possibilidades de atender aos requerimentos, comunicar-se-á com a rede de unidades fornecedoras do mesmo bem e/ou serviço, a fim de cumprir os requerimentos. No caso de existir escassez geral, haverá racionamento geral, prevalecendo o critério de repartição igualitária.

3.2.6.1- Características do Sistema de Informação

As características do sistema de informação orgânico de produção e de bens e serviços serão as seguintes:

Descentralizado: não existirão unidades que intermediem a informação entre o cidadão (e/ou a unidade requerente) e a unidade produtora e/ou distribuidora.

Igualitário: todos os cidadãos terão o mesmo direito e as mesmas possibilidades de receberem os bens e serviços solicitados, e paralelamente, todos terão o direito de fazerem o que for conveniente para fornecerem a à sociedade os bens e serviços pelos quais serão responsáveis.

Planificado: os cidadãos e as unidades requerentes deverão fornecer a informação sobre os bens e serviços a serem requeridos com a antecipação adequada, no início do processo. Se a unidade de tempo for definida como o mês, o cidadão e as unidades requerentes deverão fornecer às unidades produtoras e distribuidoras a informação correspondente a suas necessidades, no início do mês, com o objetivo de permitir adequada execução das funções delas. No caso de um bem o serviço requerer de uma unidade de tempo diferente, caberá modificar esta convenção para esse bem ou serviço. No caso de serviços que não precisarem de antecipação para serem fornecidos (por exemplo: a eletricidade), a previsão basear-se-á em estatísticas de períodos anteriores, adequados à critérios específicos (como os sazonais). Dessa forma, ao receberem a informação correspondente dos usuários do mês, as unidades produtoras e distribuidoras poderão planificar adequadamente a produção e fornecimento do serviço, fazendo a ressalva que elas poderão produzir um pequeno excedente para os casos em que for necessário o serviço on line.

3.2.6.2- Vantagens e Dificuldades do Sistema Orgânico de Informação

Vantagens

  • A transmissão de informação, dos bens e serviços a serem fornecidos, será imediata e mais precisa

  • O planejamento de produção de bens e serviços será facilitado, eliminando o excedente ou a escassez de mercadorias

  • A distribuição de produtos se dará de uma forma precisa, eliminando o estoque desnecessário de bens

  • Dado que os fornecedores formam uma rede, será possível fixar padrões entre os produtos fornecidos por diferentes provedores

  • Incluir-se-ão fatores relacionados com a repartição igualitária de bens e serviços

  • Eliminar-se-á a intermediação desnecessária de distribuição de mercadorias, isto é, aquela que não agrega valor ao produto

  • Devido a que a informação sobre as necessidades dos usuários será feita ao início de cada unidade de tempo, a coordenação e o ajustamento far-se-ão de maneira imediata

Dificuldades

  • A operacionalização do fornecimento da informação por parte dos usuários, mas repetimos que, de um ponto de vista tecnológico, é factível. A questão será como permitir a todas as pessoas o acesso ao sistema,.

  • As unidades de produção terão que implantar um sistema de informação que permita receber os pedidos em grande quantidade, processar a informação e determinar se a produção pode cobrir a demanda; no caso negativo, estabelecer-se-á um sistema que permita recorrer ao fornecimento de outras unidades produtoras.

Para estabelecer o sistema assinalado, requer-se uma mudança de paradigmas, que permita estabelecer uma economia orgânica em substituição a uma economia de mercado, com todos os obstáculos que isso representa: vencer a inércia própria das mudanças, romper com a tradição mercantilista, convencer as pessoas dos benefícios do sistema, fragilizar os centros capitalistas de poder.

3.3- COMUNIDADES ORGÃNICAS

"Los actos libres (o espontáneos) son

siempre fenómenos de abundancia"

Erich Fromm

Se olharmos a organização da sociedade moderna, podemos perceber que esta encontra-se fundamentada nos centros urbanos, que ela está moldada pelos paradigmas individualista e burocrático-mecanicista, e que, em geral, a dinâmica da vida das pessoas consiste em desempenhar uma atividade que possa lhe fornecer renda suficiente para adquirir os bens materiais e os serviços necessários para levar uma vida adequada.

Mas, como mostra a realidade, o sistema vigente não tem permitido garantir a igualdade de oportunidades nem o conforto material dos setores mais desfavorecidos da população. Por outro lado, a mesma dinâmica representa um risco na preservação das condições do meio ambiente, necessárias para permitir a continuidade do sistema.

O paradigma individualista atenta diretamente contra uma visão orgânica e global da realidade, e o paradigma burocrático-mecanicista não permite o surgimento de organizações que possam lidar adequadamente com as fontes de motivação do homem ou com a flexibilidade e a capacidade de adaptação necessárias para sobreviver em situações de incerteza e de grandes mudanças (como acontece no mundo de hoje). Além do mais, o sistema de mercado não estimula o surgimento de cidadãos conscientes de sua realidade nem de comportamentos cooperativos e solidários que conduzam pelo caminho do bem estar geral.

Para estimular o surgimento de uma sociedade baseada em princípios harmônicos, uma mudança de paradigmas revela-se necessária, e a agenda deve incluir aspectos relacionados ao nível de consciência e a comportamentos cooperativos. Consideramos que com uma organização social apropriada, o nível de consciência adequado, e a informação e os estímulos pertinentes, o paradigma individualista pode ser substituído por um paradigma cooperativo e uma ordem social baseada em princípios harmônicos pode ser estabelecida.

Uma ordem social fundada sob princípios harmônicos deve partir de uma organização social que possa atender às necessidades dos indivíduos, manter a coesão necessária para todos trabalharem por um objetivo comum, permitir às pessoas oferecerem o que melhor podem fazer pelo entorno social, incentivar a renovação do indivíduo (no que diz às atividades a serem desempenhadas no ambiente trabalhista, o aprendizado constante, a realização pessoal) e promover a cooperação como forma de atingir o bem estar geral, em meio de uma dinâmica social em que a harmonia se imponha como fator moldador das organizações.

Um dos objetivos do presente trabalho é fazer a proposta de uma organização baseada no comportamento consciente das pessoas, que induza o surgimento de uma dinâmica em que o conforto material propiciado pela sociedade moderna possa ir junto com comportamentos cooperativos das pessoas, tendo o bem estar geral como seu objetivo primordial. Considerando que dadas as inúmeras dificuldades que apresenta a organização dos centros urbanos e os paradigmas que os determinam para o estabelecimento de comportamentos cooperativos, o escopo da proposta deve se dirigir à substituição da cidade moderna por centros menores, suscetíveis de aceitarem dentro de sua dinâmica fatores tais como flexibilidade, interdependência e comportamentos cooperativos.

A nossa proposta se dirige em direção ao estabelecimento de Comunidades Orgânicas.

3.3.1- Precedentes

Como Darib-Drabkin (1962) afirma, a comunidade surge graças ao desejo de igualdade no homem e na luta por uma sociedade baseada na justiça, liberdade e igualdade. Mas elas não surgem espontaneamente, "se necesitan circunstancias excepcionales, necesidades urgentes y cambios revolucionarios en la sociedad para sacar a los hombres de su rutina habitual y ayudarlos a vencer sus dudas sobre la vida colectiva" (Darin-Drabkin. 1962: 21). Foi assim que surgiram as comunidades pré-históricas, as comunidades cristãs primitivas, os mosteiros da Idade Média, a aldeia feudal, as comunidades religiosas modernas, as comunidades socialistas utópicas (Robert Owen na Inglaterra e Charles Fourier na França), o koljós soviético, o ejido mexicano, as comunidades camponesas chinesas e o kibbutz israelense (Darin-Drabkin. 1962).

A comunidade representa um fato comum na história da humanidade (a ajuda mútua é fundamental na convivência social). Foi nos 300 anos finais do presente milênio, que o capitalismo deslocou o sistema comunitário de organização, forçando as comunidades a se manifestarem em grupos isolados. Dentre as comunidades assinaladas, as comunidades seculares (de tipo utópico socialista) não duraram tanto quanto as religiosas devido ao fator humano, pois as comunidades religiosas foram organizadas com pessoas unidas por uma fé comum, e trabalhavam intensamente, enquanto que as comunidades socialistas foram organizadas por indivíduos reunidos ao azar sem nenhum critério de seleção (Darin-Drabkin. 1962).

Só o kibbutz continua existindo hoje como exemplo de uma comunidade secular voluntária, baseada na propriedade, produção e trabalho coletivos, destinada a satisfazer as necessidades do indivíduo. Com essa inspiração, propomos a construção de Comunidades Orgânicas.

3.3.2- As Comunidades Orgânicas

As Comunidades Orgânicas são definidas como grupos de pessoas organizadas consciente e voluntariamente, com o objetivo de conviver sob princípios harmônicos, propiciando uns aos outros os meios de sustentação que permitam cobrir as necessidades materiais, sociais e espirituais de todos os integrantes da comunidade, sempre objetivando o bem estar geral e mantendo a visão de conjunto.

A Comunidade Orgânica inspira-se no kibbutz israelense, no sentido de estabelecer comunidades que substituam os grandes centros urbanos, lugares onde as pessoas possam morar, trabalhar, estudar e efetivar o crescimento pessoal e comunitário. Mas, serão mais do que simples comunidades, pois elas estarão integradas em rede e complementar-se-ão no sentido de se proverem umas a outras os bens e serviços necessários para propiciar às pessoas uma vida material adequada e igualitária.

A Comunidade Orgânica partirá do princípio de que a realidade pode ser modelada como uma estrutura orgânica, com propriedades integradoras das unidades que a conformam. Assim, ao invés da sociedade estar fundamentada ao redor de centros urbanos, ela fundamentar-se-á em comunidades organizadas em rede.

Reconhecendo a realidade social como suscetível de ser organizada em forma de rede, a Comunidade Orgânica atenderá as necessidades do indivíduo, na medida em que ele estiver integrado à comunidade, estando intimamente atrelados ao bem estar individual e ao bem estar coletivo. Assim, a Comunidade Orgânica estabelecerá uma dinâmica em que o bem estar do indivíduo e o bem da comunidade orientarão a dinâmica da organização.

O bem estar do indivíduo abrangerá tanto o aspecto material quanto o que pode ser chamado de bem estar espiritual, que inclui o interesse do ser humano por áreas diferentes do aspecto material. A espiritualidade pode abranger a arte, a pesquisa, o altruísmo, o bem aos outros, o voluntariado, o desenvolvimento da consciência, o Amor pelos semelhantes, o reconhecimento da harmonia do Universo, a fraternidade, os aspectos não racionais da existência... enfim, toda a experiência humana fora do aspecto material, que tende a dar satisfação mas que não pode ser expressa em termos materiais.

3.3.2.1-Organização do Trabalho

Baseados na dinâmica comunitária e em rede com outras comunidades, como forma de atingir o bem estar geral, a distribuição do trabalho será feita baseada em princípios conscientes em que as necessidades da comunidade e o exercício da vocação das pessoas encontrem seu justo equilíbrio.

A estrutura da produção burocrática tradicional das unidades de produção e serviços da comunidade cederá seu espaço a uma estrutura orgânica constituída por unidades orgânicas flexíveis e funcionais que se auto-regularão com base nas necessidades da comunidade e possibilidades de produção da unidade em questão. Não existirão chefes nem subordinados, mas coordenadores de cada tarefa a ser realizada, representados por líderes eventuais (se for necessário), selecionados por consenso conforme a sua experiência, conhecimento e capacidade de liderança.

Cada indivíduo oferecerá seu serviço à comunidade, e em troca receberá o serviço dos outros membros da comunidade, seja este representado por bens ou serviços, numa dinâmica integradora em que o indivíduo oferecerá seu trabalho, mediante o exercício de sua vocação, para o bem estar da comunidade, e ele receberá o trabalho dos outros.

Vale ressaltar que a presença do dinheiro será desincentivada, e se estabelecerão "horas de produção equivalentes" de acordo com a necessidade que a comunidade terá do trabalho de cada um, tendo cada indivíduo a responsabilidade de exercer o seu trabalho socialmente necessário. Assim, estabelecer-se-ão horas equivalentes entre as diferentes atividades. Todos os trabalhos serão igualmente importantes, mas os trabalhos de natureza diferente exigirão diferentes níveis de exercício. Por exemplo, 6 horas de trabalho na área de hortaliças poderia ser equivalente a 7 horas de trabalho na seção de roupas, surgindo a necessidade de estabelecer diferenças no momento de definir o trabalho socialmente necessário de cada membro dependendo de cada setor. Consideramos que as pessoas não tenderão a se ressentir da diferença de horas dedicadas a trabalhos diferentes, pois estarão exercendo a vocação delas.

Suponhamos que a comunidade precise de 500 horas de trabalho no campo e 300 horas de trabalho administrativo para funcionar adequadamente. A comunidade estabelecerá essa equivalência como trabalho socialmente necessário, e se estabelecerão padrões de produção para atingir a quota em cada área, determinando-se o número de pessoas que serão necessárias em cada área. A distribuição das tarefas entre as pessoas será dada de forma consciente, pois não poderá se impedir a qualquer um de exercer a atividade de sua vocação. Se houver excesso ou escassez de pessoas em uma determinada área, estabelecer-se-ão plantões em cada área de preferência, de forma a estabelecer o nível adequado de pessoas trabalhando numa determinada área e, simultaneamente, cumprir o trabalho socialmente necessário. Porém, dado que as comunidades estarão integradas por pessoas conscientes, consideramos que o processo de ajustamento se fará de forma espontânea e de mútuo acordo entre as pessoas envolvidas.

A presença da unidade coordenadora do trabalho será fundamental, pois ela determinará, junto com os membros da comunidade, a distribuição do trabalho. Assim, se uma pessoa não estiver satisfeita em uma determinada atividade, tentará chegar a um acordo com a unidade de sua preferência e as pessoas envolvidas ou acudirá à unidade coordenadora para pedir a mudança.

3.3.2.2-Processos de Decisão

Os processos de decisão serão feitos por consenso baseados na consciência do que é melhor para a comunidade. Consideramos que, a partir de um determinado nível de consciência, dos estímulos adequados e da organização social apropriada, os homens deixam de ser prejudiciais a seus semelhantes e, portanto, podem superar o patamar do individualismo e tomar por consenso aquelas decisões que conduzam ao bem estar geral.

Assim, as decisões poderão ser tomadas por consenso e não com base em procedimentos democráticos que dêem como resultado a preferência das maiorias, que sempre deixam uma minoria perdedora e marginada do encanto de lutar por um objetivo perseguido pela comunidade. O conflito faz parte dos processos decisórios da sociedade moderna, mas acontece que eles sempre estão baseados em processo e discussões racionais. Temos a convicção de que se a discussão for direcionada sob princípios conscientes (do que é o melhor para todos), os resultados permitirão a manifestação da vontade geral. Se uma decisão conduzir ao bem geral, como ela não poderia ser tomada por consenso? Se ela não for tomada dessa maneira, quer dizer que não conduzirá ao bem estar geral.

Tentando não ser ingênuos quanto à aspiração da tomada de decisões por consenso, consideramos pertinente fazer uma proposta em caso de que uma decisão não possa ser tomada por consenso (por exemplo: no caso em que não for possível chegar ao consenso, ou em que duas decisões forem excludentes e conduzam por igual ao bem estar geral). Nesse caso, submeter-se-á a decisão ao que denominaremos "Conselho dos Notáveis" junto com os especialistas do tema.

Conselho dos Notáveis

O Conselho dos Notáveis estará integrado por aquelas pessoas que, por sua integridade, experiência, sabedoria e critério reconhecidos, tenham demonstrado a capacidade de tomar decisões em prol do bem estar geral da comunidade. Ele será eleito por consenso pelos integrantes da comunidade e terá caráter vitalício (salvo que a comunidade decida o contrário).

A Comunidade estará disposta a aceitar a decisão que surgir dessa instância, ciente que o Conselho está constituído por pessoas que procuram o bem da comunidade e que tomarão a decisão com base em critérios conscientes.

3.3.3- Tipos de Comunidades Orgânicas

Cada Comunidade Orgânica terá sua própria identidade e sua própria vocação, quanto aos bens e serviços a serem produzidos. Mesmo que a natureza de produção de cada comunidade for a diversidade de produtos, cada uma terá ao menos um produto principal, que se utilizarão para o intercâmbio com as outras comunidades.

Assim, existirão Comunidades cujo produto principal será o cultivo e os produtos agropecuários, outras terão produtos manufaturados, existirão aquelas comunidades que oferecerão produtos de alta tecnologia, e ainda existirão aquelas cujo produto principal será a Pesquisa e o Desenvolvimento, permitindo o livre intercâmbio entre as diferentes comunidades, numa dinâmica em que umas e outras fornecer-se-ão os produtos mutuamente.

A organicidade do sistema permitirá substituir o mercado moderno, pois a própria dinâmica estrutural das comunidades, permitirá reconhecer a necessidade de interagir para cobrirem as suas necessidades, no intuito de manter a funcionalidade do sistema, visando atingir o bem geral.

3.3.4- A Comunidade Orgânica como Estrutura Orgânica

Em nível conceptual, a Comunidade Orgânica será vista como uma rede composta por redes menores, que farão parte de uma grande rede chamada sociedade, podendo ser modelada como uma estrutura orgânica, com seus princípios e propriedades.

Em nível interno da Comunidade, os membros serão vistos como unidades que interagem umas com outras, formando pequenas redes. Do ponto de vista externo, todas essas redes serão vistas como unidades auto-referentes que formam a rede chamada Comunidade Orgânica.

A coerência e a harmonia da estrutura residem no fato de que todos os membros da comunidade, assim como as diferentes unidades que a formam, dedicarão seu esforço e criatividade ao bom funcionamento da estrutura, ao bem geral, à satisfação das necessidades de todos os membros, à coesão necessária para exercerem as tarefas requeridas, ao relacionamento adequado para manter a fluidez da comunicação e da dinâmica organizacional. Todos trabalharão pelo bem geral, manifestando a consciência de pertencerem a uma grande família.

Temos assinalado os aspectos mais importantes da Sociedade Orgânica, mediante a aplicação do paradigma orgânico no que diz respeito à organização do trabalho, alguns aspectos do sistema econômico e a constituição das Comunidades Orgânicas. A seguir, estabelecemos os lineamentos gerais do Estado Orgânico.

CAPÍTULO 4

O ESTADO ORGÃNICO

Existem duas correntes no estudo do Estado. Uma corrente histórico-indutiva (representada por Aristóteles, Vico, Hegel, Marx e Engels), que mostra o Estado como uma estrutura organizacional e política que surge da complexificação da sociedade, destinada a manter a ordem vigente e, portanto o sistema de classes; e uma corrente lógico-dedutiva (representada por Hobbes, Locke, Kant e Rousseau) que afirma que o Estado é o resultado político-institucional de um contrato social que permite aos homens obterem a ordem e o respeito da propriedade e dos contratos em troca da sua liberdade (Bresser Pereira. 1995).

4.1- O ESTADO COMO UM ESTADO DE CONSCIÊNCIA

Na antigüidade (Platão, Aristóteles e a escola dos sofistas), fala-se do Estado como a melhor organização da sociedade, aquela que permite os indivíduos e as classes sociais realizar, na medida do possível, a idéia da justiça, dando a cada um o que por direito lhe pertence. Durante a Idade Média, a disputa se centrou na supremacia da Igreja sobre o Estado e vice-versa, sendo o primeiro a comunidade temporal e histórica, e o segundo a comunidade espiritual. No Renascimento ocorre uma transformação radical na concepção do Estado, exigindo-se sua separação da Igreja, como conseqüência da formação dos Estados nacionais e como reação contra o domínio da Igreja. Assim, o Estado é expropriado do seu fundamento divino e inserido na temporalidade e na história (Saraiva. 1977)

Durante os séculos XVII e XVIII predomina a teoria do Estado como pacto, seja no sentido do contrato realizado pelos homens para evitar a luta de todos contra todos (Hobbes), seja como renúncia ao egoísmo produzido pelo estado antinatural da civilização e conseqüente submissão à vontade geral (Rousseau). Spinoza vê o Estado como a comunidade de homens livres, aquela organização da sociedade que garante a liberdade de pensamento e da profissão da religião. Kant estabelece que o Estado deve estar constituído para a lei corresponder a uma organização estabelecida por pacto e contrato, seja qual for sua origem histórica. A filosofia romântica alemã identifica Estado e Nação, que é o lugar onde o espírito objetivo, superada a oposição entre a família e a sociedade civil, realiza-se plenamente (Saraiva. 1977).

Durante o século XIX, a discussão do Estado se movimenta na luta entre o individualismo e o coletivismo. No primeiro, ele é visto como o equilíbrio entre a tensão das vontades particulares; no segundo, é o equilíbrio resultante da eliminação destas vontades. Para o marxismo, o Estado representa o domínio de uma classe, estabelecendo-se seu desaparecimento através da abolição de classes, uma vez atingida a ditadura do proletariado (Saraiva. 1977).

Como pode ser observado, o Estado não tem sido visto de uma forma igual ao longo da história da humanidade. O homem tem considerado o Estado de acordo a sua percepção da realidade, através dos óculos que lhe permitem determinar a realidade de uma forma compreensível e representativa de seus valores e modos de entendimento. O Estado não tem constituído uma entidade monolítica que permanece incólume perante o tempo. Tem mudado de acordo com os valores morais e éticos do homem. Assim, se o homem enxergar a realidade de forma conflitiva, o Estado será o resultado de um processo conflitivo. Se o homem definir a realidade como um grande relógio, o Estado terá a sua própria essência imbuída do mecanismo do relógio para seu funcionamento. Se o progresso da sociedade for visto como resultado da luta de classes, o Estado surgirá como uma conseqüência dessa luta.

A consideração do Estado e a determinação do que ele representa perante à sociedade, pertence mais à esfera de como o homem o percebe do que realmente ele é. Assim, o Estado será o que o homem determina que ele deva ser.

De acordo com essas considerações, podemos estabelecer que o Estado pertence mais a um estado de consciência do homem do que a sua própria essência. Portanto, nós consideramos que o Estado é um estado de consciência. A forma como é percebido se relaciona à maneira como o homem enxerga, compreende e representa a realidade.

4.2- O ESTADO MODERNO E A MUDANÇA

O Estado Moderno surgiu como parte das aspirações de uma sociedade que começou a ver a realidade sob os paradigmas modernos. Assim, o homem moderno estabeleceu uma ordem que manifestasse a sua interpretação do universo, tal como ele o enxergava: racional, funcional, hierárquico, representativo e democrático.

Os paradigmas modernos econômicos e políticos vigentes (que induziram a aparição da economia de mercado e da democracia liberal), surgiram a partir dos valores presentes na consciência do homem moderno, que apareceram em um período histórico determinado (Polanyi. 1997). Mas não podemos evitar pensar na possibilidade de o homem ter mudado seu nível de consciência e continuar atrelado a uma série de parâmetros, paradigmas e instituições que se mostram inadequados a essa mudança. Por outro lado, os paradigmas vigentes não incentivam a mudança nem a evolução das instituições. Eles se autolegitimam e estabelecem uma ordem totalitária em suas bases internas, refutando as alternativas (Marcuse. 1973).

Mas, a evolução é um fenômeno espalhado por todos os cantos da natureza, e o ser humano dele faz parte. Portanto, mesmo que os paradigmas vigentes desincentivem a mudança, o homem e as criações que surjam de suas mãos (as instituições sociais e o Estado entre elas) têm a tendência natural de mudar. Mesmo que a ordem seja totalitária, se as pessoas mudarem (na sua visão de enxergar a realidade e nas suas aspirações), o sistema terá que mudar.

Assim, sendo o Estado uma das manifestações externas do estado interno dos cidadãos, se eles mudarem (seja na forma de perceber a realidade ou no seu nível de consciência), o Estado terá que mudar. Mas, como saber se as pessoas mudaram e/ou se as instituições estão constituindo um fardo pesado que deve ser trocado por uma carga mais leve e adequada ao passo do caminhante?

Um sinal pode ser percebido no sentimento de caducidade e de funcionamento defeituoso que o sistema pode estar apresentando mostrando a necessidade de uma mudança (Kuhn. 1996). Outro sinal pode ser o surgimento de um paradigma que seja mais pertinente que o paradigma vigente, explicando o que ele explica, e adicionalmente, explicando outras coisas, permitindo enxergar a realidade a partir de outra perspectiva[16]O quê nos leva a pensar que o Estado Moderno deve ser substituído por um Estado diferente?

O fato de permitirmos enxergar a realidade de uma forma diferente, como uma rede ao invés de como uma máquina, já nos permite questionar a ordem vigente. Se o Estado Moderno surgiu como parte de paradigmas baseados numa forma mecanicista de enxergar a realidade, e esses paradigmas forem substituídos por outros, será necessário revisar as instituições baseadas nos antigos paradigmas e aceitar a possibilidade de mudá-las ou substitui-las.

Por outro lado, o sentimento de caducidade do Estado Moderno está na ordem do dia das reformas destinadas a melhorá-lo. Continuamente surgem reformas dirigidas a melhorar o aparelho burocrático do Estado, mostrando a necessidade de mudança do estado atual das coisas. A presença de contínuas reformas destinadas a melhorar o funcionamento do Estado em diferentes países, demonstra que ele, tal como é conhecido hoje, não cobre as expectativas da sociedade. Mas, a essência burocrática do Estado permanece incólume perante a infinidade de reformas feitas no seio do seu aparelho.

Partes: 1, 2, 3, 4


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