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Morte e vida: os limites da abordagem filosófica e uma possível abertura à transcendência (página 3)


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Refere-se também a não existência àqueles âmbitos do mundo que, como o outro do homem, acostumamos a chamar natureza? Não o sabemos. Mas, sim sabemos em relação com a natureza que alguma vez ela deixará de ser natureza para nós. O que seria então para si, é uma questão da qual podemos prescindir. Posto que, seguramente, a natureza não se experimenta a si mesma como natureza ou nem sequer como existente, no caso suposto já não valia para ela a distinção entre existência e não existência. E propriamente então a natureza já não estaria aí, suposto que existência (Dasein = estar aí) significa: apresentar-se, fazer-se notar a diferença entre existência e não existência (Welte, 1982: 54).

 

A essa altura e neste sentido, podemos dizer sem nenhuma restrição que a não existência, tanto a passada quanto a futura, diz respeito primariamente à existência humana em seu conjunto, e, em conseqüência, inclusive igualmente tudo o que é ou que possa ser mundo para o homem (Welte, 1982: 54).

Welte, a partir do entendimento que aqui é dado à não existência, propõe dar-lhe o nome de nada (Welte, 1982: 54).

Em princípio, por reflexões tão somente formais, o nada, como uma expressão relativa, se referiria a algo existente, porém, como negação deste, quer se refira a este indivíduo, quer se refira ao existente em conjunto, sendo que a sua condição relativa supõe a negação e, necessariamente, o nada do existente e, com ele, o simplesmente o outro existente. Entretanto, não fica aqui elucidada a referência ao nada como um fato, por si, inegável. Mas, se o nada se der a nós que estamos aqui e enquanto estamos aqui, ele se faz experiência. Aliás, quando Pascal fala do nada, com certeza, estava a focar a sua grande experiência, incluindo seu conteúdo; uma referência à realidade positiva do negativo do nada (Welte, 1982: 54-56).

De outra forma, se alguém pensa sobre a morte, incluindo a própria e a dos outros homens, observando que depois de um determinado tempo nada ficará de ninguém, pode por em dúvida a não existência, o nada correspondendo a uma experiência e a um dado inusitado e inegável, podendo-se dizer que o nada, como experiência, tem um traço positivo. Entretanto, a nossa relação com o nada é, claramente, ambígua, ambiguidade esta que nos vem do próprio nada, do qual, aliás, nada sabemos. Tal ambiguidade insolúvel nos impossibilita de conhecer se há ou não algo detrás do nada, da não existência (Welte, 1982: 56-57).

Isto pode esclarecer-se com um modelo simples. Quem entra num espaço completamente escuro, dirá: não vejo nada. E dirá isto como expressão de sua experiência positiva. Pois, ele vê que aqui não pode ver-se nada. Nunca diria isto se não visse nada em absoluto, por exemplo, num sono profundo. Aqui está o positivo da experiência. O nada aparece como nada visto. Mas, está claro que o visto é ambíguo. A pessoa de nosso experimento, a partir do que vê, ou seja, do nada, não pode decidir se entrou em um espaço absolutamente vazio, ou bem num espaço que, certamente não está vazio, mas, se subtrai por completo a sua experiência no que pode acontecer. Ambas as possibilidades dão o mesmo fenômeno e, por ele, tem a mesma expressão lingüística: não vejo nada. Por esta ambigüidade do nada, nosso homem se moverá com precaução. Não pode estar seguro por completo do terreno em que se move (Welte, 1982: 57).

O nada, na sua condição de não existência, traz em si algo que afasta a nossa atenção sobre ele, dificultando-nos observar e conhecer as suas dimensões. Decorre, claramente, deste fato, que fugimos continuamente deste nada ameaçador e futuro, ocupando-nos, como refúgio, da nossa existência, independente da sua importância ser real ou não. Frente à realidade do nada da morte, vendo que não temos como nos subtrair a ele, não raro, nós tentamos ignorar esta consciência, abraçando a pressuposição de que se refere a um fato a mais, sem nenhuma importância. Aliás, Pascal[5]toca de forma precisa essa questão: "Corremos sem preocupação para o abismo, uma vez que temos posto ante nós algo que nos impede de vê-lo" (Welte, 1982: 58-59).

Todavia, esta atitude de fuga não desfaz a inegabilidade da não existência que ameaça e que se fará presente. É uma atitude alienante que nada acrescenta a uma postura realista e séria que devemos assumir de que um dia, de fato, não estaremos mais aqui, independente da importância social ou do poder de resistência que possamos ter. O fato é que o nada, na sua terrível infinitude, no seu caráter ineludível, se afigura como o único prepotente que, sem esforço, arrebata toda existência (Welte, 1982: 59).

Entretanto, pode-se dizer que o poder do nada não é, necessariamente, o poder de uma coisa, já que o nada não é nenhuma coisa, embora, sabe-se que tal poder é totalmente permanente. Assim, o nada que não é nenhum sujeito e nem uma coisa e que, pelo contrário, é a negação de tudo isto, é o ineludível, que pode também ser chamado de o incondicional, num sentido bem concreto (Welte, 1982: 60).

Por outro lado, o nada pode ser pensado como o outro frente à existência em nosso mundo, no sentido em que ele é a outra cara da existência. É o outro da existência que, nela, se experimenta, já que a existência, em si, se configura como o lugar em que se dá o nada. Por conseguinte, não se pode pensar a existência e o nada como dois espaços delimitados, pelo fato de se identificarem entre si (Welte, 1982: 61-62).

O terceiro fato que nos importa salientar se vincula à realidade de que a experiência do nada que se desdobra na nossa existência e dentro dela está em luta com sua própria atitude fundamental. Aliás, é justamente esta atitude fundamental da nossa existência viva que nos motiva a perguntar, em todas as circunstâncias da nossa vida, por um sentido (Welte, 1982: 62).

Que significa perguntar por um sentido? Por sentido entendemos normalmente o que pode justificar e encher nossa vida em conjunto e em seus atos particulares. Nós perguntamos por esse sentido que justifica e preenche (Welte, 1982: 62).

 

Perguntar pelo sentido supõe um interesse em plenificar a nossa existência de valores concretos, pela presença deste sentido que mantemos, enquanto atuamos. Decorre daí que a afirmação da pergunta do sentido respaldada pela ação tem, de fato, a forma de um postulado. Postulado este que se vincula de forma inseparável à nossa existência, dando-lhe direção e sentido de forma prática e inflexível, pelo que ele se constitui na dinâmica diretriz da efetivação da existência em conjunto. Assim, deste pressuposto do sentido e da sua dinamicidade nascem todos os projetos, esperanças e exigências de nossa existência. Entretanto, é fato que nos projetos de sentido em geral, não raro, se faz presente uma dialética negativa, quer na vida individual, quer na vida social (Welte, 1982: 63).

Aqui está a razão de que podemos dizer: o postulado do sentido abarca todos os possíveis detalhes finitos de nossa vida e ultrapassa também a todos. Ultrapassa todos os momentos particulares de forma tal que surge a pergunta: O que significa o fato de que esteja no meu mundo, em suma, para ter sentido? E o postulado de sentido que segue a esta pergunta exige de novo um sentido que representa o todo, e isto de tal maneira que o todo supera qualquer coisa finita e qualquer soma do finito (Welte, 1982: 64-65).

Todavia, pode-se afirmar que a dialética negativa caracteriza a vida concreta do postulado de sentido, se faz presente na experiência de uma forma determinante, evoca o sentido mais oculto e profundo da pergunta e do postulado do sentido, ou seja, a pergunta referente ao sentido do todo que abrange e penetra todas as coisas. No caso em que a pergunta assim entendida se faz universal, ou noutras palavras, se percebe universal, atinge pela primeira vez sua fidedigna dimensão. Aliás, o mesmo se há de dizer sobre o postulado de sentido (Welte, 1982: 65).

Aonde há de nos conduzir tudo isto, aonde hão de nos levar todas estas atividades que chamamos nossa vida? Que há de significar isso, frente ao fato de que em nenhuma plenitude finita podemos alcançar uma satisfação absoluta? Para onde aponta tudo isso em seu conjunto? São perguntas totais. Por suposto que se articulam primeiro em esboços particulares e em sua dialética. Mas no fundo de sua dialética descansa a pergunta total que desperta de tanto em tanto. Quiçá, no curso da existência terrestre, desperte tarde, em último lugar. Mas, então se descobre o que de fato é, ainda em forma oculta, o primeiro e o princípio de toda vida humana. É o primeiro e o princípio, na medida em, todo o particular pressupõe sempre o sentido total. Por ele, o postulado total de sentido é o pressuposto e o princípio de toda vida, orientada a um sentido. Se pelo menos em segredo não estivéssemos dirigidos pela ideia de que o todo em geral tem um sentido, então possivelmente não esboçaríamos nem empreenderíamos nada particular. A pergunta última e radical é mais originariamente, todavia; a primeira, porém, como primeira, está muito mais oculta. Como última e, às vezes primeira pergunta total, está plena de um interesse total e do pressuposto de um sentido total (Welte, 1982: 65-66).

Sabe-se, naturalmente, que o sentido vivido que remonta à raiz primeira, forçosamente, é pressuposto para qualquer esboço de sentido interpretado. É também natural que os modelos interpretados de sentido apresentem em concreto uma grande variedade ao longo da nossa história. É muito provável, porém, que sua raiz seja sempre a mesma, levando-se em conta a vida frente a um sentido total (Welte, 1982: 66).

Por outro lado, há situação em que o homem nega qualquer sentido e opta por viver o absurdo. Existe esta possibilidade. Assim, pode-se interpretar o sentido em geral como inexistente, a partir do pressuposto vivido de um sentido que se mostra novamente como a base possibilitante da suprema interpretação negativa. Entretanto, a liberdade humana traz em si a possibilidade de opção por um novo sentido ou não, dentro do fluxo da vida. Assim, pode-se dizer que Albert Camus[6]tem razão ao afirmar que "o suicídio é o único problema filosófico real" (Welte, 1982: 66-67).

Quanto ao fundamento do postulado de sentido, Welte afirma que o autêntico lugar do seu real desenvolvimento é a vida concreta, eticamente estabelecida. Pode-se pensar abstratamente sobre o sentido. Mas, em concreto, neste ponto onde a nossa existência concreta mantém o seu compromisso ético, como seja, nas relações humanas concretas, onde se refere à fidelidade e amizade ou de algo semelhante, então não há dúvida nem por instante de que isso tem sentido. Aí se faz presente o postulado de sentido em conexão com o seu direito intrínseco. Fica claro, pois, que tal ação se pressupõe revestida de sentido. Nessas circunstâncias, o referido postulado está justificado intrinsecamente (Welte, 1982: 67-68).

Pode-se dizer que é no fundo e na raiz da existência humana que vamos encontrar a referência vivida ao sentido em conjunto e o postulado justificado do sentido. E é aí que, eles apontam, por assim dizer, e sem forçar, para a verdade e para a ética às quais se deve abrir só na plenitude da liberdade, vez que tudo decorre da crença de que a vida tem sentido (Welte, 1982: 67-68).

Por outro lado, se coloca que o nada infinito como um poder arrasador dissipa de forma ineludível toda a existência, até porque o nada, entendido como nada nulo, tem o poder de destruir todo o sentido. Assim, face à ocorrência de possíveis aniquilações totais, como responder às perguntas que cobram a nossa posição diante dos valores contraditórios da vida, como ter sentido realmente entre justiça e injustiça, entre verdade e mentira, entre verdade e escravidão, uma vez que tudo está a caminhar para o mesmo, para o nada? Em sendo assim, não faz nenhum sentido abraçar mais a causa da verdade e da justiça do que a causa da mentira e da injustiça. Pode-se dizer, então, que o nada, na sua conceituação de simples nada nulo, tem o poder de destruir todo esboço e todo postulado de sentido (Welte, 1982: 67-69).

 

Esta constatação entre o nada que ameaça realmente e a existência real, com seu projeto e postulado de sentido, não é uma mera constatação abstrata e formal. O nada contradiz a vida real no seu fator mais íntimo, que é o motor de tudo e em definitivo é irrenunciável (Welte, 1982: 69).

 

Na verdade, a voz tranqüila da consciência nos diz que não podemos abrir mão do sentido da dimensão entre verdade e falsidade, entre justiça e injustiça, e outras semelhantes. O que implica dizer que esta contradição não pode se manter e que não podemos renunciar ao sentido. Fica evidente que as distinções éticas fundamentais têm sentido, quando se levam em conta as formas concretas da vida humana, como o amor concreto aos outros homens ou também o compromisso concreto pela justiça e a liberdade de outros homens (Welte, 1982: 70).

A rigor, encontramos-nos em um sistema de duas proposições excludentes: ou o nada é um simples nada nulo e, em consequência, tudo carece de sentido ou tudo tem um sentido, o que corresponde à evidente exigência ética fundamental, a chamada consciência mesma. Assim, optando-se pela afirmação concreta de que tudo tem um sentido, conclui-se pela mais manifesta ambiguidade da experiência do nada. Em consequência, podemos dizer que uma existência humana com sentido, neste particular, só é possível, se o nada, em sua infinitude e com seu poder ineludível, não é um nada nulo, mas sim, um ocultamento ou, noutras palavras, uma presença latente, sem palavras, sem forma, obscura, mas real de um poder infinito e incondicional que a tudo concede um sentido e uma permanência contínua (Welte, 1982: 71).

Importa crermos que o aspecto terrível e incondicional do nada é o sinal de uma realidade terrível e incondicional que, embora subtraída e oculta, salvaguarda todo sentido, ao tempo em que manifesta que o nada, em que pese sua obscuridade e sua negatividade fenomênica, desvela, sem embaraço, um conteúdo positivo. Sua infinitude e seu caráter incondicional se mostram como um poder. Assim, neste seu poder sereno e seguro, ele protege e conserva seu sentido para toda a vida, especialmente, a vida humana. Pode-se dizer, então, que é o nada que pode justificar e encher toda a vida, a partir dos seus traços positivos, dentro e a partir do seu mistério (Welte, 1982: 71-72).

Neste contexto, faz-se presente a fé em seu poder mistério, também infinito e incondicional, sendo fonte de exigência para tudo, ao tempo em que conserva todo sentido, decide sobre todo ele e pode ser uma fé com abordagem racional. Ocorre que, em seus momentos cruciais e decisivos, ela tem a prerrogativa de descansar em intuições que não manipulam ninguém. Intuições estas que não são impedidas de serem racionais (Welte, 1982: 72).

Especula-se que o poder infinito se encontra oculto no nada infinito, como que envolto por este à semelhança de um espaço. Tal fato corresponde a uma contradição, qual seja a contradição concreta entre o pressuposto de sentido e o nada infinito ameaçador que, aliás, só encontrará solução racional se cremos que o nada mesmo e, não algo nele, é a presença de um poder infinito que se nos subtrai em seu aparecer mesmo. Pode-se dizer que o nada mesmo como nada é tão somente configuração do poder infinito, sendo que só a partir desta realidade se pode falar em sentido (Welte, 1982: 72-73).

Há ademais uma importante e séria objeção positiva contra a ideia de Deus, a saber, a de que Deus absoluto é uma projeção da subjetividade humana. Ludwig Feuerbach é o clássico desta critica da religião. Carl Marx o assumiu, e Sigmund Freud se moveu em seu campo, esclarecendo com considerações psicanalíticas (Welte, 1982: 78).

 

Quanto à citação acima, Welte entende que, embora haja algumas realidades que possam ser tidas como projeções, outras não o podem. Assim, as suas reflexões sobre a morte deixam às claras que a morte não é uma projeção e, com mais razão, não é nenhuma projeção o futuro não-ser que se mostra com a morte (Welte, 1982: 79).

Também não é uma projeção a vida frente a um sentido, bem como a fé num sentido inserido no contexto concreto da existência intrahumana. Porém, com certeza, podem ser projeções as respectivas interpretações concretas que o homem possa desenvolver. É oportuno lembrar, entrementes, que todas elas pressupõem sempre a vida como vida voltada a um sentido. Pode-se afirmar que a vida na sua relação com um sentido e com a percepção do sentido na existência intrahumana são inerentes às experiências mais elementares (Welte, 1982: 79).

Paul Tillich[7]chamou a atenção sobre isto: "Por fortes que sejam os argumentos psicológicos e sociológicos, estes são condicionados e é possível se opor a eles e libertar-se deles, por exemplo, da "imagem paterna" ou da "consciência social". Mas, não é possível liberar-se do caráter incondicional do imperativo moral" (Welte, 1982: 79).

"Podemos, certamente, passar por alto um determinado conteúdo do espírito em favor de outro, mas, não podemos deixar de perceber o imperativo moral" (Welte, 1982: 79).

No primeiro esboço acima, destacamos que o nada vem para nós. Neste segundo esboço, vamos falar do nada do qual nós procedemos, o que supõe prender nossa atenção nele e olhar agora em sentido contrário ao do primeiro esboço para observar se nessa nova direção se afigura algo que corresponda ao poder infinito de Deus (Welte, 1982: 80).

É fato que nem sempre estivemos aqui, o que fundamenta que existe o nosso passado não ser. Mas esta realidade, em si, não justifica dizer que nunca houve desde sempre pressuposições de nossa existência de alguma forma. Por outro lado, é óbvio, que expressões como: eu estou aqui ou nós estamos aqui não podiam existir antes do nosso nascimento. O fato é que cada ser humano é uma singularidade dentro do seu real espaço aberto de experiência. Por outro lado, isto que eu sou corresponde a algo insubstituivelmente meu. Sendo fato que ninguém mais, em nenhuma circunstância, pode ser meu eu. E assim, também posso dizer que meu passado não ser ou nada é meu. Pode-se afirmar que cada pessoa, cada um de nós, da forma como é mesmo, está interligado com seu próprio não ser de antes, do qual se afasta e que, por sua vez, necessariamente, assume em seu ser (Welte, 1982: 80).

Entretanto, importa esclarecer que isso que é particularmente meu não pode levar ao convencimento de que eu sou um ponto simplesmente isolado. Pelo contrário, estou sempre e de forma concreta com as outras pessoas no mundo, ativamente, experimentando-o e intervindo de muitas e variadas formas nele. Temos um mundo social, um mundo da natureza e um mundo em geral. O que foi posto significa para a nossa questão: meu mundo ou mesmo todo nosso mundo, sendo que alguma vez não estou aí e, entretanto, tem surgido em conjunto de seu próprio nada. É fato que este nosso mundo social ou histórico, e, menos ainda, nossa inteligência acerca do processo histórico (Welte, 1982: 80-81).

 

Mas não pode se dizer em absoluto o que seria o mundo como processo cósmico de tipo físico que ninguém via e entendia se desta ou doutra maneira. Se nós pudermos dizer que "houve um período de longo tempo no qual não havia homens que perguntaram"; e enquanto podemos dizer isto, esse mundo de antes, sem homens e sem palavras, pertence, todavia, (ou seja) ao mundo de nossa linguagem, é, em perspectiva, nosso mundo. Mas, se temos o intento - sempre inútil - de prescindir disto por completo e deixar inteiramente só as configurações físicas, como única realidade existente, então, já não resta nenhum mundo senão o silêncio e a noite (Welte, 1982: 81).

 

Assim, em contrapartida, nós, como entes que estamos aqui, juntamente com nossos semelhantes e nosso mundo, ou algo mais, temos detrás de nós um nada passado e suprimido, mas que, provavelmente, nos pertence para sempre. Não é esta uma frase que traduza algo referente à duração física do processo físico do mundo, mas, sem dúvida, é uma frase que diz algo sobre a duração da física na sua condição de ciência (Welte, 1982: 81).

Tomando por base estas considerações, devemos desistir de perguntar se o processo cósmico já tem uma duração infinita ou começou a partir de um tempo finito. Esta pergunta provocaria inúmeras polêmicas, face às dificuldades que Kant expôs como primeira antinomia das ideias transcendentais. A primeira antinomia é aquela em que se contrapõe a tese e antítese seguinte: Tese: o universo tem um princípio no tempo e limites no espaço. Antítese: o universo é infinito no tempo e no espaço (Welte, 1982: 81- 82).

Face ao fato de a nossa existência ou qualquer outra ter surgida do nada, ou do não ser, firmando-se aí, como nova, desencadeia, necessariamente, uma tensão especial no ser do ente. Esta nova existência, por não ser clara ao pensamento, leva-o a percebê-la como algo não explicado, não claro, motivo suficiente para que ele, por força da sua exigência racional, cobre um esclarecimento, uma vez que não concorda com fenômenos não explicados e enigmáticos. O pensamento sempre exige a explicação do de onde dos fenômenos em geral. Ele chega mesmo a buscar e esboçar o fundamento do que é para ter a conformidade com ele mesmo (Welte, 1982: 82).

Entretanto, este perguntar pelo porque que é uma necessidade do pensamento, também o é da coisa pensada, do algo que brotou do nada. Ocorre que tal coisa deixa às claras que, em sendo observada só em si mesma, não encontra concordância consigo mesma, não se tem como ser, mas tão somente, como problemática, instável e sem explicação. Esta situação, entretanto, pressupõe que esta coisa necessita de algo que a explique para que ela possa, contrariamente às aparências, se manter como coisa existente e ser consistente e com claridade. Pois, só nisto se encontra a base que explica poder está conforme consigo mesma e, a partir de tal conformidade, ser em sentido de plenitude. Tem-se aqui o fundamento primeiro da coisa, a partir do qual está dito que a coisa brotou de seu nada e, portanto, se encontra determinada no seu ser e está nele. Conclui-se, pois, que é uma necessidade fundamental para o pensamento a necessidade de explicação a partir da coisa mesma (Welte, 1982: 83).

É fato que toda coisa nova, nascida do seu não ser, reclama, no seu todo, um fundamento explicativo que justifique sua aparição e seu novo estar aí, um fundamento explicativo que, ao mesmo tempo, dê suporte e esclareça a sua existência, decida e preencha como ser. Aliás, a pergunta a respeito do fundamento é indispensável; e, para os casos aqui levantados, o nosso pensamento tem razão e deve realmente colocar a pergunta "por que" no sentido de obter um fundamento explicativo capaz de dar suporte ao novo ser (Welte, 1982: 84).

Coloca-se que este fundamento ainda não está achado. Porém, contamos, com certeza, com uma base para pressupor que existe este fundamento e que podemos ir a sua procura, ao tempo em que podemos nos referir de forma deliberada da legitimidade, com respaldo na experiência, do pressuposto do fundamento; sendo que este, como pressuposto, torna-se, às vezes, uma obrigação perante o pensamento, a saber, para busca do que é possível se pressupor. O fato é que sua legitimidade flui do que a coisa mesma mostra de si (Welte, 1982: 84).

No fundamento indagado, o esboço de fundamentação e credenciado na experiência concreta, na qual, reiterados fundamentos efetivos explicam porque tem sucedido algo, e desde os quais cumpre mostrar a partir de onde o sucedido chega a seu acontecer e sendo ordenado a ele. Também o achado do fundamento dá, em várias situações, confirmação ao pensamento e, assim, preenche também a coisa mesma que também se explica. Mas, em um segundo momento, o que preenche não se deve só ao esboço do pensamento, senão igualmente ao que brota das novas experiências e confirma o esboço (Welte, 1982: 85).

Caso busquemos com afinco e planejamento, encontraremos de forma tão regular as razões explicativas, que nos parece claro podermos afirmar a regra como um princípio geral, como a forma abaixo: "Tudo tem a sua razão de ser". Tal afirmação é, por conseguinte, um princípio de causalidade que advém do esboço investigador. O princípio é confirmado, como que, no sentido de Karl Popper[8](Welte, 1982: 85).

 

O pensamento fundamental é: se atuamos assim, então deve se seguir regularmente aquilo. Qualquer um confia nisto e pode fazê-lo. Assim, de óbvia e segura se apresenta a regularidade fixa da relação conhecida de fundamento-consequência (causa-efeito) (Welte, 1982: 86).

 

Com efeito, ao longo de todo o campo do tipo insinuado, o das ciências empíricas da técnica que delas procede, a dimensão "Deus" não aparece. Não há recorrência à "hipótese de Deus" para dar explicação científica do seu curso e poder dominá-lo pela técnica. Pode-se dizer, neste sentido, que Wittgenstein tem razão ao dizer que Deus não se revela no mundo (Welte, 1982: 86).

Entretanto, a coisa muda mais rapidamente à medida que se pergunta mais fundamental e radicalmente (Welte, 1982: 86).

A propósito, se buscamos encontrar um fundamento explicativo para tudo o que encontramos e observamos, temos de recorrer a um novo motivo para questionar pela procedência deste fundamento explicativo. Ocorre que o fundamento tem que dispor de um fundamento que, também, carece de uma explicação. Observa-se, pelo exposto, que a pergunta pelo fundamento fica submetida a uma sucessão de deslocamentos para trás de nível em nível. Em decorrência, temos uma série de fundamentos (causas, razões de ser: Gründen) (Welte, 1982: 86-87).

Ocorre, no entanto, que não é possível se ver porque esta série de fundamentos tem que ter um final. A própria ciência procede como não só pudesse, mas devesse continuar perguntando sempre. Pode-se dizer que ela é guiada por uma ilimitada série causal como sendo uma ideia regulativa. É certo que a ciência não cogita em formular, de forma clara, a ideia de uma regressão infinita, embora tenha estado nessa linha (Welte, 1982: 87).

Em princípio, o problema relativo à série infinita nos parece insolúvel. Assim, a primeira antinomia de Kant sobre a ideia transcendental, necessariamente, deve ficar aberta no que se refere ao âmbito de nossas reflexões, por não ser racional a desistência de pressupor fundamentos e de perguntar por eles. Importa não parar e perguntar sempre (Welte, 1982: 88).

Diante da circunstância acima, é natural que o mundo e também nossa existência nele se subtraiam à exigência de uma compreensão que aspira ser absoluta. No que se refere aos últimos fundamentos é inegável a incompreensibilidade do mundo. Assim, vemos que os da ciência se mantêm verdadeiros. Também no marco de tal reflexão, enquanto, no âmbito interno da ciência tudo resta conforme até agora. Entretanto, para além deste âmbito interno, com certeza, ficaremos sem resposta às perguntas pelos pressupostos e pelos pressupostos últimos, ou seja, pela última base sustentadora. Ademais, no fundo está aí de permeio um mistério que se nos escapa continuamente (Welte, 1982: 88-89).

Face à incompreensibilidade crescente do mundo e da existência, é oportuno orientar o porquê juntamente com o esboço no conteúdo do fundamento investigado em uma direção nova e radical. Esta mudança é um giro, ou seja, um movimento descontínuo que abandona a série ulterior empregada até agora de perguntas e respostas e, frente a ela, executa algo totalmente novo. Este giro na direção da pergunta é possível e racional. É possível por parte da coisa mesma, em vista à sua situação incompreensível e problemática; e é racional para o pensamento, já que a coisa se mostra em sua problematicidade para o pensamento (Welte, 1982: 89).

A pergunta principal e abrangente acima teve a sua formulação decisiva inserida com atraso na história do pensamento e, em que pese ser uma pergunta do sentido e necessária, é utilizada com pouca freqüência. Assim, também parece de pouca freqüência a prática das experiências fundamentais pelas quais se evidencia como é problemático, inclusive, o mais problemático, o fato de que existe algo em geral. Mas, o importante e decisivo é que isto já foi mostrado alguma vez (Welte, 1982: 90).

A partir das experiências decisivas, se confirma que existe este algo em geral, do qual não se pode duvidar, já que, inclusive, pode ser visto e experimentado, se pode mostrar que não é manifesto, mas sim plenamente problemático, o fato de que exista em absoluto. Realidade esta que é encoberta continuamente pelo direcionamento comum ao que se põe mais ao alcance e mais visível ou acessível em cada situação (Welte, 1982: 90).

Face ao acima, pode se dizer que não existe e nem pode existir nada que de antemão não fique discutido por esta pergunta. Aliás, nada consegue se manter fora do seu alcance universal. Pode-se dizer ainda que a soma de todas as perguntas possíveis, incluindo todas as perguntas empíricas mais tudo o que se pode perguntar, corresponderá a um peso, imaginando-se a utilização de uma balança, sempre menor que o peso dessa única pergunta em apreço (Welte, 1982:91- 92).

Em relação com o âmbito do objetivo interrogado, a universalidade dessa pergunta inclui outra circunstância. É que a pergunta pelo seu sentido envolve, igualmente, o mesmo que a coloca. Aliás, nós mesmos que colocamos e elaboramos a pergunta, somos envolvidos por ela. Assim, ao tempo em que nós nos apercebemos disto, nos submetemos a sua seriedade real, o que se depreende das perguntas: Por que existimos nós? Por que existo eu? Por que faço perguntas e posso fazê-las? Por que existe algo em geral? Nota-se que todas estas perguntas se encontram inseridas na pergunta: "Por que existe algo em geral e não, melhor, nada?". Não há como subtrair a ela nossa própria existência, tão pouco a de qualquer outra coisa. O fato é que se não tivéssemos percebido que também nossa própria existência é questionada, de forma decisiva, por tal pergunta, não teríamos experimentado a seriedade e as suas dimensões autênticas (Welte, 1982: 92).

A nossa pergunta, na verdade, quer saber algo sobre o ente em sua totalidade. Interessa saber, concretamente, o que resolve a problematicidade deste ente em totalidade, e, dessa forma, o faz idêntico consigo mesmo e o faz permanecer na existência. Isto pode ser chamado de o fundamento ou a causa do ser de todo ente, embora, a nossa pergunta ainda tenha que buscar este fundamento, pois, no momento, só podemos dizer negativamente que ele se encontra no não ente. Sendo que a dimensão de um nexo fundamento-consequência que ultrapassa ou transcende todo o finito é posta, em primeiro momento, como pergunta. Com ele surge, entretanto, a dimensão de um fundamento, que não seria por assim dizer, um primeiro dentro da série dos fundamentos, mas, que se acharia frente a toda esta série inteira como transcendente (Welte, 1982: 93-94).

A nossa pergunta que sempre vem se colocando, agora, interroga além de todo o ente, para o abismo do ente, o que, em consequência, a faz parecer absurda frente às ciências empíricas e sua lógica. À parte as discussões condizentes, aqui nós começamos a ultrapassar o espaço de domínio das ciências empíricas; mas, não o espaço da razão. O fato é que o pensamento questionador tem que se permitir fazer perguntas que já não são acessíveis para a ciência. A razão que faz perguntas as faz em função de suas experiências, o que concede a estas perguntas um sentido, por assim dizer, uma legitimação da experiência. Mas, não numa abrangência metodológica no sentido das ciências (Welte, 1982: 94-95).

Por outro lado, se tudo o que experimentamos como ente, quer seja nosso mundo, quer sejamos nós mesmos, se tem se afigurado como problemático para a experiência e, por ele, carente de fundamentação; na abrangência da lógica, o que acabamos de dizer tinha como fato que o ser de todo ente, em definitivo, permaneceria problemático e sem base de sustentação. Pelo dito, persistiria assim tanto o ser do que é, como mostra compreensão e saber acerca do que é. Neste contexto, pode-se dizer que toda ciência e toda experiência persistiriam, ao final, no problemático, presos em um solo sem fundo e sem esperança. Com igual desesperança se diria que tudo que se mostra como ente, permaneceria questionado abissalmente. Assim com ele estaria vulnerável a toda a dúvida possível... (Welte, 1982: 95-96).

 

Por que há de se manter o que é infinitamente problemático? Por que havia de estar imune ante qualquer dúvida o que é e permanente aberto para um perguntar radical, ao que, em nosso caso, nunca se podia responder? (Welte, 1982: 96).

Mas, o que assim surge das perguntas abertas abissais e sem fundo, o que não pode se defender ante todas as formas de pergunta e dúvida, inclusive, as mais extremas, pode se ter por real existente em sentido decisivo? Pois existente significa em todo caso, prescindindo de qualquer outra coisa que pode significar: estar em seu ser, com firmeza, estabilidade e claridade. Mas, isto é o que podia se sustentar então (Welte, 1982: 96).

 

Não resta dúvida, que contra esta hipótese se contrapõe a firmeza do ser de tudo o que é. Uma vez que o que é, é. Isto prevalece e não vacila. Embora, haja verdade quanto à fugacidade, defasagem, em graus diferentes, e também pouca consistência em todo ente, continua verdade que o que é, é. O fato é que não se trata de uma afirmação tautológica ou abstração formal, visto que nela se expressa uma experiência elementar fundamental. Trata-se da experiência do poder, da firmeza do ser de todo ente. Por outro lado, afirma-se que não se pode destruir ou se liquidar o fato de que é o que é, portanto é e enquanto é. Já no que diz respeito ao nosso pensamento, isso exprime: o que é verdadeiro não se pode transmutar em não verdadeiro. Temos o poder de negá-lo e mesmo de esquecê-lo, mas permanece verdadeiro e, com ele, simplesmente normativo para nosso pensamento (Welte, 1982: 96-97).

Na verdade, também nós homens estamos firmes em nosso ser, de forma inexorável: eu sou, portanto, tenho que ser, isto está decidido sobre mim. Posso afastar-me da vida, aliás, tal se dará um dia, ineludivelmente. Todavia, não posso livrar-me do fato de que eu sou isto que sou, enquanto sou. Neste sentido, todo homem, como absolutamente determinado e em termos de Satre, se encontra condenado a ser. Entretanto, considera-se que essa decisão se encontra em aberta oposição com o que aponta a pergunta universal do por que, ou seja, a problematicidade em definitiva infinita e sem solo de todo ente e de todo juízo referente ao ente. Aqui se pode referir ao problemático como algo que requer uma decisão (Welte, 1982: 97).

É dado como fato que tudo o que é, portanto é, e se apresenta como absolutamente determinado em seu ser. A firmeza do ser nos acena desde a profundidade do que somos nós mesmos. Ora, esta decisão do ser não pode se deduzir nem a parir da fugacidade da existência, nem mesmo a partir do que se mostra como o infinitamente problemático, a saber, o ser do ente, em quanto este é o seu ser (Welte, 1982: 97).

Neste contexto, entendemos que isto nos dá o direito de pensar racionalmente que a decisão do ser brota no além, visto que de todo algo, do abismo sem fundo, se anuncia o mistério: aquilo que suporta e decide todo ser, o porquê oculto, a origem calada, o fundamento incondicional. Anuncia-se na decisão incondicional do ser, quando a apreciamos à luz da pergunta: Por que existe algo em geral e, melhor, bem nada? Temos razões mais que de sobra para crer no fundamento abissal e infinito. Assim, pois, pode-se chamar este fundamento abissal de a realidade de toda realidade (Welte, 1982: 98).

Em função do que foi abordado anteriormente, contamos de momento com um aparato cognitivo novo para crer no poder infinito sem limite além de todo ente, neste poder que suporta o ser de todo ente e o decide e conserva, via uma decisão que dispensa palavras e sem mover um dedo. Assim, deste ponto de vista, tocamos o grande mistério que, em se ocultando, se permite, às vezes, se revelar dentro do espaço infinito, além de todo ente, e que somos levados a chamar de o nada. Podemos notar o caráter incondicional desse poder que se encontra na exigência incondicional da verdade do ser de todo ente, que está concedida ao ente e se lhe conserva a despeito de sua problematicidade e fugacidade. Tudo isto, surpreendentemente, a partir do grande mistério no qual tudo descansa e a partir do qual tudo se levanta. Aqui temos um fundamento racional a mais para crermos, visto estarmos diante de um princípio transcendente que de fato fundamenta e dá suporte à série inteira, guardando o mesmo grau de proximidade e interioridade a respeito de cada um de seus membros, o mesmo que se mantém na sua inteireza, distinto de cada um de seus membros e que está na transcendência do seu mistério, elevado por cima deles (Welte, 1982: 98).

A partir desta reflexão, ficou evidente que o que salvaguarda, definitivamente, o sentido último de tudo, igualmente garante a tudo o primeiro fundamento de seu ser e de sua verdade. Observa-se aqui que ambas as coisas são de fato os resultados do novo, que, por sua vez, é o primogênito. Assim, o mistério do absoluto é o alfa e também o ômega que corresponde ao princípio e ao fim de todo ente e, em virtude disto mesmo, também seu centro (Welte, 1982:99).

Com veemência se mostra, por sua vez, com nova força e decisão o que, de início, já tínhamos tido a oportunidade de fazer as considerações como sejam: que este mistério insondável se acha além do âmbito do ente, além de todas as categorias, e que por ele propriamente é, inefável, como também, intangível e, se o conhecemos, é porque ele mesmo, mercê da sua infalibilidade, se nos deu a conhecer. É, pois, inquestionável que para o âmbito da religião, a transcendência do mistério absoluto é fundamental (Welte, 1982:99).

Por sua vez, Bernhard Welte, no capítulo III, apresenta uma ligação com os capítulos anteriores, justo por trazer uma contribuição importante para nossa angústia existencial, decorrente da nossa finitude, em termos de uma abordagem transcendental.

Welte busca a Deus por dois caminhos: O nada que vem para nós e o nada do qual procedemos.

Inicialmente, a partir do primeiro caminho, apresenta, como primeiro esforço para certificar-se da existência de Deus, três fatos fundamentais, pensando sobre a conexão lógica entre eles, de forma que esse nexo possa ser visto ou experimentado.

Em seguida, a partir do segundo caminho, fala do nada do qual nós procedemos, propondo que se prenda nossa a atenção no nada e olhe agora em sentido contrário ao do primeiro esboço para comprovar se nessa nova direção se apresenta algo que corresponda ao poder infinito de Deus.

Assim, em conclusão, a partir da pergunta "porquê", chegamos ao mesmo mistério inefável com que nos havíamos encontrado primeiramente a partir da pergunta "para quê. O mistério insondável, o absoluto, na sua gratuidade, se nos dá a conhecer e vem a nós e nos permite chamá-lo de tu eterno.

Bernhard Welte, na busca de Deus, como o princípio da religião, parte não de pressupostos tradicionais nem da perspectiva do crente religioso, mas da experiência religiosa como conclusão decorrente da uma análise de 3 experiências humanas em geral. Abordaremos aqui apenas a 3ª de forma sucinta: Postulado do sentido pelo qual se conclui: diante do nada, ou se encontra um significado para ele na existência ou a opção é a fuga pelo suicídio, que é a aniquilação da existência, ou seja, esta é absolvida pela infinitude do nada. (...) Para Welte, todos fazemos a pergunta pelo sentido da vida.

A partir dessa 3ª experiência, conclui-se que a religião dá um novo significado ao nada, pelas vertentes que se abrem: aniquilação, nulo, ou mistério, o totalmente Outro.

Percebe-se, então, que o nada como o Outro é a manifestação de um poder infinito, incondicional que engloba e absorve toda a existência.

CONCLUSAO

Procuramos elaborar uma monografia que pudesse apresentar algum significado de valor que, de certa forma, fosse útil na nossa inevitável relação com a morte, a vida e a transcendência.

Ao longo da monografia, foi apresentada parte do pensamento dos filósofos, como a seguir:

Thomas Nagel abordou a questão da morte sem referência à imortalidade, mostrando as reações diversas das pessoas face à inevitabilidade da morte e do morrer. Aponta que a morte não passa de um vazio, vez que, mesmo nos privando da vida, ela não tem valor nem positivo, nem negativo, o que sugere que não devemos temê-la. Além do mais, em conclusão, diz que, apesar de a realidade comportar acontecimentos que, ora nos ajudam e ora nos prejudicam, é sempre bom viver.

Karl Jaspers, fala da morte e do morrer sem deixar de fazer referências à transcendência, por admiti-la. Adverte, como inútil todo o esforço em vencer a morte, já que ela é inexorável. Indica atitudes que ajudam a conviver melhor com ela. No mais, ele aponta vários aspectos que se alinham com a transcendência e podem dar suporte a nossa caminhada no aqui e agora, na perspectiva de uma outra dimensão de vida no desdobrar-se da imortalidade.

Júlio Cabrera só admite o sentido na vida finita, ao tempo em que apresenta uma estrutura, por ele elaborada e que corresponde a um espaço, frente ao qual todos os homens devem se posicionar ou tomar uma outra atitude. Entende que o fato de nascermos morrendo não tem nenhum valor, face aos sofrimentos generalizados. Entretanto, apresenta vários argumentos procedentes e realistas.

Paulo Roberto Margutti Pinto, fala do sentido na vida e, também do sentido da vida. Aliás, admite ser importante que todos sejamos levados a concluir que só por meio da força que se irrompe do mais além, da transcendência, o homem romperá com esta estrutura do não ser. Apresenta discordâncias e concordâncias no debate com Cabrera.

Por final, Bernhard Welte, a partir da constatação de que o nosso viver é finito, ele busca a transcendência por meio de dois caminhos para Deus. No primeiro caminho, ele desenvolve a sua abordagem, partindo do fato de que o nada vem para nós e, no segundo, parte falando do nada do qual nós procedemos.

Assim, em conclusão, Welte descortina o horizonte do absoluto que nos permite chamá-lo de o tu eterno.

Numa visão pessoal, todavia, entendemos como necessária uma mudança de paradigma na abordagem da morte, mormente, no que ela representa para o homem, como fonte de medo, terror e paralisação. Talvez seja esta a razão porque assuntos como a morte e o luto são banidos dos ambientes humanos, senão da contemporaneidade. São assuntos apensos à vida privada. Há de se opor a esse processo de fuga a serenidade, a mediania de Aristóteles, uma reflexão firme que nos capacite a perceber que vida e morte são partes da mesma realidade que, necessariamente, não exclui a felicidade.

Por outro lado, no desdobrar-se da nossa realidade intramundana, a ambição desmedida venceu a ética e a justiça, resultando na estúpida exclusão e morte de muitos as quais se desencadeiam ao largo da indiferença de seus semelhantes, e em que pesem as palavras de Mahatma Gandhi: "Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição." Assim, no contexto de tal desumanidade, sofre o pobre e, quiçá, sofre mais o rico, como se pode inferir das palavras também de Mahatma Gandhi: "Algemas de ouro são muito piores que algemas de ferro".

Ademais, em vista a um futuro melhor para todos, urge que cada homem, dentro da sociedade, desperte como o ser da responsabilidade que é, e faça acontecer a ética, a justiça, a liberdade, o direito ao ter necessário e, sobretudo, ao ser, na sua singularidade absoluta no aqui e no devir. Aliás, a palavra "outro" que vem do latim (alter) alterar convoca todo ser humano a ver, não só nas outras pessoas, mas, também em si a responsabilidade pela justiça social e pela construção de um mundo sustentável. Nesse contexto, entendo que a solidariedade perpassa o coração da bondade e ultrapassa os limites da justiça.

Por final, creio, embora haja quem tem o direito de não crer, que no inconsciente humano está a certeza de que o homem busca o infinito e a imortalidade da alma; certeza esta que cerceia o poder da morte, desfaz o absurdo e impede a total desesperação. A percepção que sustenta a crença da não extinção parece ir ao encontro da sede profunda de felicidade plena e contínua que todo ser humano alimenta e percebe, em si, como inata, e que, no aqui temporal, não tem respaldo de completa concretude, por razões óbvias, e que por isso, pressupõe uma coerência transcendental quanto à existência de uma dimensão de vida onde esta felicidade se plenificará. Daí se poder falar de um amor coerente e providencial.

BIBLIOGRAFIA

NAGEL, Thomas. La Muerte em Question. México: Fondo de Cultura Económica, Colección Popular, 1981: 19 – 32.

JASPERS, Karl. Introdução ao Pensamento filosófico. São Paulo, Editora Cultrix, 148 p, 2006.

JASPERS, Karl. Psicopatologia Geral. Primeiro Volume. São Paulo, Livraria Atheneu S/A, 669 p, 2003.

CABRERA, Júlio. Philósophos, Revista de Filosofia. Goiânia, GO. Editorial Philosophia,

Philósophos 9 (1): 7-28, jan./jun. 2004.

PINTO, Paulo Roberto Margutti. Philósophos, Revista de Filosofia. Goiânia, GO. Editorial Philosophid, Fhilósophos 9 (1): 29-61, jan./jun. 2004.

 

PITT, Rafael César. Filosofia e Psicologia – O Pensamento Fenomenológico – Existencial de Karl Jaspers. IBÉRICA, Revista Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero – Americanos. Casa da Moeda: Lisboa, 2006. Disponível em: http://www.estudos ibéricos.com/arquivos/iberica5/resenhapitt.pdf.

WELTE, Bernhard Welte. Filosofia De La Religión, Biblioteca Herder Sección de Teología y Filosofía Volumen I 66, Barcelona Editorial Herder 1982.

Ao meu querido e inesquecível filho Ricardo (in memoriam), pela sua alegria incontida, permeada pela solidariedade e amor às pessoas, dedico saudoso, mas, certo do reencontro em Deus, este trabalho.

 

Autor:

Noswaldino Antônio de Araújo

noswaldino.araujo[arroba]gmail.com

Universidade de Brasília

Programa de Pós-Graduação em Filosofia

Instituto de Ciências Humanas

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Filosofia, orientada pelo Prof. Dr. Agnaldo Cuoco Portugal

Brasília – D.F., abril/2010


[1] Tito Lucrecio Caro, poeta e filósofo latino. Nasceu provavelmente em Roma em 94 a.C., e viveu 44 anos. Famoso pelo poema "De rerum natura", onde expõe a filosofia de Epicuro de Samos.

[2] Epicuro, filosofo Ateniense, nasceu na Ilha de Samos, 341 a.C. - 270 a.C. Prega atingir a felicidade através da aponia, ausência de dor (física) e da ataraxia, ou impertubabilidade da alma.

[3]  Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena, 26 de Abril de 1889 - Cambridge, 29 de Abril de 1951), filósofo austríaco, naturalizado britânico, foi um dos principais atores da "virada linguística" na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da matemática e filosofia da mente.

[4] Arthur Schopenhauer (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 - Frankfurt, 21 de Setembro 1860) foi um filósofo alemão do século XIX.Seu pensamento é caracterizado por não se encaixar em nenhum dos grandes sistemas de sua época. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação (1819).

[5] Blaise Pascal (Clermont-Ferrand, 19 de Junho de 1623 - Paris, 19 de Agosto de 1662) foi um físico, matemático, filósofo moralista e teólogo francês. Publicou Essay pour les coniques (1640), contendo o célebre teorema de Pascal.

[6] Albert Camus (alb?? kamy) (Mondovi, 7 de novembro de 1913 - Villeblevin, 4 de janeiro de 1960) foi um escritor e filósofo francês nascido na Argélia. A tese de doutoramento de Albert Camus foi sobre Santo Agostinho.

[7] Paul Johannes Oskar Tillich (20 de agosto de 1886 - Chicago 22 de outubro de 1965) foi um teólogo alemão-estadounidense, um filósofo cristão. Tillich foi contemporâneo de Karl Barth, um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX.

[8] Karl Popper (Viena, 28 de Julho de 1902 - Londres, 17 de Setembro de 1994) foi um filósofo da ciência austríaco naturalizado britânico. é considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência

Partes: 1, 2, 3


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