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Livro-reportagem ce-music: um outro olhar sob a cena (página 2)

Viviane Da Rocha Prado
Partes: 1, 2, 3

Com 48 anos, o fortalezense de gosto amplo, pois não gosta do termo eclético, é considerado o primeiro discotecário de um som que se denomina "música para dançar" e se aproxima do que seria música eletrônica. Amante da música e colecionador de discos, aos 12 anos de idade já direcionava todo o dinheiro da sua mesada para a compra de LPs. MPB, rock, funk, música clássica e um pouco de jazz tradicional, eram os gêneros que mais gostava. E como era o único dos amigos que se atrevia a comprar discos, era imediatamente recrutado para animar as festinhas da turma. As reuniões funcionavam como balão de ensaio para o futuro DJ.

Nos anos 1980, Fran Viana é convidado pelo amigo e estilista Lino VillaVentura para desenvolver as trilhas sonoras de seus desfiles. Em 1986, a amizade e o trabalho lhe rendem grandes frutos e é a porta de entrada para sua primeira residência fixa como discotecário na Periferia, um club que acabara de inaugurar na cidade. "A casa no início não era tão direcionada, ela queria atingir um público diversificado e acabou conseguindo, apesar de ter um viés um pouco gay", conta. Foi lá, em meados de 1987, que Fran soube da existência de outras pessoas, como Zozó Amaral, Cristina Albuquerque e Jackson Araújo que, assim como ele, gostavam de um som puxado mais para o percussivo e do gótico das bandas inglesas que estavam no auge. Na Periferia, Fran tocava esses gêneros já misturados com muita Madonna, Prince e tudo o que reportava à sua história. "Ser DJ é muito isso: seu gosto musical. E aquilo funcionava na pista".

1.1 Primeiras batidas eletrônicas

No início do ano de 1988, começaram os primeiros sons da house music, que na época, era novidade total. "Ninguém nem conhecia (o estilo) por essa denominação", conta Viana. Pump Up The Volume (do Projeto M.a.r.r.s), The Only Way is Up (Yazz), Stop This Crazy Thing, conhecida como "Melô do Tarzan" (ColdCut) são alguns dos hits da época. Para poder tocar as novidades em Fortaleza, Fran Viana encomendava fitas K7 de uns amigos que dicotecavam no Nation, club influente em São Paulo. "Eu cheguei a tocar fitas na Periferia, porque disco era muito caro. Fazia um estilo bem parecido com o que Renato Lopes[1]e Mauro Borges[2]faziam lá (Nation). Misturava umas coisas até trash, com outras mais modernas". E assim foi, a casa ficou no auge por, pelo menos, dois anos. A Periferia foi tão marcante que até hoje as pessoas têm Fran Viana como referência da casa.

O som que tocava eram umas misturas. "Alguns DJs de hoje fazem algo parecido, como o Guga de Castro[3]Se eu gostava de uma música do Titãs, colocava lá no meio da noite. Hoje em dia isso é impensável. Não faria isso, porque tá tudo muito massificado". Mas Fran conta que na época não era assim e que nunca prezou muito pela técnica, não era um mixador. "A minha marca era o meu gosto. Então eu lascava uma Wanderléa[4]no meio das coisas. Fazia o maior sucesso. Já pensou isso hoje? Não rola! Hoje, você tem que seguir aquela batida pá-pá-pá. Quebrou aquilo, a pista acaba".

Fran Viana conheceu Zozó Amaral (que atualmente é agente de uma companhia telefônica na Holanda) na Periferia e iniciaram uma amizade. Os dois trabalharam um tempo juntos na On The Rocks, uma boate bem underground, "na verdade a palavra mesmo é sórdida". A casa era antiga e linda, conta Fran, localizada na Praça da Lagoinha. Mas lá dentro era tudo muito improvisado, "um inferninho gay", resume. "Para se ter uma idéia, a cabine onde a gente tocava é como se fosse um banheiro adaptado. E a pista era um quarto grande sem iluminação nenhuma. Só depois colocaram umas estrobes[5]Mas tinha um charme!" As festas eram à carater e a rua ficava tomada.

Zozó Amaral tinha 20 anos e não perdia as noites fervidas do clube Periferia. Paredes negras, pista de dança cercada como um ringue, arquibancadas de cimento nas laterais, banheiros limpos, atendimento ágil e pessoas exóticas. Foi no Periferia onde os primeiros passos da música eletrônica surgiram no Ceará no final dos anos 80. Comandado pelo DJ Fran Vianna, o clube tinha um público variado, que ia de héteros comportados a drag queens afetadíssimas. Nessa época, Zozó discotecava pros amigos. E discotecava bem, tanto que foi chamado pra prestar residência na boate que surgiu quando o Periferia acabou. Na On The Rocks, Zozó tocou de setembro/92 a outubro/93. Então se mandou pra São Paulo, onde fixou residência n"A Lôca, além de tocar como convidado em outros trocentos lugares arrasa-quarteirões.[6]

Era o início da popularização da ME[7]"quase que radiofonicamente falando". Pois foi o começo de Prodigy e Chemical Brothers, que na época nem usavam esse nome ainda, eram os Dust Brothers. "E nós começamos a tocar isso lá (On The Rocks), em 1993". Foi também os primórdios do trance na cidade. "Lembro muito do Plastic Dream. A gente fazias as maiores misturebas com outras coisas. Mas nunca fui o residente da On The Rocks. O Zozó era mais".

O primeiro DJ em Fortaleza a se preocupar com a técnica foi Silvio de Paula. Mesmo na época da disco music, ele não só colocava as músicas para tocar, já as mixava; além de ter sido pioneiro na divulgação do DJ no rádio, ele é considerado o primeiro da dance music, estilo que toca até hoje.

Na época da Periferia (1986), droga se resumia a maconha, álcool e cocaína. Ácido (LSD) e ecstasy demoraram muito a chegar em Fortaleza. "Quando chegou, foi em meados dos anos 1990. Tinha muito nas festinhas fervidas da barraca Biruta, que era um tipo de gente que estava enjoada da cena da cidade. Nada contra! Mas a música ficou mais chata, muito bate-estaca".

Depois começou a "onda da PF".[8] A primeira grande festa eletrônica, segundo Fran Viana, foi um réveillon improvisado na barraca La Luna (que anos mais tarde passou por uma reforma e mudou o nome para Opção Futuro, hoje extinta). "Sem opção de algo diferente no fim do ano, acabamos fazendo a festa lá (La Luna) e deu certo. O estilo de festa acabou acontecendo regularmente, pelo menos uma vez por mês". Tiveram outras festas à "moda-praia", open-air, como na barraca Biruta, já no início dos anos 1990.

Fran discotecou até 1997 e hoje é agente de viagens em uma empresa na capital. Mas sempre que pode toca como hobby para animar as festas do trabalho ou em alguma casa à convite de amigos DJs. "Gostava muito de deep house [9]dos anos 1990 e também do que chamam de garage/house[10]uma house mais novaiorquina, com muita diva cantando, mas não essa chatice que toca hoje em dia em boate gay". Fran tentou muito tocar os estilos aqui em Fortaleza, "mas nunca rolou", lamenta.

Antes as casas eram muito voltadas ao público GLS. Havia muito preconceito. "Mas até hoje tem", diz Fran. "A música de club tem origem gay. Mas é no club onde a música começa a ferver. É o laboratório, o termomêtro da música no mundo inteiro". Hoje em dia, nem tanto. "A música de club gay já virou uma coisa chata, o que chamam de "bate-cabelo", um house mais tribal, com divas falando. Mas tem muita coisa boa como Scissor Sisters[11]que fazem um som mais pra cima, que agrada a todos".

1.2 Continuação da cena – 2ª geração

Fran Viana, Zozó Amaral e Silvio de Paula podem ser considerados como os DJs pioneiros da cena do Ceará – a 1ª geração. Os acontecimentos a seguir serão contados a partir dos depoimentos de três DJs da 2ª geração, que são Guga de Castro, Fil e Rodrigo Lobbão.[12]

Em 1995, os produtores Davi e Leco começaram a organizar umas festas no antigo Galpão, que ficava na Praia de Iracema onde, inicialmente, o DJ Guga de Castro discotecava e depois contou com ajuda da DJ Priscilla Dieb. Já em 1996, houve uma festa no Pirata, realizada pelo dono que se interessava por house. O evento foi a porta de entrada para que "um pessoal mais antenado da Holanda" abrisse o famoso Disco Voador, em 1997, quando voltou a ter alguma coisa ligada à ME na cidade. As festas aconteciam nas férias, ou de julho ou de janeiro, que era o período em que os holandeses vinham a Fortaleza e queriam ouvir um som mais eletrônico, ainda raro na cidade. O club foi aberto para ser de ME, tocando house e techno. Foi um marco na história da cena da capital, pois era tudo muito inédito: o estilo de noite, os gêneros musicais, a postura da casa. Tudo remetia ao moderno. Mas a casa não deu certo, pois era tudo muito avançado para a época, ao público e também porque os sócios eram um casal GLS e eles não queriam trabalhar para esse público. E acabou não acontecendo, pois "os gays acharam que o club era hétero e os héteros acharam que era gay", conta DJ Fil.

Após o período do Disco Voador, a DJ Priscilla Dieb, que veio de Recife com uma bagagem de ME muito ligada à diversidade[13]juntou-se aos DJs Guga de Castro e Fil e os três começaram a fazer umas festinhas no estúdio Peixe Frito. Lá, cada um tocava um pouco do que gostava e do que tinha maior afinidade. Mas ainda não se tinham estilos definidos. A mistura prevalecia.

Somente em 1999, por conta de toda a movimentação que estava acontecendo na capital (investimento na cena de ME), surgiu o Cidadão do Mundo, um espaço cultural, localizado na Avenida da Universidade, que no início era mais voltado ao rock, com bandas cover e autorais. Mas, após a realização de uma festa dividida em duas pistas, onde uma era dedicada ao som de Chico Science, feito pela DJ Priscilla Dieb do Forma Noise[14]e na outra, um som voltado mais à ME, é que o dono da casa gostou da idéia e resolveu seguir em frente com esse modelo de noite. Os DJs Fil e Mantrix (Angel)[15] receberam convite para fazer uma residência quinzenal, que se chamaria Cidadão Instigado (Techno) e Cidadão em Transe (Trance), juntamente com Guga de Castro, que, na mesma época, tinha o projeto Sexta Básica, com um som mais híbrido. Então, de 15 em 15 dias tinha uma festa mais voltada a um som com intenção de tocar ME e nas outras quinzenas um som mais voltado ao Big Beat[16]Segundo Guga de Castro, o Cidadão do Mundo não parecia em nada com uma casa noturna. Na verdade, era uma casa que tinha uma árvore no meio do quintal, onde cabiam cerca de 150 pessoas. "Não tinha aspecto de boate", conta. Foi exatamente nessa época que se notou uma divisão clara do início de uma segmentação de estilos (o que chamo de quadrado eletrônico: house, techno, drum and bass e trance). "O Fil migrou para uma linha mais eletrônica mesmo, com o techno e eu acabei ficando com o Big Beat; Trance quase não existia. Só mesmo o Mantrix se aventurava no estilo".

A partir do Cidadão do Mundo a cena cearense começa a se configurar e dá os primeiros passos para o que estaria por vir. É nesse período (1999, virada para 2000) que os brasilienses Rodrigo Lobbão, Hudson - DJ Sickboy (estes irmãos), o cearense Fil e os DJs e já amigos Chris DB e Arnold B (DJs de dnb) se conhecem. A partir daí, Chris e Arnold têm a idéia de fazer uma festa para essa galera que curtia o som, mas que não tinham espaço e surgiu a Festa na Casa do Arnoldo. Na 1ª edição, tocaram Rodrigo Lobbão, Mantrix e Sickboy. Já na 2ª edição chamaram também Fil e o recém-chegado de Brasília, Arlequim (Bruno). Foi esse grupo que pensou em fundar um núcleo de música eletrônica com um conceito de cena underground. Mas devido a conflito de idéias, Chris e Arnold saem do projeto e somente em 2000, com o Quinta Elétrica do Órbita[17]é que os quatro[18]se unem em definitivo e formam o primeiro núcleo de ME do Ceará e posterior agência de DJs. O nome foi escolhido pelo DJ Arlequim, que fazia parte de um coletivo em Brasília, e aprovado por unanimidade. Como os 'meninos' queriam seguir uma linha mais segmentada e focada na ME, criaram então o núcleo Undergroove, com o objetivo de mudar a cena da cidade e apresentar um novo conceito de música eletrônica.

E por quase sete anos foi o que aconteceu. [19]Grandes eventos voltados mais ao techno, com o surgimento de festas históricas (estrutura jamais vista), como as Vucco, Megavucco e Pedreira (para se chegar ao local, as pessoas tinham que descer 10 mil metros abaixo do solo); além das privates[20](privês) que aconteciam com freqüência e o surgimento das produtoras Electrofusion, Technofor, ElectricLife, Feeling, TechnoVibes, Underground, E-Motion, The Sound, ZonaVibe e outras que ajudaram na evolução da cena cearense em termos de estrutura e na abertura do Ceará como rota dos grandes nomes do cenário mundial.

Da 2ª geração para a nova (meados dos anos 2000) existem vários DJs importantes para a cena, como Germano, Diego Grecchi, Aminad, Tici Rocha, e outros, que agitavam as "grandes" privês, principalmente de techno, pois movimentavam os finais de semana da capital. Eram festas divulgadas pela internet e era o que se tinha para se divertir nos intervalos das grandes raves (enquanto não aconteciam).

SEM NEXO!!!!!!

Mas afinal, quais são as particularidades desse som difundido mundo a fora? O que é de fato música eletrônica?

1.3 Que som é esse?

Muito se fala em techno, trance, house, electro, drum and bass, minimal. Mas, será que há diferença nesses gêneros da música eletrônica? Algumas pessoas acreditam que não, que é tudo instrumental e quase a mesma coisa! Então o que distingue cada um desses estilos e suas vertentes na ME? Para esclarecer, saiba a definição de cada um dos principais sons que invadem as noites da capital e, muitas vezes, não são diferenciados. A proposta não é fazer um manual teórico e técnico de cada estilo, o que tornaria a leitura monótona, mas construir um painel de referências e incentivar o público na descoberta de outros sons.

Antes de tudo, o melhor a se fazer para tentar definir cada som é ouvir muito e pesquisar. O que ajuda são as informações técnicas de cada um para sua compreensão. No entanto, não há comparação melhor do que ouvir faixas ou um set[21]de cada vertente para entender melhor as diferenças.

Dentro de cada estilo há variantes deep, hard, acid, tech e inúmeras outras nomenclaturas que se aproximam da definição do que seria cada um. É o que faz um som ser mais viajante, pesado, melódico, enfim. E aí surge uma lista que poderia se estender mais ainda se fôssemos considerar todas as dezenas de estilos e subdivisões da música eletrônica.

1.3.1 'O quadrado eletrônico'[22]

Drum and Bass (DnB)

Antes chamado de Jungle é o mais acelerado dos estilos, com média de 175 a 180 BPM (batidas por minuto). Influenciado pelo hip hop e até mesmo pelo reggae e jazz, o Drum"n Bass mistura milhares de sons com uma linha de baixo poderoso e batida forte, gerando uma espécie de cacofonia. O som é bem dançante! Um ótimo exemplo que levanta a bandeira do DnB é o renomado DJ Marky e, a nível local, o DJ Chris DB.

Trance

A grande diferença do Trance para os outros estilos é a utilização de linhas repetitivas tecladas, sejam calmas (mais progressivo) ou até agressivas (full on). Sugere certo clima de transe. Inspirado pelo acid house e pelo techno de Detroit, surgiu com selos como R&S Records, na Bélgica, e a harthouse/Eye Q, na Alemanha. Do Trance surgem subdivisões como o Goa, ou Psytrance, mais psicodélicos, que se desenvolveram na Índia, incorporando instrumentos do país. Alguns estudiosos no assunto dizem que o som transporta qualquer um para qualquer outro lugar. É o espiritualismo em forma de música, que visa à elevação do corpo, cabeça e mente para fora da dimensão da qual se encontra. Os produtores GMS, 1200 Micrograms, Skazi, Astrix são alguns representantes internacionais do som. Na cena local, estão os DJs Mantrix, Syrus, Edy MVS, Diego Grecchi, entre outros.

House

Conhecido como o gênero com a maior variação de sub-estilos, já que pode incorporar elementos do Samba, Jazz ou Disco, a House Music surgiu em meados dos anos 80, em Chicago e Nova York. Seu nome veio do clube GLS Warehouse, um armazém em Chicago comandado pelo DJ Tony Humphries. Sua velocidade vai de 125 a 135 BPM. Nos exemplos locais estão os DJs Sickboy e Davi Angel.

Techno

Suas batidas não são tão aceleradas quanto o Drum"n Bass, porém é mais intenso do que o house, indo de 150 a 175 BPM. O Techno surgiu em Detroit e costuma abusar dos sintetizadores e dos samplers[23]Apresenta grandes subdivisões como Hard Techno (um som mais pesado), acid techno, funky techno e outros. É o som que mais teve evidência no estado. O mestre Dave The Drummer e o casal Pet Duo são ótimas referências do estilo, dentre inúmeros outros. Alguns bons exemplos na cena local são os DJs Rodrigo Lobbão, Fil, Leon KB, Aminad, entre outros.

"If God is a DJ, life is a dance floor, love is the rhythm, you are the music".

Pink

II. Por dentro do som

A Música eletrônica é criada a partir de instrumentos eletrônicos, como sintetizadores (que gera sons artificialmente), samplers (aparelho que copia e cola sons), teclados ou softwares de composição; ou seja, sons que são manipulados eletronicamente. A ME, propriamente dita, não tem instrumentação acústica (bateria, baixo, guitarra). Mas esses instrumentos podem vir a ser misturados em sua composição. Se voltarmos ao passado, bandas de rock já usavam um pouco de teclado, guitarra elétrica, moog (sintetizador utilizado na década de 1970), como a banda Black Sabbath e até mesmo no reggae, com Bob Marley. Mesmo a ME tendo os seus estilos definidos, como house, techno, drum and bass, trance[24]e outros sub-gêneros, eles não precisam, necessariamente, ser feitos a partir de recursos eletrônicos para ser considerados ME, como se pensava antigamente.

Muitas pessoas defendem que a ME não é um estilo musical, mas uma forma de produção. Só que para a indústria de massa (fonográfica), ela já virou um gênero. Os dois conceitos são válidos, por isso há essa confusão ao se tentar explicar seu significado. Mas, atualmente, ME é muito mais uma possibilidade de tornar sons mais híbridos do que algo mais puro (segmentação de estilos). Na verdade, é complicado falar de um conceito específico e ainda hoje, é um termo considerado impreciso. Mas a definição universal é de que ela está ligada muito fortemente à tecnologia. E como esta última está em constante evolução, a ME acompanha esse processo de transformação e se renova.

"O termo Música Eletrônica não se refere simplesmente a toda música realizada com recursos elétricos e/ou eletrônicos: antes de tudo, define uma estética e uma prática composicional específicas". [25]

A tentativa de ultrapassar os limites da escala tonal, incorporando a experimentação com sons, timbres inusitados e ruídos e assumindo explicitamente a relação entre música e tecnologia remonta ao início do século XX, através dos nomes de Schoenberg e Webem (atonalismo/dodecafonismo/serialismo) (...) passando por propostas tão distintas como as de Luigi Russolo (no Manifesto Futurista The Art of Noises – 1913); Geirge Anthails e Erik Satie (Ballet Macanique – 1926; Edgard Varése (Amériques – 1929; John Cage (Imaginary Landsacpe – 1939) entre outros.

No pós-guerra, ainda no terreno da música erudita, torna-se obrigatória referência a Pierre Schaeffer, Pierre Henry e Stockhausen. Partindo de matéria-prima sonora inusitada – tal como bater de portas, gritos de rua ou sussurros – e percebendo a fita gravada como um objeto concreto, que podia sofrer intervenções a ser manipulado no estúdio, através de cortes, aumento ou diminuição da velocidade, etc. – Schaeffer e Henry dão origem, na França, à chamada musique concrete, que tem como marco inaugural a Simphonie pour um homme seul, de 1950. (LEMOS, CUNHA, 2003, p. 156)

A história da ME tem influência do francês Pierre Schaeffer, engenheiro eletrotécnico, que no final da década de 1940 criou o musique concrète, em que a composição era feita a partir de ruídos gerados por toca-discos (sons do ambiente, dos ruídos aos instrumentos musicais). Em 1951, na Alemanha Ocidental, Hebert Eimert fundou o primeiro estúdio de música eletrônica do mundo. Em 1953, na cidade alemã de Colônia, foram apresentadas as primeiras composições deste novo estilo. No ano de 1956, Karlheinz Stockhausen foi o primeiro a juntar vozes humanas com sons eletrônicos. A herança desses criadores é de extrema importância, pois vai dos diversos procedimentos de composição (timbres, texturas, espaço acústico), passando pela utilização dos ruídos e manipulação de materiais em estúdio.

Stockhausen dá continuidade a experiências, que se iniciaram em 1949 nos equipamentos da rádio alemã NWDR, que ficaram conhecidas como Eletronishe Musik (música eletrônica), e que culminam na peça Gesang der ünglinge (Canto dos adolescentes) de 1955/56, onde ele mistura a voz de um adolescente recitando passagens bíblicas com sons eletrônicos de estúdio. (LEMOS, CUNHA, 2003, p. 157)

A partir da metade da década de 1950, vários estúdios especializados em ME são abertos pela Europa. Em 1964, o norte-americano Robert Moog, inventor do sintetizador (muito presente na década de 1970), foi o primeiro a usar teclado ao estilo de piano. A princípio, o moog foi utilizado para executar obras de Bach (música clássica) e depois incorporado pelas bandas de rock progressivo. O sintetizador passou a ser muito usado não só na ME, mas em vários estilos musicais por todo o mundo. No Brasil, o uso dos sintetizadores começou nos anos 1970 com Jorge Antunes, Lelo Nazário, Conrado Silva e Florivaldo Menezes Filho (compositor conhecido como Flo Menezes). Na mesma década, os músicos usam elementos eletrônicos apenas como detalhe de arranjos – Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, utiliza um teremim[26]em concertos. O compositor e instrumentista Walter Carlos produz a trilha sonora do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, basicamente com o moog sintetizador. Fielden observa o uso dos sintetizadores por bandas de rock e sua importância para a sonoridade:

When synthesizers became more commonplace in the early 1970s with the introduction of the Minimoog and others such as the ARP synths, VCS3s, Oberheims and others, keyboard players from mainstream rock bands used them immediately to add a touch of electronics to their music; this included such players as Jon Lord of Deep Purple, who had already used the crashing sound of the reverb spring in his Hammond L-100 by shaking the organ, and was happy to use the new technology in songs such as A200, from the album Burn (1974).[viii] Other examples would be Ken Hensley of Uriah Heep on songs such as Sweet Lorraine, Tony Carey with the band Rainbow and Howard Leese"s synthesizer solo on Heart"s Magic Man.  One last interesting use of a VCO instrument I"d like to mention is the use by guitarist Jimmy Page of Led Zeppelin of the Theremin, an instrument that varies pitch and loudness with the distance of the player"s hands to the antennae of the instrument.[ix] The middle section of Whole Lotta Love from Led Zeppelin II, is a good example of this. Jimmy Page uses this instrument live as well, and also other interesting techniques such as the violin bow on the electric guitar for a sustain effect. (FIELDEN, 2000)

2.1 Isso é techno!

No final dos anos 1970, a cidade de Detroit passava por uma grave crise econômica, o que fez com os preços dos equipamentos de ME ficassem mais acessíveis, pois até então, os aparelhos musicais eram muito caros. Foi nesse ambiente, que três afro-americanos de classe-média e amigos de colégio, Juan Atkins, Derrick May e Kevin Saunderson, conhecidos como The Belleville Three (Os três de Belleville), puderam ter acesso aos equipamentos e criaram em estúdios amadores, o que seria o techno. Os jovens eram colecionadores de fitas mixadas e adoradores do funk da década de 1970. O trio buscou inspiração direta no programa de rádio, Midnight Funk Association, que passava durante as madrugadas, doses pesadas de sons eletrônicos, como Kraftwerk[27]George Clinton, e Tangerine Dream. O techno é famoso pelas batidas aceleradas, que variam de 120 e 150 BPMs [28]Os DJs do estilo usam muita percussão e o mínimo de melodia (sucessão dos sons combinados).

O período de 1977, marca a "gravação de uma tríade do panteão de referências da ME: os sucessos dançantes I Feel Love – da diva da disco music Donna Summer em parceria com Giogo Moroder e Flash Light do grupo Parliament; e o álbum Trans–Europe Express do Kraftwerk"[29]. Nessa mesma época, em Nova York (EUA), inaugura-se a discoteca Paradise Garage, com residência do DJ Larry Levan [30]"pioneiro das pistas, que perambulou pelas discotecas do underground nova-iorquino, desenvolvendo as técnicas de mixagem e colagem de sons que atingem o ápice" [31]no novo espaço musical – ambiente que Levan fez todo o planejamento acústico "para que o som atingisse a sua maior potência, clareza e impacto" [32]Interessante dizer que nas discotecas de Nova York, não havia ainda a segmentação que estaria por vir. Assim, a disco music, que embalava as noites da cidade, não era um dos gêneros da ME, mas era o que fazia a pista dançar e o que se entendia por ME, e o público era em sua maioria GLS.

Mas foi no fim dos anos 1980, que as cidades norte-americanas de Detroit e Chicago ficaram conhecidas como as sedes oficiais dos estilos techno e house, respectivamente. Nelas, iniciou-se uma movimentação para produzir uma música nova, moderna, que lidasse só com sensações, que fosse universal, abstrata e entendida no Brasil, no Japão, nos EUA, na Europa, da mesma maneira. Para isso, eram utilizados como recurso principal o groovebox e as groove machines, que eram os equipamentos que se tinha na época para reproduzir sons naturais, mas de uma forma artificial.

No ano de 1977, o DJ nova-iorquiano Frank Knuckles – companheiro de Levan nas pistas – foi contratado para trabalhar numa nova discoteca de Chicago, a Warehouse. Em pouco tempo, o DJ percebera que seu público era bastante receptivo a suas misturas de Disco Music com bateria eletrônica, dando origem ao house (estilo nomeado em relação à casa noturna). Menos do que um gênero distinto, a house nasce como uma forma de retrabalhar antigas músicas através de técnicas de corte, edição e mixagem que o DJ já praticava em Nova York nos anos anteriores, intensificando as características da disco music: a aceleração da batida 4/4 (entre 110 a 138 BPMs) onde sobressai o bumbo[33]cuja marcação torna-se pejorativamente reconhecida como "bate-estaca"; a repetição mecânica, as texturas sintéticas e eletrônicas, o desenraizamento inorgânico do som que resulta do tratamento da música em estúdio – O primeiro disco desse estilo, no entanto, só foi lançado em 1983. Era On and On de Jesse Saunders (LEMOS, CUNHA, 2003, p. 159)

Ao final dos anos 1980, os estilos techno, deep house/garage e acid house[34]chegam à Europa e ditam as regras da cultura da ME, "entendida como uma matriz do estilo de vida, comportamento ritualizado e crenças, que tem sua mais fiel tradução na cultura rave" (LEMOS, CUNHA, 2003, p. 160).

As primeiras raves (dança e música eletrônica em espaços abertos e fora das cidades) acontecem em Manchester, na Inglaterra, em fins de 1987 e início de 88, já decorrentes das festas em clubes de Ibiza, na Espanha, com seu som "balearic" (qualquer gênero, porém dançante). Na Inglaterra, as "all-night dance parties" eram organizadas principalmente por dois importantes grupos/clubes/coletivos: Schoom and Genesis P. Orridge´s baby e o Psychic TV (mas surgiram vários depois, além de muita prisão, perseguição da polícia e da mídia - por conta das drogas - e até mortes advindas de lutas das gangs).

Logo após, o fenômeno se espalha pela Alemanha, principalmente Berlim. Nos EUA (New York), as festas raves chegam em 1991/92. Mas toda a cena de Inglaterra no final dos 80 era chamada de acid house party, a terminologia "rave" não existia. Rave - delirar, falar com euforia - aparece reforçando a relação da música eletrônica, com o ecstasy e ácido, o hedonismo. É uma criação da mídia (inglesa, da época) e aparece casualmente quando as pessoas se referiam a uma festa grande, espetacular (rave!) - termo que na verdade faz referência à Black Soul Scene (Cena Soul, de 1961), quando o jornal Daily Mail se referia aos jovens farristas nos festivais de jazz ou até mesmo quando a revista alternativa International Times usou o termo "all night rave" para falar do grupo Pink Floyd num show em 1966, no London´s Roundhouse. [35]

As festas rave (do verbo em inglês to rave = delirar) eram realizadas em locais abertos e afastados do centro urbano. Mas a palavra foi dita pela primeira vez no chamado Summer Love (verão do amor), vivido no final dos anos 1980, na Inglaterra. As raves aconteciam, primeiramente, em setores industriais, fazendas, sítios, para não chamar tanta atenção da sociedade para o uso de drogas. Na cena londrina, baixou-se uma lei anti-rave, pois eram festas ilegais. Não havia nem mesmo divulgação, era tudo no "boca-a-boca". Mas mesmo assim, a polícia achava.

Em 1995, uma espécie de carnaval ao estilo baiano, com trios elétricos, que ao invés de axé music tocava-se techno, reuniu mais de um milhão de pessoas, que depois iriam para diversos clubs e festas raves. Era a Love Parade em Berlim, que desde 1989 era o maior evento de música eletrônica do mundo encabeçado por promoters empolgados com a onda do acid house, que se instalara em 1988 na cidade, logo após a queda do muro de Berlim.

No Brasil, o movimento chamado rave só chega em meados dos anos 1990. O país assimila tardiamente a música pop eletrônica internacional dos anos 1980 e 1990. Já na segunda metade dos anos 1990, a ME cresce muito e o rock fica em baixa. Com a virada do milênio, o rock ressurge através de bandas novas como Placebo, The Strokes. "Essas bandas dialogavam de uma maneira diferente com a ME e bebiam de várias fontes dentro do rock, com muita influência dos anos 1960, 1970. São mais "cabeça aberta"", explica Fil. Daí surgiu uma gama de novos estilos preenchendo o vazio que havia entre a ME mais "purista" e o rock. "Existiam os DJs de house e os de rock, por exemplo, mas nesse meio tinha um vazio enorme. Apareceu então uma galera produzindo uma linha que é conhecida como electroclash[36]discopunk[37]que é uma base de house, mas com vocal, com alguma coisa de guitarra, uma caixa (bumbo-caixa) bem marcada. Abriu-se a partir daí um leque gigantesco de estilos". O termo rave, hoje, é considerado antigo e o nome não é mais utilizado, já há alguns anos fora do Brasil. Mas por aqui a palavra e toda sua simbologia ainda é muito forte. As pessoas não conseguem deixar de falar que vão a uma rave (aqui no Ceará), quando na verdade se tratam de festas eletrônicas, com todo o aparato pirofágico e tecnológico, remetendo ao espetáculo, num verdadeiro show.

Nesse mesmo período (metade dos anos 1990), começa-se a ter um maior interesse pela música techno, principalmente como efeito de arranjos musicais. "Entre os principais nomes da nova geração de produtores de ME brasileira estão Friendtronics, Xerxes, Mau Mau, M4J, Marky, Tetine, X-Action, Lourenço Loop B, Ramilson Maia, Gismonti André e Fábio Almeida". [38]

2.2 Cena verde-amarela

Trazendo a ME para o Brasil, uma das cidades que mais se destacam nesse novo conceito é, sem dúvida, São Paulo. Apesar de o Rio de Janeiro também apresentar uma forte cena, é 'Sampa' quem herda a cena clubber, mais underground, ao estilo londrino. Assim, surgem várias casas com festas inusitadas onde se tocava música de qualquer época e gênero.

A "Um é porco, dois é bom, três animais", é um exemplo da "baderna" que eram os eventos destinados a um som mais dançante. A festa aconteceu na boate Krawitz e era uma espécie de zoológico noturno, com gaiolas para pessoas entrarem e dançarem. E elas iam fantasiadas de bichos. O porquinho e algumas galinhas ficaram guardados no depósito da casa, para saírem somente à noite, na hora da festa. Mais tarde percebeu-se que as galinhas estavam sumindo e só restavam penas. "Depois de um tempo a gente descobriu que o porco matou e comeu várias galinhas", conta o promoter e estudante de ciências sociais, Nenê, no livro Babado Forte, da jornalista Erika Palomino[39]"Mesmo assim, as pessoas não se contentaram e largaram o porco no meio da pista (...) Foi uma loucura! Só que as galinhas estavam pintadas com tinta colorida "Ela estava intoxicada!", conta o hostess Johnny Luxo[40]O porco comeu a galinha e morreu". Tiveram outras festas lendárias, na Krawitz, que iniciou em 1992, como "A Noite das Facas Ginzu"; "Pra apodrecer é um, dois, três"; "O advento do Ar em Movimento"; "A Festa da Piscina (nós vamos invadir sua praia)"; "Fetiche", em que teve um blecaute por excesso de voltagem; " A Noite Uó", onde a pessoa mais "uó" – chata, mal vestida – ganhava o troféu Bota Branca; "A Festa da Galinha"; "Nossa Senhora do Make-Up é Drag", em que reuniram todas as drag queens da cidade; além de outras festas em diversas casas.

Falo em especial da Krawitz, porque foi lá que a cidade de São Paulo, uma das cenas mais influentes do Brasil, teve contato com novos estilos eletrônicos que vinham fortalecendo o mundo. "O techno dava seus primeiros passos na cidade e serviria para dar feições e uma identidade musical que dominariam todo o restante da década. São Paulo, techno, city". [41]Depois veio o Columbia, em maio de 1994, primeiro com o nome de Velvet Underground, com um projeto de after-hours (festa depois de outra festa – depois do horário, na tradução). "Foi uma revolução", disse o DJ Mau Mau (Apud PALOMINO).[42] Após o Espaço Columbia, surge o Hell´s Club, em julho de 1994, com residência de Mau Mau. O clube era um porão escuro e enfumaçado. "Quem fazia a decoração eram as pessoas, que se produziam muito, eram muito modernas", conta Viviane Flacksbaum no Babado Forte. (PALOMINO, 1999, p. 72) Além do Hell´s surgiram a Ministry of Sound, Sound Factrory, a B.A.S.E, A Lôca e Lov.e, estas duas últimas permanecem até hoje.

A nação Hell´s tem como bandeira a cultura musical do techno. "Eu compreendo a nova linguagem", celebram alguns, em arrogantes camisetas-resposta a quem reclama do som e dos procedimentos de cultura club ali instalados. Mas o vocabulário da nova linguagem na verdade tem um nome: Ecstasy.

Depois de 25 ou 30 minutos, um formigamento interior, a sensação de ter o peito cheio de ar, sorrisos distribuídos, bem–estar, alegria. Mais um pouquinho e as luzes parecem brilhar diferente; a música quase interage com você; surge mais cheia, mais consistente. Barulhinhos estranhos vêm dos lados, como se eles sempre estivessem ali; de repente passamos a ouvi-los.

Súbito, todos parecem amigos. Todo mundo é legal. Ao ritmo intenso da música, nos sentimos parte de um movimento, nos sentimos parte de alguma coisa, qualquer coisa. Viramos uma família, uma nação. (...) No momento em que alguém dança algum tempo na sua frente, o segundo passo é de fato o abraço, junto com frases do tipo "eu gosto muito de você", "eu te amo", "adoro você", sabia? Dependendo do tipo de Ecstasy, mais ou menos abracinho (...) Mesmo sem nenhum tipo de vocal, muitos cantam as músicas, em uníssono, como se elas tivessem letra. Parapapás e tatatás são os versos improváveis das "novas" canções; os hits são imediatamente identificados e a gritaria acompanha as viradas de modo quase orquestrado. (PALOMINO, 1999, p. 81) [43]

Em agosto de 1998, Prodigy vem ao Brasil e se apresenta no Rio. "Polêmicos, até a última cartada de The fat of the Land é a nada politicamente correta Smack My Bitch Up, que sai no mesmo período da morte da princesa Diana", e ganha um dos mais desconcertantes e verdadeiros videoclipes da história, "onde aparecem consumo de drogras, sexo a rodo (...) e tudo o que rola de verdade num clube" (PALOMINO, 1999, p. 114); Chemical Brothers também celebram o big beat da fusão rock ´n roll, hip hop e uma "parafernália" de apresentação de palco, em maio de 1999, em São Paulo. É um marco na história. Eles foram definidos pelo semanário musical inglês The New Music Express como mais não apenas DJs, mas "também uma banda de rock ´n roll capaz de tocar um set de grandes sucessos e tudo mais". (PALOMINO, 1999, p. 114)

Já em 2000, produções de drum´n bass aliados à MPB brasileira estouram no mundo, principalmente na Europa. A criatividade de DJs como Marky, Xerxes, Patife, Andy, Drumagick, Fernanda Porto, entre outros, acabaram mostrando um jeito novo e próprio de fazer o DnB[44]Criando o que seria conhecido como drum´n bossa, um jeito brasileiro de fazer DnB, com toque da bossa nova. Da união de Xerxes e Fernandes Porto surgiu o hit "Sambassim", que estorou em FMs do Brasil e em Londres e ficou na boca do povo. A união dos produtores Marky, Dudu Marote, Mad Zôo e, mais uma vez com vocais de Fernanda Porto, fez sucesso com a versão de "Só tinha de ser você" de Tom Jobim. O auge foi atingido na parceria de Marky e Xerxes, que chegaram ao estrelato internacionalmente com "Liquid Kitchen", que utiliza trechos de "Carolina, Carol Bela", de Jorge Benjor. O DJ do grupo Marcelinho da Lua trabalhou a MPB com elementos eletrônicos. Conseguiu emplacar nas paradas brasileiras uma versão da música "Cotidiano" de Chico Buarque, interpretada por Seu Jorge.

2.3 Batidas alencarinas

Focando no Ceará, a cena local se iniciou em meados dos anos 1980, com os pioneiros Zozó Amaral, Fran Viana e Silvio de Paula. Eles começaram tocando um som que misturava pop e acid house (estilo que começava a vigorar na época) – comercial e underground, respectivamente, mas sempre puxando para a dance music - em casas voltadas ao público GLS, mas que já tinham uma postura musical diferente[45]Ser DJ naquela época era difícil, pois a tecnologia não era como a que se tem hoje. Para trazer sucessos que estouravam na Europa, por exemplo, só mesmo através da pirataria, em fitas K7.

Depois dessa primeira geração (1985 até início dos anos 1990) existe um hiato de acontecimento em relação a ME. Zozó vai morar em São Paulo e segue carreira por lá e, mais tarde, se muda para Holanda, onde permanece até hoje; Fran fica no gueto GLS e passa até um tempo sem tocar. E Silvio segue na linha disco. Mas em 1996 houve uma festa no Pirata, realizada pelo dono, que após passar uma temporada na França voltou tocando house e resolveu investir em eventos de ME. Essas festas abriram as portas para o pessoal que, no ano seguinte, inauguraria o Disco Voador. O club foi aberto para ser de ME, tocando house e techno. Os sócios eram um casal gay de holandeses que vinham para Fortaleza nas férias e queriam um espaço para ouvir ME e não disco music, mas não queriam trabalhar para o público GLS. Queriam um público mais heterossexual. Mas não deu certo, porque os gays achavam que o club era heterossexual, e os "héteros" achavam que era gay. O DJ do núcleo Undergroove, Rodrigo Lobbão, diz que essa questão de que "hétero" não vai a locais GLS e vice-versa, é algo cultural. "O Nordeste tem muito disso", enfatiza. E para se mexer nisso é muito complicado.

"O Disco Voador, em julho de 1997, foi um marco na cena local. Eles fizeram uma festa open-air (ar livre), no farol na Praia do Futuro e montaram uma estrutura maior, com DJ no palco. Deu muita gente que não era da cena gay. Mas foi uma festa diferenciada, com um conceito eletrônico mesmo: DJ bem centralizado na pista, caixa de som, vinil, mk2, gogo boys e gogo girls. Mas não uma coisa pejorativa, nem gay. Algo mais europeu mesmo, uma decoração toda personalizada. Muita gente ficou chocada com a ambientação que fizeram, porque ate então não haviam produções desse tipo ligadas a musica eletrônica". [46]

Nessa época, não se tinha uma preocupação com o purismo (segmentação dos estilos), porque tudo era muito novo. Tocava-se e ouvia-se de tudo, devido ao desconhecimento dos gêneros musicais e da própria cultura da ME. Para se ter noção, o som que vigorava, era chamado de 'som da diversidade'. Que na verdade, eram misturas, como o Mangue Beat[47]onde se englobavam Chico Science, Nação Zumbi e Mundo Livre S.A.; além de rock e algo mais eletrônico (pop), como Chemical Brothers, Prodigy e FatBoy Slim, que na época faziam muito sucesso, pois estavam estourando no mundo. Fil diz que era tudo muito levado na diversão. "Eu, pelo menos, não pensava em levar a carreira de DJ a sério e ver, artisticamente, como isso funcionava; o fato de escolher um estilo ou determinados estilos para se dedicar, ouvir, pesquisar dentro de uma estética. No começo, não tinha muito isso". [48]

Nesse tempo, as pequenas festas que aconteciam eram um acontecimento na cidade; 80% dos freqüentadores eram GLS. Guga de Castro diz que existia muito preconceito com os DJs e com o público, achavam que ME era coisa de gay. "As pessoas não tinham muita informação. Enquanto lá fora já estavam acontecendo grandes festivais, aqui houve um grande delay (atraso). Mas também quando chegou, [por volta do ano 2000 com o techno] foi um "boom"". Mas foi com o Disco Voador, segundo Guga de Castro, que se iniciou uma massificação. Porque era uma "galera" mais interessada em se ouvir ME mesmo, apesar dos "pára-quedistas",[49] que marcavam presença em todos os ambientes e não só nos eletrônicos. O Disco Voador tentou ser um night club, segundo Guga de Castro, muito pequeno e mesmo assim não deu certo. "Para ver como as coisas aqui eram complicadas. Antigamente como a gente não tinha nada, a gente inventava a nossa diversão. Hoje eles [a nova geração de DJs e produtores] têm a diversão de mãos dadas. Por isso não se tem uma cena monótona". Para Guga, hoje em dia é tudo reprodução da época da Pedreira, "que eram super-produções, só mudando lugar, decoração".

E a divisão para a posterior segmentação dos estilos e definição de uma cena só viria a partir do Cidadão do Mundo. Foi lá que os "meninos do Undergroove" se conheceram e resolveram formar o coletivo com o objetivo de dar um rumo diferente à cena que estava estabelecida na cidade. E conseguiram até certo ponto. Pois o que eles queriam mesmo era estabelecer uma cena clubber na "Cidade da Luz", parecida com a que São Paulo vive. Mas esse ponto eles não conseguiram, pois o que ainda prevalece são as chamadas open-air. Festa em local fechado (club) só mesmo em alguns eventos destinados aos BPMs mais baixos, em boates GLS, como Music Box e também no Mucuripe, nas tendas do Ceará Music, posterior FW Eletronic, evento destinado à ME.

Por um tempo até tiveram algumas edições de festas do Undergroove ao estilo underground, como a Las Lenhas, no Hey Ho Rock Bar, na Praia de Iracema, um galpão escuro e com pouca ventilação, mais voltado ao rock, mas que bimestralmente se destinava ao hardtechno, uma vertente mais pesada do techno. A Las Lenhas trouxe grandes nomes da cena nacional do estilo e fez história em Fortaleza; a Blip!, no Noise 3D Club, na Praia de Iracema, também foi outra tentativa de impor uma cena clubber na capital cearense, assim como as festas no Vivaldi After Club e tantas outras. Algumas deram certo por um tempo, mas não passou disso. Para Fil e Lobbão, existe um preconceito com locais fechados (clubs) por parte do público, pois se faz alusão a casas GLS. E não só isso, geralmente, quem freqüenta festas open-air (onde apenas 20% do público é gay) não vai a club, exceto por alguns eventos em locais fechados.

As pessoas têm como referência o club como local gay, onde o que prevalece é um som mais dançante, o house "bate-cabelo". Mas em outras cenas, como Rio e São Paulo o que prevalece é o club. E o público heterossexual não tem esse preconceito que existe na cena de Fortaleza. Antigamente até tinha essa distinção de local para gay e para hétero, mas como só tinham aqueles locais para se divertir até que dava certo por um tempo. "A ME era de um jeito, o DJ tocava de tudo, mas a coisa foi segmentando e aí foi criando aquela coisa de techno, house, dnb etc. Só que a coisa ficou tão segmentada que hoje querem mudar de novo"; Fortaleza viveu um pouco dessa história de segmentação, São Paulo também teve um momento muito forte. Mas segundo Lobbão, de cinco anos pra cá, a cena funcky techno, hardtechno e dnb caíram. Cenas famosas e que ganharam força pela identidade da segmentação caíram. Até o trance, que tem uma história paralela (uma cultura a parte) entrou em crise e passou a absorver outros estilos, de certa maneira "linkados" ao trance; mas os outros estilos caíram, entraram para o gueto e estão minúsculos; "o que a gente vê que tá bombando é essa diversidade: bandas que tocam rock, eletrorock, eletrohouse, DJs que misturam do minimal, jazzy, house. Isso é uma tendência forte", diz Rodrigo Lobbão (Undergroove). Segundo o produtor e DJ Chris DB, tudo isso é normal: "há um tempo era o drum´n bass, aí veio o techno, hoje é o trance que já está perdendo força pro minimal e o ciclo vai girando". É o que está acontecendo com alguns DJs da cidade. Estão começando ou voltando a misturar as coisas e alguns estão partindo até para outros rumos, como o da produção musical para serem vistos de uma outra forma. E por falar em produção musical, essa é a aposta da vez de grandes DJs da cena local e que vem fazendo sucesso. No capítulo seguinte vamos falar mais a fundo dessa figura tão importante não só na música eletrônica, mas na história da música em geral e de como o DJ pode se destacar através da produção.

A música é uma das formas de expressão mais dinâmicas, fala diretamente ao coração, à mente, te traz memórias, te projeta ao futuro, te faz viajar.

Fran Viana

III. No comando das pistas: DJ

Disc-Jóquei ou discotecário. Era ele quem animava os programas de rádio, que até hoje, constituem boa parte da programação radiofônica. Conversava com o ouvinte entre uma música e outra, escolhia e tocava discos e fitas para se ouvir ou dançar. Passou a ser chamado pelo apelido, DJ, quando o termo foi criado nos Estados Unidos, em 1941. "O país ainda não tinha entrado na guerra, a prosperidade imperava, todo mundo tinha um aparelho de rádio, as grandes orquestras com seus crooners continuavam a ser o que havia de mais empolgante no mundo da música popular" [50]

Segundo o Dicionário de Comunicação (1978) de Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, disc-jóquei é o "radialista que apresenta números musicais gravados em disco ou fita selecionados por ele ou por programadores durante um programa radiofônico". Já o discotecário é definido como a "pessoa encarregada de selecionar e controlar a apresentação de discos, em uma boate ou discoteca". Ser um "animador de pistas" misturou muito a função do profissional de rádio e o discotecário de clube de fim de semana. DJ, apesar de ser abreviação de disc-jóquei, ganhou outra qualificação e uma dimensão bem maior. O DJ é uma evolução do discotecário e do disc-jóquei juntos[51]

Até os anos 1940, a ocupação de "colocar discos para tocar" não é percebida como especializada. Trata-se de uma função técnica, mecânica, que qualquer um pode desempenhar; e que tem menos valor do que o aluguel de uma coleção de discos para animar uma festa. Além disto, o DJ foi visto com desconfiança tanto pelos músicos profissionais que lutam contra a "substituição" das orquestras pela música gravada; quanto, no caso do DJ de rádio, pela indústria fonográfica. Não tendo percebido o potencial publicitário do rádio, a crença desta última era a de que o sistema broadcasting de transmissão musical, irradiando música gratuita, roubava o público potencialmente consumidor de discos.

É partir dos anos 50 – especialmente com o rock and roll – que o DJ ganhou status dentro da indústria do entretenimento. Acompanhando o desenvolvimento tecnológico das gravações e trabalhando junto a rádios, gravadoras, programas musicais de tv ou de forma independente, o papel do DJ na divulgação e formatação dos principais gêneros musicais é percebido com crescente importância. (Thornton; 1996; Brewster and Broughton; 2000). Configura-se a partir daquele momento o papel do Disc Jóquei como mediador entre o público e as novidades da indústria fonográfica. Pois, se por um lado, ele é um consumidor bem informado, que faz da sua paixão por música uma forma de ganhar dinheiro; do outro, ele é um formador de opinião, provocando através de suas preferências musicais uma cadeia de consumo. (LEMOS, CUNHA, p. 162-163)

 

3.1 Discotecários no Brasil

Profissionais que trabalhavam no rádio começaram a animar festas nos clubes tradicionais. "O grande nome que surgiu no Brasil como discotecário foi o de Newton Duarte, o Big Boy. No início da década de 1970, ele tinha programas de rádio na Mundial AM e na [rádio] Globo" [52]Outro destaque nacional foi Ademir Lemos. Foi a partir deles que o uso do disco (LP), o famoso bolachão, em grandes festas passou a ser comum. "Antes disso, o que mais animavam as festas eram os conjuntos de baile. A chamada discoteca e a discotecagem como profissão surgiram somente na metade da década de 1970". [53]O que se pode concluir que a história do DJ, pelo menos na cena verde-amarela, é muito recente.

O DJ antes de tudo é um pesquisador musical. "O imprescindível pra ser DJ é estar sempre pesquisando músicas novas, experimentando novas sonoridades", conta o DJ cearense Neuromancer[54]Claro que a técnica conta muito na hora de executar um set, além de outros critérios como performance (desempenho) e carisma com o público. "Mas o papel principal do DJ é estar sempre trazendo coisas novas para o público, quase como um professor. Por isso eu tenho minhas reservas em relação àqueles "DJs" que sempre tocam as mesmas músicas ou então só as que já são conhecidas por todos" [os chamados hits" , diz o DJ.

 

A qualidade de um DJ depende também da sua sensibilidade e intuição para sentir a disposição do ambiente para a experimentação e da sutileza (ou radicalidade) com que mescla novidades com faixas conhecidas dos freqüentadores, sem deixar a energia, a animação, o vibe desaparecer da pista. Desta forma, ele atua mais próximo do papel do crítico, dando a esta atividade um aspecto experimental e curatorial muito forte – apontando assim para um primeiro aspecto da reconfiguração do seu papel em relação aos DJs inseridos em ocupações dentro das mídias de massa. (LEMOS, CUNHA. p. 164)

Lembrando que um DJ nunca irá tocar somente aquilo que agrada o público, mas o que agrada a si próprio. Como Fran Viana confirma, "ser DJ é muito isso: seu gosto musical". E segundo ele, essa fórmula sempre funcionou na pista.

No caso da cena eletrônica, todavia, estas escolhas dificilmente passam pelos canais tradicionais da indústria cultural tais como gravadoras, rádios e programas de tv aberta. Atribuindo a si mesmos um papel pedagógico, de educação da audiência e acentuando o aspecto militante desta atividade, um bom DJ jamais toca músicas que não aprecia, apenas para agradar a platéia. Ao contrário, ele será valorizado a partir da riqueza do seu acervo musical e de sua capacidade de construir uma trilha sonora (um set) inusitada e surpreendente, onde se combinam clássicos do gênero escolhido, novidades fornecidas por produtores exclusivos, músicas obscuras ou esquecidas, além de sobreposições musicais originais. (LEMOS, CUNHA. p.163)

3.2 Ser DJ é mainstream?

Já em relação ao culto à personalidade do DJ, Neuromancer diz que é algo criado pelo mercado. "A mídia sempre precisa vender um produto e os DJs acabam se tornando esses produtos que a massa consome vorazmente". O DJ fala que "antigamente, os adolescentes sonhavam em comprar uma guitarra e virar rockeiro. Hoje em dia, a maioria já sonha com um par de pickups e um mixer". O artigo "Como se tornar DJ" publicado no site Terra também fala sobre o assunto: "A abertura para diversos estilos musicais, a popularização da cena eletrônica e da figura do DJ, que hoje chega a ter fãs e seguidores, faz com que a profissão vire objeto de desejo e suscite paixões pelo ato de criar sons, virar o vinil no tempo certo e fazer a pista bombar"[55]. O DJ Camilo Rocha[56]diz que o "DJ tem que ser obcecado por música, comprar material e adquirir cultura musical. Não adianta só saber a técnica, tem que ter feeling e experiência".[57] Já o DJ Patife fala que o DJ deve trocar idéias, ler revistas, sites, ir a festas, lojas, congressos e caminhar em direção ao seu sonho, nem que seja um passo por dia. "Um dia, a coisa cruza teu caminho e, aí, é tua", diz.[58] "O que interessa a um DJ é aquilo que ainda não chegou às prateleiras das grandes "lojas de discos" (até mesmo as virtuais) – ou chegou há tempo suficiente para ter sido esquecido". (LEMOS, CUNHA. p. 164)

3.3 Produção é a saída?

A música é uma das formas de expressão mais dinâmicas, "fala diretamente ao coração, à mente; te traz memórias; te projeta ao futuro; te faz viajar; é algo incrível", define Fran Viana. Hoje em dia, as pessoas têm muito mais acesso à música de produtores do mundo todo, através da internet. "Por um lado é bom, mas por outro banaliza", diz Fran. "Hoje todo mundo é DJ. Eu lembro que as pessoas íam ávidas [aos clubs] para ouvir os discos que, praticamente, só os DJs tinham. Hoje a pessoa procura, baixa e ouve aquilo toda hora". Fran define a música eletrônica como um verdadeiro liqüidificador, um mix de idéias: "posso colocar um pouco de rock, umas batidas africanas, vocal da Linda Blair do filme O Exorcista". Por um tempo, ME foi mainstream, hoje está voltando às origens: a mistura. É o que se vê em vários hits tocados por produtores cearenses nas festas open-air da cidade. Músicas conhecidas do público, como rock ou outros estilos, remixadas com batidas psicodélicas e que fazem grande sucesso.

Dentro do universo "música produzida como arte", a ME é aquela que o nome já diz tudo: é o novo, o moderno, o vanguardista. "Porque ME e tecnologia são unha e carne", diz Fil. Então se a tecnologia faz parte de todos os âmbitos da vida, ela tem um papel muito forte no que diz respeito para onde as coisas estão caminhando. "A ME é um grande laboratório experimental do que pode ser feito em manipulação sonora", complementa. E quando se fala em tecnologia e discotecagem, é quase imediata a alusão à produção musical, pois esta nada mais é do que a união da bagagem cultural (musicalmente) do DJ com a possibilidade de gerar algo novo através de meios técnicos (tecnologia).

"A ME dá sua contribuição para a evolução da música na forma de produção mais que qualquer outra coisa", diz Guga de Castro. E o DJ faz uma relação do jazz com a ME: "O jazz não tem direção. Ele tem um começo, meio, mas não tem um fim. A ME é um pouco assim, tem muita aproximação com o jazz porque é uma música que permite milhões de coisas".

Entretanto, é cada vez mais comum que o DJ seja também um produtor musical. Desta forma, aos efeitos produzidos ao vivo somam-se aqueles pré-produzidos em estúdio – dos quais destacaremos a prática do sampling e do remix. A prática do remix - ou da versão – populariza-se durante a disco music. Num primeiro momento, tratava-se de adequar uma música, às vezes um sucesso pop, por exemplo, à pista de dança. Desta forma, o DJ utilizava-se de seus conhecimentos técnicos para produzir uma versão que funcionasse na pista – seja estendendo o seu tamanho, seja ajustando a gravação aos sistemas sonoros das discotecas. Paulatinamente, o remix foi ganhando status de atividade criativa e a música original tornou-se pretexto para intervenções cada vez mais livres de DJs/produtores, alterando elementos da versão original tais como ritmo, textura, instrumentação e andamento ao ponto de tornar a música irreconhecível. (LEMOS, CUNHA. p. 165)

A produção está crescendo no Ceará, segundoDJ Fil. Os precursores foram os DJs Dustan Galas e Priscilla Dieb com o Forma Noise, que foi o primeiro Live de ME de Fortaleza. Lançaram CD, foram para São Paulo, saíram na mídia nacional alternativa pelo selo do Disco Voador e fizeram parte do Smartbiz. Além deles, Guga de Castro, Arlequim, Toni MZT, dentre outros veteranos na cena local já se arriscaram com produção. Hoje (2008), produções como Groove Machines, Time Control e Sonnamond são sucesso (Em entrevista, os DJs que compõem os lives falam sobre o assunto)

O DJ Diego Grecchi[59]fala que, hoje em dia, se o DJ não produzir ele será apenas mais um no meio de vários. "Porque ser DJ é muito fácil. Música você consegue na Internet, tem livre acesso aí pra todo mundo. Então se você não tiver suas próprias produções, nunca irá crescer". Na verdade, é um processo natural de evolução. Depois de um tempo tocando, o DJ não tem mais pra onde ir. E para seguir em frente só mesmo com a produção, diz Aminad.[60]

Um segundo procedimento baseado na re-utilização de sonoridades existentes é o sampling, quando faixas são compostas com a utilização de fragmentos musicais gravados em disco – um refrão, uma célula rítmica, um riff de guitarra - de autoria de outros compositores. Esta prática, que já era executada com tecnologias analógicas, ganha força a partir do desenvolvimento de aparelhos digitais, que convertem segmentos de músicas pré-gravadas em informação numérica, flexível, que pode ser rearranjada com facilidade. Explorando diversos efeitos de edição digital, os produtores exploram assim as possibilidades de recombinação de sons numa perspectiva antinaturalista, buscando a criação de timbres e texturas sonoras que desafiam os registros "humanos", num processo de colagem que nos remete às vanguardas modernistas e à noção de ready-made. (Perloff; 1993) [61]

3.3.1 Processo de produção

A história dos instrumentos musicais está ligada diretamente à história da linguagem musical. "Sua evolução tecnológica segue as necessidades que foram impostas pela produção musical de cada época, em um constante refinamento de qualidade sonora e melhora dos mecanismos de controle do som" [62]Com o surgimento da música eletroacústica "altera-se profundamente o papel dos instrumentos na produção musical, tornando necessária uma redefinição do conceito de instrumento" [63]DJ Fil fala que as pessoas se esquecem que a manipulação de sons teve início nos anos 1940, com os concretistas (Stockhausen). "Foi essa galera da eletroacústica que deu o pontapé do que hoje se entende por ME". Eles levavam máquinas gigantescas para o meio da floresta, por exemplo, e tentavam mexer nesses sons. "Tentavam manipular os sons que não eram produzidos pela natureza e mexiam de trás pra frente até achar alguma coisa". Mas com a tecnologia tudo ficou mais fácil. Praticamente qualquer pessoa com facilidade em manuesar programas de sons pode fazer sucesso. "Benny Benassi[64]é um exemplo disso. Ele conseguiu chegar numa linha de tratamento de baixo e espalhou sua música para o mundo", conta Fil.

Para se fazer produção musical, existem vários softwares. "O que usamos é o Cubase, mas antes usávamos o Fruity Loops [um dos mais conhecidos e mais fáceis de se aprender a mexer] e estamos passando para o Logic [um dos mais complexos e também mais utilizados por produtores]."[65] Os programas são basicamente seqüenciadores, ou seja, você pega uma seqüência e vai montando vários layers (camadas) - que são o bumbo, a caixa, o prato - como se fosse uma banda tocando (acústico), só que eletrônico. Em vez de uma pessoa tocar o instrumento, é o "computador" que toca – isso se chama seqüenciar. "O que é difícil é conseguir atingir uma harmonia. Fazer tanta coisa ao mesmo tempo funcionar. Mas depois que você pega o jeito e começa a atingir um balanço, um equilíbrio, aí dá tudo certo", diz Aminad.

3.3.2 Instrumentos para produzir

Para começar, deve-se ter um computador, uma placa de som boa e o programa. "Daí quando se torna mais profissional, você adquire mais equipamentos, como controlador MIDI[66]equipamento externo, de efeito, etc", explica DJ Aminad. Lévy também mostra os instrumentos que compõe um estúdio digital para a posterior produção:

Entre as principais funções do estúdio digital, comandado por um simples computador pessoal, citemos o seqüenciador para o auxílio à composição, o sampler para digitalização do som, os programas de mixagem e arranjo de som digitalizado e o sintetizador, que produz sons a partir de isntruções ou de códigos digitais. Acrescentamos que o padrão MIDI (Musical Instrument Digital Interface) permite que uma seqüência de instruçõs musicais produzida em qualquer estúdio digital seja (tocada) em qualquer sintetizador do planeta. A partir de agora os músicos podem controlar o conjunto da cadeia de produção de música e ventualmente colocar na rede os produtos de sua criatividade sem passar pelos intermediários que haviam sido introduzidos pelos sistemas de notação e de gravação (editores, intérpretes, grandes estúdios, lojas). Em certo sentido, retornamos desta forma à simplicidade e à apropriação pessoal da produção musical que eram próprias da tradição oral. Ainda que a retomada de autonomia pelos músicos seja um lemento importante da nova ecologia da música, é sobretudo na dinâmica de criação e de audição coletivas que os efeitos da digitalização são mais originais. (LÉVY, 1999. p. 141)

A gravação deixou de ser o principal fim ou referência musical . Não é mais do que o traço efêmero (destinado a ser sampleado, deformado, misturado) de um ato particular no seio de um processo coletivo. (LÉVY, 1999. p. 142). Mas isso não tira a importância da gravação como "item memorável aos arquivos da música", como fala Lévy.

Os instrumentos acústicos precisam de um fator externo (estímulo mecânico) para que produzam algum som, como um sopro de ar, a fricção de um arco, o pinçar de uma corda. Já com os instrumentos eletrônicos, esses parâmetros influenciam muito pouco, ou em nada, no tipo de som produzido. "Guitarras eletrônicas podem soar como tambores e tambores podem reproduzir os sons de uma orquestra inteira" [67]Dessa forma, os instrumentos eletrônicos acabam rompendo com as limitações físicas que caracterizam os instrumentos mecânicos. Com isso, quando se fala em instrumento eletrônico, faz-se referência a uma série de componentes, mais ou menos independentes que são conectados entre si para produzir o som. [68]

Os instrumentos eletrônicos são formados por dois âmbitos distintos. Um deles é o controlador, ou seja, a interface que irá disparar e controlar o comportamento do som. Outro é o sistema de geração sonora, quer dizer, os componentes que irão produzir o som propriamente dito. Por exemplo, um saxofone funciona com um sistema único, em que o som é produzido pela interação de vários fatores como os gestos dos músicos, a pressão que os lábios exercem sobre a palheta, a velocidade e o caminho que o ar percorre dentro do corpo do instrumento, e assim por diante. O instrumento funciona como entidade, corpo e alma inseparáveis na produção do som.

Já os atuais sintetizadores, samplers, computadores e demais "instrumentos" disseminados pela música atual, impõem uma separação entre os mecanismos de produção sonora e meios que controlam esses mecanismos. Um sintetizador emitindo sons como os de um saxofone é uma espécie de instrumento sem corpo. O som é processado por meio de seus circuitos eletrônicos independentemente do dispositivo que dispara esses processos. O sintetizador pode ser acionado e controlado por qualquer processo capaz de gerar um código que faça parte de seu "vocabulário". Esse processo pode ser o movimento de uma tecla, sinais digitais enviados por um computador, ou o movimento dos olhos de um indivíduo, captados por algum dispositivo óptico. O que interessa é que esses processos possam ser codificados e compreendidos pelo sintetizador. E o elemento que executa essa tarefa não é o instrumento em si, mas uma interface. Instrumentos tradicionais têm a interface e o sistema de produção sonora reunidos num mesmo e indissolúvel sistema. Um instrumento eletrônico é um gerador universal de sons, um meta-instrumento (Apud Wishart, 1992: 573) ao qual se acopla uma interface. (IAZZETTA, 1997)

Lévy (1999) diz que a música cuja matéria-prima é digital ilustra a figura singular do universal sem totalidade. E a universalidade desta música prolonga também a globalização musical favorecida pela indústria do disco e das rádios FM. O conceito de uma música universal remete à verdadeira intenção da criação do techno: a de ser ouvida e entendida da mesma forma nos "quatro cantos do planeta". Esse é o objetivo da ME para todos os estilos.

3.4 LIVE P.A. [69]

"Trata-se de uma apresentação "ao vivo", no formato mais próximo do show, enfatizando o lado autoral [do DJ/Produtor] em detrimento da discotecagem" (LEMOS, CUNHA, 2003, p. 171). Existem grupos de produtores que se utilizam de guitarras, teclados, flautas, vocal, instrumentos de percussão e, claro, o computador numa apresentação desse tipo, para reforçar a idéia de uma música feita ou reproduzida na hora que remete-se a um show e deixa de lado a mera função de mixar faixas de outros produtores. O Live P.A é uma das formas que os DJs encontraram para mostrar ao mundo (nas festas) a sua música através da produção.

A performance ao vivo pode ser utilizada em todos os estilos da ME, mas ela é mais evidenciada nas festas de trance e seus subgêneros, pelo menos no Brasil e mais ainda no Ceará. É comum ver nos flyers de eventos trance da capital o Live P.A. ao lado dos nomes dos produtores.

3.4.1 Mostrando a cara

Outro caminho para se fazer ver pelo mundo é produzir músicas e tentar lançá-las por algum selo conhecido. Mas o DJ/produtor cearense Aminad foi muito além e conquistou reconhecimento com sua ousadia. Ele mostrou suas faixas para alguns selos, mas não foram aprovadas. "Mas se uma música não é aceita pelo selo, isso não quer dizer que o público não vá gostar". O produtor fala que é um mercado muito fechado, só é aceito quem já é conhecido ou se for indicado. "Eu tinha que arrumar um jeito de fazer com que minha música chegasse até o público para que comprassem. Então criei meu próprio selo, o Vai Vem Records", conta. Aminad diz ainda que aquelas mesmas faixas que foram recusadas alcançaram o top list (primeiro lugar) em vendas nos sites Juno e Trackitdown[70]quando as lançou pelo seu selo.

Para lançar um selo não é preciso muito trabalho, segundo Aminad. Com o advento da Internet já existem selos virtuais (ou digitais) que facilitam a criação e a posterior divulgação. Basta "ter certa dose de contatos para fazer com que os DJs famosos toquem aquela música". Porque quando o DJ é de renome ele tem um site onde expõe uma lista mensal com as tracks favoritas na opinião dele, que pode estar ali por indicação total ou puro mérito. "Então você tem que conseguir com que suas músicas entre nestas listas. Porque a coisa funciona assim: pode até ser uma música ruim, mas se o Tiesto[71]estiver tocando, então ela passa a ser boa", resume Aminad.

O Vai Vem Records é um selo digital de techno e electro que foi lançado no início de 2007 pelo DJ e produtor Aminad (aka Diogo da Silva). A média de venda de cada release (conjunto de faixas) é cerca de mil a 1,5 mil downloads (venda por download), porque segundo Aminad, "hoje em dia, o vinil já era".

3.5 CD x Vinil: ainda existe guerra?

A tecnologia prova mais uma vez estar aliada não só na relação da composição e produção da ME, mas em toda sua totalidade. E nesse aspecto remete-se à divergência entre o uso do CD ou do vinil. Será que se um DJ passar a usar CD ele deixa de fazer sua arte, apenas por usufruir da tecnologia?

Há uma polêmica entre os DJs sobre a utilização (ou não) de CDs ou programas de computador (...) para a discotecagem. Para a grande maioria dos DJs, o vinil ainda é a referência, defendido tanto pelas qualidades estéticas quanto por permitir ao DJ o desenvolvimento de um estilo pessoal de manuseio e mixagem. (LEMOS, CUNHA, 2003, p. 165)

Fran Viana fala que essa questão "é uma bobagem". O importante é fazer as pessoas dançarem. "Quebrei esse mito, quando vi grandes nomes tocando CD e vinil". E é radical ao falar no assunto: "No futuro não vai mais existir isso, vai ser tudo mp3, wav, sei lá...". Já Camilo Rocha diz que um DJ não pode ficar de preciosismo e dizer que só toca vinil. "Agora o que é indiscutível é a qualidade, que é muito superior ao do CD. Mas aí existem prós e contras: vinil é muito caro, vem de fora, demora a chegar e ainda tem a possibilidade de não chegar" [risco de ficar na Alfândega]. O jornalista e DJ compra músicas pela internet. "Além de gastar cinco vezes menos, é mais prático. Na verdade, essa questão do vinil vai ficar uma coisa de início, que na Europa é muito valorizada. Se eu morasse lá, compraria. Particularmente, gosto do vinil, coleciono capas, mas não gosto desse purismo. Toco os dois"[72].

Na verdade essa polêmica de CD x vinil está ficando, praticamente, no passado. Até pouco tempo, DJs que tinham o vinil como único e principal aliado da discotecagem e eram enfáticos na utilização do chamado "bolachão" ou LP já têm uma outra visão, pois o CD é, sem dúvida alguma, mais barato e prático. Mercadologicamente e tecnologicamente falando é muito melhor, mesmo que caia um pouco na qualidade sonora. E mesmo assim, os mais radicais que seguem a cultura "Pró-Vinil" têm a possibilidade de tocar nos dois, caso queiram. Mas uma coisa é certa: o vinil não irá acabar, definitivamente. É como o jornal impresso. Por mais que existam meios tecnológicos superiores e mais baratos, sempre terá quem prefira o mais antigo. Ou como diz Fran Viana: "o que é azul pra um, é vermelho pra outro".

3.5.1 Histórico de produção no Ceará

1998 - Priscilla Dieb e Dustan Galas (Forma Noise-house);

1999 - Guga de Castro e Fil (trilha de desfile com samplers de Patativa do Assaré e Villa Lobos para o Redbull Music Academy, evento internacional que reúne expoentes da música contemporânea mundial, como DJs, produtores e profissionais do meio);

2001 - Fil e Arlequim (Vucco - techno);

2003 a 2007 - Toni MZT (Chill Out e techno);

2003 - Maquinistas - Ney e Thiago (lançaram música pela MTV com o produtor Dudu Marote);

2006 - Hypnotic Device – Adonai e Neck (live de Psytrance);

2007 - Leon KB (Hardtechno);

2007 – Aminad aka Diogo da Silva (selo Vai Vem Records – techno e electro);

2007 - Groove Machines – Aminad e Diego Grecchi (live de Psytrance);

Time Control

Sonnamond

Dark n sie o q adonai

"Naturalmente, mesmo sabendo que algumas pessoas tomam drogras na noite, não se deve pensar que todo mundo da noite toma drogas"

Erika Palomino

IV. Simbologia das raves

As raves geralmente são conhecidas (pela sociedade e pela mídia) por serem realizadas em locais afastados do centro urbano, pelas longas horas de duração, por um som eletrônico com batidas repetitivas e pelo livre uso de drogas, em especial a sintética, também chamada "droga do amor", o ecstasy. Segundo o DJ Fil, as festas são em locais afastados porque faz parte de todo um conceito [criado] de se desligar do cenário urbano, do cotidiano. "Para não chamar a atenção da sociedade quanto ao uso de drogas, por causa do som alto, pela estética da música, que é repetitiva e a maioria das pessoas acha chata". Para Fil, hoje em dia, é mais cômodo fazer uma open-air fora da cidade do que na Praça do Ferreira, por exemplo. "Lá, teria polícia, vizinhos reclamando. No isolado, existe mais privacidade". Mas, infelizmente, algumas pessoas confundem essa "privacidade" para fazerem o uso ilícito de drogas e acabar com o conceito que as festas propõem de liberdade com responsabilidade.

Já os festivais, em sua maioria de trance, que podem chegar a até sete dias de duração, criam um cotidiano diferente: "não é aquela coisa: você sai se diverte e volta pra casa. Ali, a pessoa fica cinco, sete dias para poder entrar numa outra rotina. É um caos organizado", explica Fil. As pessoas acampam no local do evento, outras ficam em hotéis, mas existe toda uma estrutura para suportar a demanda durante os festivais. Os mais conhecidos são o Universo Paralello (Bahia), Trancendence (Goiânia), Tranceformation (Brasília) e Tribe (São Paulo). Alguns eventos de ME se popularizaram e atingiram até mesmo a grande mídia, como o Skol Beats, evento mais elitizado que reúne anualmente DJs de várias vertentes por no máximo três dias, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais do Brasil. Mas numa escala mais regional e nacional, durante quatro anos (2001-2005) houve o lendário festival Serra Elétrica, que acontecia anualmente, em até três dias de festa em Guaramiranga (Serra de Baturité-CE).

Partes: 1, 2, 3


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