O consumo do luxo: o espaço social da louça inglesa na sociedade maranhense oitocentista



Partes: 1, 2, 3, 4

  1. Introdução
  2. As coisas e os homens
  3. Os homens e as coisas
  4. Considerações finais
  5. Fontes e referências
  6. Anexos

INTRODUÇAO

A arqueologia no Brasil muito tem contribuído para os estudos do século XIX, no âmbito do cotidiano doméstico. Em São Luís, as pesquisas arqueológicas no Perímetro urbano têm demonstrado isso, com o aparecimento de uma ampla variedade de fragmentos de louças, principalmente inglesas, como pratos, xícaras, malgas, tigelas e urinóis[1]Esses vestígios arqueológicos, em sua maioria, fabricados em cerâmica, grés, faiança, faiança fina, ironstone e porcelana[2]marcam um período de ampla difusão das manufaturas européias pelo mundo, cronologicamente concentrado no século XIX.

Todo esse consumo está relacionado às transformações estruturais com a ascensão de um "modo de vida burguês", e à necessidade de legitimação da elite agrária e formação de setores médios da sociedade. Mudanças de mentalidades e costumes são notórios como a preocupação com as boas maneiras a mesa, registrado nas totalidades da cultura material encontrada nos sítios Históricos de São Luís.

Freyre (1977) destaca que esse "modo de vida burguês" é influenciado por uma série de fatores socioeconômicos, alguns anteriores á chegada da Família Real, mas que só depois se definiram ou tomaram forma, começaram a alterar a estrutura da colônia no sentido do maior prestigio do poder real, que se fortaleceu. Mas não só o poder real se fortaleceu, também as cidades e as atividades urbanas ganharam maiores prestígios. Os reis portugueses do Brasil[3]passaram a prestigiar os interesses urbanos e burgueses, embora sem hostilizar os rurais e territoriais.

Nesse sentido, o conceito de "modo de vida burguês" é entendido a partir da visão colocada pela pesquisadora Tânia Andrade Lima (1995), em seu artigo Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX, onde a autora tenta compreender a partir da cultura material, a emergência de um modo de vida burguês no Rio de Janeiro, antecedendo a instalação da burguesia propriamente dita no país, uma das peculiaridades da nossa formação social. A autora entende por modo de vida burguesa:

Formas de comportamento decorrentes da ideologia de privatização que se consolidou na Europa ao longo do século XIX, paralelamente aos avanços da industrialização, valorizando o individualismo, as fronteiras entre o público e o privado, o universo familiar e a ritualização da vida cotidiana, a acumulação de capital (tanto real quanto simbólico), os critérios de "respeitabilidade", a fetichização do consumo e a ascensão social (LIMA, 1995, p. 12).

A sociedade de corte no Brasil, por extensão a sociedade ludovicense, não somente importou e consumiu louças européias, mas "modos" e "modelos" culturais que transformaram comportamentos e gostos refletidos do modelo de vida burguês (LIMA, 1995), acrescido por um momento econômico que favoreceu o acesso a todo esse consumo.

Os historiadores atestam para o século XIX a emergência, no Ocidente, da "vida privada", e do que constituiu o seu conteúdo no sentido que atualmente lhe emprestamos, ou seja, em oposição ao local de produção capitalista, "do trabalho". A vida privada se identifica rapidamente com o espaço familiar e doméstico. Assim, "o privado é pensado como experiência do nosso tempo" (PERROT. In. PERROT, 2006, p. 9).

É no movimento de uma transformação profunda das relações sociais que a "vida cotidiana" vai se redefinindo e tomando as formas e conteúdos atuais.

A noção de "vida cotidiana", fórmula vazia que a cada época serve para preencher um conteúdo diferente, toma, assim, seu sentido moderno; pode – se, portanto, falar de "investigação cotidiana" (PRIORE, 1997, p. 260).

Enquanto campo de estudo, a história do cotidiano e da vida privada não é uma abordagem nova, embora tenha sido renovada por um grupo de historiadores ligados aos Annales, como Jacques Le Goff, associando à emergência de uma história antropológica, uma multidimensionalidade da realidade social.

Vale sublinhar que para os autores ligados a esse grupo, a história da vida cotidiana não é definida somente pelo estudo do habitual por oposição ao excepcional (ou ao factual), nem é, tampouco, concebida como a descrição do cenário de uma época. Sua concepção é mais ampla (PRIORE, 1997, p.265).

Afinal, "o cotidiano só produz a si mesmo. Ele reproduz uma ordem", que muitas vezes é representado por "vestígios materiais destas ordens cotidianas" e "servem para o estudo de formações sociais desaparecidas" (PRIORE, 1997, p. 267).

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