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Psicologia e religião: um estudo de convergência (página 2)


Partes: 1, 2, 3

O estudo do saber representado pelos diversos cultos religiosos pode revelar elementos de valor inestimável para a compreensão e prática psicológicas atuais, inaugurando novas formas de apreender a dimensão subjetiva humana. Embora seus caminhos sejam divergentes no tocante a metodologia e princípios, a Ciência psicológica estaria apta a ampliar seu campo de conhecimento prático e teórico caso se voltasse mais a observação dessa milenar fonte de cultura popular em suas diferentes formas de relacionar-se com o sagrado.

A religiosidade está imersa na vivência sócio-cultural e ocupa um lugar de destaque na construção do mundo como o conhecemos (BERGER, 2004), o que nos leva a conclusão de que todo procedimento, principalmente em relação a natureza psíquica, torna-se fragmentário caso não considere sua marcante influência no estabelecimento de significados e sentidos em qualquer contexto populacional.

O interesse pela mensagem que exprimem as manifestações religiosas não é puramente histórico, não trata-se da análise de um passado "morto", revelado apenas como dado biográfico de um contexto específico. É, antes de tudo, uma fundamental referência de situações existenciais diretamente relevantes ao homem contemporâneo (ELIADE, s/d).

Autores e disciplinas de diversos campos tem-se voltado para o estudo comparado das religiões ou mesmo sua análise pelo viés do axioma científico, na tentativa de abstrair da experiência do sagrado elementos da problemática humana capaz de acrescentar conhecimento as suas respectivas áreas. Este movimento gera um rompimento de "barreiras" teóricas, onde tais disciplinas realizam incursões a diferentes linhas de pensamento, como se houvesse uma insatisfação metodológica, conseqüente do demasiado estreitamento do ângulo de observação, derivado do caráter de especificação exigido pelos pressupostos científicos (WACH, 1990).

Este cenário nos confronta com a crescente necessidade de uma interação não limitadora e/ou reducionista da religião, sem restringi-la a um objeto passível de ser observado como simples epifenômeno psicológico, limitada pelos horizontes epistemológicos da atual prática científica. A variedade infinita de estados psíquicos e suas relações escapam definitivamente a acurada observação experimental, esbarrando no antigo dilema: a impossibilidade de descrever com precisão, tão almejada pelos arautos do paradigma tradicional, os estados subjetivos do homem.

Acentua-se a carência de uma forma integral de diálogo com o conhecimento religioso, considerando-o uma forma de significação da existência, provido de símbolos válidos integralmente apenas dentro de seu próprio contexto. Portanto, cabe a edificação de uma nova articulação entre Religião e Ciência, onde esta se proporia a penetrar mais profundamente em sua totalidade experiencial, sem a pretensão de "psicologizar" ou "objetivizar" conceitos doutrinários, mas de apreender a essência de sua filosofia, conciliando ao próprio corpo autênticos significados, abstendo-se ao máximo de preconceitos epistemológicos.

Em paralelo, essa questão remete invariavelmente a ênfase que deve-se dar a ampliação do estudo do fenômeno religioso por parte da psicologia, no sentindo de considerá-lo como elemento constitutivo, de capital relevância da natureza psíquica humana. Além de estar adquirindo um lugar proeminente nas atuais pesquisas científicas, tornou-se um assunto emergente devido ao caráter universalista de sua manifestação. Atenção que justifica-se em decorrência do quanto afetou e afeta as mais diversas dimensões do existir humano, seja social, econômica, histórica, cultural ou psicológica.

Compreendendo seu papel na constituição daquilo tudo que hoje se define como "humano" tem-se uma idéia geral de sua relevância para a psicologia. Assim, este trabalho propõe uma atualização da concepção do tema religioso, enfatizando menos os métodos analítico-descritivos e buscando mais o saber originário das raízes populares, sem perder de vista os pressupostos científicos. Propõe, por meio do estudo comparado das mais conhecidas doutrinas e filosofias religiosas, como o Budismo, Cristianismo, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo dentre outras, demonstrar pontos de convergência com a disciplina psicológica no que concerne ao cuidado e compreensão da esfera humana em sua integralidade.

Evidenciar a necessidade de uma renovação da atual episteme científica, no intuito de abarcar novos princípios e entendimentos, assim como identificar por meio de apontamentos realizados, a necessidade de um estudo mais amplo por parte da psicologia à cultura das religiões, revitalizando as formas atuais de lidar com as diversas doutrinas e crenças, desgastadas pela prática e visão do tradicional paradigma científico.

Essa renovação tem por finalidade focar-se no aspecto unificador do saber cultural, trazendo-o a luz da Psicologia contemporânea, no intuito de expandir seu arcabouço teórico e gerar uma nova configuração de mútua colaboração. A visão de interdependência entre ambos os sistemas é básica necessitando ser desbravada para que a sabedoria acumulada dos antigos códigos de crença possa somar-se aos ramos do conhecimento acadêmico, em uma inédita configuração, atual e ao mesmo tempo abrangente, do fenômeno religioso.

A abordagem utilizada para tal finalidade será o método dialógico, que procede fazendo um diálogo entre campos distintos, propondo uma síntese a partir da aproximação dos conceitos teóricos. Em termos de procedimento, será adotado o histórico/comparativo (MARCONI & LAKATOS, 2001).

Este estudo classifica-se como pesquisa exploratória, pois visa tornar o objeto de estudo mais claro através da obtenção e acúmulo de conhecimento sobre um determinado tema ou problema. O método básico de coleta de informações será a pesquisa bibliográfica, onde se procederá a prévia apreciação de material que abordará os assuntos referidos no trabalho, como livros, artigos científicos, revistas e etc. Os dados coletados serão analisados qualitativamente.

2. FUNDAMENTAÇAO TEÓRICA

2.1 Sobre a religião

A origem do fenômeno religioso mescla-se a origem do próprio homem em sua crescente tomada de consciência, constituindo um fato impreciso aos atuais historiadores. Os primeiros indícios de comportamento religioso acham-se entre os homens da pré-história, mais especificamente os de Cro-Magnon (entre 10.000 a 40.000 anos) que em certo momento passaram a personificar os elementos exteriores, evemerizando as forças da natureza, dando origem as primeiras entidades mais ou menos autônomas e as primeiras formas de cultos conhecidas (PIAZZA, 1996). Desde então a religião vem se desdobrado em um contínuo elaborar de suas próprias práticas e conteúdos, resultando na miríade de rituais e crenças que encontra-se atualmente.

A concepção moderna do conceito de Religião surgiu a não mais que 150 anos, durante o curso do iluminismo europeu, idéia que foi se desenvolvendo no Ocidente em um paulatino processo de reificação, gradualmente transformando-se em objeto até ser concebida como uma entidade sistemática objetiva. A necessidade de identificar as diferenças doutrinárias fundamentais das quais dependiam a salvação eterna levaram os estudiosos a focarem-se no aspecto externo da conduta dos fiéis, formando assim a idealização das religiões modernas como instituições sociais de crenças e ritos (HARRISON, 2006). Até então, o que se entendia por religião indicava apenas "um conjunto de regras, de interdições sem se referir à adoração de divindades nem as tradições místicas, nem à celebração de festas, nem a tantas outras manifestações consideradas em nossos dias, como religiosas" (BRELICH, 1994, p.7 apud SEMINÉRIO, 1998, p. 166), assim ao aplicarmos esse termo a outras épocas e contextos, como por exemplo a civilização oriental há uma transposição de sentido.

o conceito de religião formou-se e, pode se dizer, continua se formando ao longo da história da civilização ocidental. É importante lembrar que nenhuma língua dos povos primitivos, nenhuma das civilizações superiores arcaicas, nem sequer o grego e o latim, mais próximos de nós, possuem um termo correspondente a este conceito (BRELICH, 1994, p.7 apud SEMINÉRIO, 1998, p.166).

Na segunda metade do século XIX, em uma Europa que preconizava novos ideais iluministas, o advento da disciplina história das religiões, com a proposta de reconstruir o trajeto evolutivo destas tradições, bem como o desenvolvimento concomitante das Ciências humanas como a lingüística, a antropologia cultural, a psicologia e outros, foram determinantes para a criação de uma nova disciplina. Assim nasceu a Ciências das religiões, capaz de integrar o que esses diferenciados ramos do saber vinham oferecendo (FILORAMO & PRANDI, 1999).

As Ciências das Religiões – as quais estão entre seus mais conhecidos ramos a filosofia, antropologia, psicologia, sociologia e história das religiões – estão preocupadas na investigação descritiva comparada de seus elementos, na forma exterior com o qual se apresentam e seus respectivos efeitos em cada campo. As religiões, por seu turno, ocupam-se do transcendente, a experiência direta do desconhecido e do encontro com o que Rudolf Otto descreveu como numinoso[1]

O termo "religião" provém da palavra latina re-ligio, que significa "ligar de volta ou atar" (CAMPBELL, s/d) que condiciona a visão de que o homem, separado da experiência divina, religa-se novamente a ela através de alguma prática ou vivência de caráter místico. Abarcar amplamente todos os aspectos que compreendam sua denominação é um trabalho árduo em conseqüência do caráter polissêmico do termo, pois conforme os distintos ramos do conhecimento passa a comportar um matiz histórico, social e cultural diferente. Thouless expõe que "a religião é uma relação vivida e praticada entre o ser humano e o ser ou os seres supra-humanos nos quais ele crê [...] A religião em conseqüência, é um comportamento e um sistema de crenças e sentimentos" (VALLE, 1998, p. 43, grifo do autor).

Como um "sistema de crenças e sentimentos" o termo "religião" está demasiadamente vinculado a um princípio normativo, geralmente associado a uma instituição sócio-cultural específica de crenças e ritos. Contudo, para Eliade (s/d) a palavra religião é bastante imprecisa em sua designação da experiência do sagrado, que expressa não necessariamente a crença em um Deus, mas está antes relacionada as idéias de ser, sentido e verdade.

H. P. Blavatsky (1938) afirmava que o verdadeiro estudioso da sabedoria religiosa, perde inteiramente de vista as crenças dogmáticas e os aspectos particulares de cada religião, vez que são apenas fachadas, a vestimenta externa que encobre seu princípio interno, sua raiz, que é a mesma de todas as demais religiões. Neste sentido, a religião institucionalizada, repleta de dogmas e rígidas ritualísticas, pode até mesmo constituir uma barreira ao desenvolvimento da percepção do sagrado, a ponto de C. Jung (apud CAMPBELL, 1990, p. 219) chegar a avaliar que muitas vezes "A religião é uma defesa contra a experiência de Deus". A experiência do Sagrado transcende o circunscrito âmbito das instituições, adquirindo um caráter de vivência única e subjetiva, extrapolando em cada contexto cultural, em cada indivíduo, as limitações das conceituações que lhe são impostas na forma de "monoteísmo", "politeísmo", "panteísmo", "primitivas" e outras, tornando-se uma dimensão da vida tão ampla que chega a abarcá-la em todos os aspectos. Um dos textos dos Upanixades[2]confirma essa concepção ao ressalvar que "Quando, diante da beleza do pôr-do-sol ou de uma montanha, você pára e exclama "Ah", você está participando da divindade" (Idem, p. 217).

Portanto, aponta-se também para a utilização do termo "espiritualidade" devido sua maior abrangência e profundidade de significado. Espiritualidade remete a "sopro de vida, encontrar seu sentido" (PESSINI, BERTANCHINI apud KOVÁCS, 2007, p.246) e define uma maneira pela qual nos orientamos em direção ao Divino e construímos um sentido para a vida. É o elemento insondável (subjetivo) da contraparte visível, a religiosa. Independe de uma configuração externa ou dogma doutrinário, sendo antes uma elaboração na consciência, muito embora sua expressão factual no mundo seja por meio de atos e ritos religiosos[3]

A espiritualidade pode se expressar através da religião. A religião [...] é a maneira pela qual a espiritualidade de uma pessoa se exprime. A religião deveria fornecer um ambiente para o desenvolvimento espiritual (HOPKINS, 1995, p.4, tradução por Wayne Francis Mathews).

Tendo presente tais considerações, este trabalho visa focar-se no aspecto unificador dos diversos preceitos, ensinamentos, símbolos, cerimônias e rituais envolvidos nas tradições em geral (contraparte religiosa) bem como em seu sentido intrínseco, enquanto expressão na esfera das religiões (espiritualidade como manifestação).

Mas qual a idéia que permeia o sentido religioso? Assim como a Filosofia, a Ciência e outras práticas humanas, a Religião surge como uma busca de sentido, uma tentativa de compreensão dos enigmas fundamentais, entre os quais a consciência da própria finitude e a finitude em si. Trata-se de uma jornada, ou antes, a formulação de uma indagação a respeito das raízes ontológicas do ser e da (re)significação do sentido da vida (SEMINÉRIO, 1998; AMATTUZZI, 1999) ou, de acordo com Zilles (1991, p. 6) "[...] a religião tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo."

2.2 Sobre a psicologia

A psicologia, como especulação sobre a natureza humana, é tão remota quanto o primeiro homem, que em algum momento tomou consciência de si e principiou a refletir acerca de sua existência. Vemos seus arcaicos reflexos surgirem na elaboração mítica do homem primitivo, atingindo o pensamento grego da Antiguidade Clássica, que por meio de nomes conhecidos, como Sócrates, Platão, Aristóteles e outros, indagavam a respeito de conceitos como memória, percepção, alma, desenvolvimento onírico, comportamento anormal e etc.

O termo Psicologia provém da junção do vocábulo grego "Psyché" (????) que significa alma, espírito e do sufixo "logia", derivado do radical grego "logos" (?????) traduzido como palavra, estudo, tratado, ciência. Portanto seria melhor descrita como "Estudo da alma". Platão, ao sintetizar a metafísica do pensamento filosófico, foi tomado como o primeiro indagador da questão psicológica, enquanto Aristóteles, por ter escrito o primeiro tratado sobre o tema da Alma, seria seu primeiro sistematizador (FARIA, 1985; SERBENA; RAFFAELLI, 2003).

Imerso no universo da Filosofia, a elaboração psicológica encontrou expressão em vários pensadores enquanto investigação dos estados subjetivos da alma. Na Idade Média, as discussões continuaram, porém estritamente atreladas ao pensamento da Igreja. Destacam-se, nesse período, nomes ligados a doutrina religiosa como Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1224-1274) que rediscutiram o papel da alma e do intelecto na vida humana em uma perspectiva cristã, influenciando o pensamento ocidental por muitos séculos (CARPIGIANI, 2002).

Por volta do século XVII abrem-se renovadas maneiras de entender o universo, e com o movimento renascentista, brotam por toda Europa expressões de arte, literatura, conhecimento e outras formas de manifestação intelectual em diversos campos. Surgem neste contexto figuras de importância para a formação da nova epistemologia científica, como Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650). Descartes deslocou o foco do estudo da alma, dominante até o momento, para os processos da mente, atribuindo a ela primazia como alvo das reflexões filosóficas. Através da tentativa de resolver o problema mente-corpo localizou o ponto de intersecção entre as duas instâncias na glândula pineal, propondo um relacionamento dicotômico e interdependente entre ambas (CARPIGIANI, 2002). Carpigiani (2002, p.37) citando Schultz afirma:

A obra de Descartes serviu como o mais importante catalisador para muitas tendências que seriam depois predominantes na psicologia. As suas concepções sistemáticas de maior importância são a concepção mecanicista do corpo, a teoria de interacionismo mente-corpo, a localização das funções mentais no cérebro e a doutrina das idéias inatas (CARPIGIANI, 2002, p. 37).

Contudo, a psicologia somente pode dar seus primeiros passos como ramo independente a pouco mais de cem anos, em 1879, quando Wilhelm Wundt construiu o primeiro laboratório de psicologia experimental em Leipzig, Alemanha. Mas foi apenas no início do século XX, nos Estados Unidos, que a Psicologia confirmaria seu status de disciplina independente, angariando a partir daí um contínuo aperfeiçoamento técnico e instrumental específico da nova matéria científica, alcançando identidade e estrutura por meio da definição do objeto de estudo e metodologia própria (SHULTZ & SHULTZ, 1996).

Conforme se expandia, penetrando novos territórios e contextos culturais, foi ramificando-se influenciada pelo Zeitgeist[4]vigente de cada época, dando origens a "abordagens" com influências teóricas distintas, incluindo sob a mesma denominação de "ciência psicológica" várias vertentes oriundas de diversos princípios e escolas filosóficas.

A Psicologia, desde sua criação, teve inúmeras definições quanto ao seu objeto de estudo. Maher (1900), no início do século XX, postula que o alvo seu estudo seria a alma ou a mente. Titchener (1924), por seu turno, define que é a experiência humana, já William James (1916) enfatiza a consciência, considerando-a no campo das ciências naturais. McDougall (1941) especula como sendo o estudo e observação do comportamento, para citar apenas alguns eminentes pensadores da área (SERBENA; RAFFAELLI, 2003). Cada autor, ramo ou escola de pensamento, segundo sua própria acepção filosófica, estabelece uma visão particular em relação ao alvo de seus estudos.

Mas podemos afirmar, de maneira geral, que a Psicologia preocupa-se com o homem em sua totalidade psíquica, seus pensamentos, emoções, comportamentos, percepções e toda a gama de conteúdos que constituem seu universo particular em suas relações com a realidade circundante.

2.3 Relações entre psicologia e religião

A psicologia, como saber coligado ao campo científico, parece constituir um binômio conflitante com a religião. Chauí (1996) afirma que a atitude científica desconfia da veracidade de nossas certezas, enquanto a Religião procura dar aos humanos um acesso a verdade do mundo. Esse relacionamento foi conflituoso durante os primeiros passos da disciplina psicológica, quando a Ciência ainda se firmava como vertente separada do domínio religioso. Cambuy, Amatuzzi e Antunes (2006) constatam que até a metade do século XX, psicólogos e psiquiatras viam a expressão religiosa como um evento perigoso, ou mesmo nociva para a saúde mental, baseados em ocorrências como a manifestação de delírios místicos, encorajamento de experiências suspeitas, neuroses coletivas e etc.

A psicologia e a religião estiveram por muito tempo isoladas, pois enquanto a psicologia buscava seu status de ciência, aspectos referentes a espiritualidade/religiosidade foram negados já que poderiam gerar confusões, principalmente em relação ao papel do psicólogo, visto que ele não almejava ser confundido com um pregador ou algo do gênero (PESSANHA; ANDRADE, 2009, p.76).

Todavia a epistemologia vem sendo constantemente instigada a reelaborar-se ao passar do anos revelando uma contínua necessidade de transpor as próprias barreiras. Muitas tentativas de reconciliação por ambos os campos foram realizadas. No âmbito da psicologia nomes importantes como Sigmund Freud e Carl G. Jung desbravaram os horizontes dessa relação com seus estudos. Outro exemplo de tentativa de conciliação foi o advento, nos Estados Unidos, da Psicologia da Religião como vertente independente das Religionswissenschaften[5]tendo como figuras de destaque William James, Stanley Hall e J. Leuba. Esta disciplina designa-se por uma abordagem científica situada no campo da psicologia, que empreenderia questionamentos referentes a métodos e princípios de investigar, descrever e interpretar o funcionamento psíquico do comportamento religioso (PAIVA, 2000a, 2000b; EPELBOIM, 2006).

Valle (1998) expande essa definição concebendo que esse ramo:

[...] estuda a origem e a natureza da mente religiosa humana. Ela não procura definir o que a conduta religiosa é, e sim por que e como alguns fenômenos religiosos se dão no interno da estrutura psicológica de um sujeito [...] indaga, isto sim, sobre a estrutura psicológica que está por trás das formas de vivência e experiência religiosa (VALLE, 1998, p. 51).

Para fins do presente trabalho, adotar-se-á uma ênfase menos unilateral, no sentido de considerar o fenômeno religioso não como simples objeto a ser metodologicamente analisado, dissecando e abstraindo o comportamento psíquico da dimensão religiosa, mas compreendendo-o como um fator do qual ela interdepende. A esfera religiosa é detentora de uma psicodinâmica própria, uma coletânea cultural de significados que, se abordados corretamente em sua integralidade, proporcionará uma rica fonte de conhecimento.

Outra vertente que surgiu como uma forte relação entre as vertentes foi a chamada psicologia transpessoal. Em meados da década de 60, após a eclosão do movimento da psicologia humanista na América do norte, Abraham Maslow, um de seus principais pioneiros, foi também quem primeiro chamou atenção para as possibilidades de considerar a dimensão transcendente da identidade e das experiências vividas, comumente negligenciadas pela Ciência (WALSH; VAUGHAN, 1997).

Considero a Psicologia humanista, a Psicologia da Terceira Força, transitória, uma preparação para uma Quarta psicologia ainda "mais forte", transpessoal, transhumana, centrada no cosmos e não em necessidades e no interesse humanos, que vai além da condição humana, da identidade, da auto realização, etc (Idem, p. 22).

Recebendo forte influência do contexto cultural norte-americano da época, a psicologia transpessoal voltou sua atenção para os estados alterados de consciência provocados pelas práticas místicas das diversas tradições e também pelo uso de alucinógenos e psicodélicos em experimentos, afim de desbravar novos estados psíquicos. Autores de variados campos como Stanislav Grof, Ken Wilber, Viktor Frankl e Daniel Goleman construiram um sincretismo teórico, ligando várias práticas espiritualistas, como a yoga, ritos xamânicos, informações retiradas dos Vedas e dos mistérios de Elêusis a pesquisas científicas modernas.

A psicologia transpessoal tem como alvo expandir o conhecimento acerca do homem, incluindo áreas associadas a saúde e bem estar, apoiando-se no conhecimento das várias tradições ocidentais e orientais em uma síntese holística, reconhecendo uma ampla gama de estados de consciência para além dos limites do ego e da personalidade (WALSH; VAUGHAN, 1997). Todavia não caberá aqui tratar dos fenômenos religiosos em seu aspecto puramente transcendente (do qual a atual Ciência acha-se impotente ou indisposta a constatar, visto que não lida com eventos de caráter fenomênico que transpõe o mundo natural) mas concentrando a atenção em seus pontos convergentes no que desrespeita o problema subjetivo humano.

Jung (1978, p.85) afirma que "[...] toda religião que se enraíza na história de um povo é uma manifestação de sua psicologia." apontando a relevância de se considerar seriamente esta dimensão. Ele destaca a experiência religiosa como uma das mais importantes expressões do fenômeno psíquico e, enquanto criação humana, um genuíno reflexo da psiquê individual e coletiva. Logo, proceder o estudo dos sistemas filosóficos que sustentam determinada crença é, desvelar diametralmente, a psicologia que a sustenta.

3. O DOMÍNIO DO ATUAL PARADIGMA CIENTÍFICO

O que conhecemos como conceito de Ciência e Religião pode ser considerado como um produto da era moderna, ainda que suas raízes remontem a períodos muito mais antigos. A Religião teve seu recente significado estabelecido no século XVII e a Ciência no século XIX, após um gradual processo de reificação conceitual destas vertentes (HARRISON, 2006). Considerando-se o tempo histórico do desenvolvimento humano nota-se logo o quão recente deu-se essa separação. Nota-se também que imersas no seio do conhecimento geral e filosófico, partilharam do mesmo prestígio entre os grandes religiosos e pesquisadores do passado. Desde os pré-socráticos, filosofar era considerado um exercício espiritual, uma relação mestre-discípulo (GUERREIRO, 2003) e na Idade Média, a Alquimia entrava em cena relacionando a atitude científica ao fascínio pelo mundo do espírito, apenas para citar dois exemplos dos diversos, pois raramente havia uma incursão a um campo sem a influência direta do outro.

No século XVII, com a descoberta de técnicas experimentais, muitos pesquisadores da época foram levados a se debruçarem com mais ênfase aos fenômenos do mundo físico, completamente distinta do modo religioso e teológico (PAIVA 2000). Mas foi apenas no século XIX, que o embrião da Ciência, distinguida inicialmente como filosofia natural, passou a ganhar contornos cada vez mais definidos, adquirindo por completo sua diferenciação do mundo filosófico metafísico mais amplo. Então, já se podia falar em um modelo de racionalidade como um paradigma[6]de crescente dominância, que ao passar do tempo, estruturou-se de maneira generalizada.

Com a degeneração gradual do domínio da Igreja no Ocidente, que sofria severas críticas principalmente ao seu poder político-institucional, considerado tirânico, (CHAUÍ, 1996) e após realizar com êxito o movimento de ruptura com as formas de conhecimento medievais atreladas a teologia e a escolástica, a Ciência lançou novas bases para o pensar e o agir sobre a realidade, trazendo a este cenário uma nova premissa básica. Descartes a apresentou como uma desconfiança básica de nossas experiências imediatas ou de nossos sentidos, afirmando um novo estatuto epistemológico de conhecimento através da mente e não mais pelos sentidos ou pela revelação (PEREIRA, 2002).

Na medida que definia-se mais claramente o que era Ciência mais esta distanciava-se da prática da vida comum. O ímpeto de achar os componentes lógicos da realidade paulatinamente proporcionou a desconstrução de várias formas de conhecimento, como o religioso ou teológico, senso comum, etc, oferecendo, em troca o padrão racional como o único confiável mediador da realidade, tornando-se ao passar do tempo um determinante no que tange as formas de conhecer. Santos (2010) diz a esse respeito:

Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas (SANTOS, 2010, p.21).

Ao eleger um método único, a ciência moderna criou uma espécie de ditadura. Deu-se então uma progressiva institucionalização de um conhecimento hegemônico, veiculador de valores eurocêntricos (PEREIRA, 2002). Este saber vai lentamente modificando e substituindo valores de cunho social-cultural e ético-moral do seio dos antigos valores estabelecidos em sociedade, propagando o "ideal científico". As populações passam a libertarem-se das antigas regras de conduta implicadas pela matriz dos pensamentos religiosos e desfrutam de um novo status estabelecido, pautado pelo saber racional.

A Ciência moderna, surgida no Ocidente em uma época de crise dos antigos valores clericais, atuou como reguladora da ação da instituição religiosa, denunciando muitas de suas arbitrariedades e controle social. Fatores responsáveis pela ampliação do distanciamento entre Ciência e Religião. Porém em vez de equilibrarem-se as tendências, passou a dominar o extremo recém surgido, posteriormente vindo a culminar no cientificismo e na ilusão da neutralidade científica:

O cientificismo é a crença infundada de que a ciência pode e deve conhecer tudo, que, de fato, conhece tudo e é a explicação causal das leis da realidade tal como esta é em si mesma [...] o senso comum cientificista desemboca numa ideologia e numa mitologia de ciência (CHAUÍ, 1996, p. 280).

O triunfo da ideologia científica ocasiona uma nova forma de ver e estar no mundo, legitimando uma postura dominante sobre os fenômenos da natureza, considerando-a como uma proposição puramente fatual, uma coleção de fatos de valor instrumental, desprovida de valor intrínseco (OLIVEIRA, 2008), mesmo o ímpeto atual de preservação da natureza, através das técnicas de sustentabilidade, visam não a natureza em sí, mas sanar o malefício direto que sua extinção causaria ao seu "dominador", o homem. De fato, Vasconcellos (2002, p.18) nos diz que o conhecimento científico não só "modificou as relações do homem com a natureza, colocando-o cada vez mais dependente do uso da ciência e da técnica, como também tornou iminente o risco de uma catástrofe ecológica".

O atual paradigma tem como pressuposto central a divisão entre mente e corpo preconizado pelo pensamento cartesiano, o que levou a percepção de um universo mecânico, composto de componentes separados, fragmentados, cujas propriedades determinam por completo os fenômenos da realidade, incluindo organismos vivos e seus processos internos ou externos. Essa compreensão ainda está na base da maioria de nossas ciências (CAPRA, 1999). Tal "tendência a divisão" pode ser desvelada na raiz da contínua fragmentação das disciplinas acadêmicas e na emergência ininterrupta dos "especialismos", ancorando uma visão analítica e separatista do saber humano. Quanto ao movimento de especialização, diz Gusdorf (1976) que:

[...] o especialista é aquele que possui um conhecimento cada vez mais extenso relativo a um domínio cada vez mais restrito e que o triunfo da especialização consiste em saber tudo sobre nada (GUSDORF, 1976, p.08).

Aprofundando-se nesta problemática poder-se-ia elucidar um dos motivos da indisposição do racionalismo científico a aceitar outras formas de conhecimento, vez que considera a própria existência metodológica como algo separado, seccionada da natureza constituída pelas demais realidades e saberes.

O poder sobre a natureza exercido pelo caráter metodológico-experimental da Ciência moderna acarreta (ou é acarretado) pelo domínio conceitual sobre os fenômenos da realidade. Para tudo há uma explicação, uma resposta objetiva e racional, causando o desencantamento do mundo em geral e, em particular, o esvaziamento do simbolismo religioso. Autores como Mircea Eliade, François Houtart, Max Weber e Carl G. Jung apontam em suas obras os perigos da desvitalização desse simbolismo. Como dito no início deste trabalho, não se fala aqui da necessidade das religiões, consideradas como instituições e veículos ideológicos, mas como perpetuadoras do sagrado. Jung (1978) entendia a Religião como uma observação do numinoso, "uma existência ou um efeito dinâmico não causado por um ato arbitrário" não necessariamente ligado a uma instituição ou a difusão de uma crença específica, mas uma experiência única e subjetiva.

Segundo Giovanetti (PAIVA; ZANGARI, 2004) a sociedade moderna, a partir do final do século XVIII, não mais norteada pelos princípios religiosos e sem propiciar condições favoráveis para a vivência do sagrado, se expande tendo como propulsor o espírito niilista, entendendo-o como "o ateísmo não como atitude, mas como espírito. É a dissolução dos fundamentos éticos da vida e da sua milenar fundamentação na esfera do sagrado.". Temos aí um deslocamento dos valores éticos-morais que revelam um ponto crítico para o homem moderno, que apóia-se em um paradigma que nega ou desconhece radicalmente a vivência do transcendente, aprisionando-o na realidade imediata, objetiva e desmistificada de significados. "Convertida no fato sócio-cultural total, a ciência tornou-se o lugar de nossas esperanças e de nossas angústias" (JAPIASSU, 1985, p.93).

Condicionada apenas pelo próprio ímpeto, a Ciência pode vir a se tornar um grave instrumento de desvalorização da vida, como o advento do extermínio nuclear de Hiroshima e Nagazaki ou a manipulação laboratorial de armas biológicas. Os benefícios preconizados pelo seu avanço em diversos setores não tem conseguido equilibrar sua manipulação negativa, um dos fatos pelo qual autores como Lipovetsky, Houtart, Rouanet e Bauman discorrerem sobre o mal estar moderno e ao demonstrarem ser o (pós) modernismo uma era de crises, do consumo individual hedonista e esgotamento de valores humanos. Lipovetsky (1983, p. 74) exemplifica bem essa disposição quando afirma que "o pós-modernismo não passa de um outro nome para designar a decadência moral e estética de nosso tempo".

Não se atribui tais críticas a Ciência em si, mas a utilização a evemerização que dela se faz, por tanto, a própria conduta humana. Aristóteles propunha que deveríamos viver de acordo com a razão, mas para que ela mesma não se desordene precisa da virtude, da vida virtuosa (VALLS, 1994). A dimensão ética e a aspiração a ideais superiores, simbolizados pelos valores religiosos, foram substituídas pela "fé" na técnica. Não se trata de negar ou contrariar o método científico, mas de opor-se a hegemonia da razão e da objetividade, que parece freqüentemente desqualificar ou desconsiderar os domínios da cultura, da filosofia, da religião e etc (JAPIASSÚ, 1996).

É inegável que o conhecimento científico engendrou o progresso técnico, proporcionando um desenvolvimento intelectual e material nunca antes usufruído, como o controle da energia nuclear e de estruturas genéticas. Todavia, os prodigiosos poderes de manipulação e destruição condicionados pelo seu avanço, levam a humanidade a discutir seriamente o controle ético e político da atividade científica (MORIN, 2005). Santos (2010) chega a postular que o que a Ciência ganhou de rigor nas últimas décadas perdeu em capacidade de auto-controle e que a ideologia dos primeiros cientistas colapsaram perante as exigências da industrialização, acarretando seu compromisso com os centros de poder político, econômico e social. A partir daí houve sua industrialização pelos meios dominantes, que passaram a definir as prioridades. Ironicamente vê-se a Ciência, dominadora e dominada, cair alvo da mesma crítica que os primeiros protestantes atribuíram a Igreja medieval, a de ter se tornando objeto de manipulação mercadológica.

"Consciência sem ciência e ciência sem consciência são radicalmente mutiladas e mutilantes" já apontava Morin (2005, p.11) defendendo que a atividade científica deveria reatar-se novamente a reflexão filosófica e ser pautada pela consciência moral. Vázquez (1999) sustenta a mesma posição quando alega que a ciência (pelo seu uso e conseqüências de sua aplicação), não sendo ideológica por sua estrutura, não pode ser separada da moral[7]A sociedade, tendo colocado em cheque a antiga preponderância das instituições religiosas, não se preocupou em resgatar o que havia de essência em termos de consciência, ética e valores humanos de suas tradições e códices, legando as gerações subseqüentes uma "descrença generalizada" no saber religioso.

3.1 Emergência de novos paradigmas

A despeito de sua ascensão nas últimas décadas, a Ciência moderna, tendo atingido seu apogeu como paradigma dominante, inicia o movimento que vem lançar as bases de seu próprio declínio. Segundo Santos (2010) essa crise não é só profunda mas também irreversível e levará a construção e emergência de um novo paradigma:

[...] a identificação dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda (SANTOS, 2010, p.41).

E complementa Morin (2005):

É de esperar que as transformações que começaram a arruinar a concepção clássica de ciência vão continuar em verdadeira metamorfose. O conceito de ciência herdado do século passado não é, como observou Bronowski, nem absoluto, nem eterno. Enquanto os físicos acreditavam, em 1900, que sua ciência suprema estivesse quase completa, essa mesma física começava uma nova aventura, arruinando seus dogmas (MORIN, 2005, p.10).

Disciplinas surgidas da matriz do saber científico como a Física Quântica, a Psicologia, Astronomia, Biologia e outras, ao ampliarem (ou aprofundarem) seus campos de estudos encontram barreiras e claros limites onde a episteme atual perde por completo seu poder de conhecer e explicar os fatos, pois estão além da tendência a racionalização, fragmentação e reificação determinados pelo modelo vigente de conhecer a realidade.

Cada vez mais pesquisadores vêm demonstrando uma tendência a ultrapassar a "frágil fronteira" deste estreito berço epistemológico em busca de convergência com as demais formas de saber, destacando-se o conhecimento contido na sabedoria religiosa. Autores como Fritjof Capra (2006) que apontam para a presença de princípios místicos em conceitos da física moderna ou Russel Stannard (2001) que questiona novas maneiras de praticar uma Ciência não-excludente. No ângulo oposto, também encontramos religiosos que abraçam cada vez mais as causas científicas, forçando o rompimento de dogmas e estratificações causadas por tradições estagnadas. Uma das conseqüências desse movimento encontra-se na aproximação de algumas vertentes místicas e/ou religiosas ao status científico, como a Teosofia, o espiritismo ou a cientologia. Também constata-se o avanço desta a outras áreas, ampliando seu campo de atuação e abrangência no sentido de produzirem uma contribuição mais pungente ao quadro geral.

Tentativas de reconciliação entre o pensamento contemporâneo e as religiões tradicionais podem ser encontrados no hinduísmo (Aurobindo, por exemplo) e no budismo. Algumas religiões orientais se implantam no ocidente: o bahaísmo proveniente do Irã e que pretende realizar a síntese de todas as religiões, o budismo tibetano, o Soka Gakai japonês, o movimento de Moon da Coréia do Sul, o Ramakrishna da Índia. Por outro lado, instâncias religiosas são convocadas para mediar conflitos e responsabilizar-se por programas de emergência. (HOUTART, 2003, p.38).

Houtart (2003, p.41) corrobora que a "reconstrução da totalidade do universo [...] é uma tarefa ideal para a qual as religiões podem contribuir", salientando o importante papel que detém na edificação de uma nova visão da natureza, no qual a humanidade seria parte integrante, destinada não a explorá-la, mas a geri-la, em uma simbiose harmônica e solidária.

A crise do paradigma científico e a revisão de antigas crenças religiosas revelam uma nova tendência, uma episteme re-elaborada, mais aberta e consciente do caráter multifacetado da realidade em que o homem está submerso. Vários movimentos, das mais distintas origens, vem emergindo, conferindo a Ciência um estatuto mais independente da noção de "Verdade" por ela estabelecido, menos subjugada pela razão, voltada para uma metafísica mais suscetível de integrar saberes antigos ou tradicionais (JAPIASSÚ, 1996). Nesse sentido Paiva (2000) acrescenta:

[...] caminha-se hoje para um novo tipo de interação entre religião e ciência, que pensa o discurso científico e o discurso religioso como uma rede de analogias e metáforas que podem envolver as causas inobserváveis dos fenômenos e as realidades religiosas transcendentes (Idem, p.18, Nota de rodapé).

Novos paradigmas e modelos são esboçados e apresentados como uma saída a patologia do racionalismo. Morin (2007) nos introduz, por exemplo, ao que denominou de "pensamento complexo", uma maneira diferente de conceber o real, que permite "distinguir sem disjungir" (MORIN, 2007, p.15), que não está interessada na simplificação de algo para ser analisado, mas na ênfase do todo, na solidariedade dos fenômenos e na integralidade dos sistemas. Trata-se de uma visão interdisciplinar do comportamento, emergente em muitos sistemas e redes.

Em colaboração com esse viés está o Pensamento Sistêmico, considerado também como um paradigma emergente e que distingue-se em três pressupostos principais do atual modelo vigente: Do pressuposto da simplicidade para o pressuposto da complexidade, estando em franca concordância com o "Pensamento complexo" exposto acima onde se lida com a complexidade do mundo em todos os seus níveis, em atitude de contextualização dos fenômenos. Do pressuposto da estabilidade para o pressuposto da instabilidade, que considera a indeterminação dos fatos de um mundo que está em eterno processo de "tornar-se", em constante mutação, bem como a imprevisibilidade, a irreversibilidade e a incontrolabilidade de alguns fenômenos. Do pressuposto da objetividade para o pressuposto da intersubjetividade, que reconhece não haver uma realidade independente de um observador, mas múltiplas versões do real, este mesmo uma construção social, em espaços consensuais, por diferentes sujeitos/observadores (VASCONCELLOS, 2002).

Tais mudanças paradigmáticas apontam, em conjunto, para a desconstrução conceitual da vida, ou seja, a desmistificação da onisciência das teorias experimentias, bem como reconhecimento do mistério e do imprevisível como componentes básicos da realidade, caractere fundamental e intrínseco do ser humano e da expressão de sua originalidade.

A ciência clássica privilegia a ordem, a estabilidade, ao passo que em todos os níveis de observação reconhecemos agora o papel primordial das flutuações e da instabilidade (PRIGOGINE, 1996, p.12).

Importante salientar que em nenhum momento se fala de uma mistura entre conceitos científicos e outros, derivados das vertentes religiosas, místicas, culturais e etc. Preconiza-se antes a abertura da Ciência, como forma de conceber o mundo, em uma configuração mais ampla, includente ao invés de excludente, que abarque as demais formas de enxergar a vida e que reconheça que "uma parte do real é irracionalizável" (MORIN, 2007, p.15). Neste assunto, Max Plack, considerado o pai da Física Quântica, resume tal idéia ao expressar que "A ciência é incapaz de resolver os mistérios finais da natureza, porque nós somos parte da natureza e, portanto, dos mistérios que tentamos resolver" (PLANK, 1941, p.238, tradução nossa).

4. A QUESTAO DA SUBJETIVIDADE NA PSICOLOGIA

O estudo da Psicologia, tal como a concebemos hoje, é um exercício complexo ou mesmo polêmico, por se achar composto de inúmeras escolas de pensamento, muitas vezes completamente divergentes em suas concepções. Nascida como uma vertente científica, também acabou fragmentando-se (como visto, uma tendência natural do paradigma vigente) para abarcar os diferentes pontos de vista da realidade em sua multidimensionalidade. Por conta disso, de fato, "não pode ser considerada como uma disciplina una, nem tampouco unificada" (JAPIASSU, 1995, p. 22).

Tal fragmentação, embora possa trazer uma diversidade, revela também as bases de sua instabilidade e insegurança. Ao lado das demais ciências humanas a Psicologia parece viver uma permanente crise, caracterizada pelas posturas metodológicas e teóricas em persistente e irredutível oposição. Fica assim, destinada a não encontrar os próprios fundamentos, a nunca satisfazer as exigências do paradigma científico no qual se acha mergulhada, ocupando de maneira precária o espaço que a configuração do saber lhe assegurou (FIGUEIREDO, 1991).

Serbena e Raffaelli (2003) comentam o fato de que a Psicologia é um dos poucos casos em que um campo científico não é definido conforme sua etimologia, já que costuma ser habitualmente traduzida como "ciência do comportamento" em vez de "estudo da alma". Esse cunho comportamentalista deriva, segundo o autor, do predomínio histórico na área de correntes neo-positivistas e materialistas. Faria (1985) ressalva que o grande equívoco está em utilizar a palavra do radical grego (????, Psiché) para definir todo o conjunto de fenômenos ligados a mente humana, como a memória, a inteligência, imaginação, e até concepções de saúde ou doença mental. A alma, em toda sua conotação subjetiva ou mesmo em seu substrato imaterial e espiritualista, é inconcebível a uma visão racional e lógica sustentada pelo paradigma tradicional. "Como se vê, as expressões parapsicologia e psicologia estão fartas de impropriedades" (Idem, p.12).

Neste sentido toda fala da psique que procure ser científica e objetiva tende a esquecer, ignorar ou desprezar a existência do outro pólo, isto é, da fala da subjetividade, da "alma" e do mundo mítico ou simbólico. Entretanto, ao se negar um espaço para a subjetividade, esta não é eliminada, apenas suprimida do discurso científico (SERBENA; RAFFAELLIi, 2003, p.35).

"Ao pretender tornar-se ciência [...] praticamente deixa de ser uma disciplina humana, e ao fazer-se humana, ela deixa de ser científica" (JAPIASSU, 1995, p.141). Todos esses fatores demonstram que um dos cenários em que a Psicologia (e isto deve-se ampliar em maior ou menor grau a todas as humanidades) encontra-se em maior insegurança e indefinição em relação ao campo científico, acha-se traduzido no sentido da palavra "subjetividade", devido a natureza do seu próprio objeto de estudo (ou pelo que deveria ser). Para Amatuzzi (2006, p.93), a subjetividade é o "abstrato de sujeito" ou ainda:

[...] é o âmago mais profundo da experiência, e não é possível apenas conhecê-la objetivamente. Tudo que eu consigo saber dela pelo caminho do conhecimento objetivo não é ainda a subjetividade. Para conhecê-la preciso sair da relação sujeito-objeto, preciso aceitar que nesse caso pensamento, sentimento e decisão estão indissociavelmente ligados, preciso aceitar também que o caminho em direção a ela é um caminho de envolvimento pessoal. Curioso esse conceito. Ele não fala de algo que está lá e que se dá a conhecer, mas de algo com o qual posso me relacionar, e é só dessa relação que nasce um certo conhecimento (Idem; p.95).

Vale ressaltar que a subjetividade é entendida não como um "anarquismo epistemológico" mas uma forma diferente de conhecer o mundo e a realidade através de uma dimensão distinta de contato, ou como um saber que não pode ser apreendido racionalmente, mas que ainda sim é conhecimento.

A subjetividade integra relações de opostos em um mesmo componente, individual-social, interno-externo, articulando-os em uma expressão complementar e recursiva, constituinda não como algo confuso, mas como uma dinâmica altamente singularizada. Todo conhecimento subjetivo sobre qualquer coisa implica necessariamente em auto-conhecimento. A subjetividade não pode compor um sistema fechado, sendo ela própria uma produção subjetiva, interdisciplinar, transdisciplinar e de caráter mutável, em constante renovação, destruição e recriação de seus próprios paradigmas (REY, 2005).

A experiência subjetiva foi colocada a margem do processo histórico de desenvolvimento da Ciência tradicional e considerada como um risco ao procedimento objetivo. Como visto, Vasconcellos (2002) distingue a objetividade como um dos pressupostos que formam o pilar do pensamento moderno, que pretende conhecer o mundo como algo determinado, independente do observador, situando-se fora de seu contexto, em suposta posição de neutralidade. A influência deste pressuposto está em todas as escolas da Psicologia e várias delas (incluindo ramos dominantes) mantém-se ainda estritamente vinculadas a esta noção unilateral de conhecimento.

Após a independência da matriz filosófica, a disciplina psicologica angariou para si o estudo dos processos humanos e seus conteúdos. "Constitui-se e tenta-se colonizar um novo continente: o da natureza interna, o íntimo" (FIGUEIREDO, 1991, p.19), encerrando a grande contradição de pretender submeter essa mesma "natureza interna" as práticas de pesquisa e controle metodológicos. Chocam-se a sensibilidade, a afetividade, a intuição, a vivência pré-reflexiva com a razão instrumental, na tentativa de reificá-las em uma assepsia conceitual, extirpando-as dos vestígios cada vez mais dissimulados da subjetividade. Porém quanto mais avança, mais a razão instrumental descobre-se inevitavelmente implicada e condicionada pelo próprio objeto de estudo, a "vida subjetiva" (FIGUEIREDO, 1991). Em apoio, afirma Rey (2005):

[...] a realidade não é apenas uma sofisticada produção teórica, mas também a nossa própria condição de seres vivos, com registros que não se reduzem aos conceitos produzidos nos sistema de conhecimento, o qual deve ter a capacidade de estar inserido nessa realidade e, portanto, constituído nela (REY, 2005, p.33).

Ora, a psicologia deveria pautar-se pelo paradigma dominante e ignorar, em nome de procedimentos técnico-experimentais, o imensurável, o subjetivo? Ou mesmo deveria capturá-los em formas conceituais pré-estabelecidas e dissecá-los, até sua objetificação?

Nesse ínterim, a experiência religiosa encontra-se fundamentalmente no espaço subjetivo, e enquanto o modelo vigente continuar associando arbitrariamente essa condição à imprecisão e irregularidade, desconsiderando-a como objetivo válido de saber, jamais encontrará o ponto de contato perdido. Serbena e Raffaelli (2003, p.36) afirmam que "é fundamental repensar o objeto da psicologia e sua linguagem, considerando a sua origem como uma ciência também da alma".

Apela-se, portanto, através da emergência de novas formas de conceber o mundo, para um contato mais íntimo com o "incognoscível" através, não da indiferença instrumental, que vem acarretando o desencantamento simbólico da realidade e uso anti-ético da Ciência por parte da humanidade, mas da vivência dos valores humanos que incorpore uma nova maneira de compreender menos superficialmente a realidade.

5. PSICOLOGIA E RELIGIAO: UM PONTO DE CONVERGÊNCIA.

Uma consciência pode relacionar-se com o mundo de diferentes maneiras, através do senso comum, filosofia, religião, artes, ciência, de modo a não haver oposição entre elas, mas diferença (CHAUÍ, 1996). Distinta de uma oposição, a diferença pressupõe, nesse contexto, complementação. E é por meio da complementação que se busca mostrar, por um novo ângulo, a vinculação que existe entre Psicologia e Religião.

[...] psicologia e religião são complementares. Isso é verdadeiro em três sentidos: em primeiro lugar, nós não devemos mais pensar em termos de psicologia versus religião, como explicações opostas do comportamento humano. Não se destrói a validade de uma área simplesmente porque se aceita a validade da outra, porquanto elas não são reciprocamente excludentes. [...]. Como uma explicação psicológica da vida das pessoas não elimina o possível valor de verdade de uma visão religiosa (e vice-versa), os pesquisadores e os peritos de um campo não precisam considerar os outros como uma ameaça. Ao contrário, eles são livres para influenciar-se e ajudar-se mutuamente. Em segundo lugar, psicologia e religião chegaram, em certos casos, a conclusões paralelas [...]. Em terceiro lugar, psicologia e religião são, na prática, complementares" (PALOUTZIAN apud FILORAMO & PRANDI, 1999, p. 196).

Amatuzzi (2003) salienta que "fé" e "ideologia" não fazem parte do vocabulário de nossa atual Ciência, e portanto, de nossa Psicologia e questiona o porque esta não se pronuncia a respeito da problemática religiosa. Tais termos são traduzidos dentro da disciplina acadêmica como "crença", "cognição", "processos volitivos", "motivação", "valores" e outros, aceitos mais facilmente pelo atual paradigma. Com isso não se estará perdendo algo? O autor chega a afirmar que uma pessoa religiosamente motivada espanta-se com a ausência de espaço na psicoterapia onde possa considerar suas preocupações.

Valle (apud CAMBUY, AMATUZZI, ANTUNES, 2006) chama atenção para o perigo de reducionismos, tanto por parte da Psicologia como por meio das instituições religiosas. Nesse caso corre-se o risco ou, de enfatizar apenas o caráter psicológico da vivência religiosa, iludindo-se que dispõe de todos os elementos para compreendê-la plenamente, ou de haver uma demasiada simplificação do dinamismo humano, ignorando as motivações psicológicas subjacentes, ocasionando uma concepção "angelical" da pessoa. Lopez (apud CAMBUY, AMATUZZI, ANTUNES, 2006) identifica que a dificuldade da abordagem do caráter religioso deve-se ao fato do pouco contato com o tema nos cursos de formação. Os estudantes chegam a conhecer vagamente algumas poucas posições da psicologia em relação a experiência religiosa, muitas vezes apenas em sua dimensão patológica.

"Sentido da vida", "felicidade", "plenitude", "espiritualidade", vê-se como essas terminologias contém mais polêmica do que significado para a psicologia. Estas não são consideradas no âmbito mais amplo da disciplina acadêmica, como visto, devido seu conteúdo subjetivo, do qual o atual paradigma não consegue, ou melhor, não tem parâmetros suficientes para lidar corretamente em uma arena de maior abrangência. Será que a Psicologia não tem nada realmente a dizer a respeito disso? Se não, torna-se urgente indagar a relevância de um desempenho biotecnológico, fragmentado, que desconsidera a importância de uma atuação abrangente no âmbito sócio-cultural.

Não poucos pesquisadores, como Peres (2007), Paiva (2000a, 2004, 2007), Amatuzzi (1999, 2003), Crema (1985), Assagioli (1997), no contexto nacional, e Maslow (1968), Jung (1978) mais conhecidos internacionalmente, dentre outros tem chamado a atenção para a utilização da significação espiritual, do trabalho com a religiosidade, como aspecto de grande importância no contexto clínico. Várias pesquisas, em diversos campos de estudo, preconizam que indivíduos com características religiosas tendem a serem mais saudáveis física e psicologicamente:

A explicação desses achados pode ser buscada, do ponto de vista psicológico, na eficácia da religião em promover comportamentos saudáveis e restringir comportamentos nocivos; na influência da religião nos estilos de vida pessoal; na integração e apoio, favorecidos pelos atos religiosos sociais; na intensificação dos sentimentos de auto-estima e de auto-eficácia providos pela religião; no enfrentamento das situações estressantes num quadro de referência religioso e, possivelmente, nas alterações das conexões psiconeuroimunológicas ou neuroendócrinas que afetam os sistemas fisiológicos (PAIVA, 2007, p. 03).

Ainda que desconsiderando o aspecto transcendente, percebe-se que uma correta abordagem do tema apresenta as tradições doutrinárias como portadoras de um saber psicológico, adaptado a cada contexto cultural, propiciadora de consolo e qualidade de vida para seus fiéis. Considerando esse ponto, o saber religioso também pode ser considerado uma abordagem psicológica específica, inserida em seu próprio contexto, que busca trazer desenvolvimento ético e moral aos seres humanos[8]

A psicologia nada teria a aprender dessas milenares formas de investigação e tratamento do ser humano? Antes mesmo dos consultórios de psicoterapias, cristãos desabafavam suas angústias, medos e ansiedades em um confessionário buscando auxílio espiritual. Não apenas isso, mas a ausência, no meio acadêmico, de estudos ou aprofundamento em outras linhas de pensamento, como as religiosas ou a de princípios filosóficos orientais, assinalam uma significativa perca de conteúdos de grande valor para a compreensão do ser humano em geral.

Apenas a guisa de demonstração cita-se o (praticamente desconhecido) estudo dos traços de personalidade, sistematicamente investigados por Liu-shao por volta do ano 220 d.C., na China antiga, onde, baseado na corrente dos cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal e água) traçava cinco características diferentes para cada dimensão do ser humano, como o corpo, o temperamento, o dever e a moralidade. O equilíbrio de todos esses fatores alçava o indivíduo a uma personalidade ideal. A tipologia de Liu-Shao guarda uma intensa semelhança com a teoria do temperamento, de Hipócrates. Ou ainda, pode-se aludir a terapia Morita, criada pelo psiquiatra japonês Dr. S. Morita, que é um sistema de psicoterapia única baseada no modo de pensar Zen (MARX; HILLIX, 2001). Estudos como esses ainda são praticamente desconhecidos no meio acadêmico Ocidental que, por tradição, segue uma linha de pensamento quase exclusivamente norte-americana e/ou eurocêntrica.

Capra (1999) afirma que as tradições orientais, embora não estejam primordialmente interessadas na elaboração de teorias, sendo principalmente caminhos de transformação da consciência, desenvolveram suas noções baseados no conhecimento empírico, apresentando uma afinidade com a abordagem da Ciência moderna. Assim:

[...] tradições como o vedanta, a ioga, o budismo e o taoísmo assemelham-se muito mais a psicoterapias do que a filosofias ou religiões; portanto, não surpreende que alguns psicoterapeutas ocidentais tenham manifestado recentemente um profundo interesse pelo misticismo oriental (CAPRA, 1999, p. 157).

E acrescenta:

Essas tradições fundamentam-se em experiências místicas que levaram a criação de elaborados e extremamente refinados modelos de consciência que não podem ser entendidos dentro da estrutura cartesiana, mas que estão em surpreendente concordância com recentes conquistas científicas (Idem, p. 157).

Alguns dos conceitos analisados na esfera acadêmica guardam extrema correspondência com assuntos elaborados na dimensão espiritual, no sentido de estarem traduzindo em linguagem científica vivências que podem, há tempos, constar no campo do saber religioso. Isso indica que uma aproximação dessas vertentes poderá promover uma possibilidade de ampliação dos horizontes conceituais da disciplina.

O budismo[9]pouco conhecido em profundidade no Ocidente, teve origem nos ensinamentos de Sidarta Gautama, nascido por volta de 563 a.C., membro do clã Sakya. Poucos fundadores religiosos concederam a mente tanta importância e primazia como suas doutrinas. O mais apreciado texto budista, chamado Dharmapada, inicia com as seguintes palavras "Tudo que somos é resultado daquilo que pensamos". Seus ensinamentos visam como alvo de nossos esforços a dissolução da ignorância, pois ela é considerada a raiz de nossas faltas e pecados (SMITH, 2007). Não há condenação na natureza humana, mas um estado de sofrimento devido a ignorância básica no qual se encontra. Capra (1986) diz que o budismo tem um caráter eminentemente psicológico, apontando:

Buda não estava interessado em satisfazer a curiosidade humana acerca da origem do mundo, da natureza do Divino ou questões desse gênero. Ele estava preocupado exclusivamente com a situação humana, com o sofrimento e frustrações dos seres humanos. Sua doutrina, portanto, não era metafísica; era uma psicoterapia. Buda indicava a origem das frustrações humanas e a forma de superá-las. Para isso, empregou os conceitos indianos tradicionais de maya, karma, nirvana,etc., atribuindo-lhes uma interpretação psicológica renovada, dinâmica e diretamente pertinente. (Capra, 1986, p. 77).

Conta a história, que em seu primeiro discurso após a iluminação, Buda teria revelado as Quatro Nobres Verdades, diagnosticando essencialmente como um médico o estado de sofrimento e ignorância da humanidade. A Primeira Nobre Verdade (Dukkha Satya) diz que a vida é dukkha, termo traduzido geralmente como "sofrimento"[10] e aponta seis situações em que todos os seres o comungam: O trauma do nascimento, a patologia da doença, a morbidez da decrepitude, o medo da morte, sujeição aquilo de que não gostam e separação daquilo que amam. A Segunda Nobre Verdade (Samudaya Satya) identifica Tanha, o desejo de realização individual, como a causa básica do sofrimento, pois aumenta nosso senso de separação em relação a vida e ao todo, bem como alimenta todos os contornos de egoísmo, cujo o desejo é posto acima de todas as outras considerações distintas ou formas de vida. O "eu" é a causa do sofrimento. A Terceira Nobre Verdade (Nirodha Satya) desrespeita a segunda, pois se a causa do sofrimento está na ânsia pela relação egoísta, este item alega que a cura está na superação do egoísmo. A Quarta Nobre Verdade (Magga Satya) prescreve como pode se chegar a cura através do Caminho Óctuplo. Seus oito preceitos são: Visão correta, intenção correta, linguagem correta, conduta correta, ocupação correta, esforço correto, atenção correta e concentração correta (SMITH, 2007; SILVA; HOMENKO, 2002).

Tomando por referência apenas a escola psicanalista, temos vários pontos onde ela e o budismo tocam-se em seus princípios, como, por exemplo, a visão compartilhada de que o nascimento é um "trauma originário" causador de sofrimento. Freud descreve que esta experiência:

[...] envolve tamanha concatenação de sentimentos dolorosos, de ruptura e excitação, e de sensações corporais, que se tornou um protótipo de todas as ocasiões nas quais a vida corre risco, sendo continuamente reproduzida em nós sob a forma do pavor dos estados da "ansiedade" (FREUD, 1953 apud SMITH, 2007, p. 107).

Em relação a "sujeição aquilo que não se gosta" pode-se achar ligado, na teoria psicanalítica, ao superego e ao constante condicionamento que este impõe ao ego, inibindo, por meio da punição, impulsos socialmente indesejados, tornando-o invariavelmente sujeito as normas culturais, regras morais e etc. A doença, a decrepitude, a fobia da morte e a separação do amor também são temas acometidos tanto pela psicanálise, como por outras abordagens, como fonte perene de ansiedade e dor para os seres humanos.

A psicanálise freudiana encontra na Segunda Nobre Verdade outro novo ponto de congruência, quando argumenta que o egoísmo (e o narcisismo) dedica-se ao interesse geral do eu, ao qual em situação comum, todas as condições específicas estão subordinadas. Considera-se também a ligação direta que Freud faz entre o eu e a causa do sofrimento:

Pode não ser nada simples o problema de como se engendra a angústia na origem do recalque; porém, tem-se o direito de reter a idéia de que o eu é a verdadeira fonte da angústia (FREUD, 1926 apud FERRAZ, 2002; p.123).

As três primeiras Nobres Verdades discorrem fundamentalmente sobre o sofrimento a que está condicionado o homem, quase como sendo algo inerente ao seu estado. Esta concepção está presente de maneira geral na visão de homem psicanalítica, bem como em algumas outras vertentes religiosas e psicológicas "Grandes preocupações são dadas a cada pessoa e pesado jugo oprime os filhos de Adão, desde o dia que saem do ventre materno até o dia da volta para a mãe comum" (BÍBLIA, Eclesiástico, 40:1). Contudo, há uma saída para o sofrimento: o fim das misérias encontra-se na Quarta Nobre Verdade e seus oito preceitos.

O Caminho Óctuplo não é apenas uma série de normas de auto-aperfeiçoamento em direção a liberação do sofrimento, mas também uma proposta ética. No budismo cultiva-se a paramita, chamada de As dez perfeições (sutta Pitaca, Buda-Vasna), nos quais as duas primeiras são a caridade (Dana) e a conduta ética (Sila)[11]. Segundo o budismo, o correto comportamento moral levará seu praticante a purificar gradativamente sua mente e seu corpo, dando-lhe saúde, alegria e felicidade em abundância (SILVA; HOMENKO, 2002). A proposta ética é de maneira geral a pedra angular das religiões como um todo, sendo seu fundamento e finalidade, bem como sua principal representante e guardiã ao longo do tempo, tanto que Leonardo Boff (2009) afirmava que ao se observar a história, acha-se na razão e na Religião as duas fontes que orientaram e orientam ainda as sociedades do ponto de vista ético e moral.

Tal questão, por sua importância, constitui um aspecto básico do trabalho psicológico. Jung a considerava inerente a saúde psíquica do indivíduo, a ponto de alegar, em um de seus casos, a falta de consciência moral como a causa de neurose compulsiva que acometia seu paciente (JUNG, 1954). Ele afirma que "a atitude moral é um fator real que o psicólogo deve levar em consideração, se não quiser cometer os mais graves erros" (JUNG apud BARRETOS, 2009, p.92). A responsabilidade ética deve sempre ser considerada, segundo ele, para que o indivíduo mantenha-se equilibrado, pois a não observância desse fator priva "a existência de sua totalidade e conferem a muitas vidas individuais um cunho de penosa fragmentação" (JUNG, 1964, p.171). Freud também leva em consideração esse tema, como base da causa de patologias mentais, chegando a afirmar que "sucumbem ao destino do recalque patogênico, as crenças e desejos que entram em conflito com as representações culturais e éticas do indivíduo" (FREUD, 1914, p.90). Não é por acaso que, para Sócrates "a psyché revestia a conotação de um "pathos valorativo", que, em última análise, fundamenta o valor espiritual e ético do homem ocidental" (ROCHA, 2001, p.80).

Apreende-se de tais fatores, que a vivência plena de uma adequada conduta, gera saúde psíquica e qualidade de vida ao ser humano, enquanto experiências que são contrárias a ela, ou moralmente negativas, ampliam a possibilidade de desenvolvimento de enfermidades tanto mentais como fisiológicas, gerando dor, angústia e sofrimento.

O sofrimento, por sua dimensão, também encontra-se no campo onde a Psicologia permeia amplamente os domínios do sagrado. Ambas vertentes procuram encontrar significado e superação dos estados de sofrimento, na tentativa de trazer bem-estar e saúde ao homem em geral. Os estudos de F. Walsh sobre resiliência[12]assinalam esta ligação. Ele considera o sistema de crenças o coração e a alma da resiliência familiar, estando divididas em três processos básicos: a) atribuir sentido a diversidade, reconhecendo-as como algo constitutivo a vida; b) olhar positivo, que trabalha a aceitação ao que não pode ser mudado e o enfrentamento otimista daquilo que é passível de mudança; c) a transcendência e espiritualidade, que trata da fé, propósito, objetivo de vida e a transformação através das crises (YUNES, 2003).

O cristianismo, por exemplo, através dos textos bíblicos a muito contribuiu para levar aos homens a mensagem da superação do sofrimento, nos três pontos combinados demonstrados acima por Walsh, evidenciando em diversos trechos a aflição como produtora da construção de virtudes e ligação com o divino:

[...] e nos orgulhamos na esperança da glória de Deus. E não só isso. Até nos sofrimentos nos orgulhamos, pois sabemos que o sofrimento produz perseverança, a perseverança prova a fidelidade e a fidelidade comprovada produz a esperança. E a esperança não engana [...] (BÍBLIA, Romanos 5:2-5).

Capítulos como esse sugerem uma mudança de perspectiva em relação ao estado de sofrimento, seja ele físico ou psíquico, propondo uma nova ótica: a de felicitar-se mesmo nas situações críticas, pois elas produzirão "perseverança, fidelidade e esperança". O capítulo bíblico de Jó talvez seja o que retrata com mais clareza essa persistência, de entender e lidar com a dor, bem como a restauração após os momentos de provação e dificuldades. Hoch & Rocca et al (2007) sugerem que a resiliência propõe uma mudança de percepção, apoiando uma "perspectiva de esperança", onde em lugar de priorizar os efeitos negativos, como a doença, a fraqueza e a angústia, enfatiza-se a capacidade de reagir e superar os momentos difíceis. Dessa maneira os cânones bíblicos recomendam a paciência e esperança, apontando para o consolo que proverá em forma de auxílio divino "Ainda que eu ande por um vale de espessas trevas, não temo mal algum, porque tu estás comigo" (BÍBLIA, Salmos 23:4). Grunspun (apud HOCH & ROCCA, 2007) salienta que o apoio espiritual permite suportar crises, superando-as com recuperação e que a confiança em uma presença superior comporta um sentimento de crescimento nas adversidades, já que não se conta somente com a força humana, mas também a divina.

[...] Pela esperança é que estamos salvos. Mas a esperança que se vê já não é esperança. Como pode alguém esperar o que já se vê? Se esperamos o que não vemos, é com perseverança que esperamos. Também o espírito vem em auxílio de nossa fraqueza, porque não sabemos pedir o que nos convém. O próprio Espírito é que intercede por nós com gemidos inefáveis (BÍBLIA, Romanos 8:24-26).

O novo testamento, repleto de passagens onde seus personagens padecem das mais variadas formas, tem algo a oferecer diante do multiforme sofrimento do mundo, não só falando de maneira consoladora sobre o mal, mas combatendo-o. Por essa razão a consternação nunca é tratada como algo em si nas passagens bíblicas, mas sempre acha-se ligada a sua possível superação (GERSTENBERGER; SCHRAGE, 1979). Vê-se que essas concepções estão atreladas as atuais visões acerca do aconselhamento psicológico nos momentos de crise e adversidade, tratando basicamente da aceitação, re-significação e enfrentamento (resiliência) das situações aflitivas.

Pode-se então corroborar que certos conhecimentos religiosos, embora remotando a antigos períodos históricos encontram paralelos também nas atuais teorias. Gerstenberger e Schrage (1979) ressalvam que, o que só agora a medicina psicossomática está elaborando como conhecimento, o Novo Testamento já o reconhecia amplamente, muito embora não esteja nem de longe sendo considerado com seriedade pela teologia e pela Igreja. Para exemplificar, citam o trecho onde Paulo de Tarso afirma "Se um membro sofre, todos sofrem com ele" (BÍBLIA, Coríntios 12:26) em que o apostolo, ao falar em relação a comunidade, também refere-se ao indivíduo, pois no sofrimento o homem é envolvido como um todo, tanto física como psiquicamente. Outros versículos ainda podem indicar a existência dessa noção (da psicossomatização), por exemplo quando Davi, sob o peso da angústia, proclama em outro Salmo:

Pois minhas iniqüidades cobriram minha cabeça como fardo pesado demais para mim. Minhas chagas infectas supuram devido a minha insensatez. Ando encurvado e todo abatido; triste, arrasto-me o dia inteiro, pois meus rins estão atacados de febre, e não a parte ilesa na minha carne (BÍBLIA, Salmos 38:5-8).

Quando afirma que suas chagas infectas supuram devido sua insensatez, o salmista pode estar referindo-se a somatização de seus estados emocionais de culpa e ansiedade: "Sinto-me esgotado e, ao extremo, alquebrantado; solto rugidos por causa da mágoa do coração" (BÍBLIA, Salmos 38:9). É clara a alusão de que seu mal estar psíquico reflete-se em seu estado de saúde corporal, a ponto de revelar que "não há parte sã no meu corpo, por causa de meu pecado" (BÍBLIA, Salmos 38:4).

A compreensão da experiência psicossomática, bem como seu tratamento, pode espelhar-se nas doutrinas religiosas na forma de determinadas práticas e rituais que adquirem caráter curativo. Procedimentos como a oração, o Reiki ou o passe magnético são utilizados por várias culturas como método medicinal. Tosta (TEIXEIRA et al, 2004) ressalva que a prece é considerada a principal intervenção terapêutica em quase todos os povos, independente da religião, e que apesar da freqüência e abrangência com que é utilizada só recentemente tem recebido atenção da comunidade científica. Relata também 15 das principais observações experimentais realizadas sobre os efeitos da prece intercessora, à distância, sobre seres humanos, concluindo que:

[...] das 15 investigações avaliadas, em 8 (53%) a prece provocou algum efeito sobre as pessoas que a receberam, em 1 (7%) não foi detectado qualquer efeito e em 6 (40%) os resultados foram inconclusivos por falhas metodológicas. [...] Se forem considerados somente os trabalhos com melhor metodologia (n=9), teremos que em oito deles (89%) a prece causou algum efeito detectável nas pessoas que a receberam (TEIXIERA et al, 2004, p.114, 117).

Saad et al (2001) mesmo reconhecendo que a maior parte dos aspectos religiosos ou espirituais constituem fenômenos que estão fora da arena de constatação da Ciência tradicional, cita mais de 850 estudos demonstrando que pessoas religiosas vivenciam melhor a saúde mental e se adaptam melhor ao estresse; outros 350 estudos adicionais constatando que pessoas espiritualizadas são "fisicamente mais saudáveis, têm estilos de vida mais salutares e requerem menos assistência a saúde" (Idem, p.108). Sarriera (TEIXEIRA et al, 2004) distingue outras análises realizadas que revelaram boas correlações entre saúde e espiritualidade, chegando a conclusão de que esta é um componente essencial da personalidade, muito embora admita que ainda devem ser esclarecidas questões com relação a metodologia experimental nas investigações sobre o assunto. Defende também um novo modelo, biopsicossocioespiritual, como visão mais integrada do ser humano.

Outra prática originária da esfera religiosa, que recentemente vem sendo fonte de pesquisas em relação aos benefícios que traz a saúde geral, é a meditação[13]Tendo reunindo grande número de adeptos, muitos dos quais não necessariamente "convertidos" a religião correspondente, vem atribuindo-lhe uma nova significação pós-moderna: a de uma fonte de redução da ansiedade e estresse.

Estudos neurofisiológicos apontam que a meditação produz efeitos cerebrais que proporcionam respostas benéficas para o corpo como um todo, como a diminuição da pressão sanguínea, das freqüências cardíacas e respiratórias. Também atestam modificação nos sistemas neuroendócrinos e neuroquímicos que alteram a atividade em todo o metabolismo (Por exemplo: aumento de serotonina, que está relacionado a aspectos positivos da afetividade; diminuição dos níveis de cortisol, hormônio relacionado a situações de estresse; aumento da melatonina, hormônio ao qual são atribuídas funções como anti-cancerígeno, anti-estresse e potente anti-oxidante, que reduz o dano nas células provocados pelo tempo, prolongando a vida), provocando também variações nas áreas do cérebro que favorecem a melhoria das funções cognitivas e emocionais do individuo (LIMA, 2005; SAMPAIO, 2010; RAUL, 2005).

Além disso, os praticantes afirmam que o exercício da meditação leva a estados de sensação de profundo relaxamento, tranqüilidade e felicidade a longo prazo. Paiva (TEIXEIRA et al, 2004) menciona como a espiritualidade, a religião e religiosidade estão ligadas a qualidade de vida, embora julgue que não se deva subordiná-la exclusivamente a esse quesitos. Sousa et al (TEIXEIRA et al, 2004) frisa que atualmente há crescente evidências científicas que associam a atividade religiosa, a critérios de saúde mental e bem-estar subjetivos, mencionando pesquisas que corroboram esse fator:

Em estudos muito amplos, desenvolvidos por Myers, recentemente, sobre dados do National Opinion Research Center, dos EUA, avaliando mais de 34 mil participantes, com relação a seu estado de felicidade e freqüência de prática religiosa, evidenciou-se uma nítida correlação entre essas variáveis (Idem, p.59).

Vale acrescentar que, de maneira geral, os ensinamentos doutrinários exortam a vivência de facetas otimistas, estimulando uma perspectiva mais elevada diante das experiências sofridas, conseqüentemente promovendo a sustentação de estados positivos de ânimo e bom-humor. Postura que contribui diretamente para o aumento da longevidade, como evidenciaram Diener e Chan (2011), através de uma abrangente pesquisa, no qual acompanhou durante 40 anos a vida de 5.000 universitários, comprovando que os indivíduos que encaram suas vidas de maneira negativa tendiam a desenvolver doenças ou a morrerem mais jovens que os alunos que tinham uma perspectiva mais positiva, unindo diretamente o sentimento de bem-estar subjetivo (felicidade) a uma maior longevidade e condições de saúde. Nunes (2007) cita outra pesquisa realizada com 180 freiras, constatando uma diferença perceptível no que desrespeito a longevidade entre as que possuíam um humor mais positivo, destas 90% ultrapassaram os 80 anos, em relação as que eram menos positivas, ao qual apenas 34% chegaram a essa idade. "O otimismo é como a saúde da alma" já adiantava William James.

Neste assunto, as escrituras bíblicas se antecipam as recentes descobertas científicas quando afirmam que "Um coração tranqüilo é a vida do corpo" (BÍBLIA, Provérbios 14:30) ou que "A alegria do coração é a vida da pessoa, e o contentamento lhe multiplica os dias" (BÍBLIA, Eclesiástico 30:22).

Certas noções e diretrizes sintetizadas pelas grandes religiões formaram o alicerce para o estabelecimento de uma nova visão e desenvolvimento da saúde. Este é o caso do Islã, que através do Alcorão e das tradições proféticas, estimularam a busca pelo conhecimento e alçaram incrementos na área medicinal, como a cura de doenças, normas de atendimento médico e maneiras do próprio paciente obter a reabilitação.

Os hadith trouxeram também ditos e tradições que foram denominados "Medicina Profética", prescrevendo as virtudes da dieta, remédios naturais, o tratamento simples para dor de cabeça, febre, dor de garganta, conjuntivite e outras. Trouxeram também prescrições para evitar o contato com pessoas infectadas por doenças contagiosas como a lepra, instituindo controles para entrada e saída de áreas sujeitas a epidemia ou praga. Trouxeram também um grande número de tradições agrupadas sob o título "Medicina Espiritual", baseada em preces ou na recitação de versos do Sagrado Alcorão, para prover cura (RAGIP, 2000, s/p.).

No que concerne a Psicologia, tem-se o estabelecimento de uma perspectiva mais avançada em relação às formas e compreensão dos tratamentos. Enquanto na Europa medieval considerava-se a patologia mental como possessão demoníaca, a civilização islâmica cumulou importantes adiantamentos, antecipando em séculos a reforma da saúde mental iniciada no Ocidente. Najab ud din Muhammad através da observação de seus pacientes, no século IX, elaborou a mais completa classificação de doenças mentais da época, incluindo em seu rol a identificação de transtornos como a depressão, psicose persecutória, tipos de neurose obsessiva, manias e outras. Avicenna (Abu-Ali Husayn ibn-Abdallah ibn-Sina), famoso médico mulçumano do século XI, antecipou em muito a técnica de associação de palavras trazidas por Jung, utilizando o método de associar mudanças cardíacas (tomadas a pulso) a sentimentos manifestados pelo paciente. As referências da época constam que:

Partes: 1, 2, 3


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