Título original: "El Hombre: ese proyecto mal terminado". Excertos de Tese de Doutorado em Sociologia Política (1976), Universidad Complutense de Madrid (Espanha). Tradução ao português, adaptação e atualização com início em 2012, pelo autor. Todas as traduções de línguas estrangeiras ao português são do autor desta obra.
Não é pretensão de esta tese analisar em profundidade questões filosóficas e conceituais, mas apenas servir-se destas para fundamentar o escopo central do estudo: os erros de projeto do ser humano, em relação às demais espécies que coabitam com ele o mundo terreno, concreto.
Prolegômenos
"[.] in nature, everything is so closely interconnected that there can be neither a complete division, nor too precise boundaries, between the various sciences" (DURKHEIM, 1972, p. 51)[1].
Qem é esse animal titulado de "Homem" em sentido genérico? De onde vem e para onde vai? Qual é o seu papel na sociedade terráquea? Qual sua posição entre as quase 10 milhões de espécies vivas existentes no planeta? Estas são questões que, dentre muitas outras, certamente motivaram o surgimento das ciências em amplo termo, na sua inesgotável procura por respostas minimamente críveis e sustentáveis de maneira gnômica.
Quando nos propusemos a analisar o ser humano como um "subproduto"[2] da natureza, tínhamos ciência da imensa complexidade que tal desiderato traria em seu cerne. Inobstante este aparente desafio imensurável, todavia, ousamos acrescer outra assertiva ainda mais audaciosa – petulante, até – ao título da nossa tese: a qualidade de inconcludência desse subproduto natural. O homem seria um produto mal-acabado, verdadeiro paradoxo existencial quando confrontado com o perfeccionismo ostentado por seu funcionamento orgânico, e mais, pela ostensiva perfeição das demais espécies que com ele coabitam, em flagrante paradoxo existencial.
Em base a este breve exórdio, que já permite perceber a preocupação que nos motivava à descoberta dos fundamentos desse bizarro paradoxo – a perfeição mal-acabada –, enveredamos por uma trilha mortalmente movediça e formulamos a questão central que fundamentaria nossa tese:
Por que o homem (ser humano), possuidor privilegiado de inteligência e racionalidade no meio dos seres vivos da natureza, portador do direito ao livre arbítrio consciente, é o único animal que se autodestrói; que destrói seus semelhantes, o meio ambiente que o acolhe e alimenta, sua família, seus vínculos que o enlaçam àqueles que lhe dedicam amor, compreensão, carinho, afeto, dedicação; adora e serve a diversos deuses apenas por temor; acumula riquezas sem partilhá-las; come sem ter fome, bebe sem ter sede; mata por prazer; trabalha por obrigação; faz sexo por libidinagem; luta por poder; disponibiliza sua criatividade e inteligência a serviço do mal; vegeta, não vive?
Este longo questionamento nos impôs que, de maneira apriorística, propuséssemos uma resposta racionalmente sustentada:
O Projeto Humano gerou a máquina biológica perfeita, mas, em contrapartida, proveu-lhe de poder incontrolável fundado em sua livre escolha consciente, a seu bel-prazer e, naturalmente, posicionando-o (ao homem) como o centro de todas as coisas...
A razão deste privilégio, incomparável a qualquer outro existente nos seres vivos que com ele coabitam o meio natural, reside em seu projeto diferenciado, que o alçará ao ápice da pirâmide das espécies. Eis o erro ou defeito de tão arrojado projeto, responsável direto e indireto por todo o desequilíbrio inatural das coisas vivas ou inertes que compõem e habitam este planeta do sistema solar.
Aventada esta curiosa e insólita equação existencial, nos propusemos a analisar os condicionantes que a compõem e fundamentam. Ambicionando mais do que este singelo – mas certamente que também complexo – objetivo, buscamos investigar argumentos plausíveis que proporcionassem alguma explicação para essa falha de projeto, quando ante a perfeição do todo restante. Por derradeiro, nos desafiamos a deslindar quais seriam os propósitos que permitiriam dar cabida a essa bizarra falha. Alcançados estes três vastos objetivos, pressupúnhamos que nossa curiosidade científica restaria satisfeita e pacificada.
Outra questão, contudo, persistia irresoluta e martirizante:
Por que intentar explicar um fenômeno falho que, inobstante viesse a ser elucidado – em remotíssima possibilidade – para nada teria serventia, pois que, hipoteticamente, nada e nem ninguém poderia alterar ou consertar dita falha?
Apaziguou-nos a inquietude provocada por tal questão, a constatação de que, ao menos e se alcançada uma resposta (mínima ou aproximada que fosse) para a mesma, sentir-nos-íamos satisfeitos com o dever cumprido. Afinal, o dever de ação independe das vitórias ou das derrotas; vale mais havê-lo cumprido, do que a omissão e o desprezo pelo que é nosso. O desafio estava lançado e haveria de ser enfrentado com destemor durante os próximos quatro anos, tempo que este humilde escriba levaria para alcançar seu desiderato.
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