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Algumas considerações a respeito do regime jurídico dos contratos bancários no ordenamento jurídico pátrio

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Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo (o que se tem revelado como óbvio numa concepção geopolítica, não se podendo, ainda, deixar de atentar para fatores como o financiamento regular, ou irregular[6]de campanhas eleitorais, atuação lícita e ilícita de lobbies, enquanto grupos de pressão acerca de interesses que possam estar em jogo, etc...).

Tal discussão se torna muito evidente e atual, num mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida, por veículos como a internet e a própria mídia, de um modo geral, observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal (como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo, econômicas ?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de "dizer o direito", de forma imparcial).

Aliás, autores como Montesquieu[7]explicam, sob um prisma histórico, que o Poder Judiciário se revela como um poder criado para suportar os desgastes das mazelas do poder, esclarecendo de forma simples, que se cuida de um poder criado para evitar o desgaste do soberano nas questões políticas polêmicas (pondera no sentido de que o poder de dizer o que é certo e o que é errado dentro de um Estado se revela como o maior poder de um Estado, posto que, quem o detém, pode-se dizer sempre como correto).

Assim, verifica-se que somente fatores muito candentes teriam levado os detentores do poder a não concentrar tal poder para si (resta como tentador dizer-se sempre certo, nunca estando errado) e isso se revela no fato de que, psicologicamente, ninguém gosta de estar errado (as pessoas dificilmente aceitam que lhes digam que estão erradas, optando por acreditar que foram vítimas de injustiça num julgamento a reconhecer as próprias falhas), o que significa que não se revela como raro que o julgador acabe por sempre se indispor com um dos pólos da relação (quando não com ambos), o que explica que a função de dizer o certo e o errado seja extremamente desgastante para quem a detém.

Daí a necessidade do soberano de atribuir a um terceiro tal função, para que este se desgaste politicamente com o fato de tal ou qual decisão, revelando a importância da liberdade do Julgador, que deve ser independente para tal mister, sob pena de se convolar em mero repetidor do soberano, isentando-o da responsabilidade política por seus atos.

Tais variáveis são postas em conflito, de forma candente, na questão que se delineia no presente momento, com a discussão das ações versando sobre a possibilidade de cobranças de inúmeros encargos, analisando-se a regularidade, ou não, de certas práticas nestes tipos de contratos bancários, que impliquem em relações de consumo, quando se verificar a mora do consumidor hipossuficiente (até porque normalmente são invocadas antinomias aparentes de normas, com regimes jurídicos diversos, como se exporá adiante), o que se tem se verificado num sem número de demandas análogas versando sobre tal tema, que tem abarrotado os fóruns do país (como se verifica, aliás, de forma sintomática, pela análise do grande número de Julgados sobre o assunto), o que recomenda, aliás, que às mais das vezes, se tenha que recorrer a um exame sob a perspectiva do princípio da proporcionalidade.

Não se olvide, inclusive, quanto às dificuldades suscitadas neste ambiente de complexidade, e, muitas vezes, de crises de valores, da lição de Tullio Ascarelli no sentido de que[8]"en la actual crisis de valores, el mundo pide a los juristas nuevas ideas y no sutiles interpretaciones: es necesario, por tanto, reexaminar los conceptos fundamentales.[9]

CRÉDITO COMO BEM DE CONSUMO - A INCIDÊNCIA DA LEI Nº 8.078/90

E como dito, linhas atrás, não é desconhecido de qualquer operador do direito, na sua acepção ampla, a existência de um sem número de demandas análogas questionando a natureza do contrato bancário, buscando inseri-lo num universo próprio, afastado das demais relações de consumo, como se fosse possível lhe atribuir um regime jurídico próprio, dissociado das demais relações de consumo.

Tal questão não é nova, e, praticamente, desde o advento da entrada em vigor do referido estatuto consumerista (a mencionada Lei nº 8.078/90), já existiam acalorados debates doutrinários acerca de tal tema, inclusive, havendo opiniões consagradas, no sentido de que se deveria analisar tais questões casuisticamente, verificando a natureza do uso que se daria ao numerário liberado pelo contrato.

Sobre o tema, com essa posição, se manifestava Cláudia Lima Marques, afastando a incidência da legislação protetiva do consumidor (Lei nº 8.078/90) da esfera da integralidade dos contratos de empréstimo bancário (eis que, no seu então entender acerca da questão, cada caso deveria ser analisado individualmente, não se tratando de disposição automática), como se observa pela transcrição do seguinte trecho de sua obra:

"Resta saber se o consumidor é o co-contratante no contrato em exame. Já observamos que a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimentos que firmar com bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica..... Neste sentido, podemos concluir que os contratos entre o Banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos Bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais. Para caracterizar estes contratos como contratos de consumo ou não o fator decisivo não é a existência de uma lei especial ( por exemplo, Lei do Mercado de Capitais), que regule o contrato bancário, decisiva é a presença de um consumidor ou de um profissional-vulnerável, que possa também ser equiparado ao consumidor, em matéria de proteção contratual." (grifos nossos) In "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", Vol. I, págs. 141/142, 2ª edição, 1995, Ed. Revista dos Tribunais.

Ainda sobre o tema, com a mesma opinião, de se destacar a lição de Toshio Mukai, para quem:

"Observe-se, por outro lado, que, entretanto, a pessoa jurídica só é considerada consumidor, pela Lei, quando adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final, não assim, quando o faça na condição de empresário de bens e serviços com a finalidade de intermediação ou mesmo como insumos ou matérias-primas para a transformação ou aperfeiçoamento com fins lucrativos (com o fim de integrá-los em processo de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros)." In "Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor", pág. 6, 1ª edição, 1991, Ed. Saraiva.

Aliás, sempre a devida licença, tal entendimento poderia gerar, no plano fático, situações de exacerbada injustiça, posto que o numerário empregado em atividades agro-mercantis, verbi gratia, gerando impostos e empregos, aquecendo a economia e desenvolvendo o país, seriam, sob tal ótica, vistos como relações comerciais não regidas pelo arcabouço protetivo das relações de consumo (dado o caráter empresarial da empreita) enquanto que o dinheiro tomado por empréstimo para aquisição de bens de consumo, por mero deleite, estariam abrangidos por tal proteção, sem, no entanto, uma repercussão tão candente em prol do interesse público, como no caso do exemplo anterior (e o advento da norma contida no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil exige que se faça um juízo exegético visando atingir as exigências do bem comum e os fins sociais a que a lei se destina, ou seja, a mens legis, ou, como queiram, a mens legislationes).

E, do mesmo modo, assim se manifestava o saudoso Miguel Reale acerca deste mesmo tema, qual seja, a necessidade de busca deste real espírito motivador da normativização da questão (In Teoria do Direito e Do Estado, São Paulo, 1.984, pp. 320/321):

"O Estado deve sempre ter em vista o interesse geral dos súditos, deve ser sempre uma síntese dos interesses tanto dos indivíduos como dos grupos particulares ....." e "......se considerarmos, por exemplo, os vários grupos organizados para a produção e circulação das riquezas, necessário é reconhecer que o Estado não se confunde, nem pode se confundir, com nenhum deles, em particular, porquanto cabe ao governo decidir segundo o bem comum, o qual, nessa hipótese, se identifica como o interesse geral dos consumidores....", finalizando, pondera que "..... a autoridade do Estado deve manifestar-se no sentido da generalidade daqueles interesses, representando a totalidade do povo".

Tanto assim que, com o fluir das décadas de vigência do referido estatuto consumerista, o entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito de tal tema passou a se alterar, admitindo-se que as instituições financeiras, de um modo geral, devam ser tidas como fornecedoras, nos termos da norma contida no § 3º, artigo 3º do CDC.

E, ainda mais, conforme pondera a arguta manifestação de José Geraldo Brito Filomeno, na sua célebre obra a respeito do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto, para que se configure uma relação consumerista é necessária presença dos seguintes pressupostos:

""Pode-se inferir que toda relação de consumo: a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço (consumidor), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços".

E, esses requisitos acabam, inequivocamente, por se fazer presentes, na generalidade dos contratos de mútuo bancário, em que a instituição de crédito disponibiliza o crédito para que o consumidor satisfaça uma sua necessidade, não dispondo o consumidor do controle desses serviços que lhe são destinados (às mais das vezes realizados pelos então existentes contratos por adesão mencionados, ademais, pela então redação do artigo 54 e seus consectários da Lei nº 8.078/90), o que levou a jurisprudência pacífica dos Tribunais pátrios a reconhecer tais contratos como relações jurídicas de consumo, de modo que, inclusive, para elucidar tal posicionamento, peço, ainda, vênia para transcrever o seguinte trecho, do julgado abaixo colacionado:

"PROCESSUAL CIVIL – AÇAO MONITÓRIA – EMBARGOS – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – INVERSAO DO ONUS DA PROVA – APLICAÇAO DO CDC – 1. O benefício da assistência judiciária pode ser concedido a qualquer tempo, em qualquer instância ou tribunal, independentemente da fase processual em que se encontre o feito, sendo suficiente mero requerimento da parte, declarando a impossibilidade de arcar com as custas judiciais e os honorários advocatícios, sem prejuízo próprio ou de sua família. 2. Cabível a inversão do ônus da prova, na esteira de disposição do Código de Defesa do Consumidor, que, em seu art. 3º, § 2º, inclui expressamente a atividade bancária no conceito de serviço. 3. Agravo desprovido. (TRF 1ª R. – AG 01000050298 – MG – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro – DJU 02.02.2004 – p. 60).

E, ainda a revelar este mesmo entendimento, de se continuar a pedir vênia para destacar:

"RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS – CEF – I- O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, 2º, inclui expressamente a atividade bancária no conceito de serviço, daí inferindo- se que a responsabilidade da instituição bancária é objetiva, como assim dispõe o seu art. 14, dispensando o usuário de produzir a prova da culpa do banco, em caso de falha na prestação do serviço. II- O dano moral configurado nessa demanda decorre do constrangimento e da angústia experimentados pelo autor ao constatar uma série de erros cometidos pela instituição financeira quanto a débito indevidamente efetuado em sua conta corrente e que resultaram na inclusão de seu nome no Cadastro de Emitentes de Cheques Sem Fundos, do Banco Central do Brasil, bem como a verdadeira "via crucis"a que se submeteu para reparar o engano a que não deu causa. III- Cabe ao juiz determinar o valor da quantia justa, respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evitando o enriquecimento sem causa. IV -Apelação improvida. (TRF 2ª R. – AC 98.02.31392-0 – 3ª T. – Relª Desª Fed. Tania Heine – DJU 12.05.2004 – p. 200).

Com o mesmo entendimento, de se destacar, ainda à guisa de exemplificação, o seguinte Julgado:

"PRESTAÇAO DE SERVIÇOS – Contrato de empréstimo bancário. Relação de consumo caracterizada. Incidência dos arts. 2º e 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90. Capitalização de juros. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Súmula 121 do e. Supremo Tribunal Federal não revogada pela súmula 596 da mesma e. Corte. Capitalização admitida somente anualmente (cód. Coml., art. 253, cód. Civil vigente art. 591, parte final, e art. 4º, parte final, do decreto 22.626/33). Violação, no caso, do disposto no art. 52, II, do CODECON. Incidência, na hipótese, somente de correção monetária pela tabela prática do e. Tribunal de justiça de São Paulo e juros simples, lineares, de 0,5% ao mês. Ação procedente nesse ponto. Multa moratória. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Exigência da multa no percentual de 2%. Ilegalidade não configurada (CODECON, art. 52, § 2º. Juros remuneratórios. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Pretensão de limitação destes á taxa de 12% ao ano. Descabimento no caso. Taxas destes liberadas para os bancos (súmula 596 do e. STF). Art. 192, § 3º, da Constituição Federal, considerado não ser auto-aplicável (ADIN nº 4). Dispositivo constitucional que, ademais, já foi revogado (Emenda Constitucional nº 40, de 29.05.2003). Ação improcedente nesse ponto. Comissão de permanência. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Cumulação desta com correção monetária. Descabimento. Súmula 30 do e. Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade, também de sua exigência à maior taxa cobrada pelo banco. Disposição contratual nula de pleno direito, por ser potestativa (cód. Civil de 1916, artigos 115, 145, V, e 146, parágrafo único, e artigos 122, 166. VII, e 168, parágrafo único, do cód. Civil vigente). Fixação da mesma sem qualquer participação da conta de do devedor. Determinação de substituição da comissão de permanência pela correção monetária da tabela prática do E. Tribunal de justiça do Estado de São Paulo. Nulidade desta cláusula também declarada. Ação procedente nesse ponto. Juros moratórios. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Exigência destes à taxa de 1% ao mês. Legalidade no caso. Incidência destes que, contudo, cabe ser feita sobre o valor corrigido de cada parcela do principal do empréstimo, de forma simples, sem capitalização. Ação procedente em parte. Recurso provido em parte para esse fim. (1º TACSP – AP-Sum 1097347-4 – São Paulo – 4ª C. – Rel. Juiz Oséas Davi Viana – J. 03.03.2004).

Não se poderia, ainda, olvidar do seguinte Julgado do E. Superior Tribunal de Justiça ( 2a Seção, Recurso Especial nº 106.888/PR, Rel. ministro Cesar Asfor Rocha), que afastou, por completo, alegações sobre a não aplicabilidade do CDC, até mesmo em relação às cadernetas de poupança, como a seguir exposto:

"O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) é aplicável aos contratos firmados entre as instituições financeiras e seus clientes referentes à caderneta de poupança. –Presente o interesse social pela dimensão do dano e sendo relevante o bem jurídico a ser protegido. Como na hipótese, pode o juiz dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano, da associação autora da ação, de que trata o inc. III do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que cuida da defesa coletiva só interesses ou direitos individuais homogêneos".

Tanto isso se deu que a própria supramencionada Cláudia Lima Marques, arrematou em trecho posterior da mesma obra mencionada acima, ponderando no sentido de que:

"Apesar das posições contrárias iniciais, e com o apoio da doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao espírito do CDC, de boa-fé obrigatória e equilíbrio contratual. Como mostra da atuação do Judiciário, não se furtando a exercer o controle do conteúdo destes importantes contratos de massa."[10]

Como mero argumento de reforço, mas sempre visando atingir o convencimento dos Magistrados em geral, poder-se-ia aduzir que o II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, inclusive, assentou como princípio que: "O crédito e a poupança popular integram o conceito de serviço nos termos do artigo 3º, § 2º do CDC."

Assim, por todos os ângulos que se analise a poliédrica questão trazida à cognição, dúvida não há no sentido de que a contratações nesses casos devam ser efetivamente entendidas como disciplinadas pelos termos da Lei nº 8.078/90, mas isso, insista-se, não implica em dizer que toda contratação havida, nessas condições, seja nula como um todo ou por si só, eis que, como parece ser de singular obviedade franciscana, o Magistrado deve analisar, caso a caso, se houve, ou não, comutatividade contratual e burla ao arcabouço jurídico pátrio, verificando-se, ademais, que sobre tais questões (disponibilização de crédito), existem inúmeros fatores interdisciplinares a nortear a aplicação do direito ao caso concreto, como destacado no início da presente preleção.

E nem seriam admissíveis tentativas de se criar, por lei ordinária, outros diplomas hierárquicos para dispor sobre setores particularizados das relações de consumo (ou seja, como já afastado pelo E. Supremo Tribunal Federal, em exame de ação direta de constitucionalidade, códigos de consumidores em contratos bancários) eis que seria de se ponderar no sentido de que, mesmo em nível infraconstitucional, o que se tem é que o CDC (Lei nº 8.078/90) deve ser tido como norma de orientação principiológica a respeito da matéria de proteção aos consumidores em geral, com primazia sobre qualquer outro diploma de mesma hierarquia, eis que especial em relação de consumo (lex specialis derrogat generalis).

Nesse sentido, inclusive, parece indispensável, para a melhor compreensão, que se destaque a opinião literal a esse respeito, sintetizada, deste modo, por Nelson Nery Jr., que o aponta o seguinte, com precisão acerca da questão, lançando verdadeira "pá de cal", se for permitida a metáfora, a esse respeito:

"... o microssistema do direito das relações de consumo será sempre regido, de forma principal e geral, pela lei especial que o criou, vale dizer, pelo Código de Defesa do Consumidor. ... O Código de Defesa do Consumidor, por outro lado, é lei principiológica. Não é analítica, mas sintética. Nem seria de boa técnica legislativa aprovar-se lei de relações de consumo que regulamentasse cada divisão do setor produtivo (automóveis, cosméticos, eletroeletrônicos, vestuário, etc.). Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo. É isso que significa ser uma lei princípiológica. Todas as demais que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do Consumidor. Assim, sobrevindo lei que regule, v.g.; transporte aéreo, deve obedecer aos princípios gerais estabelecidos no CDC ...."[11]

Dúvida não parece haver, portanto, no que tange à necessidade de se aplicar aos contratos bancários o regime protetivo das relações de consumo, mas, insista-se, isso não implica em dizer que todo o tipo de inserção de cláusula contratual seja nula, simplesmente, por ser desvantajosa para o consumidor (que, num momento a priori, como se exporá adiante, deve compreender, até porque assiste televisão, que se insere num sistema global sujeito às variações do volume de dinheiro posto à disposição para empréstimos e financiamentos e que deve, em relação ao seu patrimônio, se portar como se espera do homem médio – o seja o bônus pater famílias do direito quiritário romano – jus quiritum – ou o razonable man, enquanto figura análoga que se empresta do direito anglo-saxão, no sistema jurídico da Common Law, enquanto paradigmas de prudência e bom senso, que devem igualmente atuar de boa-fé – boa-fé esta, inclusive, que com o advento do atual Código Civil – a Lei nº 10.406/02, passou a ser exigida de todos os contratantes, de um modo geral, sejam consumidores e fornecedores, ou não).

Aliás, a regra é a de que deva prevalecer a boa-fé, sendo certo que, num primeiro momento, tais contratos de mútuo se revelam comutativos na medida em que o valor do numerário prometido seja liberado no número de parcelas ajustado, pela imposição dos juros ajustados, o que passa a receber, nessas condições, sem que se verifiquem ofensas a matérias de ordem pública, a proteção dos atos jurídicos perfeitos em geral (artigos 6º LICC - Decreto-Lei nº 4.657/42 e 5º, XXXVI, CF/88), sendo geralmente, mais comuns, discussões a respeito dos encargos contratuais em tempos de mora contratual (e não quando se verifica o adimplemento pontual).

E, mesmo que se analise a colidência de uma ou outra cláusula, com matéria de ordem pública, ao texto legal ou da Constituição Federal, isso, pelo óbvio, não implicará em nulidade automática e total de referido ajuste, o que deve ser analisado em sede parcial, notadamente nos termos do que dispõe o advento da norma contida no artigo 134 do Código Civil.

Assim, a menos que ocorra fato novo que justifique a aplicação, por exemplo, de teorias como a da imprevisão ou a ocorrência de causa de nulidade do ato jurídico ajustado, de se conferir validade e eficácia ao que foi compactuado pelas partes, posto se presumir que se atue de boa-fé, no direito pátrio, sendo certo que o advento da norma contida no artigo 6º, § 1º da já mencionada Lei de Introdução ao Código Civil (o mencionado Decreto-Lei nº 4.657/42) traz o conceito de ato jurídico perfeito, que seria: "o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou".

Desta feita, até para que se preserve a boa-fé objetiva, da qual se cuidará em seqüência, convém que a instituição de crédito, de forma adequada (ou seja, sem armadilhas contratuais, de modo claro e aparente), demonstre ao cliente, desde logo, quais as conseqüências, em caso de adimplemento e em caso de inadimplemento, para que se preserve o direito à informação adequada acerca do produto adquirido (como o determina o advento da norma contida no artigo 6º, inciso III da Lei nº 8.078/90), eis que, se esta cautela não for adotada poderá haver sérios reflexos com a nulidade do contrato no que tange à alteração desses encargos, já que não se admitirão providências manu militari, ao alvedrio da vontade livre e consciente do consumidor.

Aliás, sobre a natureza do contrato de abertura de crédito, e em expressa alusão de que o mesmo se submete às regras de proteção consumerista, de se destacar a lição de Antônio Carlos Efing, para quem:

"Sob o prisma do direito de consumo, o contrato de abertura de crédito afigura-se como aquele pelo qual o banco fornecedor coloca à disposição do cliente consumidor determinado crédito a ser utilizado por este em conformidade com as condições ajustadas entre as partes. Desta forma, uma vez evidenciada a bilateralidade do contrato de abertura de crédito, não poderá o fornecedor, unilateralmente, alterar as condições pactuadas, especialmente quanto ao crédito fornecido ao consumidor\creditado, vencimento de obrigações, alterações de garantias, etc ....."[12]

Não pode, portanto, a instituição de crédito pretender alterar, unilateralmente, por fatos que lhe possam ser imputáveis, as bases da contratação, sem causa legal que o justifique, de modo que, por exemplo, expedientes como os de se buscar bloquear ativos em conta corrente, utilizando-se saldo de cheque-especial, para a quitação de encargos de outros tipos de financiamento (por exemplo, cédulas de crédito rural, comercial ou industrial, como costumeiramente se observa em discussões de ações nos Fóruns e Tribunais do país) se revela como expediente manifestamente vedado, eis que, com isso, em burla a tudo quanto asseverado acima, o banco ou instituição financeira, acaba, de modo prático, alterando as bases da contratação para aquilo que se lhe revela mais conveniente, mas que não contou com a vênia do consumidor, gerando situação de abuso de direito e ilicitude, justificando, até mesmo, a imposição do dever de indenizar (ora, se a cédula de crédito conta com juros de um por cento ao mês nos termos da legislação e contratação específica, utilizar cheque especial para a quitação deste encargo, implica em elevar os juros da cédula, sob o prisma prático, para os limites do cheque especial, muito menos vantajosos, em prática comercial indevida e ilegal ante todo o asseverado linhas atrás).

Inclusive, sobre a impossibilidade de alteração unilateral, de forma prejudicial ao interesse de uma das partes contratantes, já se manifestou o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como pode ser constatado a partir do seguinte aresto, ora colacionado:

"CONTRATO – CONDIÇÕES GERAIS – ESTABELECIMENTO UNILATERAL. A doutrina pátria e a estrangeira abordam com proficiência a questão da validade das chamadas Condições Gerais do Contrato, via de regra estabelecidas unilateralmente por uma das partes no contrato, onde, a pretexto de regulamentá-lo, se alteram os efeitos das cláusulas substanciais às quais pôs sua atenção o outro contratante. Viola-se com isso o princípio fundamental da boa-fé, o que ocorre nos contratos em que a doutrina francesa, principalmente, houve por bem denominar de Contratos por adesão e que não se confundem com os contratos de massa, geralmente estabelecidos nas concessões de serviços públicos." TJSP – Ap. 10.477-1 – São Paulo – Rel. Des. Freitas Camargo – Adcoas 125.885, j. 27.04.1.989.

E em se tratando de contrato de adesão (reitere-se, regido, como regra, pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90 pelo que então estabelecia a redação de seu artigo 54 e demais consectários), segundo melhor exegese, haveria necessidade de uma interpretação que fosse sempre a mais favorável ao aderente, conforme preconizava, igualmente a redação acerca do disposto na norma contida no artigo 47 do aludido Código (inspirado, obviamente, na norma contida no artigo 1.162 do Código Civil francês que estabelece: "Dan la doute la convention s"interprete contre lui qui a stipule et em faveur de celui aqui a contracté l´obligation"), em preocupação que igualmente se revela pela atual orientação dos artigos 423 e 424, ambos do Código Civil vigente (Lei nº 10.406/02).

Também neste sentido, a jurisprudência dos Tribunais pátrios, aliás, desde há muito, como se pode observar pelo seguinte precedente:

"As empresas que contratam com bancos não o fazem numa situação de igualdade, mas em verdadeiros contratos de adesão, em nítida inferioridade. É preciso recompor o equilíbrio." In RT 639/253.

Do mesmo modo, exceto no que tange às situações de crédito consignado, em que existe lei específica autorizando descontos em folhas de pagamento (e aí existe situação de discrimen adequada, eis que a segurança no recebimento do crédito justifica a imposição de taxas e encargos mais aprazíveis, não havendo, portanto, abusividade indevida), não se admite bloqueios e penhoras de valores de natureza salarial em desconformidade com esse regime próprio de proteção salarial (nem mesmo em se cuidando de penhora de ativos, como disposto pela Lei nº 11.382/06 que alterou o rito da execução de títulos extrajudiciais).

E isso porque, do mesmo modo, mutatis mutandi, somente se admitirá penhoras de natureza salarial, fora da situação do crédito consignado, aduzida acima, nas exceções do próprio artigo 649 e seus consectários do Código de Processo Civil[13]que se referem a créditos dotados de natureza alimentar (pensão alimentícia, salários e similares), não se admitindo tais penhoras em créditos salariais.

Neste sentido, em diversas oportunidades, já se manifestou a jurisprudência pátria, como se pode perceber pelo teor do seguinte aresto oriundo do E. Superior Tribunal de Justiça, acerca desta questão, em orientação não alterada pela dita modificação legislativa do processo de execução:

"IMPENHORABILIDADE – ART. 649, INCISO VI, DO CPC – O privilégio ali insculpido alcança somente aqueles que vivem do trabalho pessoal próprio, sejam trabalhadores braçais ou profissionais liberais, mas não as firmas comerciais, quer individuais ou coletivas. Agravo desprovido." (TRT 4ª R. – AP 00158.801/99-7 – 5ª T. – Rel. Juiz André Avelino Ribeiro Neto – J. 04.05.2000).

Ainda neste mesmo e exato sentido, de se continuar a pedir vênia para destacar mais um aresto:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇAO – PENHORA – DEPÓSITO EM CONTA CORRENTE – PROVENTOS – Consoante o disposto no art. 649, inciso IV do CPC, o salário, bem como o soldo e os proventos dos funcionários públicos são impenhoráveis. Assim, competia ao agravado provar a existência na conta corrente do agravante de valores provenientes de outras fontes que não de seus estipêndios. Face a inexistência de comprovação deste fato, não há como prosperar o pleito de penhora dos valores nela depositados. Agravo provido." (TJDF – AGI 20000020044562 – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Jeronymo de Souza – DJU 14.02.2001 – p. 31)

Também privilegiando a mesma vertente do entendimento jurisprudencial, assevera-se:

"CONSTRIÇAO JUDICIAL – SALÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – Insubsistente a penhora levada a efeito sobre o salário percebido pelo executado decorrente de seu vínculo empregatício com outra empresa, em virtude de o ato de constrição judicial questionado ser manifestamente contrário aos princípios constitucionais, e ante o disposto no inciso IV, do artigo 649 do Código de Processo Civil. (TRT 12ª R. – AG-PET 10918/2000 – (03318/2001) – 2ª T. – Rel. Juiz Telmo Joaquim Nunes – J. 21.03.2001).

Ainda, de forma não menos importante, mesmo em se tratando de decisão prolatada no âmbito das regras atinentes ao processo penal (matéria referente a habeas corpus enquanto ação mandamental), mas ainda assim mantendo íntegro o princípio de vedação da constrição salarial, poder-se-ia destacar:

"HABEAS CORPUS – RECLAMAÇAO TRABALHISTA – PENHORAS DE SALDOS CONSTANTES DE CONTA BANCÁRIA – PESSOA ESTRANHA À SOCIEDADE DA EMPRESA EXECUTADA – SALÁRIO E RESTITUIÇAO DE IMPOSTO DE RENDA – BENS IMPENHORÁVEIS – ART. 649, INC. IV, DO CPC – GERENTE DO BANCO – DEPOSITÁRIO FIEL NOMEADO – DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – JUSTIFICATIVA – PRISAO CIVIL POR DÍVIDA – ILEGALIDADE – ORDEM CONCEDIDA – SALVO CONDUTO EXPEDIDO – I – Tratando-se de execução proposta em face de uma pessoa jurídica, não pode a penhora incidir sobre bens de pessoa estranha à empresa, se inocorrentes as hipóteses legais autorizadoras. II – Ademais, não são passíveis de penhora os saldos constantes em conta bancária provenientes de salários e restituição de imposto de renda retido na fonte, nos termos do art. 649, inc. IV, do Código de Processo Civil. III – Nesses casos, a recusa do gerente de instituição financeira, no sentido de transferir valores irregularmente penhorados é, portanto, justificada, não caracterizando violação ao dever de fiel depositário dos bens. IV – Constrangimento ilegal caracterizado, face não ser caso de decretação da prisão civil do depositário fiel. V – Ordem de habeas corpus concedida, com a conseqüente expedição de salvo conduto em favor do paciente." (grifos das signatárias)TRF 3ª R. – HC 1999.03.00.046077-6 – SP – 5ª T. – Relª Desª Fed. Suzana Camargo – DJU 29.02.2000 – p. 676.

Sobre o tema especifico de cessação de descontos em folha de pagamento (insista-se, fora dos casos de empréstimo consignado após a lei específica, com estrita concordância e entendimento pleno pelo consumidor), de se destacar o quanto decidido a respeito do tema ,em ação de revisão de contrato bancário, no sentido de que:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇAO DE REVISAO CONTRATUAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CONTRATO PARTICULAR DE RENEGOCIAÇAO DE DÍVIDA. TUTELA ANTECIPADA NAO APENAS O DIREITO MATERIAL EM DISCUSSAO NA LIDE, DE FORMA CLARA E OBJETIVA, PODE SER A FINALIDADE DA TUTELA ANTECIPATÓRIA, MAS TAMBÉM O QUE VENHA A CAUSAR DANO IRREVERSÍVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇAO A PARTE, POR ESTAR SUBSUMIDO NO OBJETO DA AÇAO. INSCRIÇAO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTROS DE MAUS PAGADORES. NAO OFENDE DIREITO DO CREDOR A NAO INSCRIÇAO DO NOME DA DEVEDORA NO ROL DE CADASTRO DE MAUS PAGADORES, EM FACE DE DEMANDA REVISIONAL DE CONTRATO ENVOLVENDO MATÉRIA CONTROVERTIDA, CONSTATANDO-SE A EXISTÊNCIA DE DISCUSSAO JUDICIAL SOBRE O DÉBITO. SUSPENSAO IMEDIATA DO DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DA AUTORA, ORA AGRAVANTE. NO CASO CONCRETO, É DE SE CONCEDER, POIS O SALÁRIO NAO PODE SEQUER SER OBJETO DE PENHORA, MUITO MENOS PODENDO O BANCO PAGAR-SE COM A FONTE DE SUBSISTÊNCIA DA DEVEDORA, ATRAVÉS DE MANOBRA CONTÁBIL NO CRÉDITO SALARIAL NA CONTA CORRENTE DE CHEQUE ESPECIAL. AGRAVO PROVIDO". ( grifo das advogadas signatárias ) TARS – AI 197290786 – 1ª C.Cív.Fér. – Rel. Juiz Vicente Barroco de Vasconcelos – J. 28.01.1.998.

Para demonstrar que não se trata de entendimento isolado, de se destacar outro Julgado, com o mesmo entendimento, ainda à guisa de mera exemplificação do entendimento ora defendido:

"TUTELA ANTECIPADA – CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE – APROPRIAÇAO INTEGRAL DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA PARA A AMORTIZAÇAO DE DÉBITO – SITUAÇAO DE INIQUIDADE QUE AUTORIZA O DEFERIMENTO DE LIMINAR – AGRAVO PROVIDO – Se o salário não pode ser objeto de penhora, inadmissível conceder-se aos bancos a primazia de eternizar contrato de conta corrente, a fim de que se paguem mediante apropriação integral de proventos de aposentadoria cujo repasse lhes é atribuído pelo empregador. Liminar confirmada. Agravo provido. Unânime." (TJRS – AGI 70.000.783.944 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes – J. 30.03.2000)

E isso vale para cláusulas expressas, mas não devidamente destacadas (como sabido, recente alteração legislativa impede a utilização das chamadas "letras miúdas"), ou para procedimentos não expressos utilizados, insista-se, em caráter manu militari, de forma não autorizada pelo consumidor (geralmente hipossuficiente em relação às instituições de crédito), o que colide, como sabido, com as orientações contidas no artigo 51 da Lei n. 8.078\90 e nas disposições do Decreto n. 2.181\97 e da Portaria n. 04\98 da Secretaria de Direito Econômico.

DA BOA-FÉ OBJETIVA

Em verdade, sob tal perspectiva, o que parece ser vedado aos bancos enquanto fornecedores de crédito, numa relação consumerista, como aduzido acima, seja encetar condutas que possam vir a ferir a boa-fé objetiva que deve nortear a forma de interpretação dos contratos, estando, desde há muito superada, a vetusta teoria da força vinculante absoluta dos contratos (o vetusto brocardo latino que chegou ao nossos dias por obra de glosadores medievais, segundo o qual pacta sunt servanta, o qual atingiu seu apogeu no limite do liberalismo econômico dos séculos XVII e XVIII, quando imperava o regime do laissez faire, laissez passet, idéias superadas desde há muito, sobretudo, a partir do regime "entre guerras", a partir de conceitos como o new deal).

E, insista-se, em relação a tanto, não se desconhece que o mundo esteja efetivamente passando por uma nova onda de pensamento doutrinário, na qual imperam a complexidade e a interdisciplinariedade (como preconiza Edgar Morin em sua célebre obra a respeito do paradigma da complexidade, tal como aduzido no início do presente artigo, o que deva ser a tônica do pensamento jurídico neste século), em nome de uma globalização econômica e de um neo-liberalismo, mas isso, ao contrário do que se possa supor não admite que certas matérias de ordem pública, no que tange à proteção de contratantes hipossuficientes, possa ser tida como leis não escritas para facilitar a livre circulação de riquezas (a despeito do Documento Técnico nº 319 do Banco Mundial pregar o enfraquecimento das instituições judiciais como forma de propiciar a livre circulação de riquezas, como preconizado por Maria Dakolias, no seu relatório ao Banco Mundial – o que, insisto, deve ser tido sempre sob a perspectiva da incidência do princípio da proporcionalidade).

Igualmente não se nega que o contrato tenha sido um dos meios consentâneos, no século XVIII, para o desenvolvimento do capitalismo, engendrando acordos em que as classes economicamente mais ativas se privilegiavam mais e mais, mediante a exploração daqueles tidos como classes trabalhadores, sob a ótica das teorias econômicas, como aquelas de índole marxista (que se propagaram do fim do século XIX até a primeira metade do século XX), mas ainda assim, o princípio da autonomia da vontade ainda hoje em vigor, possuía, naquela época, uma acepção extensa, quase absoluta, o que gerava conseqüentemente, abusos dos mais fortes em relação os mais fracos (fenômenos já apontados por Rudolf Von Jhering em sua conhecida obra "A luta pelo Direito").

Diante dessa liberdade na contratação, como assevera San Tiago Dantas, ocorreu o consórcio de empresas, cujo objetivo precípuo era a eliminação da livre concorrência; com isso a doutrina liberal clássica, em fins do século XIX, foi perdendo expressão, em virtude do intervencionismo do Estado, através de conceitos limitadores de tal liberdade (função social, boa-fé, ordem pública etc.), mas que eram contudo vagos. Sendo que, só passaram a ser estudados e definidos, com mais vagar, a partir da Segunda Guerra Mundial, como asseverado acima (doutrinas como a do new deal).

E, no direito brasileiro, isso não foi uma exceção, ao contrário, passaram a surgir, legislativamente, uma série de restrições ao direito de contratar, deixando com o que o número de cláusulas dispositivas passasse a competir, em situação de igualdade, com o número de cláusulas inderrogáveis de ordem pública (limitações ao direito de contratar com o Estado, nas relações de trabalho, nas relações de consumo etc).

Sobre o caráter de preponderância das normas de ordem pública, sobre o princípio da força obrigatória dos contratos, são inúmeros os precedentes juriprudenciais, como se pode observar, verbi gratia, pelo seguinte Julgado, inclusive, oriundo do E. Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema em comento:

RESP – CIVIL – LOCAÇAO – MULTA – VALOR – A ANTIGA PARÊMIA – O contrato faz lei entre as partes – Hoje, devido ao sentido social da norma jurídica precisa ser analisada cum gnamis salis. O aresto afrontado foi sensível a esse aspecto. Tanto assim, fundamenta: "a previsão contratual não tem assim valor absoluto e nem pode superar o justo. "Os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade das convenções sofrem limitações impostas pela idéia de ordem pública, entre cujas normas se encontram as Leis do Inquilinato" (2º TA Civil SP, Ap. nº 280.300-1, Rel. Juiz Gildo dos Santos – RT 662/133). Ou em outras palavras, dentro da moderna tendência social do direito, 'aquele que se mostra fraco, ainda que por culpa própria, tem direito de ser protegido' (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 4º vol., págs. 204/205, 16ª ed.). Consequentemente, impõe-se a redução da multa compensatória aos limites do razoável, aplicando-se para tanto 'as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece' (art. 335, CPC). E nesse prisma, conforme já se destacou, o normal é a afixação da multa compensatória no equivalente a três meses de aluguel, portanto ficando adotado tal limite". (STJ – REsp 187492 – SP – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 08.03.1999 – p. 263).

Em suma, um desses conceitos supra-aludidos, está estabelecido no Código Civil vigente, de forma expressa, em sua norma contida no artigo 422, qual seja o princípio da boa-fé objetiva, afigurando-se como meio idôneo de mitigação a exploração dos hipossuficientes, ainda que não se cuide, propriamente, de uma relação de consumo, disciplinada pela Lei nº 8.078/90.

Do mesmo modo, a norma contida no artigo 421 do mesmo codex estabelece que a liberdade de contratar está sujeita e limitada à função social do contrato (o que reforça o caráter relativo do princípio do pacta sunt servanta como asseverado acima), bem como, neste sentido se orienta o sistema protetivo estabelecido pelo Código Civil vigente, não só nas relações de consumo, estabelecendo, por exemplo, o que é pertinente para o caso em estudo, de forma expressa, que, em havendo contratos de adesão, a interpretação de tópicos obscuros será sempre mais favorável ao aderente (artigo 423 do referido Código Civil), sendo certo, ainda, que serão nulas , em contrato de adesão, cláusulas que estipulem a renúncia antecipada de direitos resultantes da natureza do negócio (artigo 424 do mesmo codex).

A aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva, dar-se-á quando houver um desequilíbrio no auto-regramento das intenções das partes, na qual a autonomia da vontade será suprimida pelo princípio da boa-fé objetiva, de modo que a sua aplicação coadunará na finalidade deste que é o estabelecimento do equilíbrio e harmonização das pretensões das partes em conflito.,

Destarte, a incidência da autonomia da vontade no contrato, perderá a sua veemência em face da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, quando por exemplo, houver cláusulas abusivas, ou por ocasião da inaplicabilidade dos efeitos do negócio jurídico, ou se houver a necessidade de interpretar de forma integrativa uma cláusula contratual lacunosa etc., necessitando-se, assim restabelecer a harmonia nos interesses das partes, para a consecução do fim comum do contrato, que é a satisfação dos interesses contrapostos das partes.

Ante o exposto no parágrafo anterior pode-se definir o princípio da boa-fé objetiva1 como: um parâmetro de observância geral, na qual o contrato deverá se enquadrar na consonância dos ditames da lealdade e no paradigma de condutas ordinárias que os contratantes devem ter, para a consecução do fim comum dos contratos.2

Com a devida vênia, de se transcrever, ainda, sobre o tema, alguns enunciados da Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2.002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que ajudam a elucidação do princípio em tela:

"Enunciado nº 24: "em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa; enunciado n. 25: "o artigo 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual"; enunciado 26: "o art. 422 impõe ao juiz interpretar, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como exigência de comportamento leal dos contratantes; enunciado 27: "na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos."

Por derradeiro, cumpre frisar que se fossemos realizar uma exegese literal, no art. 422 do Código Civil,3 o referido princípio só se aplicaria quando da conclusão e no decorrer da execução do contrato.

Tal assertiva hermenêutica não parece ser a mais apropriada, em virtude de desprezar a fase pré e a pós-contratual gerando eventuais detrimentos a uma das partes, como por ex., a expectativas erigidas por uma proposta atraente ao oblato, e que por infundada razão venha a ser desfeita ocasionando gastos ao aceitante.

Deste modo o princípio da boa-fé objetiva se aplica nas tratativas, bem como no post pactum finitum4, e haja vista que vários códigos alienígenas (anteriores ao nosso Código Civil atual), como é o caso do código italiano que estabelecera que, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, as partes devem portar-se com boa-fé (artigo 1.337), devendo, outrossim, fazer uma interpretação sistemática nos artigos da própria legislação pátria civil, quais sejam artigos 112 e 1865, que reafirmam a finalidade do aludido princípio.

E assim não se poderia cogitar de um cumprimento exacerbado da chamada obrigatoriedade dos contratos, o qual, se expressa pelo bizantino brocardo latino, qual seja, pacta sunt servanda, o qual, numa tradução livre e literal implica a idéia de que o contrato nos faz servos (é conhecida a alusão ao princípio de que "o contrato faz lei entre as partes") e a própria idéia de servidão contida no referido brocardo latino (na verdade o que se observa é uma glosa latina formulada na Idade Média pelos glosadores das Institutas de Justiniano e do Corpus Jures Civilis) já demonstra que o mesmo tem um caráter medieval, que muito interessava no Iluminismo com seus ideais de absoluta liberdade de contratação (era conhecida a máxima pela qual laissez faire, laissez passet), o que, no entanto, sobretudo a partir do advento da Primeira Guerra Mundial restou plenamente superado, eis que imperativos de ordem pública demonstraram a necessidade de se restringir a ampla liberdade de contratação, o que, no Brasil, inicialmente com idéias tímidas, acabou por se cristalizar no estatuto consumerista, a conhecida Lei nº 8.078/90, o chamado Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo certo que, como já fartamente destacado acima, isso acabou por se espraiar para a legislação civil, com o advento do Código Civil (Lei nº 10.406/02), estabelecendo-se um grande número de normas contratuais de ordem pública que deixaram um espaço, ainda menor, para a aplicação da vetusta teoria do pacta sunt servanta.

Ou seja, nessas condições, o princípio da força obrigatória somente poderá ser tido como uma forma de imutabilidade dos termos da contratação se não houver ofensa ao interesse público, o que se revela questão candente, ante o exposto acima, no que tange ao respeito da chamada boa-fé objetiva, que, ademais, aplica-se não só às relações de consumo antes disciplinadas pela Lei nº 8.078/90, mas a todos os tipos de contratos civis, nos termos da atual redação do artigo 422 do Código Civil.

A TORMENTOSA QUESTAO DOS JUROS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

Para analisar tal questão, peço vênia para tecer algumas considerações acerca da polêmica questão dos juros em contratos bancários, recorrendo a argumentos históricos e jurídicos, além de todo arcabouço interdisciplinar lato sensu mencionado linhas atrás, com fincas a observar como tais fatores se prestarão a influir no tratamento legal e constitucional dado à referida polêmica, aliás, de todo atual no momento conturbado pós recessão norte americana, com seus reflexos em todo o mundo.

E isso gerou extrema controvérsia quando a Constituição Federal iniciou sua vigência, em 05.10.1.988 e se tentou, de forma frustrada, estabelecer um percentual cabalístico e hipotético para os juros bancários, sendo certo que não faltaram vozes para asseverar que a Constituição Federal seria auto-aplicável em relação a tal taxa de juros.

E tal aliás, ocorreu em sede da jurisprudência inicial dos Tribunais de Alçada então existentes em nosso País (antes do advento da chamada Reforma do Poder Judiciário, instituída pelo advento da EC nº 45/04), posto que, quando da realização do VIII Encontro Nacional de Tribunais de Alçada, na cidade de Porto Alegre – RS, entre 18 e 21 de outubro de 1.988, foi elaborada tese no sentido de que "a limitação constitucional da taxa de juros reais é aplicável de imediato; entendendo-se por juro real o juro nominal deflacionado, ou seja, o juro excedente à taxa inflacionária. No juro real incluem-se os custos administrativos e operacionais, as contribuições sociais ( FINSOCIAL, PIS e PASEP ) e os tributos devidos pela instituição financeira, estando proibido o juro composto. O IOF está excluído do juro real."

No mesmo sentido, a opinião de autores de renome, como Fernando Gasparian, para quem:

"Assim, não há porque regulamentar para dizer o que está dito. Mesmo porque aí está a legislação de usura e da economia popular, não derrogada, mas apenas não aplicada por força de algumas decisões judiciais." [14]

Mais adiante, na mesma obra, prosseguia o referido autor, em sua explanação acerca do tema:

" ... Razões recomendam e impõem-se tenha como de aplicação imediata o limite constitucional de juros e não se permita o desvirtuamento interpretativo da norma respectiva. 1º O artigo 192, § 3º da Constituição Federal, ao estabelecer o teto máximo de 12% aa. para juros reais adotou excelente providência, pela qual deve zelar o Poder Judiciário, impedindo o seu aviltamento e destruição. Aliás, a nova Carta Magna exige da Justiça deliberações que não haverão de ser históricas ......... 2º Juros reais não são os juros em si, desprezada a parcela respeitante à correção monetária. Contrapõem-se aos denominados juros nominais. Constituem tudo o que exceda a correção monetária, afastados determinados valores de natureza totalmente diversa .... o princípio é o de que todas as despesas necessárias à concretização da atividade bancária e creditícia em geral estejam incluídas no limite de 12%. Não poderia ser diferente , visto que os juros, sendo, por sua natureza, a essência da remuneração ou o preço do dinheiro, como já mencionei, devem abranger os gastos imprescindíveis à realização da atividade e mais o ganho efetivo embolsado." op. cit. , págs. 53, 63/66.

Neste mesmo sentido, poder-se-ia citar a opinião de José Afonso da Silva, para quem, na época, sobre o tema, apontava o seguinte:

" ....... a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de norma autônoma, não subordinada à lei prevista no "caput" do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado ( e este não está porque contém autonomia de artigo ), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Ele disciplina assunto que consta dos incisos I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo. Se o texto em causa fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado um parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata....... As cláusulas contratuais que estipularem juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será conceituada como crime de usura, punido em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser.[15]"

E, ainda, no mesmo sentido, restava afinada a opinião de Nagib Slaib Filho, no sentido de que:

"........ à exegese do mencionado artigo 192 deve ser observado que a exigência de lei complementar, contida no caput do dispositivo, não implica em diminuição da aplicabilidade da norma contida no § 3º estabelecedor do limite máximo da taxa de juros. Imaginar o contrário seria instituir um delimitador à eficácia da norma constitucional que representaria, em última análise, um atentado à soberania do Poder Constituinte." In ADV - Informativo Semanal 46/502.

Por fim, ainda com relação ao tema, a opinião do então Des. Régis Fernandes de Oliveira, para quem:

"O preceito legal, em sua parte completa, contém dicção perfeita, de forma a invalidar qualquer argumento contrário à sua vigência imediata. Cuida-se, pois, de norma auto-executável." In RT 666/233-235.

Nesse sentido, de se destacar o entendimento, à época, do E. 1º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, para quem:

"JUROS – JUROS REAIS – TAXA - Limitação de 12% aa. Artigo 192, § 3º da Constituição Federal. Aplicação Imediata do dispositivo, sem necessidade de lei." 1º TAC, 8ª Câmara, AC 413.456-5, JTACSP-Lex 122/56.

Também não destoava deste entendimento, aquele da douta 4ª Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nesta mesma época, para quem:

" ... Por outro lado, é sabido que por ocasião do julgamento da ação declaratória de insconstitucionalidade em que o STF firmou a posição de que os juros constitucionais dependem de regulamentação por lei ordinária (ADIN nº 4), a Constituição Federal estava em vigor há pouco tempo. Poderia ser plausível, à época, que o Congresso fosse regulamentar o dispositivo constitucional em curto espaço de tempo. Todavia, tal não ocorreu, como também quando, sete anos depois, o Senado Federal buscou tal regulamentação, o Governo Federal conseguiu refrear tal iniciativa da Câmara dos Deputados. Assim, é atente que a regulamentação nunca será feita. Destarte, ou se dá eficácia ao dispositivo constitucional, através do Judiciário, ou terá um caso manifesto em que a omissão do legislador ordinário (poder constituído) vale mais do que a afirmação clara do poder constituinte. A esse respeito, importante a leitura do instigante texto do eminentíssimo constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, intitulado "Tomemos a sério o silenciar dos Poderes Públicos – o direito à emanação de normas jurídicas e a proteção judicial contra as omissões normativas" ( incluído na obra coletiva As garantias do cidadão na Justiça, coord. pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Saraiva, 1.993, págs. 351 e seguintes ). No referido artigo, o genial lusitano invoca a irreverente letra do também genial Chico Buarque de Holanda, parodiando a interrogação bíblica: Deus dará, Deus dará e se Deus não der ? Destarte, se o onipotente legislador ordinário não atender aos desígnios do mais onipotente ainda legislador constituinte, cabe ao Poder Judiciário, como Poder de Estado, dar eficácia ao comando constitucional, sob pena de se permitir que o não fazer do ente criado ( legislatura ordinária) valha mais do que o já feito pelo ente criador ( legislador constituinte )." TARS – Ap. Cível nº 196.130.710, j. 22.08.1.996.

No entanto, tal entendimento, como é cediço, não prevaleceu em sede doutrinária, e, muito menos, em sede jurisprudencial, chegando a ocorrer, como se exporá adiante, a própria revogação do limite constitucional de juros bancários.

E, em relação a tal tema, preambularmente, se revela necessário que se coloque que "juro" é um conceito eminentemente econômico, e mais, um conceito histórico que sofre, na sua definição, as inferências da política econômica e da moral do momento histórico que se pretende focar.

Nesse sentido, a lição de Joseph Alois Schumpeter, para quem:

Parece, então, que o juro deve ser explicado como uma espécie de salário ou renda, e como esta não é factível, então como salário: espoliação dos assalariados (a teoria da exploração); como salário do trabalho dos capitalistas (teoria do trabalho no sentido literal), ou como salário do trabalho incorporado aos instrumentos de produção e às matérias-primas (na concepção, por exemplo, de James Mill e McCulloch).[16]

Sobre o tema, salutar a menção da opinião do economista J. Petrelli Gastaldi, para quem:

"Nem sempre o juro foi considerado como remuneração legítima do capital empregado, quer a título de empréstimo ou pelo seu próprio detentor. Ao contrário, em toda a Antigüidade, as diferentes legislações proibiam os empréstimos a juros, como ocorreu com a lei mosaica, que proibia terminantemente aos judeus a estipulação de juros nos empréstimos realizados, o mesmo ocorrendo em Roma, com a Lei Genúcia, promulgada no ano de 322 a.C.. Mas os maiores ataques sofridos pelo juro quanto à sua legitimidade partiram do Cristianismo, para o qual o juro se confundia com a usura, oposição essa materializada no direito canônico, o qual considerava o dinheiro como simples facilitador de trocas, negando-lhe qualquer função produtiva."[17]

Também sobre o tema, a opinião de Kleinwachter, destacada pelo mencionado autor, na mesma obra em comento:

"Estas proibições antiquíssimas se explicam pelas relações simples daqueles tempos. Os empréstimos para fins comerciais não existiam; apenas solicitava empréstimo quem porventura se encontrasse em situação angustiosa e era tido como cruel e desumano que o credor explorasse a situação aflitiva de seu próximo. Ainda não se atentava para a parte econômica e científica do problema."[18]

A própria Igreja começou a rever sua posição sobre o tema, abandonando a visão radical do eminente Santo Tomáz de Aquino, a partir da reforma Calvinista e a partir dos trabalhos de Turgot (com sua "teoria da frutificação", inspirada em Calvino), Say ("teoria da produtividade ou da utilização") e, dentro da própria Igreja Católica, do Abade Galiani.

E isso porque, num primeiro momento, a idéia bíblica que se passava acerca da questão se configurava numa alusão da expulsão dos vendilhões do Templo, por Jesus Cristo, em conhecida parábola que influencia toda a civilização cristã ocidental, em que se tinha uma idéia de espoliação dos fracos e oprimidos pelos usurários, preocupados apenas e tão somente em enriquecer às custas dos mesmos, sem a concepção da importância econômica e global da idéia de juro enquanto mola propulsora de um mercado global (sob a perspectiva do próprio desenvolvimento).

Neste sentido, de se verificar a distinção extremamente adotada por Joseph Alois Schumpeter a respeito do tema (em patente e muito bem elaborada diferenciação de duas espécies fundamentais de juros que seriam a dos juros sobre o consumo e a dos juros produtivos, proposta na primeira metade do Século XX, após a Quebra da Bolsa de Nova York, em 1.929):

"Antes de tudo, é natural que começasse com o juro sobre empréstimos, porque se sobressai como um ramo independente de renda, caracterizado por muitos traços nítidos. É sempre mais fácil entender conceitualmente um ramo de renda que também é extremamente característico do que um que precise primeiro precise ser limpo de uma mistura de outros elementos – por isso a renda de terra foi notoriamente reconhecida primeiro na Inglaterra, onde não apenas existia, mas também era, como regra geral, paga separadamente. Mas o juro sobre empréstimos ao consumo também foi o ponto de partida porque era a forma mais importante e mais bem conhecida nos tempos antigos e na Idade Média. É verdade que não deixava de existir juro sobre empréstimos produtivos, mas, na Antiguidade Clássica ele operava num mundo que não filosofava, ao passo que o mundo que filosofava só observava as coisas econômicas de passagem e só prestava atenção ao juro que podia ser observado em sua esfera. E, também mais tarde, os elementos de uma economia capitalista que existiam eram familiares apenas a um círculo que era um mundo em si e que nem meditava nem escrevia. O padre da Igreja, o canonista ou o filósofo dependente da Igreja e de Aristóteles – todos eles só pensavam no juro sobre empréstimos ao consumo, que se fazia notar dentro de seu horizonte e de maneira muito desagradável. De seu desprezo pela extorsão do necessitado e pela exploração do imprudente e do libertino, de sua reação contra a pressão exercida pelo usuário, surgiu a sua hostilidade para com a cobrança de juros e isso explica as várias proibições do juro. Outra concepção se formou da observação da vida dos negócios, quando a economia capitalista ganhava força. Seria um exagero dizer que o juro sobre empréstimos produtivos foi positivamente uma descoberta de autores mais recentes[19]

No mesmo sentido, tecendo maiores comentários sobre o tema da usura e da cobrança do juro através dos tempos, tem-se a obra do eminente Max Weber, "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", 2ª edição da tradução em língua portuguesa, 1981, Coleção Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, Ed. da Universidade de Brasília.

E isso é muito importante, na medida em que, como sabido, não se pode deixar de atentar para o fato de que, no sistema do ordenamento jurídico pátrio, ainda existe forte importância e influência das ideologias ainda que seja para a integração das chamadas "pseudo-lacunas" do ordenamento jurídico pátrio, como admitido, por exemplo, pelo advento das normas contidas nos artigos 4º e 5º, ambos da Lei de Introdução ao Código Civil.

Não se pretende, pelo óbvio, proceder a uma apologia do juro, que, nos casos de excessiva usura, pode ter efeito devastador sobre a economia, levando, em casos extremos à inflação e à recessão, mas se demonstrar que existe uma grande carga moral, filosófica e ideológica de tal conceito, que varia no decorrer do tempo e dependente de uma série de fatores jurídicos e não jurídicos, econômicos e não econômicos a levar ao questionamento a respeito da própria conveniência ou efetividade de certas normatizações, não obstante o apontado no início do presente artigo, no que se refere ao fato de ser o ordenamento jurídico uma forma técnica de se exercer o controle social.

Sobre este efeito devastador, bastaria fazer alusão a uma parábola que, por sua simplicidade, traz algo de muito verdadeiro, a respeito do tema em comento, em que, pelo lúdico que traz por trás de si, permite a fácil compreensão do que se pretende aduzir:

Recentemente foi realizado o leilão de uma rara moedinha americana de 5 cents, cunhada em 1.913. Foi arrematada por 3 milhões de dólares. Essa série de moedas tem, no anverso, a imagem de um indígena austero e, no reverso, um búfalo em posição de ataque. Ao serem cunhadas, os três primeiros exemplares tiveram o búfalo gravado com uma pata a menos, o que as tornou raridades. Imaginei o Tio Patinhas, naquela época ainda menino, mas com a visão a longo prazo, emprestando uma moedinha comum de 5 cents, por um período de dois anos, e recebendo, como juros, uma outra moeda igual, no final do prazo. Em 1.913, Tio Patinhas emprestou ao Pateta uma moedinha de 5 cents para receber 2 moedinhas dois anos depois (1.915), uma destas representando o capital e a outra os juros. Ao receber o pagamento, emprestou as duas moedas para, no final do outro período de dois anos, cada uma delas gerar outra igual. Seu capital, em 1.917 (quatro anos depois, ou dois períodos) totalizou 4 = 2² (2 ao quadrado) moedas de 5 cents, representando uma delas o capital e as outras três, os juros. Ao emprestar essas 4 moedas por um novo período de dois anos, recebeu, em 1.919, 8 moedinhas de 5 cents (8 = 2³ onde a base 2 representa o dobro e o expoente 3 o número de períodos). Destas oito, uma corresponde ao capital inicial e as outras sete, aos juros. Isto é o que acontece com o dinheiro emprestado á taxa de 2,93% ao mês, a juros com capitalização mensal: o capital de quem empresta o dinheiro dobra em um período, quadruplica em dois períodos, octuplica em três períodos, etc..., assim como a dívida de quem toma emprestado. No ano de 2.005, o empréstimo teria completado 92 anos ou 46 períodos. O número de moedinhas acumulado seria 2 elevado à potência 46, ou seja, mais de 70 trilhões de moedinhas que equivalem a US$ 3.518.437.208.883,20 (3 trilhões, 518 bilhões, 437 milhões, 208 mil, 883 dólares e 20 cents), dos quais 5 cents correspondem ao capital inicial aplicado e os restantes três bilhões e meio de dólares aos juros gerados por aquela moedinha. Notem que a taxa de juros aplicada neste exemplo é bem menor que as taxas que são utilizadas pelos bancos e comerciantes no Brasil, mesmo nos empréstimos a empresários e nos consignados na folha de pagamento. O crescimento exponencial leva a números inimagináveis. Este é um exemplo da perversidade dos juros capitalizados mês a mês.[20]

Assim, ante o apontado acima, o que se tem é uma situação em que os contratos bancários devam deixar claro, ante a impossibilidade de se tabelar juros (como se exporá adiante), que o consumidor, ao aceitar o dinheiro, se sujeitará a esse ou aquele encargo, se pagar em dia e que haverá o agravamento de sua situação se não permanecer em mora, o que, no entanto, não poderá ser lançado em letras miúdas, em cláusulas recheadas de termos jurídicos incompreensíveis ao homem médio (o bonus pater famílias mencionado acima), sob pena de vulneração ao dever de informação adequada devido ao consumidor, cancelando-se os excessos incompreensíveis, incompatíveis com a boa-fé objetiva, o que, no entanto, não se confunde com tabelamento de juros, como se tem visto em inúmeras ações análogas versando sobre o tema (pareceria adequado, em condições como tal, apenas e tão somente requerer não a aplicação de uma taxa nominal de juros, mas, ao contrário, pleitear-se a nulidade, ainda que parcial, pela reserva de cognição a respeito da total essência do contrato, como, ademais, pareceria despontar do advento do artigo 51 e seus consectários do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – o que, por exemplo, tornaria ineficaz, ou seja, sem efeito, excessivos encargos da mora que não poderiam ser extraídos do contrato).

Isso porque, em termos econômicos, é preciso que se tenha em mente que o juro nada mais é do que a remuneração de um capital empregado pelo capitalista (que é empresário, logo, exerce atividade profissionalmente, com organização de capital e trabalho, com fito de lucro), bem como que o mesmo representa um preço pela disponibilidade do capital (não obstante isso também seja controvertido, dentro do ciclo histórico que se analise a questão, dependendo da teoria econômica a ser adotada, eis que o capitalista entende isso como um fenômeno natural, enquanto que o marxista entende isso como um dado inadequado com exploração injustificável de uma massa trabalhadora operária).

Nesse sentido, inclusive, o apontado por Willian Petty, nas calendas da metade do século XVII, a respeito do tema do juro como remuneração do capitalista, por seu trabalho:

Não vejo que razão possa haver para se receber ou pagar juro ou usura por algo que podemos com certeza ter de volta no momento em que o reclamamos. Tampouco vejo porque a usura deve provocar escrúpulos quando se empresta dinheiro, ou outros bens essenciais, a ser pago no momento e no lugar escolhido pelo tomador, de modo que o emprestador não possa ter seu dinheiro de volta quando e onde lhe agrade. Portanto, se alguém cede seu dinheiro sob a condição de não poder pedi-lo de volta antes de um momento determinado, qualquer que possam ser suas necessidades nesse meio tempo, certamente pode receber [21]uma compensação por este inconveniente que admite para si próprio. Esse benefício é o que comumente chamamos de usura.

Do mesmo modo, o apontado com propriedade por Schumpeter[22]para quem:

No exemplo de Adam Smith ainda podemos perceber um traço da visão segundo a qual lucro e juro simplesmente não coincidem. Apenas com Ricardo e sés epígonos os dois são plenamente sinônimos. Só então a teoria passou a ver no lucro dos negócios em geral o único problema, e, de fato, o problema do juro; só então a questão de saber porque o empresário obtém um lucro nos negócios tornou-se problema do juro; e finalmente é só então que o significado dos autores ingleses é corretamente captado se o seu "lucro" (profit) for traduzido por "lucro sobre o capital" (Kapitalgewinn) ou "juro primário" (ursprunglicher zins). Isso de modo algum constitui meramente uma substituição inofensiva do juro contratual sobre o capital emprestado pelo juro sobre o capital próprio, mas uma nova asserção a saber, que o lucro do empresário é essencialmente juro sobre capital.

A disponibilidade do capital a ser emprestado, inclusive, aludida linhas atrás, varia no tempo ao sabor da intervenção estatal no domínio econômico, às vezes salutar, outras vezes desastrosa, como se pode verificar por alguns dos fatos que marcaram nossa história recente.

Neste sentido, o próprio Adam Smith, ao dispor sobre a conhecida metáfora da "mão invisível" numa economia de mercado, pode ser destacada em relação ao tema específico da taxa de juros:

O empréstimo é tomado, não propriamente para gastar, mas para repor um capital que já fora gasto anteriormente. Quase todos os empréstimos a juros são feitos em dinheiro, seja em papel moeda, seja em outro e prata. No entanto, o que o tomador quer na realidade, e que o emprestador lhe fornece, não é o dinheiro em si mesmo, senão o valor que ele tem, vale dizer os bens que com ele se podem comprar. ... Por conseguinte, a quantidade de dinheiro, que pode ser emprestada a juros, em qualquer país, não é regulada pelo valor do dinheiro – seja em papel ou em moeda – que serve como instrumento para os diversos empréstimos feitos no país, mas pelo valor daquela parcela da produção anual que, tão logo sai da terra ou das mãos dos trabalhadores produtivos destina-se não somente a repor um capital, mas um capital que um proprietário não deseja ter o incômodo de ele mesmo aplicar. Uma vez que tais capitais costumam ser emprestados e restituídos em dinheiro, constituem o que se chama de juros do dinheiro. .... Na proporção em que aquela parte da produção anual – que, tão logo saia do solo ou das mãos dos trabalhadores produtivos é destinada a repor um capital – aumenta em qualquer país o que se chamam juros do dinheiro, naturalmente aumenta com elas. O aumento desses capitais particulares, dos quais os proprietários desejam auferir renda sem o incômodo de empregá-los eles mesmos, acompanha naturalmente o aumento geral dos capitais, em outras palavras, à medida que o dinheiro aumenta,a quantidade de dinheiro a ser emprestada a juros cresce gradativamente em proporções cada vez maiores.À medida que a quantidade de dinheiro a ser emprestada a juros aumenta, os juros ou preço que deve ser pago pelo uso daquele dinheiro necessariamente diminui, não apenas em virtude daquelas causas gerais que comumente provocam a diminuição do preço das coisas, quando sua quantidade aumenta, mas em conseqüência de outras causas peculiares nesse caso especial. Quando os capitais aumentam em qualquer país, necessariamente diminui o lucro que pode auferir do emprego dos mesmos. [23]

Essas ponderações já bastariam para que se percebesse o equívoco de se buscar atribuir uma taxa nominal de juros como modo de coibir abusos, o que se aplicaria ao exemplo mencionado acima, de se pretender fazer uma lei que proibisse a chuva no período das chuvas (há fenômenos complexos que se desencadeiam, que independem da vontade do legislador pátrio, e que ocorrem em escala global, em que sequer a soberania de um Estado poderia intervir).

Não é demais, aliás, ponderar no sentido de que a matéria concernente a juros tem nítido contorno mercantil, não devendo ser disciplinada no âmbito do texto constitucional (normalmente tido para a disciplina de fenômenos políticos e da organização dos poderes), posto que o fenômeno mercantil ao contrário do que se dá com os fenômenos cíveis, não tem a nítida marca do individualismo (típico das questões particulares de cada povo, como convém em questões de soberania – fenômeno externo, ou de imperium[24]mesmo fenômeno sob a ótica interna), mas, ao contrário, tem a marca da universalidade, típica do jus mercatorium, que lhe deu origem[25]

No momento atual, conforme fartamente alardeado pelos meios de comunicação (mass media), verifica-se que vivemos tempos de juros elevadíssimos (algumas das taxas mais elevadas do mundo são e foram praticadas no Brasil, como revela nossa história recente, o que somente vem se modificando a medida em que cai o chamado "custo-Brasil" a demonstrar a íntima relação da questão dos juros com fatores muito mais complexos), contudo, a questão ora versada escapa a tal esfera de cognição, devendo ser analisada sob o prisma da técnica jurídica, para que se verifique se nosso ordenamento jurídico permite ou não tal prática, pelas instituições de crédito (hipótese da qual se cuida, pois, é de conhecimento geral, que não se permitem a usura e a agiotagem entre particulares).

O dispositivo contido no artigo 192, § 3º da Magna Carta suscitou a questão que envolve o estabelecimento de um limite máximo para a cobrança de juros e a auto-aplicabilidade deste dispositivo ensejou acalorados debates tanto em doutrina quanto em jurisprudência (o que reforça o aspecto de historicidade do juro), questão esta que guarda íntima ligação com a da possibilidade de cobrança de juros capitalizados, face à possibilidade de estabelecimento de um teto para a cobrança de juros.

Com efeito, é importante ressaltar que a grande dificuldade reside no fato de que não se conseguiu disciplinar o "quantum" que serviria como teto e como calculá-lo de forma a se estabelecer o que seria juro real, variável que oscila de acordo com as leis de mercado e a situação econômica que o País atravessa em dado momento.

A questão é amplamente complexa, envolvendo, inclusive, mecanismos de política econômica, de modo que os Bancos e Instituições congêneres regulamentadas pelo Poder Público (integrantes do Sistema Financeiro Nacional) tomam o dinheiro a taxas de juros que oscilam e podem ser superiores ao limite de 12% (doze por cento) ao ano, assim, a simples regulamentação de uma taxa nominal no valor mencionado tornaria inviável o crédito bancário, que acabaria por se tornar um negócio jurídico anti-econômico, pois o mútuo mercantil é contrato oneroso por sua própria natureza (e a função do crédito bancário não deixa de ser essencial dentro de um país, mormente quando grande parte da população dele depende de um modo mais ou menos constante, como igualmente destacado pelos meios de comunicação de massa).

Ademais entendimento diverso levaria ao enriquecimento sem causa dos tomadores, que se locupletariam da diferença apurada (taxa na qual o dinheiro foi tomado menos o valor estabelecido), sendo certo, no entanto, que se houver uma discrepância muito grande entre o que se tomar no exterior e se aplicar no país, isso implicará na ruína total dos tomadores, o que, do mesmo modo, mutatis mutandi, não seria de interesse dos emprestadores (daí por que se deva, mesmo, buscar evitar monopólios ou oligopólios nesse setor estratégico da vida do país, devendo-se buscar um controle, não da taxa nominal, mas de discrepâncias do sistema, orientando-se adequadamente os consumidores, sobretudo os de menor escolaridade, a respeito do que pode vir a ocorrer em caso de mora – isso, insista-se, dentro de tudo quanto ponderado nos itens anteriores deste trabalho, numa linguagem mais simples, preferencialmente menos jurídica, centrada em aspectos práticos da questão).

Partes: 1, 2, 3


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