Ao mesmo tempo em que a música eletrônica se expande cada vez mais, sai da sua esfera original para atingir outros públicos e ganha uma maior visibilidade, há quem nunca tenha ido a uma festa rave, não saiba seu significado, nem conheça a história, a diferença entre os estilos, tanto de vestir, como musical, nem saiba como é a vida de quem trabalha e respira esse "outro mundo". Há quem esteja ali, não só por diversão, mas por paixão, por vontade de mostrar a todos o que se pode fazer em termos de técnica e variedade musical. Pessoas que fazem o que gostam e dão o seu melhor para que os outros usufruam e sintam-se à vontade, num ambiente aconchegante e livre para a descontração.
As festas "rave" são conhecidas pelas longas horas de duração e pelo som, conhecido, pejorativamente, por "bate-estaca", pois são músicas instrumentais com batidas repetitivas que apresentam pouco ou nenhum vocal; além de serem realizadas em locais afastados da cidade (historicamente, devido ao uso de drogas e ao volume alto do som), como sítios, praias, florestas. Mas nem sempre foi assim. Antigamente, as festas eram realizadas em clubes da cidade (Fortaleza), organizadas por uma minoria que já se diferenciava pelo gosto musical, uma cena chamada de "underground".
Ao longo do tempo, as raves ganharam o estereótipo, reforçado pela mídia, de "festas das drogas", ou "festa do delírio", devido a vários casos de pessoas que tiveram overdose por substâncias psicotrópicas e outras ilícitas; assim como grandes apreensões destas pela polícia nas festas. Essa ainda hoje é a realidade das raves: jovens cada vez mais com menos idade, utilizando drogas e divulgando assim uma idéia deturpada da ideologia das festas, não só do Ceará, mas de todo o Brasil. Os noticiários, geralmente contribuem na divulgação desse lado negativo, que infelizmente, se sobrepõe à cultura que há no cenário da música eletrônica. E é o que faz com que a grande maioria da população tenha estabelecido um preconceito em relação às festas e negativize todo o seu conteúdo. Mas há alguma riqueza "nesse mundo?" (irão perguntar algumas pessoas). Essa é uma das propostas deste livro, além de fazer a reconstituição da história da cena cearense de música eletrônica, a partir das versões de quem viveu e ainda vive essa realidade de perto.
Apesar de hoje já se ter uma maior abertura nas TVs e jornais impressos cearenses, o grande problema das festas não serem mais divulgadas positivamente são as próprias pessoas que se utilizam das raves para promover desordem e propagar o consumo de drogas, principalmente o ecstasy, conhecido como "droga do amor" e o LSD (ácido). E mais ainda, o preconceito de quem não conhece o universo da música eletrônica, mas concorde com o estereótipo divulgado e não vá atrás de saber se o que "dizem" é realmente verdadeiro na totalidade. A solução para que não ocorram julgamentos prévios sobre algo que não se tem intimidade (no sentido de proximidade), é antes de acreditar em alguma publicação como única versão, pesquisar mais sobre o assunto, para saber se ele merece minha atenção e uma posterior abertura de opinião. O que não se pode é acreditar numa verdade parcial dos fatos.
Tudo o que foi dito pode até parecer um discurso platônico, romântico, sem eficácia, para muitos. Mas, na verdade, é a tentativa e a vontade de mostrar, não só aos cearenses, mas a todos, um outro olhar sob um mundo que a sociedade pensa conhecer, mas que ainda é desconhecido e desvalorizado pela maioria. Um olhar de quem vê não pelos olhos preconceituosos de estereótipos criados ou adquiridos, mas pelo olhar de quem vive, sente e ama a música eletrônica e toda a magia existente nesse mundo alternativo. O ambiente, a filosofia, a ambientação, e principalmente, a música. O ser por si e não pelos outros.
"Quanto mais raro, mais prazeroso."
Fran Viana
Meados da década de 1970. Fortaleza vivia a era da disco music com muita intensidade. As boates People (1976), na Beira-Mar e Tatarana (1977), na Volta da Jurema, eram os pontos de encontro e "ferviam" ao som dos hits cantados pelas divas da época, como Donna Summer e Grace Jones. Música no rádio, somente na AM. Um dos programas de maior sucesso era o "Show do Grilo", comandado pelo radialista Will Nogueira. O som era variado: desde coletâneas do carioca Big Boy, personagem tradicional dos anos 1970, até o rock de Rolling Stones. Mas o período em Fortaleza era difícil em termos de atualidade musical. "Se no Brasil as novidades demoravam a chegar, imagine na capital cearense, que ainda era uma província e tudo vinha de carroça", conta o "ex-DJ" e atual agente de viagens, Fran Viana, que revela a história dos primórdios da cena que, anos mais tarde, iria se estabelecer de vez na cidade do forró.
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