Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Catálogo de Poemas (página 3)

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão
Partes: 1, 2, 3

Nas palavras que se atualizam

Quase sozinhas

Entre os bons dias e as crônicas

Que se lêem no barbeiro

A tabela de classificação dos times

Como outrora se lia

O horário de chegada dos paquetesno caminho das palavras

Se fez uma via crucis

Mas uma menina faz planos

Para a festa de aniversário

2

Pilhas pulseiras consertos

Em geral com garantias

Se você conseguir afinal

Desligar o computador da nave

Singrará precisando re-significar

Seu alimento

Seu amor

Sem roteiro música incidental

Talvez sem companhia

E sem felicidade

Você tentará subir a montanha

Plantar uma cerejeira

Quem sabe estudar psicanálise

Ou exegese neotestamentário

Isso é com você

Que muito provavelmente

Não se converterá em super-homem

Mas dará uma contribuição originária

Ao termo ser humano

Sem a qual

O computador da nave religa-se

Automaticamente

Com seus juke boxes de cafés tristes

Sua atômica irreligião

Seus fliperamas dilacerando

As mornas margens do Eufrates

Seu coração ceifado

À queima-roupa

Você pronuncia sobre mim axiomas suficientes

Para deduzir a soma dos meu ângulos

A menor distância para manter-me longe

E seu rosto inóspito a fala concisa

Um depoimento completo

De uma realidade imperfeita

Minha mecânica celeste

Que você precisa por para funcionar

Dando corda como num despertador

Que gostaria de parar por aí

Toda hora de falar contigo

Se fez um momento cerimonial

E no entanto íntimo

No qual não sei se te agradeço

Ou te peço

Se me sinto feliz ou assustado

Sei que sou um menino

Cuja hora de dormir já passou

Que espera o beijo íntimo

E cerimonial do pai

Para saber que a vida pode seguir

Que é lícito dormir bem

Que as dores passam

E se não passam

passassem

Como eu me identifico com meu gato

Enfim tornei-me um gato

Capaz de não gastar energia à toa

Quieto em frente à tevê

Feliz por não entender demais

O que se passa em volta

Também por não entender a tevê

Por não precisar beber

Nem torcer por um time de futebol

Talvez eu seja um gato com valores ultrapassados

Um gato ortodoxo

Que rói sua fome como pode

E é tremendamente imune a germes

Mais do que os médicos e os mendigos

Mas como eles tem suas regras

Seu juramento de ser sempre um gato

Só um gato

E por isso não dar satisfação

Quando a vida selvagem sobrevivente no bairro

Chama por sobre os muros e os quintais

E elegantemente lambe os pelos

E se manda

Ale

Quando ela ia à Igreja

Seu pai andava com um carro novo

Sua mãe não sumia de casa

Desde sexta com amigas

Quando ela ia à Igreja

Agora está só no apartamento

Paga todo o aluguel

Há umas cenouras na gaveta da geladeira

Fará bolo com calda de açucar queimado

E verá o final do fantástico

A avenida é recortada pelos ônibus vermelhos

Amarelos cinzas

Ela sabe para onde cada um vai

Essa cidade como sua alma

Sua palma

Imenso feriado que se passa

Ansiando descansar

Um princípio de gastrite

Pernas à toa

Moça como qualquer uma

Sem caminho de casa

Esta rosa é de um jardim que já não existe

Fresca e rubra nasce

Como um beijo desejado mas não esperado

No sonho

Na noite

Quando todos dormem

Quando durmo

O homem curvado sobre a estante

Lê escreve faz cálculos

Mas a rosa nasce

Espera a noite

Ferina víbora

Beija e foge

Deixando no corpo o emblema rubro

Do desejo

1º dia de outono

1

Era um homem grande, alto, um polacão

Sentado circunspecto ao meu lado

Se bem invadissem um pouco meu espaço no banco

Suas sacolas do Mercadorama

Viajou calado os olhos quase fechados atrás dos óculos grossos

A camisa limpa a barba feita os sapatos novos

Do Centro ao Bairro Alto

Acho que não moveu uma pálpebra uma perna uma sacola

Ao chegarmos pediu desculpas exageradas ao motorista

Por qualquer coisa

Encontrou a porta do ônibus e continuou viajando

Com destino de casa

2

Certas coisas não se dizem

Certas coisas não se fazem

Penduradas na ponta do gesto

Mantemos o decoro

Dos corações vazios

Gritando em uníssono

Seu suspense

Porque quem sabe um momento

As palavras e os gestos impróprios

Façam seu jogo

Esperando um golpe de sorte

Quem sabe desta vez

A banca não vença

Cansado

1

Como acontece com todo mundo

Você se foi com razões plausíveis

Com a dignidade ferida

Queimando na saída fotos cartas

Tudo que era um passado

Que devia ser apagado

Mas nenhum passado se apaga

Nem para mim querida e antiga amiga

Todavia não se deve andar sobre passos dados

É ruim voltar atrás

Ninguém perdoa

Todos querem cobrar o seu tributo

Das aflições vividas

Lágrimas escondidas e depois às claras

Geralmente no amor há pouca elegância

2

Ela está sozinha em seu quarto se olhando no espelho do teto

E o caleidoscópio dos dias é colorido e brilhante

Mas não faz sentido

Por que as coisas devem ter sentido?

Essa é uma pretensão da razão

Um apelo pungente feito ao destino

Quando se está infeliz

Segue os dias domingo é dia de feira

Segunda o trabalho recomeça

E as pessoas em volta vivem com a mesma precária humanidade

Que partilhamos

Não tente ser a garota da Nova

Também não pense em bobagens

A esperança é um dever

Tão necessário como comer e tomar banho

É difícil viver em tempos

Em que se é obrigado a pensar tanto e em tudo

Pensar está longe de ser um alegre passatempo

Quando se procura a própria originariedade

Em tempos para os quais você não conta

A menos que você seja astuto

Conheça o caminho das pedras dos ardis

E percorra os segredos da arte de ganhar o jogo

Tudo isso é antigo sob o sol

Tudo isso é vão

Mas se você for calmo e profundo

Se de vez em quando rolar entre as corredeiras espumantes

Se você for uma pedra que role às vezes e não se importar

Com o cego tumulto do mundo

Se você se tornar uma ponte sobre as águas turbulentas

Feita do que em você não se esvaneceu

Sem negar sem abandonar sem trair

Sente agora o cheiro das violetas e das rosas de amanhã

Veja o reflexo da aurora no leste longínquo e escuro

Conte com a benção de contar consigo

E não deixe só quem o chamar amigo

1

Deus cuida dos que bebem e dos que não tem juízo

Logo, cuidará de mim duplamente

2

Primeiro guardei sob a escada meu estojo de pintura

Com o qual ganhei um prêmio do Mappin

(o desenho era o de uma menina doente sentada na cama

visitado por um passarinho no beiral da janela)

Depois deixei num dos primeiros degraus da escada

Meus livros prediletos: Robbin Hood, a história de Joana D´Arc,

A Cabana do Pai Tomás, Ivanhoé

Num vão acima perdi não sei como o amor de minha vida

(hoje não se usa mais essa expressão, mas se usava e eu uso)

E segui com outros amores mas não aquele

Degraus acima quebrei o espelho no qual meu rosto formava rugas

E me escondi sob a aparência decorosa de um quarentão

Não me recordo exatamente com que intenção

(mas me recordo do ato que ela motivou)

Queimei poemas que guardava irracionalmente há décadas

E fotos antigas mechas de cabelo de namoradas

Pôsteres velhos de inúmeras formações do time do Santos

No degrau do alto deixei toda esperança

Diante de mim há apenas uma coleção de impossibilidades

Construídas e o vazio no próximo passo

3

O tema sagrado por excelência

É o par lembrança e esquecimento

Os homens se esquecem por impiedade

Ou amor a deuses menos austeros

Deus se lembra desses homens e envia seus mensageiros

E os homens lembram rasgam vestes se lamentam

Depois esquecem há outras preocupações

Que sempre crescem quando passam de pastores

A senhores ou servos

E Deus se lembra de seus servos

Envia seu próprio servo

E salva o homem do seu reiterado esquecimento

Tão reiterado que esquece a salvação à vista

E volta atrás na lembrança

nesta crítica aliança

Às vezes nos parece que um silêncio

Pede para ser rompido

Pede um golpe de sinceridade e de alívio

E aí você dá um tapa na perna

E gira a cabeça com o ar de uma cumplicidade

Finalmente encontrada

Mas ela se levanta com um jeito ofendido

E diz algo remoto e inesperado como

  • desculpe, senhor, mas eu sou um mulher casada

Chove muito em Curitiba

Mas como tudo em Curitiba

Não chove mais como chovia

Antes a chuva batia na terra

Repicando gotas para o alto

Que divisávamos perfeitamente se quiséssemos

E adorávamos

Qualquer uma entre tantas

Sua floração um instante no ar retida

E logo finda

Era-nos permitido andar

Nessa usual miragem

Observar os veios de pequenas correntezas

O pingar mais denso e demorado sob as folhas

Nos riachos que caíam após percorrê-las

Juntando as vertentes que desciam das nervuras

E os cachorros molhados ah o cheiro dos cachorros molhados

A chuva já não é mais assim minuciosa

Tentemos dizer:

Por que para mim tantas coisas são superficiais

Outras incômodas e dolorosas

Outras ainda sublimes profundas maravilhas:

Por que gosto tanto por exemplo de ir ao cinema com Bruno

Por que é tão íntima e relaxante nossa cumplicidade

Nossa vontade doida de comer sushi e sashimi?

Por que me sinto na minha exata estatura

Nem excessivamente excêntrico nem superficial

Ou incomodado ou dolorido

Quando conversa com a Nádia?

Por que me lanço num abismo ao ler a folha

E fico rindo até duas ou três da manhã

Lendo (é só um bom exemplo) Ciro Alegria?

Por que meus sonhos às vezes são insuportáveis quase até à morte

Às vezes neles me abençoa o beijo de um anjo?

Por que não decido se Josilene brinca comigo

Ou me leva terrivelmente à sério

Por que nunca decido se ela é bela?

Está claro que a história geral da humanidade é impossível

É impossível a história geral de um único homem

Dizem as escrituras que Deus olha

Não o que está diante dos olhos

Mas o coração de cada um

Se Deus pode fazer isso com um único homem

É um ser informe e inconcebível

É preferível concordar com Spinoza: Deus sive natura

Mas ele poderia conceber galáxias velhas

Que gelam nos céus inúteis a zero absoluto

Pôde conceber o cheiro da manga madura

Neste específico quintal onde chove etc?

Iluminura

No claustro do teu coração

Que o medo e a solidão fazem menor

A liturgia das horas tange

O tempo do coração

Que oh Deus não passa

Enquanto uma pomba canta em meio ao pátio

E não por ser virtuosa canta

Mas por ser pomba

Como você sabe só um salmo

E o repete

Mas sozinha não está só

Nem sente o medo e o tempo

No amplo céu que é seu e nosso

É por demais acessível a arte

De saber por onde o outro sangra

E mais fácil ainda utilizá-la

Basta a perspicácia natural

De uma criança

Aperfeiçoada ao longo dos anos

Pela natureza intrinsecamente má do homem

Certamente uma dose menor de privação

Um grau mais adequado de liberdade

Face à opressão

Bem como uma menor necessidade

Do homem sentir medo

E sentir-se frágil

Poderiam diminuir o uso quase ilimitado

dessa arte que faz eqüivaler

A palavra vida à aparentemente incongruente

Palavra tragédia

Todavia, esses itens

Nunca são previstos no orçamento

E aqui o raciocínio na verdade

Conclui-se de forma circular

Eu me aproximo para conversar

Mas você quer ouvir a música

Quieta

Eu insinuo um gesto turvo

De sede e de desejo

mass você se cola ao dia

Busca uma claridade

Que ele não tem

Então eu abro um vinho

Mas você teme que eu me torne

Inconveniente

Eu que tenho sido

Quase um gentleman

Os profissionais do copo têm sempre

Na boca amarga

Um riso inesperado e generoso

Um jeito de quem já viveu

Com exatidão indizível

As cento e oito contas

Que formam o universo

O modo de vomitar cortesmente

Sem perder o fio da conversa

Sem deixar de amar trabalhar

Tomar banho

Cuspir no sapato de manhã

Para dar brilho

E raro perdem hora

Quem encontra na vida o gosto

(inda que o último se você insiste)

E consolo (o que não é pouco)

Dorme trabalha poupa

E dá tanto duro quanto um puritano

Ela não tem margens

Nem calçadas para frágeis pedestres

Nem tem propriamente um chão

Onde se pouse os pés doloridos

Generosa abriga a todos

Cruel cada um a seu gosto

Aqui as geometrias falham

Esqueça os cálculos

Nada dá conta da incerteza

Se vale a pena é uma pergunta sem resposta

Se não vale é uma reposta para uma amargura

Às vezes curável com os remédios mais caseiros

Ela não reconhece reis e senhores

Sorri dos espíritos

Dá osteosporose em quem só come salada

Ela é uma mulher que se deseja ardentemente

Mesmo quando você não te ama

Apertando-me nestes ônibus

Rápidos como os pés de Aquiles

(se não me falha a cultura)

Entre o bairro dito Alto

Embora de mais alto haja

Fileiras de sobrados

Colados um ao lado do outro

E coloridos, feito peças de lego,

Até Santa Felicidade

Das pipas de mau vinho

E pior polenta

Embora a cerque arco alto

E preços para todos os gostos

Pois, numa depressão,

Lembremos que o preço permite o gosto

Não digo que sou feliz

Que ninguém é

Mas que vou levando

Subindo a Deodoro até a altura da casa da Anna

Percebo as rachas na parede das lojas

Bem abaixo da propaganda de suas promoções

A encardida chaminé de uma lanchonete

Onde famílias a passeio descansam tomando refri + salgado por dois reais

Sem o brilho dos DVD´s e dos ferros a vapor

Sem a dúbia ânsia que provocam

Suas condições de pagamento

A rua central de minha cidade é melancólica

Se você tiver dinheiro para querer algo no domingo

Ou tiver cartão, vá a um dos shoppings

Lá também há o último filme perfeito sobre nossa imperfeição

Nossos caricaturais maneirismos

Ou jeitos que se dá nas coisas e há outro jeito?

O homem sozinho espanta as moscas

A cerveja é um luxo a que se entrega

Horas a fio na muda contemplação do bar

Do domingo da cidade

Do seu cheiro de mijo e gordura

Sua falta do que não se compreende

Não se busca

Na cidade moderna que se arrancha

E se pensa m sonhos

Almoça antes no Gaúcho por 1,99

Arroz feijão ovo bife e salada

Que nunca falta nada

No prato do previdente ativo

Ou ainda melhor aposentado

Para Anna

Bendita a ordem dos pombos mendicantes

Entre sua sarna e jejum saltam

Atrás de miríficas pipocas

Que o moço no banco

Aquele de camisa branca e calça tropical

Joga entre bocejos

Bendita a ordem dos ordinários saltitantes

Neste domingo ferrenho

Que o sino da igreja matriz tange

Uns tomam éter outros cocaína

O moço pobre joga um real de pipoca para os pombos

Mas poupa os bacons

Nós, velhos, gostamos de amigos velhos

Como gatos que não saem mais de casa

E que não mais descem escada

Como o parceiro que sabe reinventar nosso passado

Adivinhando o que nele mais nos agrada

O que gostaríamos de eternizar

E temos saudades dos remédios antigos

Para os males antigos que tínhamos

Pyramidon para febres benignas

Gelol para entorces contusões que

Como nós sobrevivem nos balcões de farmácias

Buscando as novidades dos vizinhos

E as escondidas bebendo vinho doce

Que o padre, exagerando nossa velhice,

Bebe só servindo-nos a santa comunhão

Seca e sem açúcar

Para Osny

Perdoe-me se falei tanto

Coisas que não lhe diziam nada de importante

Eu sou só um cigarro no quarto escuro

Fazendo relações

Ora divertidas

Ora dolorosas

Ora calmas e cálidas como uma mão amiga

Que ajeita meu corpo no cobertor

E acerta o despertador para as seis

Nossas conversas intermináveis

São conduzidas nesta noite

Pelo maestro Fulanovski

Uma emissão internacional da radio de Moscou

Com as variações singelas

De um compositor

Às vezes com senso de humor

Com as variações sinfônicas

De um compositor singelo

Porém a seu modo

Haverá uma noite abafada

Por exemplo em meio a janeiro

Em que você abrirá a janela buscando ar

E se sentará na poltrona que preferiu por sua longa vida

Embora houvesse sempre mais poltronas disponíveis

Na sala que aos poucos se esvaziava

Você saberia não de uma vez

Perceberá que guardou por tantos e tantos anos

A imagem do tremeluzir do sol

O exato sol amarelo nas calçadas

Digamos de basalto e diabase

Das hoje estreitas ruas do Castelo

Não lembrará o nome das ruas

Você as percorreu um dia

Hoje elas o percorrem

Provocando caimbras que o fazem mais quieto

E o anel de cabelos da amiga na caixinha inalterável

Já não se parecerá com os cabelos que ainda possua

Se é que vive

Mas o rosto de Célia você lembra pouco

É ele que olha o seu

Nos copos sobre a pia

Na água da privada

Na saliva engrossada pelo creme dental

No vôo do avião noturno

Seu refúgio de pulso

Cortando seu pulso

Nossa senhora do destino

A vós é impossível pedir

Que do meu próprio o curso mudes

Que aceitaste o teu disseste sim

Com a paciência a que os pobres são obrigados

Esse orgulho de linhas cruzadas

Que um de nós sempre anteviu

Na dor dos homens e da terra

No barro desse Deus apaixonado

Que desde a primeira saliva

Humana se foi fazendo

Com o amor possível

O ódio santo ou logo cedendo

À graça

Nossa senhora do destino

A Ti consagramos

Frente ao nosso destino

O dom do seu sentido

E da irreprimível esperança

The Swan desliza como pode

Num ebonite de 78 rpm

Em instantes que bastam para o menino

Entrever esses homens

Em perene estado de apaixonamento

Como se não existisse

O que não pudesse ser expressado

A dor cedeu

A febre baixou

A paz se fez

Na alma no corpo no espírito

Amém

Quando você passou levinha

A mão sobre meu rosto

Não vou dizer quem eu amo

Quem eu amo sabe bem

Quantas estrelas cabem no mar Mariano

Nas Minas não tem mar

Quanto mar cabe no céu

Antes que Deus dividisse o mar

e dividisse o homem em dois

Adão e Eva

Adão que sozinho estava só

Então a sagrada companhia da Trindade

Não bastava?

Os ascetas erraram o alto?

Quantos peixinhos cabem no mar

Nádia de olhos verdes

Para nós fomos pai filhos irmãos

Sem tanta santidade

Para nós fomos pão abrigo e às vezes paixão

Eu vinha amassando no bolso do paletó

Tão útil em Curitiba

Uma pasta oitocentista de cigarros e chocolate

Ébrio de vinho e de amor

Uma flor preferida das flores do mal

Entre as páginas de um caderno

Pleno de poemas juvenis

Sem identificar interesses e argumentos

Caminhando meticuloso

Em busca da essência

Do que não sei

Não saberei

Nisto consiste o humano

Quando, diga o professor de economia,

Se consegue ser humano?

Interpretando Tiago

Para Osny

Tiago tenta encontrar Tiago

E para isso se fecha numa casinha em Atibaia

De onde de si não fuja

Como consumado pesquisador

Descreve em ilegível para os outros relatório

Todos os indícios que possam levá-lo a Tiago

E se alegra quanto pode confirmar

Os que julga decisivos na sua fisionomia

Emagrece empalidece cansa-se bravamente

Como implacável funcionário que terá de por na rua

(quando!) Tiago a fazer com acerto tudo o que Tiago quer

Mas todo mundo tem prazos finda o ano fiscal

E de modo aparentemente contraditório

Tiago descansava passando horas cozinhando (bem)

E tomando um vinho francês para ele o melhor

(ele sabe o que diz) congratulando-se pela exitosa faina

que para trazê-lo a si quase o consome

na minha muito menos exigente visão e cosmovisão

quem não tem em si algo de Tiago é um ser absurdo e perigoso

mas Tiago poderia ter um pouco mais de nós

que não lhe faria mal

que é possível ser mais contraditório

e mesmo assim beber vinho francês

e sorrir com todos os dentes

Sandra

Se digo que vou ficar velho

Exatos vinte anos antes de você

Há nisso a dolorosa evidência

Do seu impossivelmente amor

Mas também dogposto de viver

Que possivelmente às vezes

Com carinho terei de passar-lhe

Pinhais

1

No Templo das Águias

Os espíritos sobrevoavam o monte Ebal

Nesta terra de baixios

E de bananais

2

De repente você quer um vinho doce

Que vai fazer frango com nhoque no domingo

E percebo que você envelhece

E que há muito gosto dos seus almoços

3

Como uma pétala cai inutilmente

Como uma pétala cai sobre nossa perplexidade

E nossa inutilidade

Em Hiroshima

4

Um beija – flor bebeu um gole

Da caninha Sapupara que a Anna me trouxe de Fortaleza

Eu sabia que a Anna e eu gostamos de cachaça

Mas beija – flor? que bicho fino

5

Ande sempre certo na contra – mão

E deixe que papai se perca na multidão

6

Você sabe, os psicanalistas gostam de polemizar

A poeira suspensa no raio de luz

Que da janela pousa na cama

Onde agora abres os olhos

Participa da compenetração da infância

Que por favor não percas

No numeroso silêncio do shopping

Onde você passeia seu laissez – faire

O branco luz em cúpulas sem luz

Escadas rolam

Com fast – foods de tudo

O amor escorre entre os dedos

Volta ao profundo mar

De onde por um minuto veio

O amor é sempre exato

Como dois são um e um separados

Até a próxima onda

Quando tento viver

A vida me falseia

Eu sou eu que me traio

E vivo uma vida paralela

Ignorante do turvo curvo

Do rio entre as suas margens

Me quero lago profundo

Fincado em vale imemorial

Me quero nuvem peixes silêncio

Entre gerações que refletirão

Seu rosto em minhas águas

Mas enquanto rio estou aqui

E logo adiante

E sem conformar-me a mim

Nunca estou comigo

Nunca estou contente

para Nádia

Duas ou três coisas falamos

Duas ou três calamos

Às vezes bebendo um vinho

No centro da nossa aldeia

Nos limites tribais

Dos nossos espíritos e dos nossos cultos

Das nossas paixões e das nossas acomodações

Do que veio e do que passou

 

 

 

 

Igor Zanoni Carneiro Leão

igorzaleao[arroba]yahoo.com.br

Curitiba, julho de 2006-07-28

Partes: 1, 2, 3


 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.