Monografia apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel à Universidade Estácio de Sá – Curso de Direito.
RESUMO
Este estudo objetivou estabelecer os limites entre o dolo eventual e a culpa consciente, de forma fornecer amparo técnico e teórico aos estudantes e operadores do direito que atuem ou pretendam militar na área do direito penal. Inicialmente fez-se uma análise teórica sobre os conceitos relevantes ao tema em estudo, dissecando-se os diferentes tipos de dolo e culpa, relacionando-os aos entendimentos de prestigiados autores da doutrina pátria. Em um segundo momento foi abordada a importância da correta capitulação da conduta praticada pelo agente à peça processual de denúncia e conceitos técnicos relevantes à capitulação do crime, além dos métodos a serem seguidos para a identificação do dolo na conduta percorrida pelo autor, bem como as questões pertinentes à diferenciação entre dolo e culpa, propriamente ditos. Os capítulos seguintes são dedicados ao estudo pormenorizado da jurisprudência correlacionada à teoria, primeiramente exemplificando-se com casos de menor complexidade, aonde o dolo ou culpa são mais facilmente identificados, enfocando-se progressivamente hipóteses de maior complexidade, chegando por fim ao exame de situações controvertidas com a análise da existência do dolo em diversas condutas perigosas na direção de veículos automotores, sempre se esforçando para abranger as várias posições sustentadas em juízo com imparcialidade, proporcionando ao leitor uma visão crítica do tema, correlacionando a doutrina à prática dos Tribunais.
O presente trabalho monográfico pretende analisar a aplicabilidade da capitulação do dolo eventual aos crimes de trânsito previstos no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97).
No Brasil, desde o Estado Novo, a administração pública vem adotando políticas de transporte que privilegiam o transporte rodoviário em detrimento das demais alternativas, tais como o transporte fluvial ou sobre trilhos. Essa postura se acentuou durante o período em que se viveu sob a égide do regime militar (1964 a 1988), quando a malha rodoviária se expandiu exponencialmente face à necessidade de gerar, perante a opinião pública, a impressão de desenvolvimento econômico.
Paralelamente ao problema da adoção de uma política de transportes inadequada às dimensões continentais de nosso país, não se pode perder de vista que vigora no Brasil um modelo de sociedade capitalista aonde, por regra, os indivíduos são rotulados pela riqueza que ostentam e não por seus valores culturais. Nesse contexto a posse de um veículo caro e possante transforma-se em objeto de desejo e admiração na sociedade, o que alavanca a venda de carros e motocicletas cada vez mais velozes. A soma destes dois fatores acarreta na evolução contínua da frota nacional de veículos, bem como na manutenção de elevadíssimos índices de vítimas de acidentes de trânsito.
Estudos técnicos revelam que os custos com acidentes automobilísticos no Brasil consomem cifras bilionárias, tratando-se verdadeiramente de caso de saúde pública. Em virtude dos alarmantes índices de óbitos em acidentes e do clamor da população por punições mais severas, o poder legislativo concebeu em 1997 a Lei 9.503 (Código de Trânsito Brasileiro), revogando o Código Nacional de Trânsito (Lei 5108/66 - CNT), vigente até então.
Houve inegável avanço legislativo com a nova lei, que passou a criminalizar uma série de condutas antes tratadas apenas como contravenções, além de majorar a punição para diversas condutas. Também foram implementados vários outros dispositivos que objetivavam a penalização do condutor infrator pela via administrativa (multa pecuniária, apreensão do veículo e até a suspensão do direito de dirigir).
Todos esses novos dispositivos legais, todavia, por vezes são incapazes de oferecer uma punição correspondente à expectativa da população. A farta divulgação pela mídia de acidentes em que motoristas imprudentes causam a morte ou invalidez de diversas pessoas inocentes (não raro da mesma família) causa comoção pelos resultados nefastos e, muitas vezes, revolta e indigna pela branda punição aplicada pelo Estado.
O clima de impunidade resultante desta equação (crimes bárbaros x punições brandas) gera reflexos nos órgãos do poder judiciário que, para não caírem em descrédito perante a população, buscam atender aos anseios populares através do aumento quantitativo das condenações dos envolvidos em delitos de circulação.
Um dos conceitos doutrinários utilizados para justificar a majoração das punições dos envolvidos em crimes de trânsito é o da incidência do dolo eventual, mormente nos crimes de homicídio.
Desta forma, a questão possui indiscutível relevância no aspecto jurídico, eis que por vezes o enquadramento legal utilizado pelo magistrado para fundamentar uma condenação não encontra amparo na boa doutrina, mas tão somente em seu desejo pessoal de que seja feita “justiça” (entenda-se como “justiça”, neste caso, a condenação do réu a uma pena severa, porém maior do que a prevista na legislação para a conduta praticada pelo autor).
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