Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Nas palavras que se atualizam
Quase sozinhas
Entre os bons dias e as crônicas
Que se lêem no barbeiro
A tabela de classificação dos times
Como outrora se lia
O horário de chegada dos paquetesno caminho das palavras
Se fez uma via crucis
Mas uma menina faz planos
Para a festa de aniversário
2
Pilhas pulseiras consertos
Em geral com garantias
Se você conseguir afinal
Desligar o computador da nave
Singrará precisando re-significar
Seu alimento
Seu amor
Sem roteiro música incidental
Talvez sem companhia
E sem felicidade
Você tentará subir a montanha
Plantar uma cerejeira
Quem sabe estudar psicanálise
Ou exegese neotestamentário
Isso é com você
Que muito provavelmente
Não se converterá em super-homem
Mas dará uma contribuição originária
Ao termo ser humano
Sem a qual
O computador da nave religa-se
Automaticamente
Com seus juke boxes de cafés tristes
Sua atômica irreligião
Seus fliperamas dilacerando
As mornas margens do Eufrates
Seu coração ceifado
À queima-roupa
Você pronuncia sobre mim axiomas suficientes
Para deduzir a soma dos meu ângulos
A menor distância para manter-me longe
E seu rosto inóspito a fala concisa
Um depoimento completo
De uma realidade imperfeita
Minha mecânica celeste
Que você precisa por para funcionar
Dando corda como num despertador
Que gostaria de parar por aí
Toda hora de falar contigo
Se fez um momento cerimonial
E no entanto íntimo
No qual não sei se te agradeço
Ou te peço
Se me sinto feliz ou assustado
Sei que sou um menino
Cuja hora de dormir já passou
Que espera o beijo íntimo
E cerimonial do pai
Para saber que a vida pode seguir
Que é lícito dormir bem
Que as dores passam
E se não passam
passassem
Como eu me identifico com meu gato
Enfim tornei-me um gato
Capaz de não gastar energia à toa
Quieto em frente à tevê
Feliz por não entender demais
O que se passa em volta
Também por não entender a tevê
Por não precisar beber
Nem torcer por um time de futebol
Talvez eu seja um gato com valores ultrapassados
Um gato ortodoxo
Que rói sua fome como pode
E é tremendamente imune a germes
Mais do que os médicos e os mendigos
Mas como eles tem suas regras
Seu juramento de ser sempre um gato
Só um gato
E por isso não dar satisfação
Quando a vida selvagem sobrevivente no bairro
Chama por sobre os muros e os quintais
E elegantemente lambe os pelos
E se manda
Ale
Quando ela ia à Igreja
Seu pai andava com um carro novo
Sua mãe não sumia de casa
Desde sexta com amigas
Quando ela ia à Igreja
Agora está só no apartamento
Paga todo o aluguel
Há umas cenouras na gaveta da geladeira
Fará bolo com calda de açucar queimado
E verá o final do fantástico
A avenida é recortada pelos ônibus vermelhos
Amarelos cinzas
Ela sabe para onde cada um vai
Essa cidade como sua alma
Sua palma
Imenso feriado que se passa
Ansiando descansar
Um princípio de gastrite
Pernas à toa
Moça como qualquer uma
Sem caminho de casa
Esta rosa é de um jardim que já não existe
Fresca e rubra nasce
Como um beijo desejado mas não esperado
No sonho
Na noite
Quando todos dormem
Quando durmo
O homem curvado sobre a estante
Lê escreve faz cálculos
Mas a rosa nasce
Espera a noite
Ferina víbora
Beija e foge
Deixando no corpo o emblema rubro
Do desejo
1º dia de outono
1
Era um homem grande, alto, um polacão
Sentado circunspecto ao meu lado
Se bem invadissem um pouco meu espaço no banco
Suas sacolas do Mercadorama
Viajou calado os olhos quase fechados atrás dos óculos grossos
A camisa limpa a barba feita os sapatos novos
Do Centro ao Bairro Alto
Acho que não moveu uma pálpebra uma perna uma sacola
Ao chegarmos pediu desculpas exageradas ao motorista
Por qualquer coisa
Encontrou a porta do ônibus e continuou viajando
Com destino de casa
2
Certas coisas não se dizem
Certas coisas não se fazem
Penduradas na ponta do gesto
Mantemos o decoro
Dos corações vazios
Gritando em uníssono
Seu suspense
Porque quem sabe um momento
As palavras e os gestos impróprios
Façam seu jogo
Esperando um golpe de sorte
Quem sabe desta vez
A banca não vença
Cansado
1
Como acontece com todo mundo
Você se foi com razões plausíveis
Com a dignidade ferida
Queimando na saída fotos cartas
Tudo que era um passado
Que devia ser apagado
Mas nenhum passado se apaga
Nem para mim querida e antiga amiga
Todavia não se deve andar sobre passos dados
É ruim voltar atrás
Ninguém perdoa
Todos querem cobrar o seu tributo
Das aflições vividas
Lágrimas escondidas e depois às claras
Geralmente no amor há pouca elegância
2
Ela está sozinha em seu quarto se olhando no espelho do teto
E o caleidoscópio dos dias é colorido e brilhante
Mas não faz sentido
Por que as coisas devem ter sentido?
Essa é uma pretensão da razão
Um apelo pungente feito ao destino
Quando se está infeliz
Segue os dias domingo é dia de feira
Segunda o trabalho recomeça
E as pessoas em volta vivem com a mesma precária humanidade
Que partilhamos
Não tente ser a garota da Nova
Também não pense em bobagens
A esperança é um dever
Tão necessário como comer e tomar banho
É difícil viver em tempos
Em que se é obrigado a pensar tanto e em tudo
Pensar está longe de ser um alegre passatempo
Quando se procura a própria originariedade
Em tempos para os quais você não conta
A menos que você seja astuto
Conheça o caminho das pedras dos ardis
E percorra os segredos da arte de ganhar o jogo
Tudo isso é antigo sob o sol
Tudo isso é vão
Mas se você for calmo e profundo
Se de vez em quando rolar entre as corredeiras espumantes
Se você for uma pedra que role às vezes e não se importar
Com o cego tumulto do mundo
Se você se tornar uma ponte sobre as águas turbulentas
Feita do que em você não se esvaneceu
Sem negar sem abandonar sem trair
Sente agora o cheiro das violetas e das rosas de amanhã
Veja o reflexo da aurora no leste longínquo e escuro
Conte com a benção de contar consigo
E não deixe só quem o chamar amigo
1
Deus cuida dos que bebem e dos que não tem juízo
Logo, cuidará de mim duplamente
2
Primeiro guardei sob a escada meu estojo de pintura
Com o qual ganhei um prêmio do Mappin
(o desenho era o de uma menina doente sentada na cama
visitado por um passarinho no beiral da janela)
Depois deixei num dos primeiros degraus da escada
Meus livros prediletos: Robbin Hood, a história de Joana D´Arc,
A Cabana do Pai Tomás, Ivanhoé
Num vão acima perdi não sei como o amor de minha vida
(hoje não se usa mais essa expressão, mas se usava e eu uso)
E segui com outros amores mas não aquele
Degraus acima quebrei o espelho no qual meu rosto formava rugas
E me escondi sob a aparência decorosa de um quarentão
Não me recordo exatamente com que intenção
(mas me recordo do ato que ela motivou)
Queimei poemas que guardava irracionalmente há décadas
E fotos antigas mechas de cabelo de namoradas
Pôsteres velhos de inúmeras formações do time do Santos
No degrau do alto deixei toda esperança
Diante de mim há apenas uma coleção de impossibilidades
Construídas e o vazio no próximo passo
3
O tema sagrado por excelência
É o par lembrança e esquecimento
Os homens se esquecem por impiedade
Ou amor a deuses menos austeros
Deus se lembra desses homens e envia seus mensageiros
E os homens lembram rasgam vestes se lamentam
Depois esquecem há outras preocupações
Que sempre crescem quando passam de pastores
A senhores ou servos
E Deus se lembra de seus servos
Envia seu próprio servo
E salva o homem do seu reiterado esquecimento
Tão reiterado que esquece a salvação à vista
E volta atrás na lembrança
nesta crítica aliança
Às vezes nos parece que um silêncio
Pede para ser rompido
Pede um golpe de sinceridade e de alívio
E aí você dá um tapa na perna
E gira a cabeça com o ar de uma cumplicidade
Finalmente encontrada
Mas ela se levanta com um jeito ofendido
E diz algo remoto e inesperado como
desculpe, senhor, mas eu sou um mulher casada
Chove muito em Curitiba
Mas como tudo em Curitiba
Não chove mais como chovia
Antes a chuva batia na terra
Repicando gotas para o alto
Que divisávamos perfeitamente se quiséssemos
E adorávamos
Qualquer uma entre tantas
Sua floração um instante no ar retida
E logo finda
Era-nos permitido andar
Nessa usual miragem
Observar os veios de pequenas correntezas
O pingar mais denso e demorado sob as folhas
Nos riachos que caíam após percorrê-las
Juntando as vertentes que desciam das nervuras
E os cachorros molhados ah o cheiro dos cachorros molhados
A chuva já não é mais assim minuciosa
Tentemos dizer:
Por que para mim tantas coisas são superficiais
Outras incômodas e dolorosas
Outras ainda sublimes profundas maravilhas:
Por que gosto tanto por exemplo de ir ao cinema com Bruno
Por que é tão íntima e relaxante nossa cumplicidade
Nossa vontade doida de comer sushi e sashimi?
Por que me sinto na minha exata estatura
Nem excessivamente excêntrico nem superficial
Ou incomodado ou dolorido
Quando conversa com a Nádia?
Por que me lanço num abismo ao ler a folha
E fico rindo até duas ou três da manhã
Lendo (é só um bom exemplo) Ciro Alegria?
Por que meus sonhos às vezes são insuportáveis quase até à morte
Às vezes neles me abençoa o beijo de um anjo?
Por que não decido se Josilene brinca comigo
Ou me leva terrivelmente à sério
Por que nunca decido se ela é bela?
Está claro que a história geral da humanidade é impossível
É impossível a história geral de um único homem
Dizem as escrituras que Deus olha
Não o que está diante dos olhos
Mas o coração de cada um
Se Deus pode fazer isso com um único homem
É um ser informe e inconcebível
É preferível concordar com Spinoza: Deus sive natura
Mas ele poderia conceber galáxias velhas
Que gelam nos céus inúteis a zero absoluto
Pôde conceber o cheiro da manga madura
Neste específico quintal onde chove etc?
Iluminura
No claustro do teu coração
Que o medo e a solidão fazem menor
A liturgia das horas tange
O tempo do coração
Que oh Deus não passa
Enquanto uma pomba canta em meio ao pátio
E não por ser virtuosa canta
Mas por ser pomba
Como você sabe só um salmo
E o repete
Mas sozinha não está só
Nem sente o medo e o tempo
No amplo céu que é seu e nosso
É por demais acessível a arte
De saber por onde o outro sangra
E mais fácil ainda utilizá-la
Basta a perspicácia natural
De uma criança
Aperfeiçoada ao longo dos anos
Pela natureza intrinsecamente má do homem
Certamente uma dose menor de privação
Um grau mais adequado de liberdade
Face à opressão
Bem como uma menor necessidade
Do homem sentir medo
E sentir-se frágil
Poderiam diminuir o uso quase ilimitado
dessa arte que faz eqüivaler
A palavra vida à aparentemente incongruente
Palavra tragédia
Todavia, esses itens
Nunca são previstos no orçamento
E aqui o raciocínio na verdade
Conclui-se de forma circular
Eu me aproximo para conversar
Mas você quer ouvir a música
Quieta
Eu insinuo um gesto turvo
De sede e de desejo
mass você se cola ao dia
Busca uma claridade
Que ele não tem
Então eu abro um vinho
Mas você teme que eu me torne
Inconveniente
Eu que tenho sido
Quase um gentleman
Os profissionais do copo têm sempre
Na boca amarga
Um riso inesperado e generoso
Um jeito de quem já viveu
Com exatidão indizível
As cento e oito contas
Que formam o universo
O modo de vomitar cortesmente
Sem perder o fio da conversa
Sem deixar de amar trabalhar
Tomar banho
Cuspir no sapato de manhã
Para dar brilho
E raro perdem hora
Quem encontra na vida o gosto
(inda que o último se você insiste)
E consolo (o que não é pouco)
Dorme trabalha poupa
E dá tanto duro quanto um puritano
Ela não tem margens
Nem calçadas para frágeis pedestres
Nem tem propriamente um chão
Onde se pouse os pés doloridos
Generosa abriga a todos
Cruel cada um a seu gosto
Aqui as geometrias falham
Esqueça os cálculos
Nada dá conta da incerteza
Se vale a pena é uma pergunta sem resposta
Se não vale é uma reposta para uma amargura
Às vezes curável com os remédios mais caseiros
Ela não reconhece reis e senhores
Sorri dos espíritos
Dá osteosporose em quem só come salada
Ela é uma mulher que se deseja ardentemente
Mesmo quando você não te ama
Apertando-me nestes ônibus
Rápidos como os pés de Aquiles
(se não me falha a cultura)
Entre o bairro dito Alto
Embora de mais alto haja
Fileiras de sobrados
Colados um ao lado do outro
E coloridos, feito peças de lego,
Até Santa Felicidade
Das pipas de mau vinho
E pior polenta
Embora a cerque arco alto
E preços para todos os gostos
Pois, numa depressão,
Lembremos que o preço permite o gosto
Não digo que sou feliz
Que ninguém é
Mas que vou levando
Subindo a Deodoro até a altura da casa da Anna
Percebo as rachas na parede das lojas
Bem abaixo da propaganda de suas promoções
A encardida chaminé de uma lanchonete
Onde famílias a passeio descansam tomando refri + salgado por dois reais
Sem o brilho dos DVD´s e dos ferros a vapor
Sem a dúbia ânsia que provocam
Suas condições de pagamento
A rua central de minha cidade é melancólica
Se você tiver dinheiro para querer algo no domingo
Ou tiver cartão, vá a um dos shoppings
Lá também há o último filme perfeito sobre nossa imperfeição
Nossos caricaturais maneirismos
Ou jeitos que se dá nas coisas e há outro jeito?
O homem sozinho espanta as moscas
A cerveja é um luxo a que se entrega
Horas a fio na muda contemplação do bar
Do domingo da cidade
Do seu cheiro de mijo e gordura
Sua falta do que não se compreende
Não se busca
Na cidade moderna que se arrancha
E se pensa m sonhos
Almoça antes no Gaúcho por 1,99
Arroz feijão ovo bife e salada
Que nunca falta nada
No prato do previdente ativo
Ou ainda melhor aposentado
Para Anna
Bendita a ordem dos pombos mendicantes
Entre sua sarna e jejum saltam
Atrás de miríficas pipocas
Que o moço no banco
Aquele de camisa branca e calça tropical
Joga entre bocejos
Bendita a ordem dos ordinários saltitantes
Neste domingo ferrenho
Que o sino da igreja matriz tange
Uns tomam éter outros cocaína
O moço pobre joga um real de pipoca para os pombos
Mas poupa os bacons
Nós, velhos, gostamos de amigos velhos
Como gatos que não saem mais de casa
E que não mais descem escada
Como o parceiro que sabe reinventar nosso passado
Adivinhando o que nele mais nos agrada
O que gostaríamos de eternizar
E temos saudades dos remédios antigos
Para os males antigos que tínhamos
Pyramidon para febres benignas
Gelol para entorces contusões que
Como nós sobrevivem nos balcões de farmácias
Buscando as novidades dos vizinhos
E as escondidas bebendo vinho doce
Que o padre, exagerando nossa velhice,
Bebe só servindo-nos a santa comunhão
Seca e sem açúcar
Para Osny
Perdoe-me se falei tanto
Coisas que não lhe diziam nada de importante
Eu sou só um cigarro no quarto escuro
Fazendo relações
Ora divertidas
Ora dolorosas
Ora calmas e cálidas como uma mão amiga
Que ajeita meu corpo no cobertor
E acerta o despertador para as seis
Nossas conversas intermináveis
São conduzidas nesta noite
Pelo maestro Fulanovski
Uma emissão internacional da radio de Moscou
Com as variações singelas
De um compositor
Às vezes com senso de humor
Com as variações sinfônicas
De um compositor singelo
Porém a seu modo
Haverá uma noite abafada
Por exemplo em meio a janeiro
Em que você abrirá a janela buscando ar
E se sentará na poltrona que preferiu por sua longa vida
Embora houvesse sempre mais poltronas disponíveis
Na sala que aos poucos se esvaziava
Você saberia não de uma vez
Perceberá que guardou por tantos e tantos anos
A imagem do tremeluzir do sol
O exato sol amarelo nas calçadas
Digamos de basalto e diabase
Das hoje estreitas ruas do Castelo
Não lembrará o nome das ruas
Você as percorreu um dia
Hoje elas o percorrem
Provocando caimbras que o fazem mais quieto
E o anel de cabelos da amiga na caixinha inalterável
Já não se parecerá com os cabelos que ainda possua
Se é que vive
Mas o rosto de Célia você lembra pouco
É ele que olha o seu
Nos copos sobre a pia
Na água da privada
Na saliva engrossada pelo creme dental
No vôo do avião noturno
Seu refúgio de pulso
Cortando seu pulso
Nossa senhora do destino
A vós é impossível pedir
Que do meu próprio o curso mudes
Que aceitaste o teu disseste sim
Com a paciência a que os pobres são obrigados
Esse orgulho de linhas cruzadas
Que um de nós sempre anteviu
Na dor dos homens e da terra
No barro desse Deus apaixonado
Que desde a primeira saliva
Humana se foi fazendo
Com o amor possível
O ódio santo ou logo cedendo
À graça
Nossa senhora do destino
A Ti consagramos
Frente ao nosso destino
O dom do seu sentido
E da irreprimível esperança
The Swan desliza como pode
Num ebonite de 78 rpm
Em instantes que bastam para o menino
Entrever esses homens
Em perene estado de apaixonamento
Como se não existisse
O que não pudesse ser expressado
A dor cedeu
A febre baixou
A paz se fez
Na alma no corpo no espírito
Amém
Quando você passou levinha
A mão sobre meu rosto
Não vou dizer quem eu amo
Quem eu amo sabe bem
Quantas estrelas cabem no mar Mariano
Nas Minas não tem mar
Quanto mar cabe no céu
Antes que Deus dividisse o mar
e dividisse o homem em dois
Adão e Eva
Adão que sozinho estava só
Então a sagrada companhia da Trindade
Não bastava?
Os ascetas erraram o alto?
Quantos peixinhos cabem no mar
Nádia de olhos verdes
Para nós fomos pai filhos irmãos
Sem tanta santidade
Para nós fomos pão abrigo e às vezes paixão
Eu vinha amassando no bolso do paletó
Tão útil em Curitiba
Uma pasta oitocentista de cigarros e chocolate
Ébrio de vinho e de amor
Uma flor preferida das flores do mal
Entre as páginas de um caderno
Pleno de poemas juvenis
Sem identificar interesses e argumentos
Caminhando meticuloso
Em busca da essência
Do que não sei
Não saberei
Nisto consiste o humano
Quando, diga o professor de economia,
Se consegue ser humano?
Interpretando Tiago
Para Osny
Tiago tenta encontrar Tiago
E para isso se fecha numa casinha em Atibaia
De onde de si não fuja
Como consumado pesquisador
Descreve em ilegível para os outros relatório
Todos os indícios que possam levá-lo a Tiago
E se alegra quanto pode confirmar
Os que julga decisivos na sua fisionomia
Emagrece empalidece cansa-se bravamente
Como implacável funcionário que terá de por na rua
(quando!) Tiago a fazer com acerto tudo o que Tiago quer
Mas todo mundo tem prazos finda o ano fiscal
E de modo aparentemente contraditório
Tiago descansava passando horas cozinhando (bem)
E tomando um vinho francês para ele o melhor
(ele sabe o que diz) congratulando-se pela exitosa faina
que para trazê-lo a si quase o consome
na minha muito menos exigente visão e cosmovisão
quem não tem em si algo de Tiago é um ser absurdo e perigoso
mas Tiago poderia ter um pouco mais de nós
que não lhe faria mal
que é possível ser mais contraditório
e mesmo assim beber vinho francês
e sorrir com todos os dentes
Sandra
Se digo que vou ficar velho
Exatos vinte anos antes de você
Há nisso a dolorosa evidência
Do seu impossivelmente amor
Mas também dogposto de viver
Que possivelmente às vezes
Com carinho terei de passar-lhe
Pinhais
1
No Templo das Águias
Os espíritos sobrevoavam o monte Ebal
Nesta terra de baixios
E de bananais
2
De repente você quer um vinho doce
Que vai fazer frango com nhoque no domingo
E percebo que você envelhece
E que há muito gosto dos seus almoços
3
Como uma pétala cai inutilmente
Como uma pétala cai sobre nossa perplexidade
E nossa inutilidade
Em Hiroshima
4
Um beija – flor bebeu um gole
Da caninha Sapupara que a Anna me trouxe de Fortaleza
Eu sabia que a Anna e eu gostamos de cachaça
Mas beija – flor? que bicho fino
5
Ande sempre certo na contra – mão
E deixe que papai se perca na multidão
6
Você sabe, os psicanalistas gostam de polemizar
A poeira suspensa no raio de luz
Que da janela pousa na cama
Onde agora abres os olhos
Participa da compenetração da infância
Que por favor não percas
No numeroso silêncio do shopping
Onde você passeia seu laissez – faire
O branco luz em cúpulas sem luz
Escadas rolam
Com fast – foods de tudo
O amor escorre entre os dedos
Volta ao profundo mar
De onde por um minuto veio
O amor é sempre exato
Como dois são um e um separados
Até a próxima onda
Quando tento viver
A vida me falseia
Eu sou eu que me traio
E vivo uma vida paralela
Ignorante do turvo curvo
Do rio entre as suas margens
Me quero lago profundo
Fincado em vale imemorial
Me quero nuvem peixes silêncio
Entre gerações que refletirão
Seu rosto em minhas águas
Mas enquanto rio estou aqui
E logo adiante
E sem conformar-me a mim
Nunca estou comigo
Nunca estou contente
para Nádia
Duas ou três coisas falamos
Duas ou três calamos
Às vezes bebendo um vinho
No centro da nossa aldeia
Nos limites tribais
Dos nossos espíritos e dos nossos cultos
Das nossas paixões e das nossas acomodações
Do que veio e do que passou
Igor Zanoni Carneiro Leão
igorzaleao[arroba]yahoo.com.br
Curitiba, julho de 2006-07-28
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|