Tal questão se revela extremamente atual não só porque se tem verificado um grande número de ações versando sobre o tema nos fóruns e Tribunais do país, mas, sobretudo, porque se tem observado fenômenos econômicos, em escala global (primeiro o boom imobiliário norte americano e, depois, por exemplo, a grande recessão decorrente da crise financeira mundial com a quebra de inúmeros bancos públicos e privados nos E.U.A e na Europa, sobretudo em países como a Islândia, em que, como público e notório, tal como divulgado pelos meios de comunicação de massa, os mass media, ocorreram fenômenos intensos como o fato de que, em uma semana, os três maiores bancos privados deste país, acumularam dívidas que ultrapassavam, em dez vezes, o PIB do país).
Como vem sendo ponderado em vários outros artigos de minha autoria, desde há muito, não se pode ter como desconhecido dos operadores do direito, de um modo geral, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente dos próprios avanços tecnológicos num mundo globalizado, o que não pode ficar á margem do ordenamento jurídico (parece sintomático e óbvio que não se possa pretender resolver os problemas decorrentes do mundo moderno, verbi gratia, com contratações eletrônicas, por vetustos brocardos de direito romano canônico – e, pense-se a esse respeito, em situações como o livre mercado, o câmbio e os fatores econômicos cujos efeitos se propagam, em razão de segundos, por veículos como a Internet, influenciando bolsas de valores, com seus reflexos nos mercados futuros e mesmo no mercado físico, como se tem observado pela recessão global que se tem anunciado a partir dos problemas de crédito no mercado norte-americano).
Ou seja, começa-se a compreender que não basta que o ordenamento jurídico passe a prever esta ou aquela conduta eis que fatores, mormente de índole econômica, que permitem a volatização do capital, em tempo recorde, acabam por influenciar de forma tão marcante a sociedade com eficácia muito maior do que a imposta por textos legais (por exemplos, não se desconhece que decisões legislativas tem levado, em muitos países, ao fechamento e à criação de fábricas, com muitos reflexos no que tange, por exemplo, a volume de empregos, geração de renda, qualidade de vida etc...), ou seja, num ambiente como este, não bastaria ao legislador estabelecer que não poderia chover durante um ano, no Território Nacional, eis que haveria óbice físico ao atendimento ao comando normativo, tornando-o nulo pela impropriedade do seu objeto (e a propagação dos efeitos acerca de fenômenos econômicos parece estar começando a suscitar análises analógicas, ao menos no que tange às instituições de crédito, com a devida licença, de modo que, muitas vezes, comandos normativos acerca do tema acabam se tornando manifestamente ineficazes porque leis outras, não tipificadas, como a de mercado, acabam gerando um substrato fático que torna manifestamente inaplicáveis certos comandos jurídicos, a revelar que, em momentos como este, o jura novit cúria, não se prestará para a solução do conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida).
Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam, como proposta inicial para a solução do problema referente ao hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[1](o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um "pensar" menos dogmático, mais aberto ao "perquerir" ou ao "questionar", tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo (como se dava no modelo paradigmático positivista então dominante), mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[2] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).
E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual "o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia"[3], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[4]reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[5].
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