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Algumas considerações a respeito do regime jurídico dos contratos bancários no ordenamento jurídico pátrio (página 3)


Assim, é bem verdade que existe a necessidade de se estabelecer limites aos juros compactuados de um modo geral (sobretudo nos encargos da mora contratual), mas, no ordenamento jurídico vigente tal limite não poderia ser o limite do artigo 192, § 3º da CF/1988, pois a jurisprudência, notadamente a do Pretório Excelso (neste sentido, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 04, publicada no D.O.U., em 25.06.93, págs. 12.637/38), encaminhou-se no sentido da não auto-aplicabilidade do dispositivo. Neste sentido, inclusive, desde há muito, seria de se destacar v.g., JTACSP 119/212; RT 663/166; 665/159; 677/127 e 679/119.

Em doutrina, de se destacar, por exemplo, a opinião de Celso Ribeiro Bastos, para quem:

"Na verdade a Constituição não regula o Sistema Financeiro Nacional. Limita-se a remeter a matéria para uma lei complementar. Isto é feito na cabeça do dispositivo (art. 192). Seus diversos incisos e parágrafos fixam os parâmetros fundamentais deste sistema. Citem-se exemplificadamente: ............IV - a imposição de uma taxa máxima aos juros reais, no montante de doze por cento ao ano." ( grifos nossos ) In "Curso de Direito Constitucional", pág. 363, 14ª edição, 1.992, Ed. Saraiva.

Percebe-se, portanto, que a norma constitucional não representa óbice à cobrança de juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano, enquanto não fosse regulamentada, o que sequer chegou a ocorrer, posto que a questão tornou-se bizantina diante do advento da Emenda Constitucional nº 40, que retirou, do texto do aludido artigo 192 da Constituição, o limite de 12% (doze por cento), em situação que reflete o reconhecimento, pelo Congresso Nacional, em sede de atividade constituinte, do acerto do entendimento do E. Pretório Excelso a respeito do tema.

Entendimento este que chegou a ser sumulado pelo referido Areópago, tamanha a reiteração (por sua súmula nº 648), tornando-se, agora, Súmula Vinculante do mesmo órgão jurisdicional.

Para argumentar, de se destacar que, pelas mesmas razões, entendo não haver que se falar em imperiosidade de aplicação da norma contida no artigo 173, § 4º da Constituição Federal no caso em exame, posto que o aplicador se depararia com a mesma dificuldade exposta acima, ou seja, o que seria "juro real", conceito a partir do qual se partiria para que se pudesse deduzir o "juro final", apurando-se o efetivo lucro da instituição financeira, decorrente daquela operação (e, por uma razão de simples lógica elementar, se não se chegar ao conceito de juro final não haverá como aferir-se o que seria, ou não, lucro do banqueiro – conceito eminentemente econômico ou extra-jurídico como fartamente demonstrado acima), de modo que não há, sem tal solução, como aferir se existe, ou não, lucro abusivo.

E não se tendo um parâmetro legal, fixo e delimitado acerca de tal conceito, que facilmente oscilaria ao sabor das inúmeras correntes ideológicas a respeito do tema, pareceria prematura, em que possam pesar doutos entendimentos em sentido contrário, qualquer ponderação acerca da possibilidade de poder alterar contratos bancários em curso pela via transversa do controle de seus lucros (o próprio § 4º do mencionado artigo 173 não fixa qualquer limite para os lucros da empresa, ora, se tal limite não é fixado, como também não se tem certeza acerca do que seria entendido como "juro real", temerária e arbitrária qualquer conjectura a respeito do tema).

Ainda no plano constitucional, insta destacar que, não obstante se tenha como ideais programáticos a proteção da dignidade da pessoa humana e a busca por princípios de justiça social e a defesa da livre iniciativa, por outro lado, nos termos do disposto no caput da norma contida no artigo 5º da mesma Carta Política, observa-se o respeito à segurança e ao patrimônio (este último, bem jurídico em destaque, defendido pela instituição requerida), o que autorizaria a aplicação do princípio da proporcionalidade, no caso vertente (em confronto normas constitucionais, ou seja, de mesma hierarquia, promulgadas na mesma data e todas programáticas, não se podendo reputá-las umas especiais em relação às outras).

Desta feita, melhor parece que, uma vez que todas implicam em ideais programáticos a serem alcançados, a melhor solução é a que conclui, de forma proporcional (é corrente a idéia de um princípio de proporcionalidade fundado na idéia da "lógica do razoável" cunhada por Celso Lafer a partir da análise de Hannah Arendt[26]que a questão se resolva pela aplicação de outra liberdade pública pertinente, igualmente assegurada (no mesmo artigo 5º, pelo óbvio), qual seja, o princípio da legalidade (ainda mais em tempos globalizados, com velocidade de informação e rápida capacidade de volatilização do capital disponível para empréstimos pareceria inócuo querer reduzir os juros sob a perspectiva de um humanismo utópico[27]com a devida licença aos que de forma pueril acreditem no contrário[28]

Aliás, como os princípios aludidos são amplos e genéricos, dependendo de uma análise estritamente ideológica (para um monge budista, por exemplo, qualquer contrato versando sobre bens corpóreos materiais seria uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, concepção que levaria ao caos negocial, com criação de perigoso precedente judicial – enquanto que para um capitalista workaholic isso seria a antevisão do nirvana), de se optar, em havendo colidência teórica, dependendo da matiz ideológica a ser empregada pela não ocorrência de qualquer inconstitucionalidade patente em relação a estes princípios (direcionados, ademais, ao Poder Público), resolvendo-se a questão pela estrita legalidade.

Ao contrário, a criação de precedentes anômalos, do ponto de vista econômico, com a expulsão das possibilidades de investimentos, pela nulidade sistemática e generalizada de todos os contratos deste tipo, no país, implicaria, isso sim, em flagrante ameaça à livre iniciativa (princípio garantido pela ordem constitucional), com sério risco para a população, de um modo geral, de fugas em massa de capital, para que, em médio e longo prazo se verifiquem crises recessivas com desemprego, desestruturação da economia, queda de desenvolvimento (com mais desemprego), redução de impostos (que devem reverter para o interesse geral e setores estratégicos como educação, saúde e segurança) e uma série de anomias daí decorrentes.

Do mesmo modo, o que se tem não é uma normatização anômala invocada por organismo disciplinador do crédito bancário, mas um contrato (não se pode pretender uma especialização que transforme um simples acordo de vontades em um ente transcendental deixando, em sua análise, de ser a expressão de um acordo de vontades), o qual encontra, ao menos num juízo a priori, dentro das cláusulas padrão que usualmente se encontram em contratos bancários, nas lides que tramitam nos Fóruns e Tribunais do país, em suas cláusulas, adequada sustentação legal.

Não se vislumbra qualquer ofensa, portanto, ao disposto na norma contida no artigo 25 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias ou mesmo violação aos artigos 48 e 68 da Magna Carta, eis que as taxas de juros estão disciplinadas por lei em sentido estrito, como se disporá adiante (ainda que sem a tipificação normativa – fora o caso das cédulas de crédito, em situações de adimplência, de um percentual máximo obrigatório como se dava com o revogado limite de doze por cento ao ano previsto no texto constitucional já alterado, como aduzido linhas atrás).

Não vislumbro, ainda, qualquer possibilidade de integração da vacatio legis deixada pelo já revogado artigo 192 CF/88, pelos consectários da chamada "Lei de Economia Popular" (Lei nº 1.521/51), vez que, conforme entendimento manso e pacífico do Pretório Excelso (veja-se a respeito o enunciado da Súmula nº 596), não se trata de legislação aplicável às relações envolvendo instituições financeiras, regidas por legislação própria, mas, apenas e tão somente aos particulares que poderiam ser tidos como agiotas nos termos da referida lei (o que tornou obsoletos os termos da Súmula nº 121 do mesmo preclaro Areópago em questão).

Isso porque, com efeito, não se pode olvidar que a norma contida no artigo 10º do Decreto 22.626/33, expressamente estabelece que é conduta vedada estipular, em quaisquer contratos, taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (e, para os menos avisados, o Código Civil em vigor estabelece uma taxa de juros legais em 12,0% ao ano), sendo certo que tal Decreto, ainda em vigor, como se demonstrará adiante (através de referência à jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça) traz de relevante, ainda, a proibição de contar juros sobre juros (artigo 4º), que seria o proibido anatocismo como asseverado acima, estabelecendo, ainda, a pena de nulidade para atos que contrariarem as suas disposições, assegurando-se ao devedor a repetição do que houver pago a mais (artigo 11), no entanto, como apontado acima, a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal aponta no sentido de que isso não se aplica aos contratos bancários, mas, apenas e tão somente aos contratos firmados entre pessoas que não sejam instituições de crédito regulamentadas pelo Poder Público, nos termos da Lei nº 4.595/64 (referida Súmula nº 596/STF).

No mesmo sentido, a chamada lei da economia popular (Lei nº 1.521/51), em seu artigo 4º, § 3º, alínea "b" comina a pena de nulidade às estipulações usurárias, estabelecendo que o Juiz tem o dever de afastar juros abusivos, ordenando a restituição da quantia paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido.

E, muito embora alguns pretendam alegar a revogação da Lei nº 1.521/51, notadamente no que tange ao fato de que não se aplicaria em seus aspectos criminais, ao contrato bancário, inegável que, em seus aspectos cíveis, a mesma muito se aproxima da disciplina prevista no Dec. Nº 22.626/33, o que, nesses termos, sofre as influências da referida Súmula nº 596/STF.

Assim, não havendo a revogação da legislação anterior, ainda vigentes sobre o tema o Decreto n° 22.626/33, com suas alterações posteriores e o artigo 253 do Código Comercial (quando ainda vigente acerca dos juros entre particulares, o que resta como aplicável num grande número de demandas, pelo princípio tempus regit actum e pelo princípio da irretroatividade das leis, obviamente no que tange aos contratos disciplinados antes da revogação deste dispositivo do Código Comercial[29]pelo atual Código Civil – Lei nº 10.406/02).

Ainda que assim não se entendesse, apenas por amor à dialética, visando o apego ao debate, poder-se-ia aduzir que o que seria vedado pela Lei da Usura (Dec. nº 22.626/33) e pelo artigo 253 do então Código Comercial seria o anatocismo, ou seja, a cobrança de juros sobre juros, o que não se confundiria com a capitalização de juros, comumente empregada em contratos bancários e que não fere a Constituição ante o aduzido acima, não obstante o caráter perverso que tal capitalização possa gerar (como demonstrado nos exemplos acima mencionados), sob a perspectiva de lesão, caso não seja adequadamente prevenido o espírito do consumidor acerca de sua utilização no contrato e como se deva corretamente utilizá-la escapando-se de seus efeitos deletérios, ante tudo quanto ponderado acima e nos outros itens do presente artigo.

E tanto é assim que a este respeito, conveniente citar a lição de Fran Martins, para quem:

"A lei não permite a cobrança de juros sobre juros, ou seja, o anatocismo (Código Comercial, art. 253; Dec. nº 22.626/33, art. 4º). Entretanto não está incluída na proibição a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. Igualmente, podem as partes convencionar que os juros devidos e não pagos sejam capitalizados, passando a ser cobrados juros a partir da capitalização, pois, no caso, o que realmente se verifica é o aumento do montante do capital emprestado com a importância dos juros vencidos."[30]

Ainda que assim não fosse, o enunciado da Súmula nº 596 do Pretório Excelso cristalizou o entendimento de que os dispositivos da Lei de Usura não podem ser aplicados às taxas de juros e aos encargos cobrados nas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional, isso porque, como sabido, tais operações de crédito se acham disciplinadas por normas especiais, quais sejam, as constantes da Lei n° 4.595/64, dentre outros diplomas especiais.

Desnecessário salientar que tal Súmula foi elaborada em momento bem posterior ao da publicação da vetusta Súmula nº 121 do mesmo Órgão, que trazia em si tese que poderia levar a entendimento em sentido contrário, eis que vedava o anatocismo.

Contudo, de forma a atenuar o rigorismo deste entendimento, que, sob o ponto de vista prático poderia levar ao reconhecimento de situações esdrúxulas, sempre em atendimento ao princípio da boa-fé que permeia as relações contratuais, passou a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça a disciplinar a possibilidade de capitalização de juros em sede de contratos bancários.

Com efeito, tal capitalização passou a ser admitida nos casos em que houvesse expressa permissão legislativa (podendo-se destacar, por exemplo, as orientações lançadas nos Decretos nº 167/67 e 413/69, bem como a Lei nº 6.840/80), o que ocorre nas cédulas de crédito comercial, industrial e rural, e (condição cumulativa), desde que expressamente avençado entre as partes (o que, insista-se, deve se dar de modo claro e expresso, notadamente em relação aos riscos em nome do princípio da boa-fé objetiva que deve permear os contratos de um modo geral, como aduzido em item anterior do presente artigo).

A reiteração, inclusive, de tal posicionamento levou à edição de outra Súmula a respeito do tema, sendo o que se observa pela transcrição da Súmula nº 93 daquele Colendo órgão (publicada no DJU 03.11.1.993), segundo a qual:

"A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros."

No mesmo sentido, v.g., destacam-se os seguintes Julgados: STJ - R. Esp. 13.098-GO (2ª S. 29.04.92 - DJU 22.06.92); R. Esp. 11.843-RS ( 3ª T. 13.04.92 - DJU 25.05.92); R. Esp. 20.599-PR (3ª T. 25.05.92 - DJU 03.08.92); R. Esp. 23.844-RS (3ª T. 01.09.92 - DJU 05.10.92); R. Esp. 26.646-RS (3ª T. 22.09.92 - DJU 13.10.92); R. Esp. 27.468-RS (3ª T. 10.11.92 - DJU 07.12.92); R. Esp. 24.241-RS(4ª T. 31.08.92 - DJU 05.10.92); R. Esp. 26.031-GO (4ª T. 13.10.92 - DJU 16.11.92) e R. Esp. 31.025-RS (4ª T. 17.02.93 - DJU 22.03.93), dentre inúmeros outros.

Corrobora, ainda, tal assertiva a jurisprudência cristalizada do E. Superior Tribunal de Justiça, cuja pertinência justifica a sua colação elucidativa:

"JUROS – CAPITALIZAÇAO – Persiste a vedação estabelecida na "Lei de Usura", salvo a contida em leis especiais." STJ – 3ª Turma – RE 5655 – 6- 1 – RS – Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 12.06.1.995, v.u.

Com igual teor:

"JUROS – CAPITALIZAÇAO – LEI DE USURA – Somente se admite a capitalização de juros havendo norma legal que excepcione a regra proibitória estabelecida no artigo 4º do Dec. 22.626/33 ( Lei de Usura ). Recurso conhecido e provido." STJ – 3ª Turma – Rel. Min. Costa Leite, j. 03.04.1.996, v.u. In Boletim AASP 1.945/26.

E, ainda:

"JUROS – CAPITALIZAÇAO – Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sdo revogado pela Lei nº 4.595/64 o artigo 4º do Decreto nº 22.626/33." STJ – 4ª Turma – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 12.02.1.996.

Neste sentido, pede-se vênia para destacar, a situação de tal orientação, ressalvando-se, no entanto, a existência de legislação posterior à Lei nº 4.595/64, que colida com a mesma, o que pareceria, ademais, intuitivo, por simples aplicação de princípios hermeneuticos acerca da lex posteriori (como se observa, por exemplo, em relação a cédulas de crédito, como asseverado acima, em que pode ocorrer a capitalização desde que pactuada, nos termos da legislação de regência, na forma simples e não composta – a menos que se lhes aplique alguma lei federal posterior, como por exemplo, questões referentes a contratos de cãmbio, alienação fiduciária, leasing, etc...):

"COMERCIAL – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL – JUROS – LIMITAÇAO 12% AA – LEI DE USURA DECRETO Nº 22.626/33 – INCIDÊNCIA APENAS QUANTO À SEGUNDA – LEI Nº 4.595/64 – DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR – AUSÊNCIA DE FIXAÇAO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL – CAPITALIZAÇAO MENSAL DOS JUROS – VEDAÇAO – SÚMULA Nº 121-STF – PACTUAÇAO EXPRESSA – SÚMULA Nº 596-STF – NAO INCIDÊNCIA EM RELAÇAO A CRÉDITO INDUSTRIAL – DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR – DECRETO-LEI Nº 413/69, ART. 5º – SÚMULA Nº 93-STJ – I – Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito bancário. II. Nesses mesmos contratos, ainda que expressamente pactuada, é vedada a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei. Incidência do art. 4º do Decreto n.º 22.626/33 e da Súmula nº 121-STF. III. Ao Conselho Monetário Nacional, segundo o art. 5º do Decreto-lei n.º 413/69, compete a fixação das taxas de juros aplicáveis aos títulos de crédito industrial. Omitindo-se o órgão no desempenho de tal mister, torna-se aplicável a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa legal 12% ao ano, afastada a incidência da Súmula nº. 596 do C. STF, porquanto se dirige à Lei nº. 4.595/64, ultrapassada, no particular, pelo diploma legal mais moderno e específico, de 1969. Precedentes do STJ............ Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido." (STJ – RESP 292591 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 25.06.2.001 – p. 00189) .

E, para que não se alegue tratar-se de entendimento jurisprudencial isolado daquele Colendo Tribunal, de se destacar, ainda a guisa de exemplificação, e sempre no mesmo sentido:

"JUROS – ANATOCISMO – A capitalização de juros é admitida apenas nas hipóteses reguladas em leis especiais, que a prevêem expressamente, tal sucede com as que cuidam das cédulas de crédito rural, comercial e industrial. A proibição do artigo 4º do Decreto nº 22.626/33 aplica-se também aos mútuos contratados com as instituições financeiras, não afetando aquele dispositivo a Lei nº 4.595/64." STJ – 3ª Turma – RE 4949-3-1- RS – Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 16.08.94, v.u.

De todo este exposto, conclui-se, sem maior dificuldade que a capitalização de juros se revela como permitida no direito brasileiro, desde que previamente convencionada e que exista legislação específica amparando tal cobrança, assim, com a devida vênia, mormente após o advento das Medidas Provisórias que disciplinam a questão (MP nº 2.170-36; 1.963-17, 2.087-27 e 2.170-34, dentre outras), tem-se que não mais existe a chamada vedação à capitalização em contratos bancários, eis que se tem um regime jurídico específico e diferenciado com base em situação admitida, como demonstrado acima, pelo E. Supremo Tribunal Federal.

Assim, também, tem sido decidido, de forma reiterada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendendo que existem medidas provisórias (mormente aquelas editadas após o advento da Emenda Constitucional que limitou a sua esfera de incidência), com eficácia de Leis Ordinárias, que autorizam a utilização de tal expediente, admitindo a capitalização de juros em questão, nos contratos bancários, ante a especificidade da questão bancária.

Mas, insista-se, não se pode perder de vistas que, como já aduzido, todo esse modo de interpretar juridicamente a questão não pode passar ao longe da questão no sentido de que, com o advento da chamada globalização econômica, a revolução tecnológica intensificou o curso das relações intersubjetivas, conferindo agilidade sem par a mecanismos econômicos, o que não deixou de ser muito perigoso, como alerta José Eduardo Faria em sua célebre obra a respeito do direito na economia globalizada[31]

Não é, portanto, desconhecido dos operadores do direito, que a chamada ciranda financeira criada no país, para garantir uma estabilidade fiscal e monetária fictícia, mantida e lastreada, por algum tempo, pela privatização, por alguns anos, acabou, por exemplo, mantendo a aposentadoria de funcionários públicos de Estados estrangeiros (recentes reportagens de revistas especializadas demonstraram que fundos de pensão de funcionários públicos do Estado da Califórnia investem no Brasil em virtude das altas taxas de juros então aqui aplicadas – e como isso é fato público e notório, eis que amplamente divulgado pelos meios de comunicação de massa, os chamados mass media, sequer precisaria ser provado em juízo, por simples dicção do artigo 334 e seus consectários do Código de Processo Civil), o que revela a dimensão do problema ora tratado, ao menos em relação a uma mínima faceta, mas de razoáveis proporções, o que revela uma prática tida economicamente correta numa economia dita neoliberal no entender de cientistas políticos como Norberto Bobbio.

Assim, como assevera Eros Roberto Grau[32]em sua obra a respeito da ordem econômica na Constituição Federal, fatores meta jurídicos, sobretudo de ordem econômica passaram a influenciar nosso quotidiano, levando a uma ordem profunda de reflexões a respeito das ingerências econômicas na ordem jurídica, não mais podendo, esta última ser vista como algo estanque, ou um objeto científico isolado, o que somente vem a reforçar as idéias lançadas no primeiro tópico do presente artigo, no que tange ao apontado por cientistas como Edgar Morin[33]que chegam a propugnar a idéia da necessidade de transposição paradigmática, passando a se conceber um paradigma de complexidade, caracterizado por uma interdisciplinariedade cada vez mais intensa, enquanto Celso Lafer[34]refere-se à necessidade de superação do paradigma jurídico então dominante (paradigma do direito natural), por algo mais dinâmico, ou seja, como proposto pelo jusfilósofo em questão, um paradigma da filosofia do direito, com contornos menos dogmáticos, logo mais zetéticos e difusos, em honra desta interdisciplinariedade e complexidade sociais.

Ademais, o Documento Técnico nº 319 do Banco Mundial, firmado por Maria Dakolias, não deixa de ser um alerta da preocupação com o fenômeno jurídico complexo a que se aludiu acima, posto que revela que certos prelados jurisdicionais setorializados apontam para dificuldades econômicas, que se repercutirão na concessão, ou não, de crédito ao mercado interno (quanto mais insegura ou morosa uma estrutura jurisdicional, maior o risco, o que elevará a taxa de juros interna, que não será nominal, como se exporá linhas abaixo).

Isso poderia explicar porque fatos recentes como o boom imobiliário americano acabam em implicar em recessão lá, e como isso, em questão de uma semana interfere na inflação, desemprego e taxa de juros do mundo todo, por complexos fatores econômicos, recomendando que juristas e operadores do direito não deixem de levar em conta os riscos de suas condutas, na elaboração de teses exegéticas.

Assim, com a devida licença, argumentações do gênero de que a interpretação da lei deva ser feita com vistas à melhor distribuição de rendas (papel, aliás, do governo federal e não do Poder Judiciário), ou evitar-se a pauperização dos consumidores, de um modo geral, não permitem o elastério que se busca alcançar, ante todo o exposto.

Isso porque, como consta do início do presente texto, acerca dos fatores interdisciplinares, se bancos e instituições de crédito mantém transações com bancos internacionais devem ter a competente autorização do BACEN ou de órgão ministerial congênere, nos termos das Medidas Provisórias que disciplinam a questão (e mesmo que se trate de negócios jurídicos distintos, os contratos entre os bancos nacionais e internacionais como aliás, assevera, de forma expressa, a norma contida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 857/69, o fato é que isso implica em situação de justa causa para a incidência dos juros nos montantes em questão, sob pena de dificuldades na obtenção de crédito em mercados estrangeiros – o que é questão, ademais, muito complexa como se observa pela chamada "bolha monetária" da economia norte-americana de 2.008).

No entanto, insista-se, tudo isso deve ser sintetizado, de forma clara, no contrato a ser firmado, eis que se tem o seu caráter consumerista, como igualmente asseverado linhas atrás, no início do presente texto, de modo que o consumidor deve ser informado a respeito da existência de juros remuneratórios do contrato, e que, se houver mora, a sua situação poderá ser ruinosa, pelo agravamento de tais encargos, sob pena de ruptura com a livre percepção acerca dos termos do contrato (em relações havidas entre grandes grupos econômicos, ou quanto intervierem advogados, pelo óbvio, isso será mitigado pela incidência do próprio brocardo ignorantia legis nemo excusat – expressamente acolhido pela norma contida no artigo 3º LICC, por razões óbvias – quem tem acesso a advogado não pode alegar que desconhecia a extensão do ajuste).

Mas, em se cuidando de consumidores pessoas físicas e hipossuficientes, sem prévia consulta a advogados, isso deve ser mitigado, eis que os mesmos tem inegável direito à informação adequada, como decorre do advento da norma contida no artigo 6º e seus consectários da Lei nº 8.078/90, o que resta como passível, se vulnerado, de ocasionar nulidades contratuais (artigos 51 e 54 e seus consectários do mesmo diploma consumerista).

Ou seja, a potencialidade de ruína econômica, com os efeitos devastadores da capitalização, devem restar ilustrados, de forma clara, na orientação ao se firmar o contrato, notadamente no que se refere aos casos de mora, sob pena de se ter a nulidade do contrato, não por vedação a cobrança de juros e encargos (foco que vem sendo explorado sem sucesso por filões da advocacia nos fóruns e Tribunais do país), mas de se ter a nulidade por conta de reservas mentais ao quanto ajustado, nos termos da legislação de regência.

Tanto assim que Julgados mais recentes do E. Superior Tribunal de Justiça tem admitido tal capitalização, sem abusos, ou seja, desde que a capitalização seja em periodicidade inferior a um ano, desde que não se cuide de contrato regulado por lei específica (por exemplo, como dito acima, contratos de câmbio).

Neste sentido, para que não se venha pretender aduzir que este entendimento seria isolado, de se pedir vênia para continuar a destacar trechos de tais Julgados, como, verbi gratia, o seguinte:

JUROS. CAPITALIZAÇAO. CC/2002. A MP n. 1.963-17/2000, republicada sob o n. 2.170-36/2001 (de garantida vigência em razão do art. 2º da EC n. 32/2001), é direcionada às operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, daí sua especificidade, a fazê-la prevalecer sob o novo Código Civil. Dessarte, depois de 31/3/2000, data em que entrou em vigor o art. 5º da referida MP, as instituições financeiras, se expressamente pactuado, fazem jus à capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual em contratos não regulados por lei específica, direito que não foi afastado pelo art. 591 do CC/2002, dispositivo aplicável aos contratos civis em geral. No caso, cuidou-se de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, firmado após a vigência do novo Código Civil. Precedentes citados: REsp 602.068-RS, DJ 21/3/2005; REsp 680.237-RS, DJ 15/3/2006; AgRg no REsp 714.510-RS, DJ 22/8/2005, e REsp 821.357-RS, DJ 23/8/2007. REsp 890.460-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 18/12/2007.

Tal posicionamento, inclusive, foi o adotado já sob a égide da chamada Lei dos Recursos Repetitivos (Lei nº 11.672/08), no que se refere a tal questão, como se pode observar por notícia veiculada em Notícias do Superior Tribunal de Justiça, disponível no site do referido Areópago, no sentido de que:

JUROS. CAPITALIZAÇAO. CC/2002. A Turma reiterou o entendimento tomado no julgamento do REsp 890.460-RS, nota constante deste mesmo Informativo. Na espécie, no que concerne à capitalização mensal dos juros, entende o Min. Relator que a matéria está a merecer reflexão mais aprofundada, diferentemente das matérias de enfrentamento corriqueiro nos órgãos julgadores deste Superior Tribunal. No caso, o acórdão recorrido preteriu o art. 5º da MP n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), com vigência a partir de 30/3/2000, ao art. 591 do novo Código Civil, que entrou em vigor em 11/1/2003, para estabelecer a periodicidade anual dessa parcela. A Lei n. 4.595/1964, que disciplina o Sistema Financeiro Nacional, com status de lei complementar, não aborda a questão da capitalização dos juros. Assim, o encargo desde há muito encontrava regulação no art. 4º da Lei de Usura, Decreto n. 22.626/1933 (Súm. n. 121-STF). No precedente decorrente do julgamento do REsp 680.237-RS, DJ 15/3/2006, alusivo aos juros remuneratórios, dois foram os fundamentos: o primeiro, de que a Lei n. 4.595/1964 possui caráter de lei complementar. O segundo, que contém disposições especiais de modo que prevalece, ainda que mais antiga, sobre a lei de caráter geral, inespecífica, do Sistema Financeiro Nacional, caso do Código Civil vigente. No que tange à MP n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), evidente que o primeiro fundamento não se aplica. Porém, entendeu o Min. Relator que o segundo sim, por se direcionar às "operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional", especificidade que a faz prevalente sobre o Código Civil atual, que não a revogou expressamente e não é com ele incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável aos contratos civis em geral (art. 2º, § 1º, da LICC). Na verdade, a hipótese é a do parágrafo 2º do art. 1º. Tem-se, assim, que a partir de 31/3/2000 é facultado às instituições financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n. 10.406/2002. Precedentes citados: REsp 890.460-RS, REsp 821.357-RS, DJ 1º/2/2008, e AgRg no REsp 714.510-RS, DJ 22/8/2005. REsp 906.054-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 7/2/2008.

Aliás, extremamente conveniente para a elucidação do tema, a forma como foi divulgada a questão da pacificação da questão, já em sede de incidência da chamada Lei de Recursos Repetitivos, inclusive pelo resumo da decisão, como se pode observar, pelo seguinte trecho, em relação ao REsp 1061530-RS, que resolveu a questão, tendo como Relatora a Min. Nancy Andrighi (3ª Turma), j. 22.10.2.008:

Após duas horas de intenso debate, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou a análise do recurso interposto pela União Brasileira de Bancos S/A (Unibanco) contra uma consumidora gaúcha no qual se discutiram temas relativos a contratos bancários. O recurso especial em julgamento foi levado à Seção seguindo a Lei n. 11.672/2008, a Lei dos Recursos Repetitivos, que entrou em vigor em agosto deste ano. O julgamento teve início no dia 8 deste mês e havia sido interrompido por pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão. Nesta primeira parte do julgamento, a Segunda Seção decidiu que somente seriam apreciados sob a ótica da nova Lei os temas que, no caso concreto, pudessem ser conhecidos pelo Tribunal. Antes de o ministro Luís Felipe Salomão manifestar seu posicionamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, inovou seu voto quando à questão do cabimento da comissão de permanência. Ela entendeu que seria possível conhecer do recurso quanto a este ponto, uma vez que o dissídio jurisprudencial era notório, mas negou provimento ao recurso do banco. No entanto, a maioria da Seção considerou que este ponto não deveria ser conhecido, pois não houve apontamento de norma legal violada, nem a comparação com julgados de outros tribunais. No caso em questão, a consumidora adquiriu uma motocicleta e financiou parte do valor em 36 parcelas de R$ 249. Ao perceber que não conseguiria arcar com as prestações, a consumidora entrou com uma ação revisional do contrato de financiamento. A ação chegou ao STJ por iniciativa do banco, inconformado com alguns pontos decididos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Confira o que foi decidido, ponto a ponto: Juros remuneratórios – ficou mantida a jurisprudência atual do STJ, no sentido da não limitação dos juros remuneratórios, a não ser em casos específicos, em que comprovada a abusividade, o que deve ficar a juízo das instâncias ordinárias, que avaliam caso a caso. No caso concreto, a Seção deu provimento ao recurso especial do banco, uma vez que os juros cobrados estavam abaixo da taxa média de mercado. Descaracterização da mora do devedor e possibilidade de inscrição em cadastros de inadimplentes – Os ministros acompanharam o voto da relatora, que segue o entendimento já pacificado da Segunda Seção. Caso tenham sido exigidos encargos abusivos na contratação (os chamados encargos do período da normalidade), a mora está descaracterizada. Por outro lado, o simples ajuizamento de ação revisional ou a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos, não afastam a caracterização da mora. Quanto aos cadastros de inadimplentes, a inscrição do nome do devedor só está vedada se, cumulativamente: a) houver interposição de ação revisional; b) as alegações do devedor se fundarem na aparência do bom direito e na jurisprudência do STJ ou do STF; c) for depositada a parcela incontroversa do débito. Reconhecimento de ofício sem que tenha havido o pedido para o Tribunal - a ministra Nancy Andrighi reconheceu a atuação "de ofício" dos tribunais locais em casos que, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), as cláusulas do contrato bancário forem consideradas abusivas. Foi acompanhada neste ponto pelo ministro Luís Felipe Salomão. Os demais ministros também divergiram da relatora neste ponto. Sustentaram que, em ações envolvendo contratos bancários, não podem juízes e tribunais conhecer a abusividade de cláusulas sem que haja pedido expresso do consumidor. Capitalização de juros (juros sobre juros) – a Seção acompanhou o entendimento da relatora neste ponto e não conheceu do recurso, uma vez que a capitalização dos juros não estava pactuada no contrato. Os temas relativos à capitalização dos juros e à comissão de permanência não puderam ser abordados sob a ótica da Lei dos Recursos Repetitivos, uma vez que a Seção decidiu que somente seriam apreciados os pontos que, no caso concreto, superassem o juízo de admissibilidade. Assim, outros processos que contenham tais temas deverão ser discutidos em oportunidade futura.

A regra, portanto, num ambiente de complexidade como o que vivemos no mundo atual, com seus influxos no ordenamento jurídico diante dos fatores mencionados acima, passa a ser a da não limitação dos juros em contratos bancários, desde que respeitados os parâmetros usuais do mercado, somente sendo possível a atuação do Poder Judiciário quando esta normalidade se evidenciar não observada (verbi gratia, num período em que, por exemplo, os bancos emprestem a cerca de quatro ou cinco por cento de juros ao mês, com capitalização, se alguma financeira empregar dez por cento, ou seja, o dobro, restará evidenciada a abusividade ou, sob tal perspectiva, a quebra desta normalidade – desde que, obviamente, não se cuide de situação de contrato disciplinado por lei específica que admita tal prática, como se dá, num exemplo corriqueiro, nos contratos de câmbio, em que oscilações de moeda entrarão na equação do problema).

OS ÍNDICES DE CORREÇAO MONETÁRIA NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

E, do mesmo modo, não se pode pretender a exclusão da incidência de índices de correção monetária de contratos deste jaez (sendo cediço que a correção monetária, no direito pátrio tem natureza jurídica diversa da dos juros não havendo que se falar, ao menos num juízo a priori, ou seja, sem que se leve em consideração figuras híbridas, de alguma situação de bis in idem), eis que, desde há muito, se encontra superado o princípio do nominalismo obrigacional preconizado por Clóvis Bevilácqua no Código Civil de 1.916 (pasme-se, a regra prevista em tal vetusto diploma jurídica que disciplinou a vida negocial por décadas, foi o referido nominalismo, ou seja, as obrigações seriam devidas por seu valor de face – em antítese a uma idéia de correção monetária, o que veio sendo alterado paulatinamente, por leis esparsas e índices como as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN"s e seus sucessores – OTN"s, BTN"s, IRSM, etc... com destaque para o fato de que o advento da Lei nº 8.177/91, criou a TR e a TRD, em substituição a esses vetustos índices, estabelecendo situação que vem sendo estabelecida como pacífica nos Tribunais pátrios, como se discorrerá linhas abaixo).

Discussão, ademais, de extremada relevância, sobretudo em virtude de insucessos de políticas econômicas do suposto gigantismo da economia nacional na Década de 1.970, no auge da repressão política do chamado "Governo Militar", em situação de forte escalada da inflação, com cortes sucessivos de "zeros" na moeda, tornando inaplicável um sistema de nominalismo jurídico (num contexto como este, ou seja, de ausência de correção monetária, o nominalismo obrigacional seria forte incentivo à mora, mormente no período em que se referia, de um modo geral, ao fenômeno inflacionário como "inflação galopante", num período em seriam comuns aplicações de curto prazo – overnight e open market – bastante conhecidas de quem tem mais de quarenta anos de idade).

Assim, como o ordenamento jurídico pátrio buscava, de modo contrário (até pelas exigências do bem comum a que se refere o advento da norma contida no artigo 5º LICC), desestimular moras, com incentivo à pontualidade, até mesmo para evitar o locupletamento ilícito (embora o enriquecimento sem causa somente tenha sido proibido, de forma expressa, pelo artigo 885 do Código Civil atual pois o Código Civil de 1.916, ou Código Bevilácqua se revela silente em relação a tanto – a doutrina e a jurisprudência veementemente vedavam tais situações) criou-se na jurisprudência nacional o entendimento de que "a correção monetária não pode ser considerada como gravame, pois apenas repõe as perdas inflacionárias alterando o valor numérico do débito, que permanece o mesmo." (In JTA 109/372).

Sobre a utilização de indexadores como fatores de correção monetária, evitando que a corrosão de valores funcionasse como verdadeira sanção premial para os devedores, numa função extralegal do instituto, de se destacar o seguinte pronunciamento de Tribunal bandeirante, acerca da questão:

"O recurso dos executados não vinga. Pois seu objeto é a exclusão, pura e simples, da correção monetária. Isso é inconcebível, dada a natureza da correção, que é mero instrumento de preservação do valor real do crédito...... Relativamente à Taxa Referencial de Juros ( TR ), são pertinentes as considerações que se seguem. A lei nº 6.899/81 impõe a correção monetária dos débitos judiciais. Houve a desindexação da economia, por força da Lei nº 8.177/91, ficando extinto o BTN, que era o indexador oficial. Mas a desindexação ocorreu apenas na letra da lei, continuando o mercado a praticá-la normalmente, diante da persistência da inflação. Então, para a observância da referida Lei 6.899/81, outro critério não se conseguiu adotar, se não o de aplicação da Taxa Referencial de Juros, que, embora, criada essencialmente com outra finalidade, presta-se perfeitamente como fator de correção monetária, por refletir a inflação. Esse fator (TR) é aplicado, aliás, para a correção de vários ativos financeiros, por determinação da própria lei, como se vê em seus arts. 5º, 9º e 25. Cabe observar, além disso, que o IPC do IBGE foi extinto pela Lei nº 8.177/91, com isso deixou de existir qualquer fator de correção, passível de aplicação prática, salvo a mencionada TR." In RT 729/200 ( v. acórdão do E. 1º TACSP ).

E, no tocante à tal atualização monetária, cabe aqui a lembrança de que a correção monetária não é pena imposta à parte, pois independe de ato seu, sendo apenas uma forma de reposição da moeda corroída pela inflação, aliás, como já acentuava Santo Tomaz de Aquino em sua "Summa Teológica" (JTACVSP 120/167).

A correção monetária, conforme é cediço, nada mais é que uma adaptação do valor para evitar perdas decorrentes da escalada inflacionária que assolou o País, não implicando em acréscimo não permitido em lei, aliás, entendimento diverso implicaria, insista-se, em verdadeiro enriquecimento sem causa dos devedores em geral, não importando o fato, sequer, de se tratar de crédito rural, vez que, conforme preceitua, desde há muito, a Súmula nº 16 do E. Superior Tribunal de Justiça:

"A legislação ordinária sobre crédito rural não veda a incidência de correção monetária." Referência: R. Esp. 2.665-MG ( 3ª T. 12.06.90 - DJU 13.08.90 ); R. Esp. 1.124-SP ( 4ª T. 21.11.89 - DJU 18.12.89); R. Esp. 2.122-MS ( 4ª T. 14.05.90 - DJU 11.06.90 ) R. Esp. 3.170-MG ( 4ª T. 07.08.90 - DJU 27.08.90 ).

Ainda neste sentido, o Julgado do Pretório Excelso, cujo teor passo a destacar, o que evidencia que a orientação em questão não se revela como isolada, em que possam pesar entendimentos em sentido contrário:

"CORREÇAO MONETÁRIA - CRÉDITO RURAL - INCIDÊNCIA - Ressalva constante do artigo 9º do Dec- Lei 167/67 e com ampla permissão contida no artigo 1º, "caput", da Lei nº 6.423/77. Aprisionamento, ademais, aos princípios do nominalismo, em período recente, de elevada inflação que acarretaria a injustiça de muitos serem penalizados, em benefício de poucos." STF - Rel. Min. Cláudio Santos - RT 677/229.

E a utilização de fatores de capitalização (acréscimos de juros sobre o montante inicial ao qual já se incorporaram juros anteriores) não se confunde com critérios de correção monetária, em face da flagrante diversidade dos institutos (os juros, a priori, tem natureza jurídica de remuneração do capitalista enquanto que a correção monetária tem natureza jurídica de fator de recomposição).

Tanto assim que, com relação à adoção da chamada "taxa referencial", ou, simplesmente, "TR", que sempre refletiu a inflação mais próxima da realidade, sem alterações e controle de índices fictícios como nos chamados índices oficiais, convém que se destaque que, desde há muito, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça vinha se inclinando no sentido de que inexistiria ilegalidade na sua cobrança, desde que expressamente convencionada pelas partes.

Neste sentido, v.g., o Julgado da época (publicado há mais de quinze anos), que peço vênia para transcrever, para exemplificar tal tratamento:

TR - ADOÇAO COMO FATOR DE CORREÇAO - Não há impedimento a sua utilização, quando assim convencionado. Hipótese em que estabelecido dever-se adotar o fator que viesse a ser usado para remuneração das cadernetas de poupança, que é exatamente a TR (Lei 8.177/91, artigo 12, I). (STJ - REsp 39.616 - 3ª T. - Rel. desig. Min. Eduardo Ribeiro - DJU 03.06.96)."

E tal tratamento não se revelava isolado, eis que, sobre o tema em comento, do mesmo modo se manifestavam outros órgãos jurisdicionais, como, ainda em sede de exemplificação, o fazia o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, como se observa por nova transcrição que peço vênia para destacar:

"REVISIONAL DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C DECLARATÓRIA, COM PEDIDO DE LIMINAR -- ANTECIPAÇAO DA TUTELA -- PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA REPELIDA -- EXEGESE DO ART. 458, DO CPC -- NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS V. G.: A QUE FIXA O ÍNDICE DE CORREÇAO MONETÁRIA COM BASE NA TR E A QUE ESTIPULA TAXA DE JUROS SUPERIOR A 12% -- CODECON -- INAPLICABILIDADE -- SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO MANTIDA -- DESPROVIMENTO DO RECURSO - "Não é nula a sentença por deficiência de seu relatório ou carência de fundamentação se da decisão consta o suficiente para o completo conhecimento da matéria em discussão. "O magistrado não está obrigado a examinar, perquirir e responder a todos os argumentos da parte - embora seja isto aconselhável - desde que tenha já encontrado motivo bastante para decidir" (RT vol. 615, pág. 148/153). "Tratando-se de contrato bancário, mesmo que denominado crédito rural, não se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor, mas a legislação bancária" (Ap. Cív. n. 47.753, de Mafra). "Não é vedada a utilização da TR como fator de atualização monetária, desde que assim convencionado no contrato" Ap. Cív. n. 96.005929-6, de Abelardo Luz). "A regra inscrita no art.192, §3º, da Carta Política - norma constitucional de eficácia limitada - constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado (STF)". ( grifos nossos ) TJSC - AC 96.010430-5 - 3ª C.C. - Rel. Des. Cláudio Barreto Dutra - J. 26.08.1997.

Ainda com este mesmo entendimento, de se consignar TJSC - AC 97.003510-1 - 3ª CC - Rel. Des. Eder Graef - j. 24.06.1997; TARS - AC 192.056.356 - 1ª CC - Rel. Juiz Juracy Vilela de Souza - j. 18.08.1992; TARS - AC 196.027.783 - 3ª CC - Rel. Juiz Aldo Ayres Torres - j. 19.06.196 - TARS - AC- 196.105.167 - 6ª CC - Rel. Juiz Armínio José Abreu Lima Rosa, j. 08.08.1996; TARS - AC 194.120.424 - 1ª CC - Rel. Juiz Heitor Assis Remonti - j. 23.08.1994; TARS - AC 195.186.143 - 9ª CC - Rel. Juiz Breno Moreira Mussi - j. 30.04.1996 (este último, aliás, versando, especificamente sobre cédula de crédito rural – mas todos eles demonstrando que há mais de década a questão já se encontrava pacificada, mas, mesmo assim, para quem labuta em ações deste jaez, nem por isso, quase uma década após o ano 2.000, os patronos dos devedores tem insistido em questionar tais práticas em ações revisionais e em embargos de devedor, em detrimento do tempo que cada magistrado e serventuário tem que dedicar a todos os outros tipos de processo que tramitam nos fóruns e Tribunais do país – e nem mesmo o estabelecimento de Súmula pelo E. Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema, parece ter resolvido o problema, não se tendo observado que a alegação tenha perdido o ânimo nas petições de ações análogas a respeito do tema).

Elucidativa, ainda, sobre o tema em comento, ou seja, a viabilidade da utilização da TR, ainda que em contratos de natureza bancária, a opinião do saudoso Theotônio Negrão, para quem:

"O STF no julgamento das ADIns 493, Rel. Min. Moreira Alves, 768, Rel. Min. Marco Aurélio, e 959 - DF, Rel. Min. Sydney Sanches, não excluiu do universo jurídico a Taxa Referencial, TR, vale dizer, não decidiu no sentido de que a TR não pode ser utilizada como índice de indexação. O que o Supremo Tribunal decidiu, nas referidas ADIns, é que a TR não pode ser imposta como índice de indexação em substituição a índices estipulados em contratos firmados anteriormente à Lei n° 8.177, de 1.3.91. Essa imposição violaria os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido"(RTJ 161/718)." In Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", p. 1.980, 35a edição, 2.003.

Questão elegante foi a superada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de impossibilidade de cumulação de correção monetária com a chamada comissão de permanência, mas, no entanto, como parece despontar de razões de singular obviedade franciscana, o que se veda, não é a incidência desta comissão, mas a cumulação de ambas, num mesmo período, o que seria vedado pelos termos da Súmula n° 30 do referido Areópago, por implicar em situação de bis in idem, duas formas de recomposição de valores numa mesma parcela (como sabido, ambos os índices teriam a finalidade de impedir a corrosão monetária até porque a comissão de permanência pode ser vista como uma indenização moratória (JTACSP 128/101 e RJ 151/74, dentre outros Julgados), o que gera o referido e vedado enriquecimento sem causa).

Mas, a cobrança isolada de um deles, ou mesmo que ambos sejam cobrados num mesmo contrato, de que não ocorra dupla incidência, num mesmo período, não implica no reconhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade (como já ponderado linhas atrás, o nominalismo obrigacional tornou-se letra morta, mesmo antes da edição do novo Código Civil), eis que, nessas condições, não se cuidaria, sob o prisma eminentemente técnico, de situação de enriquecimento sem causa (e o enriquecimento do banco, com causa, seria da essência do contrato de mútuo, oneroso na sua essência, diga-se en passant, não se podendo querer admitir a hipocrisia de se pretender torná-lo em contrato gratuito – da essência, aliás, da atividade bancária, a busca pelo lucro).

Do mesmo modo, nem tampouco se poderia pretender ressuscitar a orientação da vetusta Lei nº 6.988/81, que cuidava da questão da incidência da correção monetária nos débitos judiciais, o que se pretende obter em algumas ações revisionais, eis que, como é cediço, tal orientação, por gerar o referido enriquecimento sem causa e estimular a mora, tem sido afastada, de modo reiterado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que, acerca do tema, editou a sua Súmula de nº 43, afastando a possibilidade de se entender, aliás, a correção monetária como acréscimo, reafirmando sua natureza de fator apto a evitar a corrosão.

O REGRAMENTO DAS CHAMADAS "CLÁUSULAS-MANDATO" E A QUESTAO DA LESAO

Como tópico final deste breve estudo, seria de se ponderar a respeito de matéria intimamente ligada ao princípio da boa-fé objetiva, tal como asseverado em outro tópico, linhas acima, que seria a falta de juridicidade, ou mesmo de legalidade, nas estipulações lançadas em contratos bancários, no que tange às conhecidas "cláusula-mandato" e outras disposições congêneres de mesmo efeito prático.

Em relação a tanto, impende ponderar no sentido de que, desde há muito, o E. Superior Tribunal de Justiça vem repudiando, de forma veemente, a existência de cláusulas mandato, quando os interesses do mandante e do mandatário são colidentes, como se observa, em mais de um dos julgados daquele E. Areópago.

Neste sentido, de se ponderar, verbi gratia, o seguinte Julgado pertinente sobre o tema em comento, a evidenciar, como já exposto linhas acima, que a jurisprudência pátria, de forma lúcida, sem se esquecer de fatores extrajurídicos, vem buscando preservar a boa-fé objetiva contra expedientes pouco éticos (melhor dizendo, o que parece estar sendo buscado seria a preservação de uma ética eudaimônica, ou seja, mais voltada à nobreza de caráter, em sua acepção pura, do que uma ética utilitarista, de índole maquiavélica, na acepção técnica do termo):

"DIREITO CIVIL – CLÁUSULA MANDATO – NULIDADE – SÚMULA/STJ, VERBETE Nº 60 – PRECEDENTES – AGRAVO DESPROVIDO – É nula a cláusula mandato inserida em contrato de adesão em que o devedor autoriza o credor a sacar letras de câmbio representativas de qualquer das suas obrigações." (STJ – AgRg-AI 235112 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 08.03.2.000 – p. 126).

No mesmo sentido:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO DE ADESAO – CLÁUSULA- MANDATO – LETRA DE CAMBIO ACEITA POR MANDATÁRIO – EXCLUSIVO INTERESSE DO ESTIPULANTE – NULIDADE – PRECEDENTES – RECURSO PROVIDO – As letras de câmbio emitidas com base em contrato de adesão e aceitas por terceiro, no exclusivo interesse da estipulante, padecem de nulidade, sendo aplicável o princípio contido no Enunciado nº 60 da súmula/STJ." (STJ – REsp 138528 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira – DJU 28.06.1999 – p. 116).

Com igual teor:

CIVIL – NULIDADE – NOTA PROMISSÓRIA CONSTITUÍDA A PARTIR DE MANDATO INSERIDO EM CLÁUSULA – CONFLITO ENTRE OS INTERESSES DO REPRESENTANTE E DO REPRESENTADO – PRECEDENTES – Não tem validade a cambial emitida a partir de mandato outorgado pelo devedor, no bojo do contrato com titular de cartão, em favor da empresa credora. (É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste" – verbete nº 60 da Súmula desta Corte). Recurso conhecido e provido." (STJ – REsp 144.375 – SP – 4ª T. – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJU 03.11.1998 – p. 00148).

Por derradeiro, mas não menos importante:

DIREITO CAMBIAL – MANDATO PARA EMISSAO DE NOTA PROMISSÓRIA – INVALIDADE – É nula, a teor do artigo 115 do Código Civil, a cláusula contratual de outorga de mandato, pelo mutuário, a pessoa jurídica integrante do grupo econômico do mutante, a fim de emitir ou avalizar nota promissória em favor do mesmo mutante, por ser defesa a sujeição de uma das partes ao arbítrio da outra. A hipótese traduz um artifício para constituição, pelo próprio credor, de título executivo, fixando-lhe o valor e o momento da exigibilidade. Nulidade, em decorrência, da nota promissória emitida pela mandatária. (STJ – REsp 13.421 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Athos Carneiro – DJU 08.06.1.992)

Assim, não se poderia negar que, sempre que houver possível conflito de interesses no caso vertente, tem-se como patente o conflito de interesses entre o cliente, mormente consumidor hipossuficiente e a instituição de crédito (fornecedora como reconhecido por doutrina e jurisprudência, como já demonstrado no início do presente trabalho), isso já justificaria a interpretação e aplicação de tais prelados jurisprudenciais, tornando nulas pretensões fundadas em tais expedientes (isso contrariaria, até mesmo, o disposto no artigo 51 e seus consectários da Lei nº 8.078/90, no que se refere à falta de validade de expedientes contratuais que visem violar o arcabouço protetivo das relações de consumo).

Ou seja, muitas práticas bancárias, diante disso, acabam por não mais se prestar como válidas, como por exemplo, aquelas disposições contratuais que permitem ao banco, no caso de inadimplemento de uma prestação, por exemplo, de uma cédula de produtor rural, com juros fixos nos termos da legislação específica, ao seu talante, de forma manu militari, e extremamente lesiva ao suposto mandante (a autorização é nula como já destacado acima – artigos 422, 423 e 424, todos do Código Civil vigente) a considerar vencidas prestações que vencerão num futuro muito remoto, ou autorizem que o valor da prestação seja completado com o limite do cheque especial de uma conta corrente (com manifesta alteração dos juros e encargos, por força de tais mandatos nulos, nessas condições).

Tal questão, insista-se, muito se aproxima daquela já travada linhas acima, no que se refere ao regramento da dita boa-fé objetiva, e, ainda mais, implicam em matéria intimamente ligada ao exame do instituto da lesão, enquanto causa de nulidade dos atos jurídicos de um modo geral.

E o referido instituto material (lesão), não obstante conhecido no Direito Brasileiro, por ingerências da embrionária legislação portuguesa, acabou não sendo expressamente previsto pelo Código Civil de 1.916, o conhecido "Código Bevilácqua", mas tal falta de previsão, no período histórico de vigência de tal diploma, não impediu sua incidência na solução de inúmeros casos (na acepção de processo, ou cases como desponta no direito anglo-saxão, no sistema jurídico da Common Law), restando como situação jurídica aceita (o próprio advento da Constituição Federal de 1946, previu a possibilidade de sua aplicação nos contratos de compra e venda celebrados com erro, fraude ou simulação), por grande parte da doutrina de então (v.g., Roberto Senise Lisboa em "Contornos atuais da Teoria dos Contratos", págs. 49/74, 1ª edição, 1.993, Ed. Revista dos Tribunais), autor que, insista-se, encontrou as origens do instituo no antigo Direito Civil brasileiro (nas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas), havendo quem as detecte, inclusive, no Direito Romano.

Com isso, o instituto voltou a ser reconhecido, como já dito, em sede jurisprudencial, que ampliou a esfera de atuação do instituto para outros contratos comutativos (além da compra e venda como preconizado pela Constituição de 1.946), destacando-se, no entanto, que mesmo os adeptos da reconhecimento da lesão nesse período histórico, estabeleciam certos requisitos básicos para a sua aplicação.

O supramencionado autor (Roberto Senise Lisboa), ao lado a falta de equivalência das prestações em contrato comutativo, aponta o seguinte:

"Distingue-se a lesão do vício de consentimento, pois neste não se cogita de conclusão de negócio jurídico sob preemente necessidade ou inexperiência de uma das partes, entre outros fatores já salientados" ( op. cit. pág. 72 ).

Também De Plácido e Silva apontava a exigência de requisitos de ordem subjetiva para o reconhecimento da lesão:

"..... Desse modo, na linguagem do Direito Civil ou Comercial, lesão é prejuízo, é detrimento, é perda. É aplicado, particularmente, na técnica dos contratos comutativos, para designar o prejuízo sofrido por uma das partes, quando a prestação, que recebe, não possui equivalência daquela que foi por ela cumprida. Ocorre, em regra, nos contratos de compra e venda. E o prejuízo tanto pode ser de comprador, como do vendedor. Mas, a rigor, lesão somente advém se o contrato se fez sob erro, engano, simulação, ou fraude, em virtude do que a parte enganada ou prejudicada, emitiu seu consentimento. Dessa forma, mesmo que haja prejuízo, decorrente de um mau negócio, não há propriamente lesão, desde que não se evidenciou vício do consentimento............" (grifo nosso - In "Vocabulário Jurídico", Vol. III, pág. 76, 3ª edição, 1991, Ed. Forense).

Daí, como dito acima, quando se discorreu acerca da boa-fé objetiva, a necessidade de que o consumidor tenha compreendido, e bem, que se não se mantiver em dia com as suas obrigações, as conseqüências serão ruinosas, mormente porque, como regra, não se conseguirá impedir a capitalização como visto acima, de modo que se possa caracterizar tal situação de lesão (instituto que, de tanta insistência doutrinária e jurisprudencial, como asseverado nos parágrafos anteriores deste trabalho, tornou a ser previsto, de forma expressa, tanto pela Lei nº 8.078/90, como pelo Código Civil vigente, a Lei nº 10.406/02).

Sobre a questão, inclusive, pertinente a opinião de Arnaldo Rizatto, para quem, acerca do retorno do regramento expresso da lesão, no ordenamento jurídico pátrio, ponderou no sentido de que:

"Várias são as razões que justiçavam a necessidade do instituto da lesão, como proteção aos que se encontram em situação de inferioridade. Em determinados momentos, dadas certas premências materiais, a pessoa perde a noção do justo e do consentâneo com a realidade. É conduzida a praticar verdadeiros disparates econômicos. Evidentemente sua vontade está contaminada por uma pressão muito forte, não agindo livremente. O direito não pode caminhar divorciado dos princípios morais que imperam na sociedade e que norteiam as consciências a conceberem os relacionamentos dentro de um mínimo de decência e pudor econômico, sob pena de se converterem estes em instrumentos de pura especulação e destruição, ao invés de se tornarem fatores construtivos da riqueza nacional. Numa época em que a desigualdade econômica torna-se cada vez mais acentuada, apresenta-se de inestimável importância a reintrodução, em nosso direito, do instituto da lesão. A desproporcionalidade das prestações constitui um sintoma gritante da exploração de um contratante pelo outro, agravando as diferenças de níveis sociais. A odiosa exploração do próximo é contrária à moral, que ensina tratar os homens como irmãos. A justiça deve inspirar as intenções e reinar nos contratos. A obrigação de não prejudicar os outros é fundamento de responsabilidade civil. Op. Cit. Pág. 96.

Sobreleva concluir, então, que nos termos do diploma legal em alvitre a vantagem exagerada, desmedida, é expressamente vedada, mormente, insista-se, se houver falta de compreensão em relação a expedientes pouco éticos, como já aduzido, nos estritos termos preconizados pelo advento da Lei nº 8.078/90.

Tal diploma legal, ademais, acolheu os princípios supramencionados, surgiu de modo a espancar dúvidas que anteriormente remanesciam, possibilitando, de forma eficaz, a possibilidade de revisão dos contratos e do estabelecimento do equilíbrio entre as partes (artigos 2º, 3º, 6º, inciso V, 45, 47, 51 e 54, dentre outros do mesmo diploma legal – a Lei nº 8.078/90).

Neste sentido, já estabelece a norma contida no artigo 6º, inciso V do aludido diploma legal, que "são direitos básicos do consumidor: a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes" (e isso como já destacado acima, quando se cuidou do tópico referente à boa-fé objetiva, acaba reforçado pelo quanto destacado nos artigos 422 a 424 do Código Civil).

E, complementando tal orientação, o disposto no artigo 47 do mesmo Codex, que estabelece que "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor", enquanto que o artigo 51 da lei em comento, que prevê a nulidade de cláusulas contratuais iníquas e abusivas, tal como ocorre no caso vertente, diante de tudo quanto se ponderou acima.

Outrossim, é relevante assinalar o valioso alerta que o eminente jurista e professor Fábio Konder Comparato faz em relação ao descaso com que os juristas modernos, com raras e pontificantes exceções, tem para com o direito bancário, aduzindo que "às regulamentações da técnica, nem sempre justificáveis à luz dos princípios jurídicos e freqüentemente alheias às preocupações de proteção ao interesse do contratante não banqueiro"

No mesmo diapasão, vem decidindo nossos Tribunais:

"Na omissão do legislador , em estabelecer regras equânimes sobre a matéria, a jurisprudência se perde, literalmente, nas especiosidades terminológicas ou instrumentos contratuais, para julgar de acordo com a aparente ortodoxia das autoridades monetárias ou presumida competência dos operadores de banco." In RT 575/54.

 

Autor:

Msc. Júlio César Ballerini Silva

carolinaatbs[arroba]hotmail.com

MAGISTRADO E PROFESSOR

(GRADUAÇAO, PÓS-GRADUAÇAO E DO CURSO PREPARATÓRIO LFG)


[1] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, Brasil, 1.991.

[2] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, Brasil 1.988.

[3] ROBERTS, J. M. O livro de Ouro da História do Mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, Brasil, 2.001, p. 100.

[4] GILLISEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Calouste Gubenkian, Portugal, 1.987, p.67.

[5] FERRAZ JR.. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, Brasil 1.988.

[6] Como fartamente destacado pelos meios de comunicação de massa, os mass media, e cita-se, aí, como exemplo, uma série de artigos de autoria de Diogo Mainardi, na Revista Veja, a evidenciar como esses lobbies ou grupos de pressão atuam, algumas vezes, de modo indevido e prejudicial ao Estado Democrático de Direito - dados, aliás, que não podem ser colocados á margem, numa análise do papel do ordenamento jurídico neste novo modelo paradigmático.

[7] MONTESQUIEU. As Causas da Grandeza dos Romanos e de sua decadência. São Paulo: Saraiva, Brasil, 1.995.

[8] Em tradução literal e livre deste autor Na atual crise de valores, o mundo pede aos juristas novas idéias e não interpretações sutis. é necessário, portanto, reexaminar os conceitos fundamentais.

[9] ASCARELLI, Tullio. APUD GALGANO, Francesco. Historia del Derecho Mercantil. Barcelona: Ed. Laia, 1.987, Espanha, p. 9.

[10] Op. cit., p. 143.

[11] GREGORI, Maria Stella, APUD NERY JR., Nelson, Planos de Saúde - a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, Brasil, 2.007, p. 89.

[12] EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos bancários á luz do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, Brasil, 1.999, p. 107.

[13] A Lei nº 11.382/06 não alterou tal situação, sendo certo que a redação do artigo 734 do Código de Processo Civil autoriza, mesmo, os descontos em folha de pagamento.

[14] Segundo Cibele Pinheiro Maçal Cruz e Tucci, "a boa-fé objetiva constitui um princípio geral, aplicável ao direito das obrigações, através do qual se produz nova delimitação do conteúdo objetivo do negócio jurídico, especialmente o contrato, mediante inserção de deveres e obrigações acessórias, ou produzindo a restrição de direitos subjetivos, ou ainda através da aplicação de método hermenêutico integrativo, para interpretação da declaração de vontade, sempre com vistas a ajustar a ralação jurídica á função econômico-social determinável no caso concreto."

[15] Maria Helena Diniz, discorre no sentido de que segundo o princípio da boa-fé, "na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais á intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contato."

[16] O artigo 422 do CC, estabelece, como já destacado, que: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução , os princípios de probidade e boa-fé."

[17] Silvio de Salvo Venosa explana, inclusive, no sentido de que: "tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade pós-obrigacional), a boa-fé objetiva é fator basilar de interpretação. Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual. Em todas essas situações sobreleva-se a atividade do juiz na aplicação do direito ao caso concreto. Caberá á jurisprudência definir o alcance da norma dita aberta do novo diploma civil, como aliás, já vinha fazendo como regra, ainda que não seja mencionado expressamente o princípio da boa-fé nos julgados. é no campo da responsabilidade pré-contratual que avulta a importância do princípio da boa-fé objetiva, especialmente na hipótese de não justificada conclusão dos contratos."

[18] Silvio de Salvo Venosa expõe a esse respeito, no sentido de que "desse modo, sob o prisma do novo código, há três funções nítidas no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (artigo 112); função de controle dos limites do exercício de um direito (artigo 186) e função de integração do negócio jurídico (artigo 421) ."

[19] GASPARIAN, Fernando. A Luta contra a Usura. Ed. Graal.

[20] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 8ª ed., 1992, p. 703/704.

[21] SCHUMPETER, Joseph Alois. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, Brasil, 1.988, p. 109.

[22] GASTALDI, J. Petreli. Elementos de Economia Política, 13ª edição, São Paulo: Saraiva, Brasil, 1.987, p. 378.

[23] KLEINWACHTER, APUD GALTALDI, J. Petreli., op. cit., p. 378/379.

[24] SCHUMPETER, Joseph Alois. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, Brasil, 1.988, p. 120.

[25] ALMEIDA, Nelson Teixeira de.APUD BAPTISTA, André Zanetti. Juros, Taxas e Capitalização - Uma visão Jurídica. São Paulo: Saraiva, Brasil, 2.008, p. IX-X.

[26] PETTY, William. Obras Econômicas - Tratado dos Impostos e Contribuições. São Paulo: nova Cultural, Brasil, 1.988, p. 35.

[27] SCHUMPETER, Joseph Alois.op.cit., p. 121.

[28] SMITH, Adam. A riqueza das Nações, Volume I, São Paulo: Nova Cultural, Brasil, 1.988, pp. 267/268.

[29] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, Brasil, 2.007.

[30] GALGANO, Francesco., op. cit., p. 11/12.

[31] Op. cit.

[32] Não se desconhece que o jurista viva o eterno dilema entre tornar o ordenamento jurídico justo ou seguro, sendo certo que, quanto mais se inclina a balança para o ideal do justo (que varia de pessoa para pessoa), mais afastada está a segurança (o casuísmo impõe soluções diferenciadas para cada pessoa, quando se visa atingir a Justiça). Mas, nesse universo globalizado e de volatização rápida de capitais disponíveis (a chamada "bolha monetária" da crise no mercado americano deu uma idéia da dimensão do problema), o fato segurança parece ser o mais adequado, pela prudência que o momento exige (ainda que se tenha que buscar atingir um equilíbrio, evitando-se excessos, como parece ser de singular obviedade franciscana).

[33] Por mais utilitarista e menos eudaimônico que isso possa parecer.

[34] E, por incrível que possa parecer, o vetusto Código Comercial de 1.850, promulgado ainda no Império, não obstante tenha sido parcialmente derrogado pelo advento do atual Código Civil de 2.002, ainda continua vigente, em grande parte, para disciplinar o chamado direito marítimo.

Partes: 1, 2, 3


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