Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
No presente Trabalho, Thomas Nagel enfoca, entre outras, a questão da morte na sua ação deletéria, a reação das pessoas, o congelamento e o estado de coma em relação à descontinuidade da vida.
A partir do pressuposto de que a morte é o fim natural, definitivo e indiscutível de todos nós na Terra, Thomas Nagel questiona se tal realidade é um mal (Nagel, 1981: 19).
Este questionamento comporta quase um confronto: algumas pessoas entendem e crêem que a morte é aterradora e que traz em si o espanto. Em contra partida, talvez, por entenderem a morte como parte da vida, ou por outros motivos, outras pessoas não alimentam nenhuma objeção contra a morte como tal. A única coisa que querem e esperam é que a sua não seja prematura nem torturante. As pessoas acima, que manifestam espanto face à morte, acreditam que as pessoas que não manifestam esse medo não querem ver com clareza, não atentam para o óbvio, que pode ser a destruidora e irreversível ação da morte, enquanto as pessoas que não apresentam réplica à morte acham que as que cultivam o medo estão equivocadas, como se a morte não fosse um simples fim da vida. Agora, por um lado, a vida é a única coisa que temos e, então, perdê-la corresponde a uma imensa desgraça. Por outro lado, pode-se objetar que a morte priva seu sujeito desta suposta perda, e que, se nós compreendermos que a morte não é uma condição inconcebível do ser humano permanente, mas um vazio, então, somos obrigados a admitir que ela carece de valor tanto positivo quanto de valor negativo (Nagel, 1981: 19).
Como Thomas Nagel não pretende tratar a questão de podermos ser imortais de alguma forma ou de se podemos sê-lo, ele usará tão somente a palavra "morte" e seus possíveis sinônimos neste seu trabalho; para fazer alusão à morte permanente, sem complementá-la com qualquer outra forma de sobrevivência consciente possível. Por outro lado, questiona: Se a morte é em si um mal; quão grande é, e de que tipo poderia ser. Caso a morte seja um mal, não pode ser entendida assim, em função de suas características positivas, a não ser somente pelo fato de nos tirar a vida. Há também uma opinião geralmente aceita que considera a morte um mal, porque termina com todos os bens da vida. Alguns destes bens, entre outros, como a percepção, o desejo, a atividade e o pensamento são tão gerais que são constitutivos, formadores da vida humana (Nagel, 1981: 19 -20).
Embora sejam, geralmente, considerados benefícios formidáveis em si mesmos, podem ser requisitos tanto da felicidade quanto da infelicidade, sendo possível que uma quantidade suficiente de males mais particulares têm a possibilidade de pesar mais que eles. Talvez seja isto que querem dizer com o argumento de que é bom viver, mesmo que tenham que arcar com sofrimentos e experiências terríveis, desastrosas. É evidente que, no contexto da nossa realidade, há elementos que acrescentados à nossa própria experiência, tornam melhor a vida; há outros, no entanto, que se forem agrupados à nossa experiência, pioram-na. Entretanto, ocorrendo a supressão destes elementos, não é só algo neutro que fica, mas definitivamente algo positivo. Mesmo assim, por ele, a vida deve e compensa ser vivida, mesmo que os elementos maus da experiência se abundem e superem os bons que se escassearam (Nagel, 1981: 20).
Thomas Nagel, ao se referir à morte de alguém, faz duas observações. Primeira: o valor da vida adicionado ao valor de seu conteúdo não diz respeito tão somente à sobrevivência orgânica, vez que, praticamente, todo mundo seria indiferente diante da morte imediata e ao estado de coma imediato, cuja morte viesse a ocorrer vinte anos mais tarde sem que viesse a despertar. Segunda: assim como a maioria dos bens, este pode se multiplicar pelo tempo, onde mais é melhor que menos. De fato, não há necessidade que as quantidades somadas sejam temporalmente contínuas. Uma pessoa adormecida por um período de 300 anos poderia perceber somente como sendo uma profunda descontinuidade do caráter de suas experiências. Há, sem dúvida, certas desvantagens. Neste intervalo, poderiam morrer a família e os amigos, o idioma poderia ser substituído por outro, a familiaridade social poderia deixar de existir, também a geográfica e a cultural. Mesmo com estes inconvenientes, permaneceria a vantagem básica de uma vida contínua, mesmo que interrompida (Nagel, 1981: 20-21).
Se passarmos do bom da vida ao mau da morte, o caso é completamente distinto. Em essência, o desejável da vida são certos estados, condições ou tipos de atividade, ainda que pudesse haver problemas para especificá-los. Consideramos bom estar vivo, fazer certas coisas, ter certas experiências. Mas se a morte é um mal, a objeção é a perda da vida e não o estar morto, ou não existir, ou estar inconsciente. Essa assimetria é importante. Se é bom estar vivo, esta vantagem pode ser atribuída a uma pessoa em cada momento de sua vida. É um bem que Bach gozou mais que Shubert, simplesmente porque viveu mais tempo. Mas, a morte não é um sinal que Shakespeare tenha sofrido mais que Proust. Sim, a morte é uma desvantagem, não resulta fácil dizer quando a padece um homem. (Nagel, 1981: 21-22)
A maioria das pessoas não entende como uma desdita em si a suspensão temporal da existência, mesmo que os intervalos sejam de grande monta. Caso uma pessoa pudesse passar por um processo de congelamento sem que diminuísse a duração de sua vida consciente, provavelmente, não faria sentido ter compaixão dela por estar temporalmente fora do convívio social. Do mesmo modo, poucos são aqueles que tomam como má sorte ou mesmo desgraça o fato de alguém não existir antes de ter nascido ou de ter sido concebido. É possível contestar a sugestão sobre a origem do temor à morte, utilizando os argumentos de que a morte não é um estado de infelicidade. Para defender a opinião de que morrer é mau, há de se argumentar que a vida é boa, que a morte é a privação ou perda da vida e que, num certo sentido, não é má em virtude de alguma característica positiva, mas sim porque elimina o desejável (Nagel, 1981: 22).
A partir da afirmação acima, surgem três tipos de problemas. Primeiro, é duvidoso que algo possa de fato ser mal para o homem sem se tornar efetivamente desagradável para ele; notadamente, é duvidoso também que haja males que impliquem tão somente a ausência ou privação de bens possíveis, e que não dependa de que alguém sofra por essa privação. Segundo, existem dificuldades especiais, em se tratando da morte, sobre como a tal desdita se atribui ao sujeito. Há dúvida de quem é seu sujeito, também de quando vá sofrê-la. Enquanto uma pessoa existe, é óbvio que não morreu e logo que morre já não existe; assim, conclui-se que, para ele, parece que não há um momento em que a morte, se esta é uma desgraça, pode ser atribuída a seu sujeito. O terceiro tipo de dificuldade diz respeito à assimetria de nossa atitude ante à não existência, a póstuma e a pré-natal. Fica então a pergunta: como é possível ser má a primeira e não a última? Em sendo estas objeções válidas, para se admitir a morte como sendo um mal, igualmente o são em relação a outros supostos males. O primeiro tipo de objeção se exprime de um modo geral, na observação de que o que o indivíduo não conhece e não pode lhe causar dano. Exemplo: se uma pessoa é traída por seus amigos, ridicularizada às suas costas e depreciada, ela não pode sentir nada disto como uma desgraça, enquanto não tiver consciência da difamação. A perda, a traição, a decepção e o ridículo são males porque sofremos quando ficamos cientes deles. Oportuno seria que as nossas ideias dos valores humanos se constituíssem para adaptar-se diretamente a estes casos. Interessante seria encontrar o mecanismo que pudesse explicar porque descobrir certas desgraças causa sofrimento, de forma a se chegar a uma razoabilidade. O consenso comum é que quando descobrirmos a traição nós ficamos infelizes, dado que é mal ser traído, e não que a traição seja má porque nos faz infelizes seu descobrimento (Nagel, 1981: 25).
O caso da degeneração mental nos mostra um mal que depende de uma constante entre a realidade e as opções possíveis. Um homem é o sujeito do bem e do mal, porque tem esperanças que podem se realizar ou não, ou possibilidades que podem se realizar ou não, e por sua capacidade para gozar e sofrer. Se a morte é um mal, deve explicar-se neste termo, e a impossibilidade de situá-la dentro da vida deve molestrar-nos. (Nagel, 1981: 26-27)
Se for aplicada à morte, a explicação dada para o caso da demência, mesmo que a situação, digamos, especial e temporal do indivíduo que sofre da perda seja assaz clara, não pode localizar-se facilmente a desgraça. Só podemos falar que a sua vida terminou, e que não viverá mais. Este acontecimento constitui sua desgraça, de estar existindo, e não sua condição passada ou presente. No entanto, se há uma perda, cabe a alguém sofrê-la. Ele deve ter uma vida, bem como uma situação específica, especial e temporal (Nagel, 1981: 27).
O fato de Beethoven não ter tido filhos pode ter-lhe provocado pesar, ou pode ter sido algo triste para o mundo. Mas não pode identificar-se como tendo sido uma espécie de desdita para os filhos que não teve (Nagel, 1981: 27-28).
Tal enfoque apresenta uma solução para o problema da assimetria temporal, apontado por Lucrécio[1](apud, Thomas Nagel) o qual observou que contemplar a eternidade que precedeu seu nascimento a ninguém perturba, e confirmar isto para indicar que deve ser irracional ter temor pela morte, uma vez que esta não passa de uma imagem do abismo anterior que se diria refletida no espelho. Porém, isto não coaduna com a verdade, e a diferença entre os dois problemas explica porque é sensato tratá-los de diferente forma. Assim, entende-se que é verdade que no tempo antes do nascimento do homem e no tempo depois de sua morte, ele não existe. Mas é claro que o tempo depois de sua morte é um tempo do qual o priva sua morte. É óbvio que é um tempo em que se não houvesse morto, estaria vivo. Por ele, toda morte supõe a perda de alguma vida que sua vítima teria tido, se não houvesse a morte nesse momento, ou antes. É bem claro que havia significado para ele tê-la, em vez de perdê-la, e é fácil perceber o perdedor (Nagel, 1981: 28).
Mas não se pode afirmar que o tempo anterior ao nascimento do homem é um tempo no qual ele havia vivido se não tivera nascido então, senão antes. Mas, fora da breve margem que permite iluminação prematura, ele não podia ter nascido antes: alguém, pois, que tivera nascido bem antes que ele teria sido outra pessoa. Por ele, o tempo que antecede ao seu nascimento não é um tempo que seu subseqüente nascimento, quando ocorre, não supõe para ele uma perda de vida (Nagel, 1981: 28-29).
Com certeza, a direção do tempo é crucial ao destinar possibilidades a nós ou a outros seres. Considerando um indivíduo identificável, podem-se imaginar incontáveis possibilidades para sua vida contínua e pode-se conceber com clareza o que seria para ele continuar vivendo para sempre. Mesmo que isto não ocorra nunca, sua possibilidade representaria a continuação de um bem para ele, caso a vida seja aquela que se espera e na qual se crê (Nagel, 1981: 29).
Portanto, ainda fica a questão: caso ele não realizar esta possibilidade, é em qualquer situação uma desgraça, ou se fica na dependência do que, naturalmente, pode-se esperar. Para Thomas Nagel, esta é a dificuldade mais séria da perspectiva de que a morte constitui-se sempre um mal. A morte de Keats aos 24 anos, normalmente, é considerada uma tragédia; já não a de Tolstoi, aos 82 anos. Ambos morreram; só que a morte privou Keats de muitos anos de vida, embora não de Tolstoi. A perda foi maior para Keats, embora não na comparação matemática entre quantidades infinitas. No entanto, isto não indica que a perda de Tolstoi fora insignificante. Talvez, o que pesa e pode indicar o que mais interessa é a somatória de males que gratuitamente faz parte do inevitável; assim, o fato que torna pior morrer aos 24 anos que aos 82, não garante que não seja trágico morrer aos 82 anos ou ainda aos 806 anos. O problema que fica é se é possível considerar uma desgraça qualquer limitação, como a mortalidade, que é normal nas espécies (Nagel, 1981: 30-31).
O certo, porém, é que o nosso tempo na terra, raramente ultrapassa os cem anos, ao tempo em que o homem pelas suas expectativas e sentido, dentro do contexto da vida, não está, num certo sentido, conformado com esta ideia de um limite natural. É que ele espera um futuro possível essencialmente aberto, com a usual mistura de bens e males que ele entende natural pelo passado já vivido. Na verdade, espera, por ter ingressado gratuitamente neste mundo, via um conjunto de acidentes naturais, históricos e sociais, e como é o sujeito da vida, ter um futuro indeterminado e não essencialmente fixo. Mesmo assim, a morte, cuja missão é inexorável, significa a eliminação inesperada dos bens possíveis indefinidamente extensos. O normal, todavia, não parece estar em relação com isto, porque o fato de que todos, necessariamente, temos de morrer, findo uns tantos anos, não pode subentender em si que não seria afortunado viver mais. Caso o período normal de vida correspondesse há 1000 anos, morrer aos 80 anos seria uma derrocada. Como estão as coisas, pode-se ter esta tragédia com mais freqüência. Aliás, um mal maior pode atingir a todos, caso não haja um limitador para a quantidade de vida que, em princípio, seria bom viver (Nagel, 1981: 31-32).
1.1. Morte sob a visão de Karl Jaspers
Karl Jaspers nasceu em Oldenburg, na Alemanha aos 23 de fevereiro em 1883 e morreu na Basiléia, Suíça, em 1969. Antes de entregar-se à Filosofia foi médico, tendo-se dedicado de modo especial à psiquiatria. "O trânsito da psiquiatria à metafísica caracteriza já em parte, a atitude de Jaspers, que é, desde logo, uma atitude de insatisfação para com os saberes particulares. Suas obras mais importantes são: Filosofia (em 3 volumes), Orientação Filosófica do Mundo, Explicação da Existência, Metafísica, Razão e Existência, A Fé Filosófica.
Por sua vez, Karl Jaspers, além de abordar diversos aspectos da morte dentro da nossa finitude, faz algumas referências às questões transcendentais.
Para Jaspers, em que pese todo o esforço humano em vencer a morte, toda a vida, em todas as suas formas e variedades, tem a sua finitude intercalada entre o nascer e o morrer. No entanto, só o homem é consciente desta realidade. Por outro lado, ninguém se recorda do seu nascimento, ao tempo em que, dentro do seu existir, tem a sensação de sempre ter existido, embora sem o respaldo de qualquer memória (Jaspers, 2006: 127).
Na presente realidade espaço-temporal, a destinação de todos os seres, naturalmente, é a morte, sendo inútil a racionalização que preconiza um viver negando a morte, por desconhecer o momento da sua chegada. Por estarmos vivos, julgamos inconcebível a crença na morte, sem darmos conta de que ela é a maior certeza incontornável. Assim, a partir do momento em que admitirmos que a morte é uma realidade que nos ronda continuamente, perceberemos que ela corresponde, na verdade, a uma situação-limite; e aí, desfeitas as nossas resistências, veremos que a morte faz parte da vida e que aqueles que amamos e nós mesmos deixaremos para trás a finitude do tempo. Todavia, na consciência existencial de cada um de nós será encontrada a resposta a essa situação-limite (Jaspers, 2006: 127).
Embora seja um fato inconteste que a morte é o fim da vida, a ciência biológica se posiciona inconformada com esta fatalidade, razão pela qual busca entender o porquê desta falência e o que ocorre com os mecanismos vitais que se rendem a esse apagamento implacável. Desafiada por este inconformismo, a ciência busca, através dos mais variados meios, desacelerar o envelhecimento e, com certa empáfia, se propõe, mantendo sob seu controle o funcionamento das atividades vitais que provocam o fim da vida, prolongar a vida de todos os nascidos pelo tempo que se desejar. Não obstante, é senso comum para todos que, por mais sofisticados e inovadores que sejam os recursos, mesmo artificiais, com os quais o homem possa contar para prolongar o tempo, a morte sempre, por final, dará cabo a toda a vida (Jaspers, 2006: 127-128).
Embora possamos negar, todos temos medo da morte. É importante destacar, entretanto, que a morte vista como o "cessar de ser" desencadeia uma série de angústias distintas das geradas pelo que chamamos de "o ato de morrer", cujo termo final é a própria morte. O medo que temos da agonia corresponde ao medo que nos advém do padecer físico. Pode-se dizer que a agonia é diferente da morte em si. A angústia que decorre da agonia pode mostrar-se em diversas crises (Jaspers, 2006: 128).
Face às ocorrências de mortes repentinas, o desdobramento natural da agonia pode se dar sem a presença de sofrimento, vez que, por ocorrer concomitante com a astenia ou durante o sono, tal desdobramento pode não ser percebido, por não ter atingido a consciência por falta de tempo. De momento, sabemos que a medicina já dispõe de recursos que podem minimizar os sofrimentos intensos, oriundos de doenças incontornáveis. De futuro, mesmo sabendo que a agonia seja em si uma realidade psicofísica, há a possibilidade de que, numa atuação conjunta, a biologia e a farmacologia venham a dispor de recursos avançados que garantam, em todas as situações, que a morte ocorra sem sofrimento (Jaspers, 2006: 128).
Inteiramente diversa é a agonia diante da morte quando esta é concebida como estado que sucede à desaparição da vida. Nenhum médico nos pode livrar dessa angústia; só o pode a filosofia (Jaspers, 2006: 128).
A filosofia está vinculada à veracidade de forma inseparável. Assim, mesmo à luz da filosofia, temos de admitir que da morte e da imortalidade, nada conhecemos. No entanto, face às atitudes diante da morte, temos como separar as atitudes sinceras das insinceras. Seguem quatro exemplos dessa comparação: Primeiro: Retirando-se a morte do nosso olhar, podemos esquecê-la. Por outro lado, pensando nela frequentemente, ignoraremos a vida. Em função da resposta que se segue à pergunta abaixo, nos livraremos dessas duas insinceridades: admitindo a existência da morte, existe sentido no que faço e vivencio? Segundo: É possível que a ideia de morte possa gerar o temor de não viver em estado de autenticidade. Manter o olhar fixo num certo vazio tanto exterior quanto interior induz a refugiar-se num ativismo intermitente e numa ausência de reflexão. No entanto, uma inquietação secreta se torna contínua. Dessa situação incômoda a força vital só nos liberta num faz de conta; de forma real, só um firme pensar em relação à morte nos fará sentirmos liberados. A partir dessa reflexão, veremos que, concomitante, a este significado vital do homem, permanece o peso eterno de seu amor. Um estado de tranqüilidade perante a morte nos advém da certeza consciente daquilo que nenhuma morte tem o poder de nos privar. Terceiro: Toda e qualquer existência empírica está presa à morte. Entretanto, todo o ser humano, que no decurso da existência, apreende conhecimento da morte e, ao invés de pensar sobre a morte, pensa sobre a vida, elimina a escravidão. Quarto: O conhecimento acerca da morte lança-nos em abismo no qual se instala a indiferença, visto que nada transmuta em ser. A partir da experiência existencial, veremos que a morte não tem em si nenhuma autenticidade, o que, por conseguinte, afasta o desespero em vista do nada. Nas depressões da vida, amargamos o desamparo, enquanto percebemo-nos estimulados nos períodos de ascensão. Cultivando o hábito de passar de um a outro desses estados de ânimo, lograremos sermos nós mesmos (Jaspers, 2006: 135).
A morte é uma realidade que, pela sua natureza intrínseca, não pode ser vivenciada ou sentida por nenhum ser humano, já que esta possibilidade experiencial é tão somente uma prerrogativa de quem está vivo. Aliás, Epicuro[2](Apud Jaspers, 2003: 567) expressa, de forma sucinta esta verdade: "Eu, sou; por conseguinte, a morte não é; se a morte é, eu não sou". Entretanto, o que se sente no contexto de um processo somático mórbido é de tal ordenação que pode igualmente ser sentido, após a efetivação da cura. Tome-se, por exemplo, o medo paralisante da morte que se faz presente numa complicação cardíaca de grande monta. Tal medo básico da morte afeta também os animais, vez que ele decorre do condicionamento somático. Mas, só o ser humano sabe concretamente da existência da morte; sendo que tal saber pode transmutar o medo da morte, que tanto nos aflige, em um aspecto diferente que pode influir na trajetória da doença (Jaspers, 2003: 567).
Dada a nossa realidade somática, morremos a cada dia de forma paulatina, embora, possam ocorrer acidentes abruptos como: parada cardíaca, respiratória ou estado de inconsciência, via derrame, traumatismo craniano ou outro acidente similar, que em não sendo contornados a tempo, tais estados levam, inexoravelmente, à morte (Jaspers, 2003: 567).
No estado de inconsciência, não é mais possível a uma pessoa vivenciar o que somaticamente está acontecendo com ela, digamos, em uma convulsão. Segue-se, por conseguinte, que os diversos depoimentos de moribundos dizem respeito tão somente a sua reação face à morte e não à morte em si mesma. Assim, as chamadas manifestações psíquicas da agonia correspondem a fenômenos precedentes à morte, e que merecem estudos aprofundados (Jaspers, 2003: 567).
Tememos a morte em função do temor que temos do nada, também do que após ela ocorre. Há em nós, entretanto, uma percepção de que é impossível excluir a ideia de que à morte sucede outra vida, o que respalda admitir que o nada que se segue ao fim não é em absoluto um nada (Jaspers, 2006: 128 – 129).
Tanto um como outro desses temores — o temor diante da morte e o temor do que depois suceda — é sem base. O nada só o é face à realidade que existe no tempo e no espaço. E, além disso, não há uma outra existência concreta frente à qual o temor se justificasse. Mas, quer essa afirmação deixar assentado que carece de base a consciência de imortalidade? (Jaspers, 2006: 129).
A morte que sucede ao ser que, por diversas razões, nos é mais caro, a solidão que brota da sua ausência física, o sofrimento infindável que nasce do "nunca mais" podem, a exemplo dos momentos sublimes, transformarem-se em consciência de presença (Jaspers, 2006: 129).
Toda realidade humana, inexoravelmente, um dia deixará de existir: o rico, o pobre, o intelectual, o analfabeto, todos nós, a humanidade inteira com todas as suas produções, aventuras e realizações. Por mais que resistamos, mergulharemos todos e com tudo no esquecimento implacável, como se a nossa existência tivesse sido um sonho que nunca se realizou. A partir desta constatação sombria, fica claro que é vã a consolação de que estaremos vivos na lembrança, na gratidão dos outros, nas nossas descendências, também nas nossas obras extraordinárias e perenes, na nossa bondade, na nossa glória que adentrará os tempos. Tempos que também fluirão (Jaspers, 2006: 129).
Entretanto, em que pese a não crença de muitos, a sede de eternidade faz sentido em nossas vidas. O fato é que há algo em nós que tem a percepção de ser insuscetível à destruição (Jaspers, 2006: 129).
Por outro lado, em que pese toda explicação científica sobre o mundo, para Jaspers o existente concreto encontra-se de forma irremediável em confronto com a transcendência. Com esse convencimento, Jaspers admite a existência de uma relação própria do existente com Deus. É fato que o existente e os demais homens, ao fazerem a experiência da realidade, constroem dela uma representação. E é exatamente nessa atividade, que o existente termina por reconhecer os limites que dizem respeito a sua própria representação. Na verdade, esses limites são os liames entre o ser humano e Deus, que corresponde dizer: o existente e o transcendente. Assim, a vinculação que o existente mantém com o transcendente é expressa por meio do conceito de cifras da transcendência. A cifra é aquilo que precisa de uma interpretação. Só nos é possível falar do infinito através do finito, o que exige que utilizemos cifras (símbolos, mitos ou obras de arte) para que possamos falar do Absoluto. "Jaspers refere-se às cifras como as formas de linguagem pela qual a humanidade expressou seu voltar-se para além das situações-limite" (p. 106). O positivo que as cifras têm é que elas dão vazão à sede de Absoluto do existente. Assim, imerso na realidade o homem concreto, por sua condição, vive em situação-limite, mesmo assim, o homem não ignora o infinito e, justo por isso, o reconhece e aí, decifra-o buscando um sentido para a vida (Pitt, 2006: 83).
Exilado em seu existente, o homem quer ultrapassar-se. Não se satisfaz com ser, numa quietude fechada em si mesma, o perpétuo retorno do existente. Não mais se reconheceria autenticamente como homem, se se contentasse com ser o homem que hoje é. Só na ação sobre si mesmo e sobre o mundo em suas realizações é que ele adquire consciência de ser ele próprio, é que ele domina a vida e se ultrapassa. Isso ocorre de duas maneiras: por ilimitado progresso no mundo e pelo infinito que se faz presente a ele em sua relação com o transcendente (Jaspers, 2006: 50).
Na verdade, o homem quer superar-se não mais buscando a conquista do mundo, ou se desgastando em busca de novas formas de vida temporal, mas sim se atirando com determinação para além desse mundo temporal, em busca da quietude da eternidade, onde o tempo se desfaz. Tal busca nasce da certeza de que dentro do nosso aqui temporal, não encontraremos a quietude, nem teremos repouso que nos propicie uma verdadeira realização. Mas, há de surgir o instante perfeito, como uma dádiva ao homem, a partir do qual brilhará para ele a luz do repouso eterno (Jaspers, 2006: 50).
Aquele instante testemunha a calma escondida em nós, que não se projeta no tempo. (Jaspers, 2006: 50)
A transcendência traz em si essa calma, com a qual, no instante perfeito, nos acolherá a todos. A imutabilidade de Deus, mercê da sua plenitude, é uma imagem dessa quietude. Assim é que o homem, cansado dos caminhos do mundo, busca a transcendência que, embora inacessível ao seu conhecimento, lhe é inefável (Jaspers, 2006: 52-53).
É fato observável que, de um modo geral, o homem, só após passar por dores inimagináveis e perceber-se literalmente soterrado, é que, num certo sentido, se desperta de uma espécie de sono psíquico; e, só então, se permite escolher "passar além" em busca da transcendência, logrando tornar-se verdadeiramente ele próprio. Antes desta opção, não passa de fato do animal racional a que está acorrentado. Para contrapor a imagem que o deixa no limite da sua pequenez, o homem foi aclamado como "o ser que contempla Deus". Não há outro caminho: Só a transcendência permite ao homem tomar consciência de que é um ser livre, destinado a uma vida superior (Jaspers, 2006: 53).
Pelo exposto acima, tendo em vista que Thomas Nagel não trata da questão da norte sob o prisma da imortalidade, fica fácil concluir que o seu trabalho não potencializa o eclodir de várias e acirradas contestações, naturalmente, no âmbito da fé e/ou da sua ausência.
Assim, já podemos dizer que é fácil concluir e aceitar que a morte é de fato uma realidade universal, face à qual uma parte dos seres humanos se sente aterrorizada, como que noucauteada pelo espanto, enquanto a outra parte não alimenta essa prostração, esperando apenas que tal realidade ocorra com tardança e sem torturas. Entretanto, o que não se pode ignorar é que a morte, mesmo nos privando da vida, ela não passa de um vazio, donde podemos dizer que ela não tem nenhum valor: nem positivo, nem negativo. Fato este que respalda a conclusão de que não devemos ter medo da morte.
Por outro lado, apesar de a realidade conter fatos, que no seu balanço, ora melhoram a vida, ora a pioram, pode-se concluir que mesmo assim a vida deve e merece ser vivida. Por final, após considerar as vantagens e desvantagens de se viver mais ou menos tempo, Nagel entende que morrer aos 80 anos, quando o período de vida normal fosse de 1000 anos, seria uma desdita. Admite, ainda, que tal desdita pode ocorrer mais frequentemente, dada à forma como as coisas estão. Entende, em conclusão, que um mal de maior monta pode atingir a todos, na hipótese de não se estabelecer um limite para o tempo de vida que, em tese, seria bom viver.
Já Karl Jaspers, por admitir a possibilidade da transcendência, além de fazer uma abordagem geral sobre as questões da morte e do morrer, ele não se furta a lançar luzes e esperanças sobre as questões da transcendência.
Karl Jaspers observa que a destinação de todos os seres, naturalmente, é a morte e que só o homem é consciente desta realidade. Assim, é inútil todo o esforço humano em vencê-la, quer seja pela sua negação, quer seja pelas mais diversas formas de racionalização, pois, ela é a maior certeza incontornável.
A morte é a uma situação-limite que desfaz todas as nossas resistências, o que nos permite ver que a morte faz parte da vida e que todos deixaremos para trás a finitude do tempo.
Entretanto, a ciência biológica se posiciona inconformada. Desafiada por este inconformismo, ela busca desacelerar o envelhecimento e, se propõe, via diversos recursos, prolongar a vida de todos os nascidos pelo tempo que se desejar. Não obstante, por mais sofisticados e inovadores que sejam os recursos, mesmo artificiais, a morte sempre dará cabo a toda a vida.
Por outro lado, entretanto, sabe-se que o desdobramento natural da agonia, nos casos de morte repentinas, se dá sem a presença de sofrimento, por motivos citados no presente trabalho. Para as doenças incontornáveis, já dispõe de recursos que minimizam os sofrimentos intensos. Em termos de futuro, a biologia e a farmacologia já contam com a possibilidade de disponibilizar recursos avançados para que, em todos os casos, a morte ocorra sem sofrimento.
Karl Jaspers disponibiliza ao longo deste trabalho 04 (quatro) passos para lidar melhor com as questões da morte e do morrer e que podem auxiliar a reduzir o sofrimento imanente que dá origem à agonia que gera angústias e que é diferente da morte em si.
Para Karl Jaspers a morte é uma realidade inexorável, que ocorre todos os dias e de formas diversas, quer em função do tempo que passa, provocando os desgastes naturais, quer por acidentes diversos, doenças, assassinatos e outros. É importante destacar, no entanto, que é possível entendê-la como parte integrante da vida, e aceitá-la aos poucos como aceitamos a vida.
Karl Jaspers entende que há algo em nós que tem a percepção de ser insuscetível à destruição, admitindo a inexistência do nada após o fim.
Capítulo II –
Margutti Pinto sobre Sentido da Vida e Valor da Vida:
Uma diferença Crucial?
2. As ideias de Júlio Cabrera sobre Sentido da Vida e Valor da Vida:
Uma Diferença Crucial
Júlio Cabrera nasceu em Córdoba, na Argentina, e naturalizou-se brasileiro. Estudou na Universidade de Córdoba, nos anos 60. Em 1979, quando já era doutor em filosofia, foi contratado pela Universidade Federal de Santa Maria-RS, para dar um curso de lógica modal no mestrado, como professor visitante. No final da década dos anos 80, ingressou na Universidade de Brasília, onde permanece.
Neste Capítulo II, face à sua descrença quanto à possibilidade de vida após a morte, Cabrera só considera válidos os argumentos concernentes ao "sentido na vida" o qual diz respeito a todos os acontecimentos que se desdobram unicamente dentro da nossa finitude espaço-temporal. Portanto, para ele não tem nenhum valor, nem consistência os argumentos atinentes ao "sentido da vida", sentido este que se entrelaça com a questão da transcendência.
Cabrera parte da admissão de que fornecemos o sentido de algo, na medida em que damos informações para a sua compreensibilidade. Assim, o sentido parece identificavelmente diferente da determinação de algum tipo de valor: valor moral, no caso de ações, valor de verdade, no caso das proposições. Sendo que o referido sentido dessas coisas é entendível como a soma de suas condições de valor, na sua diversidade de tipos. Assim, distinguir "sentido" de "valor" parece, portanto, uma questão relevante. No entanto, o século XX impôs ceticamente o costume de desconsiderar a existência de descrições isentas de valor, de sempre termos que incorporar valores nas descrições que fazemos. Não aceitando essa posição, Cabrera defende a distinção entre sentido e valor, pelo menos sobre o aspecto metodológico. (Cabrera, 2004: 8)
A questão do "sentido da vida (humana)" implica numa distinção de maior monta, dada a sua maior problematização, visto que fornecer sentido à vida humana supõe se ater a muitos aspectos que envolvem essa realidade (vida humana). Mas, só após fornecer todos os sentidos possíveis, é que podemos estabelecer as condições de legitimidade de uma vida humana, o que nos permite decidir, em determinado tempo, se foi uma vida dessa ou daquela forma, ou noutras palavras, para decidir sobre o seu valor. Na verdade, a tese cética afirmaria, neste particular, a impossibilidade de se descrever de forma isenta o sentido da vida humana sem que antes já lhe tivesse atribuído valores. Esta questão demanda mais discussão (Cabrera, 2004: 8-9).
É fato que sentido e valor da vida são realidades que trazem em si uma diferença crucial, haja vista o fato de uma dessas instâncias poder permanecer presente sem a outra. Assim, é possível existir situação em que uma vida humana pode ter sentido, mas não ter valor. Uma vida humana pode ser egoísta (sem valor), mas pode ter sentido após o conhecimento de suas razões motivantes. Por outro lado, uma vida humana pode ser altruísta (tem valor), entretanto, podemos não perceber o seu sentido face às nuanças de suas ações e das suas motivações sublatentes. As outras duas realidades podem logicamente ocorrer como se segue: numa situação a vida humana pode ter sentido e valor e, noutra, pode não ter nem sentido e nem valor (Cabrera, 2004: 10-11).
A pergunta sobre o propósito geral da vida humana sobre a Terra só encontra plena procedência no bojo das abordagens teístas que crêem na existência de um criador transcendente do mundo para o qual tem um propósito determinado. Face à luz que sustenta essa crença é inteira e perfeitamente legítimo perguntar-se sobre qual foi o propósito último dado a esse mundo que esse ser transcendente criou. Cabrera e muitos filósofos não alimentam essa crença, admitem outras possibilidades (Cabrera, 2004: 11-12).
Na sua reflexão, coloca o que denomina de duas dimensões do perguntar pelo sentido e pelo valor da vida humana. Fala da distinção entre o sentido de cada vida humana em particular e o sentido da vida em geral. Em que pese à dificuldade de atribuir um sentido à vida em geral, sempre é possível, quanto à vida "em si mesma," atribuir um sentido para nossas vidas particulares, estabelecidas certas referências (parâmetros). Temos, assim, a diferença entre sentido na vida e o sentido da vida, entre sentidos intramundanos e o sentido do próprio mundo, entre o sentido de vidas e o sentido da vida. Entende-se que essa diferença corresponderia a uma versão, fraca da diferença ontológica entre ser e ente (Cabrera, 2004: 13-14).
Cabrera entende que a pergunta pelo valor da vida humana deveria ser dividia em duas, como sejam: a pergunta pelo valor do ser mesmo da vida humana e a pergunta pelo valor dos entes que vivem. Afirma-se, hoje, que há a possibilidade de vidas terem valor sem que a vida mesmo o possua. Parece que a pergunta pelo valor do ser mesmo da vida procede plenamente da filosofia (Cabrera, 2004: 14-15).
Aqui eu entendo a questão do valor nas duas dimensões kantianas: valor sensível da vida humana, referente a agrado, felicidade etc., e valor moral da vida humana, referente à dignidade, dever etc. Acredito que, diferentemente do sentido, que se movimenta no plano da pura inteligibilidade, o valor, em suas duas dimensões, se movimenta num plano de impacto, de afeção, num plano existencial-vivido que comove a vida humana de uma maneira que a questão do sentido – como foi entendido, ou seja, ligado à pura inteligibilidade – não comove. Com efeito, já no plano cotidiano, podemos ficar profundamente preocupados quando alguém próximo a nós nos declara que "perdeu o sentido de sua vida", por não saber mais aonde ir, o que fazer, que curso dar a sua vida, à sua profissão etc. (...) (Cabrera, 2004: 15).
Podemos compreender que, na sua totalidade, as vidas humanas possuem uma estrutura que se mantém estável, consistente, no mínimo, nos seguintes cinco elementos: (A) Um nascimento mortal, ou seja, um surgimento signado pela terminalidade ou pela mortalidade de seu ser, um surgimento que carrega em si seu próprio finar. (B) Um desenvolvimento que consiste em um desgaste progressivo, físico e mental, ao longo de um tempo indefinido. Esse desenvolvimento pode, a qualquer momento, ser interrompido por acidente, sem que se complete. (C) Um estar sujeito a muitos tipos de doenças (os dicionários especializados contam mais de mil, com todas as variedades) que podem finar a vida humana já no nascimento, ou na infância, na juventude, na idade adulta ou na velhice. (D) Uma morte pontual, por desenvolvimento progressivo ou por acidente (à qual deveríamos acrescentar a possibilidade aberta de a vida humana decidir acabar com ela mesma), que consuma a mortalidade já dada no nascimento. (E) Um espaço intramundano onde se está plenamente consciente de todos os elementos anteriores (do próprio nascimento mortal, do desenvolvimento definhante, da suscetibilidade a doenças e à dor e da morte pontual consumadora), espaço onde os seres humanos deverão "posicionar-se" ou "tomar uma atitude" diante de (A)-(E) (Cabrera, 2004: 16).
Considerando a estrutura (A)-(E) elaborada por Cabrera, é possível inteligivelmente considerá-la como boa, mesmo nos casos de desditas e frustrações intramundanas ou igualmente má, mesmo nas ocorrências de felicidades e sucessos intramundanos. Não se trata da mesma coisa avaliar a estrutura e avaliar o que ocorre no seu interior. Assim, mesmo a maior felicidade intramundana não respalda afirmar que a vida mesma, em seu ser, é boa. Contrariamente, não há garantia absoluta que permita afirmar que a vida mesma, em seu ser, seja má, mesmo face à maior infelicidade intramundana. Isso parece uma questão puramente naturalizada e filosófica, não o sendo, por nenhuma via uma questão religiosa ou metafísica (Cabrera, 2004: 17-18).
É possível dizer com raciocínios e argumentos, sem a influência de sentimentos, impressões místicas ou crenças religiosas, num tom schopenhauriano, que a vida humana tem uma estrutura impregnada, em seu ser mesmo, de um valor sensível negativo que leva os seres humanos a um padecimento, por assim dizer, contínuo em suas vidas. Assim, o fato de nascermos morrendo não tem valor, por representar sofrimentos de toda natureza, incluindo doenças debilitantes e morte pontual, o que nos força, pela consciência desses fatos, a tomarmos posição. Cabrera acredita que a totalidade dos humanos, no confronto autêntico com a sua condição e sem contrabandos religiosos, reconhece que a conjuntura estrutural da vida humana não é boa. Dá-se, então, a corrida pela compensação: busca do ter insaciável, prazeres de toda natureza, refúgio a partir do que se pode estabelecer no intramundo (Cabrera, 2004: 18).
É coerente a nossa avaliação da estrutura mesma da nossa vida como negativa, sem nenhum valor do ponto de vista sensível. A totalidade do valor, sensível e moral de toda a vida humana se encontra encerrada tão somente no intramundano, no entendimento de que é impossível existir valor que seja sensível ou moral dentro da estrutura mesmo do definhar, mas somente naquilo que podemos fazer com e dentro do mesmo definhar (Cabrera, 2004: 19).
Coloca-se a questão de que os elementos da estrutura (A)-(E) parecem evidenciar o aspecto negativo sensível do ser mesmo da vida humana, no contexto dos seus elementos de definhamento, porém, essa clareza não diz respeito ao valor negativo moral do ser da vida. Há o pensamento de que o sofrimento sensível não tem o poder de desqualificar moralmente o mundo. Contrariamente, de forma habitual, tem contribuído para o crescimento tanto da moralidade, quanto da dignidade do ser humano. Aqui, Cabrera considera como relevantes seus argumentos contidos na Crítica da moral afirmativa, no que concerne ao problema da inabilitação moral desencadeada de forma regular e gradativa pelo sofrimento, incluindo os pequenos sofrimentos cotidianos e as grandes dores que sempre colocaram em risco todos nós. Entende que um ser sensivelmente acuado pelo sofrimento, transmuta-se em um ser incapaz de tornar-se um ser moral ou para ter respeito pelos seus semelhantes. Por outro lado, o sofrimento pode abalar a moralidade profundamente, o que tem levado ao surgimento da desconsideração a seus semelhantes, implicando em agressões, guerras, perseguições, descriminações raciais e religiosas; cinismo e parcialidade da justiça, podendo tudo isso ser resultante do processo de concretização da mortalidade do ser, como se os outros fossem os responsáveis por esta mortalidade, e como se fosse possível, a partir da exterminação do ser humano, abrir espaço à não mortalidade. Assim, um negativo moral está ligado à estrutura do (A)-(E) (Cabrera, 2004: 19-21).
Para a prova do caráter negativo da vida humana em sua estrutura, o aspecto moral é relevante, pois não é suficiente mostrar que essa estrutura é dolorosa, mas é necessário mostrar que ela é também moralmente inabilitante, ou seja, má não apenas em sentido sensível, mas também em sentido moral. Isto problematiza não apenas a ideia de felicidade, mas também a ideia de ser digno da felicidade... (Cabrera, 2004: 21).
A partir da tese pessimista que formula o desvalor estrutural da vida humana, no tocante aos planos sensível e moral, se pergunta: "Vale ou não a pena viver a vida"? Tal é sugerido por Camus em O mito de Sísifo. Embora, a prova do desvalor estrutural da vida humana pareça objetiva, decidir sobre se vale ou não a pena viver uma vida humana é uma questão pessoal. A vida humana é posta como um equilíbrio que se busca ter entre o negativo estrutural e os valores sensíveis e morais criados no intramundo. O fato é que se percebem muitos casos intermediários na opção de viver: uns se dão bem, outros nem tanto. Por outro lado, apesar dos sofrimentos, parece que a maioria das pessoas está satisfeita por viver (Cabrera, 2004: 23).
Por sermos, entre outras manifestações vitais, vontade, pulsão, sexualidade, portanto, por não sermos só argumentos, admite Cabrera crer que a vida em geral e a vida humana em particular possuem um enorme poder de sustentação, que não é de caráter puramente argumentativo, crendo ainda, que nenhum argumento tem o poder de derrubar. Temos o poder de continuar vivendo, mesmo em face de todas as nossas mazelas, embora esta constatação não se constitua em um argumento a favor do valor da vida, uma vez, aliás, que todos os argumentos estão postos a favor do não ser, do pessimismo e do negativo. Por outro lado, toda a questão do sentido e do valor da vida parece ser uma questão de natureza filosófica. A partir de uma postura filosófica diante do mundo, há de se fazer um julgamento da vida pela sua falta de valor estrutural (Cabrera, 2004: 23-24).
2.1. Discussão das ideias de Júlio Cabrera por Paulo Roberto Margutti Pinto
sobre Sentido da Vida e Valor da Vida: Uma diferença Crucial
Paulo Roberto Margutti Pinto nasceu em Poços de Caldas – Minas Gerais. Graduou-se em filosofia e tornou-se mestre em Filosofia Contemporânea na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tornou-se doutor pela Universidade de Edinburgh e, atualmente, é docente da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Belo Horizonte, MG.
No Capítulo II, Paulo Roberto Margutti Pinto apresenta e discute parte do argumento de Cabrera, onde são elencadas considerações contrárias e favoráveis às ideias de Cabrera. Em seguida, apresenta a sua visão pessoal sobre o assunto, onde, contrariamente, à convicção de Cabrera, admite a possibilidade de abertura à transcendência, conforme se percebe no trabalho.
Assim, já no início da presente discussão, Pinto discorda de Cabrera afirmando que a ligação entre sentido e valor não corresponde a rigor a uma ideia cética, vez que ela tem sido empregada por filósofos pragmatistas, os quais não são tidos como céticos. Por outro lado, a questão essencial que nos importa está colocada sobre o sentido da vida. Caso queiramos compreendê-la em toda a sua abrangência, penso que não é possível separá-la da questão sobre o valor da vida, o que pode ser comprovado face à grande variedade de acepções que a palavra sentido tem, possibilitando ligar a questão das condições de inteligibilidade com a questão do valor, como muitos filósofos vêem fazendo. O verbete sentido, como substantivo, tem doze acepções distintas no Dicionário Aurélio Eletrônico (século XXI), versão 3.0, de 1999, conforme segue: 1) cada uma das formas de receber sensações, segundo os órgãos destas; 2) senso ou faculdade de sentir ou apreciar; 3) bom senso, juízo, tino; 4) intento, propósito, objetivo; 5) acepção, significação, interpretação, compreensão; 6) lado, aspecto, face; 7) razão de ser, cabimento, lógica; 8) atenção, pensamento; 9) cuidado, cautela; 10) consciência (quando alguém perde os sentidos, por exemplo); 11) orientação, direção, rumo; 12) faculdade de conhecer de um modo imediato e intuitivo, a qual se manifesta nas sensações propriamente ditas; senso (Pinto, 2000: 31-32).
A acepção 5 respalda as condições de inteligibilidade, conforme a posição de Cabrera. Já as acepções 2, 3, 4, 7 e 11 parecem se ligar de alguma forma de conexão com valores. Farei uso da acepção 4 (quatro) para argumentar a minha causa. Ao entender sentido como: intento, propósito, objetivo, vê-se que a questão do sentido da vida não se liga apenas a alguma forma de inteligibilidade objetiva, haja vista poder-se vincular com a satisfação dos nossos desejos de felicidade, com a realização pessoal e com a imortalidade. É fato que esses aspectos englobam a consideração do valor da vida humana, mas não deixam de estar ligados ao sentido da vida humana. Dessa forma, contrariamente do raciocínio de Cabrera, o sentido não se difere do valor quando a nossa vida está em questão. Quando se pergunta pelo sofrimento, pode-se tentar esclarecer por que e como o sentimento humano aparece, dando assim as condições de inteligibilidade desse fenômeno (Pinto, 200: 32).
Já as perguntas: "por que sofremos tanto?", "para que nascemos se temos de sofrer?" não necessariamente estão a significar, como pensa Cabrera, o abandono do domínio do sentido da vida humana com sofrimento para entrar no do valor vida humana com sofrimento. Mesmo entendendo a palavra sentido na acepção de propósito, essas perguntas ainda se referem ao sentido da vida, embora englobem com clareza a consideração de valores (Pinto, 2004: 33).
No caso da vida de Hitler, contrariamente ao que pensa Cabrera, ela tem sentido e tem valor como a vida de Gandhi. Mesmo que o valor seja negativo, é valor, até porque é um modelo de como não se deve viver uma vida. Explicar o sentido da vida de Hitler a partir de propósitos, sem a inclusão de valores, entra-se para o terreno da impossibilidade. Se tiver sentido, tem valor, já que essas realidades não vêm separadas. O inverso é igualmente válido: se tem valor, tem sentido. Tal distinção, mesmo que seja simplesmente metodológica, entre sentido e valor advém das necessidades fundamentais da aplicação do método analítico à realidade (Pinto, 2004: 34).
Considerando as questões, o sentido de uma dada vida humana e o sentido da vida humana em geral, podemos dizer que a maneira através da qual essas duas questões podem ser vinculadas a valores é que a primeira delas se caracteriza por buscar as condições de inteligibilidade concernentes às ações de um dado indivíduo. Tais condições podem incluir a consideração do sistema de valores desse indivíduo. Valores esses que envolvem propósitos que podem ser manifestos em termos intramundanos. Resta dizer que a pergunta sobre o sentido na vida, além de uma explicação, abrange também alguma forma de legitimação. Já a segunda questão que pergunta pelo sentido da vida humana em geral, diverge bastante da posição defendida por Cabrera, pois, me parece ainda mais diretamente ligada a valores. Esta questão para ser respondida, pressupõe algum tipo de finalidade divina ou natural, e, dessa forma, abrange valores numa acepção que ultrapassa a simples apresentação de condições de inteligibilidade e se aproxima da valoração. É fato que Cabrera afirma que não possuímos parâmetros racionais para dar resposta a essa segunda questão e, em função disso, ela pode ser rejeitada. Entretanto, a possibilidade de rejeitá-la nesses termos vai de encontro a uma questão diferente e não constitui argumento para afastá-la de forma radical da questão sobre o valor da vida humana. O fato é que a filosofia se mostra possível, quando apresenta conjecturas modestas, em sentido relativo. Ela se afasta da realidade, quando se atém a explicações de caráter absoluto (Pinto, 2004: 34-37).
Quanto à afirmação de Cabrera, no que se refere à questão crucial entre ser e ente, não me parece que a distinção entre ser e ente atinja um aspecto crucial, tão somente quando nos situamos no plano da pergunta pelo valor, sem confundi-lo com o da pergunta pelo sentido. É fato que a própria distinção elaborada por Cabrera entre a questão do sentido na vida e a questão do sentido da vida, por si só, já contém essa distinção. A pergunta que fazemos pelo sentido na vida, indaga pelo sentido dos entes que vivem, sendo que a pergunta que fazemos pelo sentido da vida, indaga pelo sentido do ser mesmo da vida. Já mencionei antes que não há sentido sem valor e não há valor sem sentido, pelo que o sentido não está a mover-se eternamente no plano abstrato da inteligibilidade, nem o valor se reduz ao plano do impacto vital (Pinto, 2004: 37-38).
Levando-se em conta a distinção que Wittgenstein[3]faz entre sentido absoluto e sentido relativo, para que tanto a questão do valor do ser mesmo da vida, bem como a questão do sentido do ser mesmo da vida podem ser entendidas dentro dessas duas acepções. As duas questões, por um lado, permitem a realidade de um sentido concreto, filosoficamente inteligível e empiricamente analisável, de acordo com a formulação de Cabrera, que só reconhece, no entanto, essa possibilidade apenas para uma delas. Observa-se que aqui se está no plano do sentido relativo, sendo que nesse caso, elas requerem respostas contingentes, falíveis e aproximativas. Por outro lado, ambas estão abertas a uma acepção metafísica, transempírica (não empírica). Já aqui estamos no plano do sentido absoluto, vez que, nesse caso, requerem respostas necessárias, infalíveis e exatas. Ocorre nesse particular, que aqui, não contamos com os elementos suficientes para dar resposta a nenhuma dela. A partir dessas considerações, concluímos que não há um estatuto privilegiado para nenhuma das questões em apreço. Por falta de parâmetros racionais para as respostas, as duas questões podem ser tomadas em sentido absoluto e rejeitadas, ao tempo em que as duas, sendo tomadas em sentido relativo, terão respostas via conjunturas concretas e empiricamente analisáveis (Pinto, 2004: 36-39).
Examinando como um todo o argumento de Cabrera, percebe-se que a caracterização por ele concebida da vida humana não está contida nessa estrutura (A-E) e sim na descrição que ele faz da vida humana, identificando-a como um delicado equilíbrio entre a radical falta de valor positivo, atinente a essa estrutura e os valores positivos que os homens se dispõem a construir com vistas a compensar essa falta. O homem é posto à prova por um conflito dialético que decorre de duas tendências antagônicas, como sejam, a do valor negativo que advém da estrutura (A-E) e a do valor positivo que nasce das construções humanas. O ser vivo é visto pela ciência como sendo uma estrutura em constante dissipação que se organiza, tirando proveito das oportunidades possíveis, na contramão do movimento geral do universo em busca do equilíbrio térmico. Margutti entende que o nascimento de um ser vivo corresponde ao surgimento de uma estrutura dissipativa, onde temos uma vitória da vida. A morte desse mesmo ser vivo corresponde ao desaparecimento dessa estrutura, onde temos uma vitória da morte. O delicado equilíbrio de Cabrera se dá em cada instante determinado do intervalo entre o nascimento e a morte, e que é pertencente a trajetória da vida referenciada (Pinto, 2004:40-41).
Quanto ao reconhecimento de que a estrutura não é boa e que, por conseguinte, está relacionada ao valor negativo, há de se admitir, por outro lado, que a luta árdua e permanente contra essa estrutura está relacionada ao valor positivo. Se for verdade que a dialética da qual surge o valor da vida humana necessita que o valor negativo e o positivo mantenham forças equivalentes, para funcionar por um longo prazo, também será verdade que o valor negativo da chamada morte térmica, por final, prevalecerá; correspondendo ao fim da dialética e da própria vida humana, caso esteja correta a hipótese da entropia progressiva do universo. Em que pese a todo o exposto, não se pode banir de todo, neste contexto, a possibilidade de contarmos em nossas vidas com uma experiência redentora que desfaça o valor negativo da morte e o consequente medo de morrer (Pinto, 2004: 41).
Assim, pode-se considerar equivocada a conclusão de Cabrera pela qual a vida não tem valor positivo, visto ser inútil construirmos um valor para ela, já que tal sentido será continuamente corroído e, de forma brutal, interrompido pela vitória da morte por final. O valor positivo decorre justamente do fato de podermos construir um sentido para ela, em que pese o fato de que ele será corrompido pelo tempo, como já está evidenciado na descrição da estrutura (A-E). Aliás, nessa descrição, o que não está inserido é precisamente o outro lado da questão que é a possibilidade de sobrepujar essa estrutura pela construção de valores (Pinto, 2004: 41- 42).
Se a vida tem dois pólos que se contrapõem: um negativo e outro positivo, correspondendo a nossa desdita e a nossa grandeza, não nos parece correto dar importância a uma só dessas realidades. Cabrera enfatiza tão somente a nossa miséria, ao dizer que a mortalidade do ser e a possibilidade de construir um sentido, tomadas num todo, correspondem ao valor negativo da vida humana em sua estrutura. Assim, fica claro que pouco peso é concedido à possibilidade de construção de um sentido, ao tempo em que é dado maior peso à mortalidade do ser, no seu poder de destruição. O contrário também não seria correto (Pinto, 2004: 42).
Há certo exagero por parte de Cabrera, ao afirmar que o nosso problema não reside em encontrar um sentido para as nossas vidas, porém, em encontrá-lo para logo depois colocá-lo em confronto com nossa mortalidade, como a envolver tão somente valor negativo. Pode-se dizer que, se em cada segundo de sobrevivência ocorre uma luta dolorosa, como afirma Cabrera, também ocorre uma vitória sobre a morte. Assim, o fato de achar um sentido para a vida e, após achá-lo, ter de confrontá-lo com a nossa mortalidade constitui a motivação de nossas vidas. Aliás, se as nossas vidas já despontassem com um sentido definido e não tivéssemos de confrontar tal sentido com a ameaça contínua da morte, nosso viver, paradoxalmente deixaria de ter sentido. Perderíamos a razão de viver. O fato é que nesses confrontos nos parece estar envolvido também um valor positivo. O certo é que os valores positivos e negativos, num certo sentido estão sobrepostos uns aos outros na própria trama que dá forma a vida humana, o que torna a descrição de Cabrera parcial (Pinto, 2004: 43).
Para Schopenhauer[4]"a estrutura da vida humana é não apenas dolorosa, mas também moralmente inabilitante". Esta afirmação, entretanto, deve figurar-se como um obstáculo a ser vencido pelo ser humano, permitindo-lhe encontrar uma prática determinante que lhe possibilite vencer a dor e conquistar o resgate moral. Superar as condições consideradas moralmente inabilitantes as quais cerceiam o nosso contato com o absoluto é um fato que demanda muito esforço e sacrifício. Buda também entende que a vida humana é dor na totalidade das suas condições, mas entende igualmente que, através de um processo de superação, pode-se vencê-la e atingir o nirvana. Essas colocações filosóficas são reconhecidas por Cabrera tão somente no que confirmam a nossa existência como sofrimento, sendo que, sem nenhum argumento que respalde satisfatoriamente a sua atitude, as rechaça no que reconhecem a possibilidade de redenção (Pinto, 2004: 44) .
Cabrera parece deixa às claras que só admite como aceitável aquilo que passa de forma compatível pelo crivo da razão. Assim, uma vez que a vivência redentora não passa pelo crivo da racionalidade, deverá ser esquecida como preconceito e, será considerada como puro obscurantismo teimar em classificá-la como manancial de conhecimento.
Suponho que ele esteja agindo assim porque considera ser irracional a crença na redenção, fato este que a tornaria automaticamente descartável. Há diversas pistas que confirmam isso em seu texto. Na seção 3, ao discutir o sentido da vida humana, Cabrera nega que tenhamos direito a acreditar que exista um ser transcendente que tenha criado o mundo com algum propósito. Na seção 4, ao discutir o valor da vida humana, ele opõe o caráter metafísico-teísta da pergunta pelo sentido da vida ao caráter concreto, filosoficamente inteligível e empiricamente analisável da questão do valor da vida. Para ele, isso é o mesmo que opor uma questão religiosa ou metafísica a uma "questão estritamente naturalizada e filosófica". Mais adiante, na seção 5, ele reconhece que podemos afirmar, racional e argumentativamente com sua condição , "sem contrabandos religiosos", e admite que a situação estrutural da vida humana não é boa. (Pinto, 2004: 44-45)
Schopenhauer, segundo Pinto, também acredita no sentido da vida a partir de uma vivência redentora, porque está convencido de que esta vivência não depende da aprovação racional. Esta vivência toca profundamente nossas vidas, alterando-as e capacitando-as ao mesmo tempo a transformar o mundo. Em especial, o interesse pela transformação é um atributo dos sábios que trazem das profundezas do ser novos aspectos que iluminam e enaltecem a vida humana (Pinto, 2004: 45).
Nos autores acima, a experiência religiosa é um dado antropológico fundamental que influencia de forma decisiva a vida humana, mercê de um sentido muito positivo. Este valor positivo, nascido da percepção da unidade e identidade de todas as coisas, faz desaparecer necessariamente o valor negativo da estrutura A-E. Mesmo no caso de a entropia do universo aumentar, o equilíbrio térmico ser o destino de todo o existente ou o oceano cósmico ser envolto por uma inevitável calmaria final, o ser humano, na sua capacidade de estabelecer sintonia com a fonte transcendente de todo ser, percebe-se apto a romper a suposta negatividade que os aspectos acima parecem potencializar e que Cabrera, enfaticamente, destacou. Assim, desta perspectiva, é possível a contemplação beatífica dos mistérios do absoluto, seja por uma visão monista, ou mesmo panteísta, onde, dentro da contextura do plano universal, a morte do indivíduo é um instante com significado de pouca monta, ficando claro que a experiência aqui envolvida é de caráter místico, a confundir-se com a experiência mística estética na sua excelência. Pelo pressuposto de que todos nós temos a capacidade da experiência estética, é suficiente vê-la num crescente exponencial para termos uma ideia do que seria essa experiência mística (Pinto, 2004: 46-47).
Entretanto, é exatamente isso que Cabrera deixa ao largo, em valorizar apenas o alcance da racionalidade estrita, desconhecendo a possibilidade de uma dimensão básica da vida humana, sem perceber que a possibilidade desta simples dimensão contém uma oposição a sua tese que preconiza que a vida humana tem valor de cunho só negativo ou de predomínio eminentemente negativo. Responder à tese de Cabrera, não é suficiente subtrai-nos o direito de acreditar na existência de um ser transcendente com a capacidade de auferir um propósito ao mundo, como quer Cabrera. Aliás, Cabrera pode estar certo, quando nos nega o direito racional a acreditarmos no ser a que ele chama de transcendente. Agora é óbvio que, a partir da perspectiva, em que o racional é a referência absoluta, todo e qualquer recurso à dimensão religiosa representa realmente um contrabando inadmissível. No entanto, se só a partir de uma experiência pessoal que se dá à margem e para além dos limites da racionalidade discursiva, o ser transcendente pode ser acessado, fica claro que a questão do sentido da vida se põe aberta à outra forma de solução, ao mesmo tempo, mais ampla e mais realizadora. Nessa situação, mesmo que haja um apelo à dimensão religiosa, tal apelo, em nenhuma hipótese, poderá ser entendido como um contrabando, já que a vida humana é tomada como um todo, do qual a razão é apenas uma parte, deixando às claras que há difíceis limitações na abordagem com ele (Pinto, 2004: 47).
Se isso é verdade, então o tratamento dado por Cabrera às questões do sentido e do valor da vida peca pela parcialidade. Ele se detém obsessivamente no lado negativo da existência humana e desconsidera a possibilidade de um ultrapassamento extático dessa situação... (Pinto, 2004: 47).
...Estou apenas enfatizando aqui o fato de que, ao contrário do que pensa Cabrera, a vida humana é muito mais rica e complexa do que a nossa racionalidade ocidental dá conta de entender, e isso constitui um valor positivo, à medida que oferece uma abertura para percebermos que não estamos reduzidos ao lado negativo representado pela estrutura A-E. A parcialidade do enfoque de Cabrera se torna mais evidente quando consideramos suas conclusões finais, como se verá a seguir (Pinto, 2004: 47- 48).
Cabrera parece se contradizer, quando, após apresentar argumentos de que a vida humana carece de valor positivo, pensa que avaliar se compensa ou não viver uma vida humana corresponde a um tema subjetivo. Coloca que às vezes a estrutura negativa tende a prevalecer, em outros casos, há uma predominância dos valores ditos intramundanos, também há situações em que a prevalência é de uma situação intermediária. Apesar da diversificação dos sofrimentos, as pessoas, em geral, dão indicação de estarem felizes em viver, embora, não possa confirmar que haja uma decisão objetiva concernente a esta problemática (Pinto, 2004: 48).
Recorrendo a Schopenhauer, Cabrera sustenta que, "se examinássemos a questão do valor da vida apenas com a razão, deveríamos escolher o não-ser". Entretanto, como somos também vontade, pulsão e sexualidade, deixamos à margem essa opção. Afirma que tanto a vida em geral quanto a vida humana em particular são possuidoras de um excepcional poder de auto-sustentação, que não depende de caráter argumentativo e que nenhum argumento é capaz de destruir. Entende que isso não deve ser concebido como um argumento em favor do valor da vida, por considerar que a vida se autossustenta em seu desvalor (Pinto, 2004: 48).
...Há um conflito entre verdade e vida, entre filosofia e vida, a partir do qual uma condena a outra. Assim, o próprio problema do sentido da vida se dissolve num viés vitalista radical, de tipo nietzschiano (Pinto, 2004: 48).
Para Pinto, é duvidoso Cabrera encontre no nível da pura subjetividade a decisão referente a compensar ou não viver uma vida humana, por ter ele enfaticamente negado o valor positivo da vida humana, por meio de argumentos racionais. Embora, esta decisão possa ser costumeiramente subjetiva, pela afetação emocional de cada fator envolvido, no tocante aos argumentos racionais sustentados por Cabrera, apenas uma só decisão objetiva é concebível, qual seja: a vida humana não vale a pena ser vivida, já que carece de valor positivo. Aqui, Cabrera recorre a Schopenhauer, vez que este entende que a análise racional do valor da vida humana implica necessariamente na opção pelo não-ser. Assim, permanecendo na dimensão estritamente racional, surgirá uma alternativa que deverá ser escolhida de forma objetiva (Pinto, 2004: 49).
...Para explicar essa derrota da racionalidade, Cabrera observa, schopenhauerianamente, que somos também vontade, pulsão e sexualidade. Esses fatores nos impedem de fazer a escolha objetiva. Não nos esqueçamos, porém, de que, para Sclopenhauer, a vontade é o princípio de onde provêm todas as coisas. A racionalidade discursiva, que constitui o sistema de referência do argumento de Cabrera até o presente ponto, é para o filósofo alemão o tímido recurso utilizado pelo cientista para saber como o mundo é e tentar dominá-lo instrumentalmente. O cientista está condenado a ser infeliz, pois, à medida que se encontra possuído pela vontade individual, revela-se incapaz de perceber a vontade como princípio fundante do ser.Cabrera permanece estaticamente no plano do cientista, ignorando a abertura oferecida por Schopenhauer para uma dimensão maior. Esta última, como sabemos, envolve um contato com o absoluto (Pinto, 2004: 49).
Nota-se que, enquanto Cabrera parece entender que para cada ser humano, só existe uma via que é a do sofrimento, Schopenhauer, eticamente, se refere a dois caminhos como opção: o sofrimento decorrente da prevalência da vontade individual ou a felicidade que nasce da negação da vontade individual. Dessa forma, admito favorável a Cabrera a presença concreta em nossas vidas de uma carga subjetiva que se faz presente pela vontade, pulsão e sexualidade, ao tempo em que, contra Cabrera, admito igualmente a possibilidade de vencer essa carga, via uma experiência determinante na relação com a realidade transcendente (Pinto, 2004: 50).
Para Pinto, entretanto, há um conflito entre a argumentação sustentada por Cabrera e a contraditória observação que ele faz de que, em que pesem os sofrimentos enfrentados, as pessoas, de um modo geral, parecem estar satisfeitas em viver. Este conflito se avoluma ainda mais, quando se considera um outro aspecto vinculado à observação acima, ou seja: a maioria das pessoas não vive suas vidas em clima de arrebatamento emocional em razão de uma possível e hipotética experiência redentora. Aliás, considerando os desvalores da estrutura A-E, mais a frustração e o sofrimento que pesam sobre cada ser humano que habita este mundo estonteante, afirmar que, mesmo assim, as pessoas parecem satisfeitas em viver, carece de explicação, mormente, se tomarmos como ponto de análise as premissas negativas de que se vale Cabreira. E, assim, a sua abordagem fica fortemente comprometida por essa ausência de explicação (Pinto, 2004:50).
Cabrera postula que a vida se autossustenta, alheia à justificativa ou à condenação da filosofia, o que respalda a vitória da vida e não da filosofia; com o que Pinto concorda, visto acreditar que Cabrera tem razão em admitir esse fato. Mas, discorda quanto a sua afirmação de que a vida se autossustenta a partir de seu desvalor. Admite que de fato ela se autossustenta. Porém, afirmar que, tal se dá por força do desvalor, configura um conflito com o próprio reconhecimento do fantástico poder de autossustentação da vida. Por outro lado, é sabido que o dar valor ou desvalor está vinculado ao argumento apresentado, sendo que Cabrera admite que a vida, no seu processo de autossustentação, não depende de argumentações contra ou a favor. Contrariamente, Pinto pressupõe que houve, por parte de Cabrera, uma espécie de usurpação filosófica na própria afirmação da autonomia da vida (Pinto, 2004: 51).
Ademais, numa postura paradoxal, Cabrera defende que o próprio sentido da vida se dilui num viés aderente ao vitalismo radical. Face ao acima, que parece ser mais uma ligação repentina das questões do valor e do sentido, Pinto fica com a impressão de que todas as tentativas de estabelecer, analiticamente, as diferenças entre sentido e valor, bem como todos os argumentos alavancados para provar o desvalor da vida e, possivelmente, a tentativa de destruir a vida, não foram além de uma imensa perda de tempo. Além do mais, nota-se que a conclusão final de Cabrera diverge em tudo da sua abordagem analítico-discursiva da questão do sentido e do valor da vida (Pinto, 2004: 51).
Já no encerrar desta discussão, Pinto admite que, apesar de ter passado a maior parte da sua vida como ateu confesso e militante, hoje, ele entende que esta experiência constitui uma possibilidade concreta para cada ser humano, independente da falta de parâmetros estritamente racionais para legitimá-la ou para comprovar os conteúdos por ela vivenciados (Pinto, 2004: 59).
Em conclusão, para Júlio Cabrera, o sentido da vida humana que se abre às possibilidades da transcendência, só encontra apoio nas abordagens teístas, com a quais ele não se alinha. Por isso, deixa às claras que toda a sua abordagem diz respeito tão somente às questões do sentido na vida, dentro da nossa finitude.
Para Cabrera, as pessoas possuem uma estrutura que se mantém estável e consistente pelo menos em cinco elementos. Tal estrutura (A)–(E), elaborada por Cabrera, corresponde a um espaço diante do qual, os homens deverão posicionar-se ou tomar uma atitude, como mostra neste seu trabalho.
Esta estrutura, como Cabrera admite, é boa, mesmo em se tratando de casos de desditas e frustrações intramundanas ou más, mesmo nas ocorrências de felicidades e realizações intramundanas. Admite também que os elementos da estrutura (A)–(E) parecem deixar claro o aspecto negativo sensível do ser mesmo da vida humana, no contexto desses seus elementos de definhamento, ao tempo em que, a partir de outras considerações, afirma que um negativo moral está apenso a essa estrutura.
Cabrera conclui que é possível afirmar com raciocínios e argumentos, dispensando a influência de sentimentos, impressões místicas ou crenças religiosas, que a vida humana possui uma estrutura impregnada, em seu ser mesmo, de um valor sensível negativo capaz de levar os seres humanos a um sofrimento contínuo em suas vidas. Entende que o fato de nascermos morrendo não tem nenhum valor, já que ele representa mazelas generalizadas, com a inclusão de doenças debilitantes e morte, o que nos desafia a uma tomada de posição. Por outro lado, Cabrera acredita que a totalidade dos homens, livres de contrabandos religiosos, em face de um confronto autêntico com a sua condição, reconhece que a forma da estrutura humana não é boa.
Na verdade, todas essas considerações estão apensas ao sentido na vida. E, por isso mesmo, boa parte dos argumentos de Cabrera procede.
Já Paulo Roberto Margutti Pinto, no geral, ele apresenta e discute parte do argumento de Cabrera, ao tempo em que faz considerações contrárias e favoráveis às ideias de Cabrera.
Pinto vê a questão do sentido da vida ligada não só a alguma forma de inteligibilidade objetiva, vez que se pode vincular à satisfação dos nossos desejos de felicidade, à realização pessoal e à imortalidade. O que garante afirmar que esses aspectos englobam a consideração do valor da vida humana, sem deixarem de estar ligados ao sentido da vida humana. Assim, ao contrário do raciocínio de Cabrera, conclui que o sentido não se difere do valor quando a nossa vida está em questão.
Considerando as duas questões, o sentido de uma vida humana e o sentido da vida humana em geral, no caso específico da segunda questão, Pinto, diverge bastante de Cabrera, ao por concluir que o sentido da vida em geral parece mais diretamente ligado a valores. Conclui que esta questão para ser respondida pressupõe algum tipo de finalidade divina ou natural, crença com a qual Cabrera não concorda.
Pinto tece algumas considerações sobre a estrutura (A-E) proposta por Cabrera e, ao admitir que a estrutura não seja boa, entende que se tem de admitir, por outro lado, que a luta árdua e permanente contra essa estrutura está relacionada ao valor positivo. Pinto admite, em conclusão, que, mesmo que se torne verossímil a hipótese da entropia progressiva do universo, com o consequente e fim da dialética atinente e da própria vida humana, não se pode banir de vez, neste contexto, a possibilidade de contarmos em nossas vidas com uma experiência redentora que elimine o valor negativo da morte e o medo de morrer. Assim, se desmorona a conclusão de Cabrera pela qual a vida não tem valor positivo, vez ser inútil a construção de um valor para ela, já que tal sentido será ininterruptamente corroído e, brutalmente, por final, interrompido pela morte.
Cabrera postula que a vida se autossustenta, com o que Pinto concorda. Mas discorda que ela se autossustenta a partir de seu desvalor. Importa aqui, é concluir que tal se dá é a partir do extraordinário poder de autossustentação da vida.
CAPITULO III –
3.1. Morte e Vida sob a visão de Bernhard Welte com referência à transcendência.
Bernhard Welte (1906-1983) nasceu em Messkircha 31-3-1906, no sudoeste alemão. Ocupou como ordinário desde 1951 a cadeira de Questões confinais entre Teologia e as restantes Ciências do Espírito, na Universidade de Friburgo/B, Alemanha. No período de 1955-1956 exerceu o cargo de Reitor, passando a Vice-Reitor no período de 1956-1957.
O ser humano pela religião tem a percepção de que Deus vem ao seu reencontro, cabendo-lhe recebê-lo como sendo a base da religião na sua magnificência. Entretanto, esta entrega divina não se faz de forma evidente, o que justifica a descrença em Deus por parte de muitos homens do nosso tempo (Welte, 1982: 49).
Assim é que Welte tenta buscar sinais da existência de Deus por caminhos novos, sem os pressupostos tradicionais, mas que sejam capazes de fundamentar o direito à fé em Deus. Welte propõe três fatos fundamentais, ao tempo em que se dispõe a faz uma conexão lógica entre eles: 1) Existência; 2) Não existência ou nada; 3 – Pergunta e postulado do sentido (Welte, 1982: 50).
Para este primeiro fato, Welte propõe que tomemos consciência de que "estamos aí", juntos a outros homens, em sociedade, no meio do mundo, o que é um fato inegável. A frase "estamos aqui em nosso mundo", que Welte propõe substituir pela palavra "existência" para maior simplicidade, guarda em si um sentido real, ao tempo em que corresponde a um campo aberto de experiência. Pode-se dizer que, dentro do mundo, a humanidade conta com a claridade ou abertura para vivenciar as mais diversas experiências consigo mesma, com os outros e com o seu mundo. Isso lhe permite falar de todas elas, inclusive interpretá-las ou não (Welte, 1982: 51-52).
...Portanto, só tem sentido falar de nossa existência no mundo, se com isso entendemos também que a abertura das experiências pertence a esta existência (Welte, 1982: 52).
O segundo fato se manifesta em frases semelhantes a que se segue: "Não temos estado sempre aqui e não estaremos sempre aqui." Importa de uma forma ou de outra explicitar o sentido atinente a estas duas frases negativas, vez que nelas é claro que se mostra um fato inegável e, com certeza, um fato negativo. Ocorre que ninguém consegue pôr em dúvida de forma consistente o fato de que uma vez não estávamos aqui e alguma vez deixaremos de estar aqui. É sem nenhuma dúvida enigmática a experiência pela qual nos certificamos deste fato. Por outro lado, em que pese a dita experiência ser de tipo especial e enigmático, não impede ninguém de negar o fato relativo à não existência passada e futura (Welte, 1982: 53).
Assim, pode-se afirmar que a não existência do sentido da existência corresponde indubitavelmente a uma negação determinada, a qual está referida por sua relação com a própria existência humana concreta. Assim, nós somos os existentes, correspondendo aos que uma vez não estávamos aqui e alguma vez não estaremos aqui. Assim, a partir deste sentido, é nossa a não existência, estendida a todos os homens sem exceção. Sem dúvida é atinente a todos nós, com inclusão de todas as nossas organizações, a frase: uma vez não estava aí, e algum dia deixará de estar aí. É fato que toda a humanidade e tudo o que lhe pertence não terão a chance de se subtraírem à não existência. Tal é a negação determinada e também real de toda a existência humana. Diante da afirmação, e levando-se em conta o fato de que muitas espécies de seres vivos aparecem e desaparecem, fica o desafio da resposta à pergunta: Por que só o homem havia de aparecer e não desaparecer? (Welte, 1982: 53-54).
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|