Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


A aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica inversa na execução de alimentos à luz do novo código de processo civil (página 2)


Partes: 1, 2, 3

A teoria da desconsideração da personalidade inversa aparece no ordenamento jurídico por equiparação encontrando respaldo também no Código Civil de 2002, mas, como maior abrangência pela doutrina e jurisprudência que tem entendido a possibilidade de sua aplicação.

Após a efetivação da teoria do levantamento do véu no ordenamento jurídico, coube à doutrina, ante a ausência de previsões processuais expressas, debater e oferecer mecanismos adequados que pudessem permitiria a aplicação do instituto, embora tenham existido projetos de lei, até os dias atuais inexiste previsão processual acerca do procedimento de desconsideração.

A jurisprudência e a doutrina serão utilizadas como método de documentação, pois a análise de casos concretos, a exemplo da análise de jurisprudência na realidade dos problemas atuais a incidirá na realidade dos problemas a serem discutidos e posteriormente solucionados.

As razões que motivaram a escolha da abordagem do tema se deram após identificar as controvérsias e amplitude da matéria, uma vez que é muito utilizada pela nossa justiça, na maioria dos processos de execução contra pessoas jurídicas, seja por créditos civis, trabalhistas ou tributários. Entretanto, a abordagem ser dará no campo do Direito de Família, na execução de alimentos, que vem ganhando força através da aplicação da teoria de forma inversa.

A forma inversa da disregard doctrine se associa com o ponto central deste trabalho, pois é esta a forma mais apropriada de dificultar o mau uso da pessoa jurídica nas relações familiares, dado que nestes casos ela é utilizada para encobrir a fraude. Ocorre que, através do irregular exercício da autonomia patrimonial da pessoa jurídica é possível que um dos cônjuges transfira bens pertencentes à sociedade conjugal à sociedade empresária da qual ele é sócio.

Apesar de o tema ter sido bastante debatido pelo Poder Judiciário ao longo dos anos, não se encontra entendimento homogêneo, sendo a regulamentação do instituto uma possível solução para minimizar os problemas enfrentados nos processos judiciais em curso.

O estudo ainda se justifica em razão da necessidade de maior trato e análise processual do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, visto que a controvérsia atinente à dispensabilidade ou obrigatoriedade de uma ação própria para decretação do levantamento do véu permitindo o posterior alcance aos bens dos sócios, continuam sendo debatidas na doutrina.

O problema de pesquisa se deu ao se questionar como o credor de alimentos terá seu crédito satisfeito, caso necessite recorrer à teoria da desconsideração da personalidade jurídica? O novo Código de Processo Civil aborda o tema? E como se dará o procedimento?

O objetivo geral é demonstrar os aspectos processuais da disregard doctrine e, levantando as modificações previstas no Novo Código de Processo Civil, limitando-se a explicar as questões processuais que envolvem o tema, abordando questões sobre a legitimidade para a propositura da medida, o ônus probatório, as diversas correntes existentes quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica à luz da atual sistemática processual.

Dessa forma este trabalho de Conclusão de Curso busca, assim, compreender a teoria da desconsideração, sob seus aspectos materiais e processuais a fim de auxiliar na melhor compreensão do fato, sendo dividida em 03 (três) capítulos.

No primeiro capítulo será abordada a origem histórica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com a narração dos principais citações doutrinárias que tornaram a teoria conhecida no Brasil. Em seguida será feita uma análise da previsão legislativa do instituto, com a evolução da teoria, a partir do Código Civil de 2002, até a vigência os dias atuais, feito isto, serão abordadas as formas de aplicação da teoria com seus critérios objetivos e subjetivos atinentes a sua aplicação. No segundo capítulo, será analisada a questão no ponto de vista dos alimentos e na sua forma inversa de aplicação.

A partir do direcionamento da execução para a pessoa dos sócios, e na forma inversa para que se atinja o patrimônio da empresa. Sua natureza processual também será explanado acerca da possibilidade, visto que no nosso ordenamento Jurídico não há previsão processual, se utilizando do entendimento dos magistrados para resolver a demanda processual.

Por fim, no terceiro capítulo será feita uma análise e previsão do instituto, no Projeto do Novo Código de Processo Civil, abordando aspectos negativos e positivos. Isto porque, atualmente, apesar do ordenamento jurídico brasileiro consagrar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em diversos diplomas legislativos especiais, como o Código de Defesa do Consumidor, assim como na lei geral civil, não traz previsão na legislação processual Civil acerca do procedimento.

A intenção do Novo Código de Processo Civil é positivar o que vem sendo utilizado na prática do Judiciário, trazendo a tal esperada previsão procedimental para utilização correta do instituto.

1 PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS ASPECTOS

O presente capítulo trata do surgimento da pessoa jurídica, apresentando a teoria da desconsideração da personalidade Jurídica e tratando, sobretudo da possibilidade de aplicabilidade do instituto da Desconsideração da personalidade Jurídica, bem como sua previsão legal no ordenamento Jurídico e suas hipóteses de cabimento.

1.1 Surgimento da pessoa Jurídica

Inicialmente, importante caracterizar historicamente que o surgimento do comércio está intimamente ligado com a evolução do homem, uma vez que para prover sua subsistência, mantinha relações negociais de troca, venda, empréstimos, o que caracterizava ainda que involuntariamente e sem compreender, uma transação comercial. Além de não haver mercadorias propriamente dita e mesmo vivendo da coleta e da caça, as sociedades primitivas, realizavam negociações comerciais, a exemplo da troca, o que fora por muito tempo utilizada com a única forma de realização do comércio.

Ao longo do desenvolvimento das sociedades, o homem promoveu uma série de evoluções mercantis, dentre essas estavam à criação de mecanismos comerciais para facilitar o fluxo de mercadorias e para uma melhor segurança nesse sentido então, foram produzidas as moedas, bancos, as financeiras, bolsas de valores entre outras. O comércio sempre exerceu uma colaboração muito importante nas sociedades, principalmente proveniente da necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar as relações mercantis, melhorava-se também, a comunicação dos povos.

Não se pode negar a importância da pessoa jurídica no desenvolvimento econômico, científico, cultural e social experimentado pelo mundo atual.  A contribuição da pessoa jurídica foi muito bem observada por VENOSA (2003, p. 250-251), que assim clarifica: 

O século XX, podemos dizer, foi o século da pessoa jurídica. Desde então, pouquíssimas atividades da sociedade são desempenhadas pelo homem como pessoa natural. A pessoa jurídica, da mais singela à mais complexa, imiscui-se na vida de cada um, até mesmo na vida privada. Sentimos um crescimento exacerbado da importância das pessoas jurídicas. Modernamente, o peso da economia conta-se pela potencialidade das pessoas jurídicas, que transcendem o próprio Estado e se tornam supranacionais naquelas empresas que se denominam "multinacionais".

No tocante ao tema, COELHO (2009.p 27), explica que para o professor André Santa Cruz, que o comércio existe desde a Idade Antiga, e que dentre estes povos antigos, os fenícios, destacaram-se no exercício dessa atividade. No entanto, nesse período histórico ainda não se pode falar na existência de um direito comercial, com regras e princípios próprios.

O comércio para este povos antigos baseavam-se em escambos, trocas de mercadorias equivalente umas as outras, enriquecendo assim, as relações de consumo. Isto, porque após longos anos de exploração destas atividades mercantis, a sociedade entendeu que não se podia perder os laços firmados por essas relações, pelo contrário, tais relações tinham um cunho essencial para a subsistência e perpetuação da sociedade. A respeito disso o doutrinador André Santa Cruz, relata que:

Ocorre que na Idade Media não havia ainda um poder político central forte, capaz de impor regras gerais e aplicá-las a todos. O poder político era altamente descentralizado, o que fez surgir uma serie de "direitos locais" nas diversas regiões da Europa. Em contrapartida, ganhava forca o Direito Canônico, que repudiava o lucro e não atendia, portanto, aos interesses da classe burguesa que se formava e ganhava forca. Essa classe burguesa, os chamados comerciantes ou mercadores, tiveram então que se organizar e construir o seu próprio "direito", a ser aplicado nos diversos conflitos que passaram a eclodir com a efervescência da atividade mercantil que se observava, após décadas de estagnação do comercio. As regras do direito comercial foram surgindo, pois, da própria dinâmica da atividade negocial. (SANTA CRUZ. 2009.p.28).

Com o intuito de criar regras para o bom funcionamento mercantil, tornou-se necessário que os comerciantes buscassem formas de melhorar e trazer segurança as relações financeiras, o que segundo, VERÇOSA (2004.p.30-31.), afirma que "A engenhosidade dos comerciantes levou a criação de diversos institutos comerciais típicos, entre os quais avulta a letra de cambio".

O comercio foi se intensificando progressivamente, sobretudo em função das feiras e dos navegadores. O sistema de jurisdição especial mencionado no tópico antecedente, surgido e desenvolvido nas cidades italianas, difunde-se por toda a Europa, chegando a países como Franca, Inglaterra, Espanha e Alemanha (nessa época ainda um Estado não unificado) (SANTA CRUZ. 2009. P.31).

Segundo o professor SANTA CRUZ (2009. p.28). "Nesta fase, o direito comercial regularia, portanto, as relações jurídicas que envolvessem a pratica de alguns atos definidos em lei como atos de comercio. Não envolvendo a relação a pratica destes atos, seria ela regida pelas normas do Código Civil."

Era necessário que fosse criado um parâmetro que norteasse a sociedade em relação aos direitos e deveres das relações jurídico-mercantis fundadas em aspectos relevantes, pertinentes a atividades específicas de cada transação comercial, que trouxesse controle e segurança aos que desenvolvem tais atividades.

A noção do direito comercial fundada exclusiva ou preponderantemente na figura dos atos de comercio, com o passar do tempo, mostrou-se uma noção totalmente ultrapassada, já que a efervescência do mercado, sobretudo apos a Revolução Industrial, acarretou o surgimento de diversas outras atividades econômicas relevantes, e muitas delas não estavam compreendidas no conceito de "ato de comercio" ou de "mercancia". Em 1942, ou seja, mais de um século apos a edição da codificação napoleônica, a Itália edita um novo Código Civil, trazendo enfim um novo sistema delimitador da incidência do regime jurídico comercial: a teoria da empresa Esta teoria "pretende a transposição para o mundo jurídico de um fenômeno que e socioeconômico a empresa como centro fomentador do comercio, como sempre foi, mas com um colorido com o qual nunca foi vista.. (HENTZ. L. Ano 2002). (SANTA CRUZ. 2009.p.38).

Dessa forma, a partir das observações feitas acima, verifica-se que as bases históricas da afirmação do direito comercial/empresarial como ramo jurídico independente e autônomo, pode-se conceituá-lo, em síntese, como o regime jurídico especial destinado a regulação das atividades econômicas e dos seus agentes produtivos.

Nesse sentido, na qualidade de regime jurídico especial, segundo o doutrinador SANTA CRUZ (2009.p 40), contempla todo um conjunto de normas especificas que se aplicam aos agentes econômicos, hoje chamados de empresários (empresários individuais e sociedades empresárias).

O Código Civil não definiu diretamente o que vem a ser empresa, mas estabeleceu o conceito de empresário, que esta previsto no seu art. 966, o qual dispõe que "considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços " O conceito de empresário acima transcrito pode-se estabelecer, logicamente, que empresa e uma atividade econômica organizada com a finalidade de fazer circular ou produzir bens ou serviços. Empresa e, portanto, atividade, algo abstrato Empresário, por sua vez, e quem exerce empresa. Assim, a empresa não e sujeito de direito Quem e sujeito de direito e o titular da empresa Melhor dizendo, sujeito de direito e quem exerce empresa, ou seja, o empresário, que pode ser pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresaria). (SANTA CRUZ, 2009. p 56/57).

Nota-se, portanto que, a empresa pode ser explorada pela pessoa física ou jurídica, sendo apontado no primeiro caso o exercente da atividade econômica, denominado empresário individual.

Após tratar neste capítulo do surgimento da pessoa jurídica, abordando a inserção do tema no ordenamento jurídico, e sua conceituação, faz-se necessário o aprofundamento quanto à natureza Jurídica do referido instituto, apresentando a sua importância no ordenamento jurídico.

1.1.2 Natureza Jurídica

Tratando-se da natureza Jurídica da pessoa Jurídica, o Código Civil de 2002, trouxe entendimento amplo em relação à personalidade Jurídica, podendo-se dizer que a personalidade jurídica é uma criação do Direito, para que o indivíduo seja considerado pessoa, e, portanto, tenha direitos e obrigações.

Afirmar a natureza jurídica de algo é, em linguagem simples, responder à pergunta: "que é isso para o direito?". Nesse diapasão, indaga-se: qual seria a natureza da pessoa jurídica? Em que categoria do direito enquadra-se esse ente? Quais as suas teorias explicativas? (STOLZE. 2011.p. 225)

É por demais polêmica a conceituação da natureza da pessoa jurídica, dela tendo-se ocupado juristas de todas as Épocas e de todos os campos do direito. Como diz Francisco Ferrara, com frequência o problema dessa conceituação vê-se banhado por posições e paixões políticas e religiosas e, de qualquer modo, sobre a matéria formou-se uma literatura vastíssima e complexa, cujas teorias se interpenetram e se mesclam num emaranhado de posições sociológicas e filosóficas. (VENOSA. 2001. p. 209).

O conceito de "pessoa" é derivado do latim "persona", no sentido técnico-jurídico, o que demonstra ou aponta todo ser, capaz ou suscetível de direitos e obrigações. Praticamente, é o ser, a que se reconhece aptidão legal para ser sujeito de direitos, no que se difere da coisa, tida sempre como o objeto de uma relação jurídica. Logo, a personificação é uma criação do Direito, que possui personalidade, acarretando atribuições e valor jurídico.

 

O Código Civil de 2002 assegura que toda a pessoa natural possui a aptidão de exercer direitos e deveres na ordem Jurídica, assim, toda e qualquer pessoa têm a possibilidade de exercê-los. A pessoa jurídica é uma instituição que detém direitos e obrigações e que possui uma personalidade jurídica, tendo a pessoa jurídica natureza constitutiva, por ser atributivo de sua personalidade, diferentemente do registro civil de nascimento da pessoa natural.

Em se tratando da conceituação da pessoa Jurídica, STOLZE (2011.p. 223), ensina que "o homem tende a agrupar-se para garantir sua subsistência". Desse modo, partindo dessa premissa é possível perceber, que em uma sociedade os indivíduos unidos em grupos são mais fortes e mais eficazes em relação aos que estão sozinhos, visto que o agrupamento lhes permite unificar as vontades e ter uma voz uníssona, organizaram-se para trazer subsistência à sociedade, produzindo recursos para melhorar o convívio na sociedade.

Nessa linha de raciocínio, podemos conceituar a pessoa jurídica como sendo o grupo humano, cisão na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins comuns. Complementaremos esse conceito básico, entretanto, em momento oportuno, ao demonstrarmos a existência de peculiar espécie de pessoa jurídica, que é formada não pelo agrupamento de indivíduos, mas pela simples afetação de bens (as fundações). (STOLZE. 2011. p. 224).

O surgimento no ordenamento jurídico Brasileiro é explicitado por Pablo Stolze em três teorias que procuram explicar a natureza jurídica (a existência) das pessoas jurídicas, que são elas: I) teoria da ficção; II) teoria da realidade objetiva; III) teoria da realidade técnica.

A teoria da ficção defende a criação da personalidade jurídica como tão e somente advinda da lei, criação meramente abstrata.

A teoria da ficção desenvolveu-se a partir da tese de WINDSCHEID sobre o direito subjetivo, e teve SAVIGNY como seu principal defensor. Não reconhecia existência real à pessoa jurídica, imaginando-a como abstração, mera criação da lei. Seriam pessoas por ficção legal, uma vez que somente os sujeitos dotados de vontade poderiam por si mesmos, titularizar direitos subjetivos. (STOLZE. 2011.p.227).

Já, para as teorias da realidade, as pessoas jurídicas são realidades vivas e não mera abstração, tendo existência própria como indivíduos.

A teoria da realidade objetiva, por sua vez, aponta em sentido contrário. Para os seus adeptos, a pessoa jurídica não seria mera abstração ou criação da lei. Teria existência própria, real, social, como os indivíduos. Partindo do organicismo sociológico, SCHÃFFLE, LILIENFELD, BLUNTSCHLI, GEERKE, GÍORGI, FADDÀ e BENSA imaginavam a pessoa jurídica como grupos sociais, análogos à pessoa natural. Entre nós, LACERDA DE ALMEIDA perfilhava-se junto aos organistas, sufragando o entendimento de que a pessoa jurídica resultaria da conjunção de dois elementos: o corms (a coletividade ou o conjunto de bem) e o animus (a vontade do instruidor). Na mesma linha, defendendo os postulados da teoria realista, alinhavam-se, ainda, CUNHA GONÇALVES e o próprio CLÕVIS BEVILÁQUA". (STOLZE, 2011, p.227).

E a teoria da realidade técnica prevê que a pessoa jurídica tem existência própria, real, social como os indivíduos, quem tem uma identidade organizacional própria e que deve ser preservada, ao referir que:

Parece-nos que a teoria da realidade técnica ê a que melhor explica o tratamento dispensado à pessoa jurídica por nosso Direito Positivo. O Código Civil de 1916, em seu art. 18, determinava: "Art. 18. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição dos seus contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos no seu registro peculiar, regulado por lei especial, ou com a autorização ou aprovação do Governo, quando precisa. Parágrafo único. Serão averbadas no registro as alterações que esses atos sofrerem" O art. 45 do CC-02, por sua vez, seguindo diretriz constante do referido art. IS do CC-16, prevê, expressamente, que: "Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. "Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação e sua inscrição no registro. (STOLZE, 2011. p .228).

Tendo em vista as teorias que ensejaram a existência da pessoa Jurídica, faz-se também necessária a conjugação de três pressupostos básicos, bem como um antecedente lógico ao surgimento da pessoa jurídica, quais sejam: a) a vontade humana criadora) a observância das condições legais para a sua instituição) a licitude de seu objetivo. Observa-se que a vontade humana traduz o elemento atômico para a formação de uma pessoa jurídica, quer por se tratar de uma associação ou sociedade, resultante da reunião de pessoas, quer por se trate de uma fundação, fruto da dotação patrimonial afetada a uma finalidade A manifestação de vontade é imprescindível, não se podendo conceber, no campo do direito privado, a formação de uma pessoa jurídica por simples imposição estatal, em prejuízo da autonomia negocial e da livre iniciativa, sendo que a unidade orgânica do ente coletivo decorre exatamente desse elemento Imaterial. (STOLZE. 2011.p. 229).

Analisando a aplicação no ordenamento jurídico, parece que a teoria que melhor se enquadrou as necessidades do ordenamento jurídico fora a teoria da realidade técnica, uma vez que segundo o artigo 18 do Código Civil de 2002 "Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo".

Após verificar tal dispositivo, pode-se notar que a personificação jurídica, é uma construção Jurídica, podendo a qualquer momento, verificando-se a legalidade, alterá-lo para melhor se adequar a realidade jurídica.  Com a aquisição da personalidade, incorporam-se também os efeitos práticos de proteção da personalidade pela sociedade, destacando-se a sua autonomia patrimonial, que nada mais é do que a separação dos patrimônios dos sócios da pessoa jurídica. Nesse sentido é ensino de COELHO (2004 p.14), que leciona:

Da definição da sociedade empresária como pessoa jurídica derivam consequências precisas, relacionadas com a atribuição de direitos e obrigações ao sujeito de direito nela encerrado. Em outros termos, na medida em que a lei estabelece a separação entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, consagrando o princípio da autonomia patrimonial, os sócios não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionados ao exercício da atividade econômica, explorada em conjunto. Será a própria pessoa jurídica da sociedade a titular de tais direitos e a devedora dessas obrigações. Três exemplos ilustram as consequências da personalização da sociedade empresária: a titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial. (COELHO, 2004, p.14).

Visto isso, a pessoa Jurídica, é o conjunto de pessoas ou bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns.

1.2 Aspectos legais da desconsideração da personalidade jurídica à luz do Código Civil

Após tratar do surgimento da pessoa jurídica, bem como sua natureza jurídica e, é necessário neste momento apresentar os princípios que a compõe. E Este subcapítulo trata do incidente da desconsideração da personalidade Jurídica, trazendo o conceito desde instituto, bem como a aplicação atual no ordenamento jurídico à luz do Código Civil.

A pessoa Jurídica tem existência própria e distinta de seus sócios, é uma pessoa ainda inanimada, que possui bens, direitos e obrigações de autoria própria, da sua entidade. O ordenamento Jurídico deu forma à pessoa Jurídica e lhe permitiu que esses direitos e deveres inerentes a qualidade de pessoa fossem utilizados, distintamente dos sócios.

A pessoa Jurídica passa a ser titular das relações Jurídicas e negociais firmando vínculos em nome da entidade estabelecida. Sujeito de direitos, deveres que possui patrimônio próprio. É autônoma, mantendo independência dos membros e sócios, que respondem dentro do limite das quotas de capital social, não integrando o patrimônio pessoal dos sócios. O direito lhe confere a couraça do principio da autonomia patrimonial, que segundo Fábio Ulhoa:

Em razão do principio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias, podem ser utilizadas como instrumento para realização de fraude contra credores, ou mesmo abuso de direito. Na medida em que a sociedade e o direito titular dos direitos e do devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas vezes os interessados do são indevidamente frustrados por manipulações na constituição das pessoas jurídicas, celebração dos mais contratos empresariais, ou mesmo realizações societárias, como as de incorporação e fusão (COELHO. 2009.p.30)

A desconsideração da personalidade jurídica é um artifício de que se vale o ordenamento para, em situações necessariamente excepcionais, desencobrir o manto protetivo da personalidade jurídica autônoma das empresas, podendo o credor buscar a satisfação de seu crédito juntamente às pessoas físicas que constituem a sociedade, como especialmente os sócios e ou administradores.

Nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração da autonomia da pessoa jurídica, importa na correção da fraude ou do abuso. Quer dizer, em determinadas situações, ao se prestigiar o principio da autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto, resguardado pela ilicitude da conduta da sociedade empresária. Somente se revela a irregularidade se o juiz, nessas condições ( especificamente no julgamento do caso), não respeitar esse princípio e desconsiderá-lo. Desse modo como pressuposto da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da personalidade jurídica. (COELHO,2009.p.30.)

Assim, continuando sua explicação, afirma o doutrinador que: "O problema não está no perfil básico do instituto, mas no seu mau uso" COELHO (2009.p.33). Ou seja, o principio da autonomia jurídica por si só, não traz nenhum dano aos credores, é um meio jurídico de tutelar a sociedade, desde que não seja utilizada, pra encobrir fraudes e má administração.

O objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é exatamente possibilitar a coibição da fraude, isto é sem comprometer o instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos seus membros. (COELHO. 2009.p 33/34).

A desconsideração não implica em dissolução da pessoa jurídica, constitui-se um ato de caráter provisório, decretado para determinado caso concreto, estabelecendo ainda, que os sócios incluídos no pólo passivo da demanda, se utilizem de meios processuais para impugná-la, isto porque tal instituto contempla os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

O principio da autonomia jurídica é uma segurança destinada à proteção ao patrimônio dos sócios em detrimento da pessoa jurídica. Pois a responsabilidade legal da pessoa jurídica diz respeito a ela apenas, não estendendo responsabilidades de qualquer natureza aos sócios.

E para que não haja uma confusão patrimonial entre os bens os sócios e os pertencentes a pessoa jurídica, entretanto tal segurança poderá ser revista, a luz do código Civil onde preceitua, em seu artigo 50, que: " Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Desvirtuada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio, o que leve a estender os efeitos das obrigações da sociedade. Assim, os sócios ficam inibidos de praticar atos que desvirtuem a função da pessoa jurídica, pois caso o façam não estarão sob o amparo da autonomia patrimonial.

Há que se ressaltar que não se destrói a pessoa jurídica, que continua a existir, sendo desconsiderada apenas no caso concreto. Apenas se coíbe o desvio na sua função, o juiz "se limita a confinar a pessoa jurídica à esfera que o direito lhe destinou". "A teoria da desconsideração não visa destruir ou questionar o princípio de separação da personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, mas, simplesmente, funciona como mais um reforço ao instituto da pessoa jurídica, adequando-o a novas realidades econômicas e sociais, evitando-se que seja utilizado pelos sócios como forma de encobrir distorções em seu uso. (TOMAZETTE, 2009. p. 10).

 O princípio da autonomia patrimonial representa uma proteção tanto para os sócios quanto para a sociedade, isto porque os associados não respondem com seu patrimônio próprio por dívidas desta, e esta por sua vez resguarda seu patrimônio no caso de dívidas de um ou alguns dos sócios. O que não ocorre com as sociedades irregulares, as quais, sem a devida personalidade jurídica, acabam por confundir seu patrimônio com o dos sócios.

 A autonomia patrimonial se constitui como um dos principais impulsores da economia moderna, pois se não existisse esta separação de patrimônios, pessoas, empresários, industriais, comerciantes, não iriam se expor aos riscos do momento econômico atual.

A decisão quanto ao procedimento adotado, estará a cargo do Juiz, pois, através do princípio do livre convencimento motivado, o magistrado deverá ponderar suas escolhas baseando-se no caso concreto, com base nas provas apresentadas, bem como a necessidade do pleito, argumentação das partes, e dispositivos legais, adequando-os a sua convicção pessoal.

Entretanto, o juiz não pode agir de ofício e desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica, sem que antes ocorram os pressupostos constitucionais da ampla defesa e o contraditório, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal, onde prevê ao acusado a possibilidade de efetuar, uma defesa completa quanto à imputação que lhe foi dirigido.

A medida de desconsideração da personalidade jurídica é extrema e excepcional, uma vez que pode acarretar sérios e irreversíveis prejuízos ao patrimônio particular dos sócios. Deve-se observar a princípio que se tal medida for deferida, sem que haja o mínimo de prova hábil e convincente da má administração e fraude que seja capaz de burlar o princípio da autonomia da separação patrimonial, trará diversos danos.

Dessa forma, a desconsideração a personalidade jurídica será apenas admissível, quando houver fundada comprovação, mediante conjunto probatório, constatando-se a intenção dolosa dos sócios em infringir a legislação, ou comprovar-se que a dissolução da pessoa Jurídica se deu por irregularidades, ou ainda por ter incorporado o patrimônio da pessoa jurídica aos dos sócios, trazendo uma confusão patrimonial.

A partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50, do Código Civil e não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais e onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.

A separação patrimonial, protegida através do princípio da autonomia patrimonial não é absoluta, pois, o Direito permite que em algumas situações, tal regra seja descumprida, atribuindo a possibilidade dos sócios serem responsabilizados por obrigações da pessoa jurídica.

Em se tratando da pessoa jurídica, a previsão constante no ordenamento Jurídico versa em não se confundir a entidade enquanto pessoa inanimada e os sócios que a compõem. Tal regra tem amparo no princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, uma vez, que esta é sujeito de deveres, direitos e obrigações provenientes da personalidade, e que são distintas das obrigações inerentes aos sócios.

Tendo em vista, tal conceito, em regra não se aplica imputação de obrigações de titularidade da sociedade aos sócios, pois, a pessoa jurídica pode responder por estes, entretanto, em alguns casos essa regra pode ser romper, em razão da proteção dada ao princípio da autonomia patrimonial.

Com isto, quando minimante se constatar que os membros da sociedade- pessoa jurídica- a utilizaram para a prática de fraudes, ou abuso de direitos, o magistrado estará autorizado a desconhecer a autonomia patrimonial da empresa, e desconsiderar sua personalidade jurídica, bem como responsabilizar pessoalmente os integrantes dessa sociedade. Isto porque, a intenção da sua autonomia patrimonial, não é para encobrir atos irresponsáveis e ilegais praticados pessoalmente pelos sócios, e sim para proteger a entidade da pessoa jurídica.

A teoria desconsideração da personalidade jurídica permite, conforme o artigo 50 do Código Civil, estender aos bens particulares dos sócios, a aplicação de determinadas obrigações das pessoas jurídicas. O objetivo do dispositivo é retirar o escudo que servia para a prática de atos fraudulentos, atos abusivos cometidos pelos sócios, em nome da pessoa jurídica, para alcançar anseios particulares, prejudicando terceiros. Dessa forma, tem o Judiciário, em virtude do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, legalidade para desprezar autonomia patrimonial da pessoa jurídica quando se comprovar que ela, foi um facilitador para realização de ilícitos.

O afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve ser aplicado como medida excepcional, atendendo os pressupostos específicos acima mencionados.

1.2.1 Da desconsideração inversa

Como observado anteriormente, a desconsideração da pessoa jurídica visa ignorar a autonomia patrimonial para atingir o patrimônio de um ou mais sócios devido à má utilização da sociedade, seja através de fraude ou abuso de direito.

É indiscutível no direito que os bens da pessoa jurídica não se confundem com os bens de seus sócios, porém, há situações nas quais essa autonomia patrimonial precisa ser quebrada para o fim de que as obrigações contraídas pelos sócios sejam honradas em respeito aos credores.

O dispositivo de lei que prevê a desconsideração da personalidade jurídica encontra-se no artigo 50 do Código Civil de 2002, onde permite que as obrigações contraídas pela pessoa jurídica sejam estendidas aos bens particulares dos sócios, entretanto, por falta de outra previsão legal, a jurisprudência tem entendido também como fundamento para a hipótese de aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O doutrinador Rolf Madaleno assim conceitua o desvio de finalidade:

O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica pratica atos incompatíveis com o contrato social ou estatuto de regência de suas atividades, agindo com excesso ou abuso de poder e desviando-se dos objetivos da própria instituição da personalidade jurídica. (MADALENO, 2009.72)

A desconsideração inversa pressupõe que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, seja utilizada para responsabilizá-la por dívidas do sócio. Tem como intuito coibir, principalmente, o desvio de bens da pessoa física para a pessoa jurídica.

Segundo o doutrinador Márcio Souza Guimarães:

Devido ao progressivo grau de degradação moral do ser humano que utiliza-se de determinada estrutura para fugir de responsabilidades particulares tem-se a possibilidade de, visando a defesa de interesses legítimos, utilizar a disregard doctrine pela via inversa. (GUMARAES. 2005. p.72)

Trata-se de hipóteses em que a prática do ato fraudulento ocorre de maneira contrária daquelas em que o sócio se esconde atrás da sociedade, ou melhor, utiliza-se da estrutura da pessoa jurídica para praticar fraudes. Neste caso quem é ocultado é a própria pessoa jurídica, é nela onde os bens estão escondidos, passando o sócio a se apresentar em situação não condizente com a realidade fática.

A fraude é um artifício malicioso para prejudicar terceiros. O essencial para sua caracterização é o intuito de prejudicar terceiros, independentemente de se tratar de credores. A pessoa jurídica não existe para permitir que a pessoa física burle uma obrigação que lhe é imposta, não existe para permitir que pessoa física faça algo que lhe é proibido, ela existe como ente autônomo para o exercício normal das atividades econômicas.

A teoria maior da desconsideração elegeu como pressuposto para o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade empresária o uso fraudulento ou abusivo do instituto. Cuida-se, desse modo, de uma formulação subjetiva, que dá destaque ao intuito do sócio ou administrador, voltado à frustração de legítimo interesse de credor. (COELHO. 2009.p. 43.)

Dentre os atos lesivos que podem ser cometidos pela pessoa jurídica, cita-se a fraude, que é um esquema ilícito ou ato de má fé contra o credor, como a exemplo de uma emissão de cheque sem provisão de fundos, contudo, se tal fraude não tiver qualquer relação com a utilização da autonomia patrimonial não guardando relação com o uso da pessoa jurídica não se poderá aplicar a desconsideração.

A fraude na execução está relacionada com a responsabilidade patrimonial tendo em vista que o devedor tem o dever de garantir patrimonialmente o suficiente para tutelar os direitos dos seus credores.

O exercício dos direitos da pessoa Jurídica deve atender à sua finalidade social, é abusivo qualquer ato que por motivação dos sócios e por seu fim, vá contra o destino, contra a função do direito que se exerce, é o mau uso do direito, o uso da personalidade jurídica tais abusos podem ocorrer, e frequentemente ocorrem.

Quando existem várias opções para usar a personalidade jurídica, todas lícitas a princípio, mas os sócios ou administradores escolhem a pior, isto é, a que mais prejudica terceiros,  depara-se com o abuso de direito. Neste particular, aparece o abuso de direito como fundamento para a desconsideração.

Quando o controlador trata o patrimônio da sociedade como se fosse um mero desdobramento de sua esfera patrimonial para esgotá-lo ou torná-lo insuficiente à satisfação de créditos, crendo que, por causa do privilégio da limitação de responsabilidade, seus bens pessoais não serão atingidos, as cortes americanas entendem que a separação patrimonial foi voluntariamente desfeita. (WARDE, 2007. p. 28).

O fato de a pessoa jurídica possuir personalidade própria e patrimônio distinto dos de seus sócios possibilitou que elas fossem utilizadas como anteparo da fraude. Esta situação foi tomando um rumo cada vez maior na medida em que, confiantes no princípio da autonomia patrimonial, as pessoas, principalmente na esfera das relações conjugais, desviavam os seus bens para sociedades empresarias com o intuito de que estes não fossem repartidos. Dito isto, o doutrinador Madaleno ensina que:

É de testemunhar quão difusa e producente a aplicação da despersonalização social no campo do Direito de Família, principalmente frente à diuturna constatação nas disputas matrimoniais (e também dentro da união estável) do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade para a qual faz despejar, senão todo, ao menos o rol mais significativo dos bens comuns. (MADALENO, 2004, p. 160).

Assim, verifica-se que, no Direito de Família a utilização da disregard doctrine dar-se-á, de hábito, na via inversa, desconsiderando o ato para alcançar bem da sociedade, viabilizando, portanto o pagamento do cônjuge ou credor familiar.

Isto, porque a pessoa física, para obter benefícios em seu favor, transfere seus bens para a pessoa jurídica e continua a usufruir os mesmos, como se ainda os pertencessem. Esta transação de bens ocorre frequentemente quando o sócio possui o intuito de fraudar credores, pois estes últimos não terão como saldar a dívida tomando posse dos bens da pessoa física, apenas se desconsiderada for à personalidade jurídica da sociedade com a qual a transferência foi realizada.

Na desconsideração inversa da personalidade jurídica de empresa comercial, consiste ao afastar o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, responsabilizando-se a sociedade por obrigação pessoal do sócio. Tal somente é admitido, entretanto, quando comprovado suficientemente ter havido desvio de bens, com o devedor transferindo seus bens à empresa da qual detém controle absoluto, continuando, todavia, deles a usufruir integralmente, conquanto não integrem eles o seu patrimônio particular, porquanto integrados ao patrimônio da pessoa jurídica controlada.

Segundo Rolf Madaleno:

Sendo legítimo desconsiderar a pessoa física e considerar o ente social como responsável frente aos terceiros não componentes do grupo, como sugere Julio Alberto Díaz, pois se cuida da desconsideração inversa, para captar a autêntica realidade por detrás da qual se oculta o sócio, associando-se ele a sociedade para encobrir a obrigação alimentícia do devedor executado, olvidando-se ambos, que excedem o objetivo social e, em clara afronta à ordem pública, elidem criminosamente o direito alimentar que busca assegurar o direito à vida, o mais importante de todos os direitos. ( MADALENO, 2009.p.68)

Tal artifício é utilizado nos casos de separação conjugal, onde um dos conjugues tentam burlar a lei, e dilapidar o patrimônio, antes da partilha, dessa forma ilustra bem o professor FÁBIO ULHOA COELHO:

Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome de pessoa jurídica sob seu controle, eles não integram, sob o ponto de vista formal, a massa a partilhar. "Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor". (COELHO, 2005, p.45)

Na aplicação da desconsideração inversa, deve-se tomar a precaução, novamente, de verificar se o sócio agiu de forma fraudulenta, com abuso ou se foi configurada realmente a confusão patrimonial, para não causar danos ao desconsiderar a personalidade jurídica injustamente.

Outro ponto importante é que a aplicação da desconsideração inversa é imprescindível que a pessoa física realmente não possua bens os quais sejam suscetíveis de penhora, para assim justificar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para que esta possa arcar com as dívidas do sócio.

Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário à lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência. (OLIVEIRA. 1979. p.613)

Contudo, essa medida extrema torna absoluta a indispensabilidade de comprovação, pelo credor, de todos os pressupostos autorizatórios da desconstituição inversa da personalidade jurídica da empresa comercial, o que não ocorre quando, comprovadamente, o executado tem bens próprios, sendo passíveis de penhora.

Ou seja, a quebra da autonomia patrimonial é deferida pelo Magistrado quando for comprovada a prática de atos maliciosos, de fraude, de abuso ou de simulação por parte dos sócios, e que sirvam para prejudicar terceiros.

E, portanto, somente em tais hipóteses é que o Juiz pode determinar a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Deve ser avaliado minuciosamente pelo magistrado, bem como após de investigados os pressupostos e satisfeitos e esgotados as formas para que não haja precipitação, ou inexperiência do magistrado, porque uma vez imposto tal medida, trará prejuízos e danos irreparáveis a sociedade empresária.

Ocorre, ainda, que tal gravoso e extremo ato de desconsideração inversa da personalidade jurídica podem ser deferidos apenas após o devido processo legal, contido no art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal, e respeito ao contraditório e à ampla defesa, conforme preceituado pelo art. 5º, inc. LV, que deve estar presente em medidas extremas. E tudo isso ocorre em obediência ao direito de propriedade consagrado pelo art. 5º, inc. XXII, da Constituição Federal.

Ação de Execução de Alimentos, posterior a Ação Declaratória de Reconhecimento de Sociedade de Fato c/c Alimentos, que mereceu sentença condenando o ora agravado a prestar alimentos, correspondentes a oito salários mínimos, desconsiderando a personalidade jurídica da empresa Fazendas Reunidas Ozório S/A - Informação da JUCERJA no sentido de que o agravado, desde 04/05/2004, não compõe o quadro de sócio da referida empresa, trazendo, contudo, a relação de outras sociedades empresariais cujo executado enquadra-se como sócio - Sinais de que o recorrido busca ludibriar a obrigação alimentar, impedindo a agravante de receber o valor reconhecido por decisão judicial Possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica a incidir sobre outra empresa na qual o agravado é sócio - Artigo 50 do Código Civil - Provimento do Agravo de Instrumento." (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Primeira Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 0063117-77.2011.8.19.0000/ Relator: Desembargador Maldonado de Carvalho/ Julgado em 15.05.2012).

Existe a necessidade de citação dos sócios para responder ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica no princípio do devido processo legal, invocando expressamente o artigo 5º, LIV, da CF/88.

Incorreto, se revela o procedimento visando à desconsideração da personalidade jurídica mediante simples petição atravessada no processo de execução contra quem não é parte no processo, porquanto esta não teve a oportunidade de se defender, e nem mesmo o devido processo legal em que as partes possam debater os elementos do artigo 50 do Código Civil.

Entretanto, em contra ponto ao que entendem alguns doutrinadores, Pablo Gagliano Stolze ensina que o reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica inversa será nos próprios autos da execução:

[...] não precisa ser declarada e obtida em processo autônomo. No próprio processo de execução, não nomeando o devedor bens à penhora ou nomeando bens em quantidade insuficiente, ao invés de pedir a declaração de falência da sociedade, o credor pode e deve, em presença dos pressupostos que autorizam a aplicação do método de desconsideração, definidos acima, pedir diretamente a penhora em bens do sócio ou da sociedade, em caso de desconsideração inversa. (STOLZE, 2002, p. 289).

Entendeu dessa forma também o STJ no RESP n. 331.478/RJ:

"[...] tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da PERSONALIDADE JURÍDICA nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma" (STJ. Resp n. 331.478/RJ, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, j. em 24.10.2006).

Dessa maneira, não há dúvidas que a desconsideração da personalidade jurídica, mais precisamente a desconsideração inversa, é medida de justiça que se impõe a fim de evitar a fraude na execução de alimentos.

A confusão patrimonial pode ser um critério eminentemente jurídico de ilimitação da responsabilidade. Nesses casos a natureza creditória dos direitos dos sócios sobre alguns resultados – como causa da limitação de responsabilidade – dá lugar à apropriação das entradas de capital e de quaisquer resultados da atividade empresarial (e.g., lucros não distribuíveis ou posições ativas do capital). É natural que seja imputada responsabilidade aos sócios que agem como donos do patrimônio dedicado à empresa. (OLIVEIRA, 2007, p. 208).

Portanto, desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando restar comprovado que seus sócios agiram com fraude ou abuso de direito, ou ainda se restar configurado confusão entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio de seus sócios, conforme preceitua o artigo 50, do Código Civil.

Dito isto, após sanar o conceito e a previsão da desconsideração da pessoa jurídica no ordenamento jurídico atual, faz-se necessário no próximo Capítulo apresentar o instituto da desconsideração da personalidade Jurídica no processo de execução de alimentos, expondo sua previsão legal, bem como suas hipóteses de cabimento.

2 APLICAÇAO DA DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE EXECUÇAO DE ALIMENTOS

Falta frase para iniciar o capítulo – Antes de adentrar ao tema do processo de execução de alimentos, é primordial tratar do conceito do que vem a ser alimentos, trazendo uma abordagem histórica de sua evolução no Direito Brasileiro.

2.1 Dos alimentos no Direito de Família

O Código Civil Brasileiro de 1916 representou a codificação do ideal liberal-burguês, refletindo o pensamento social do início do século XX. As relações econômicas da sociedade familiar eram reguladas pelas normas e princípios do Direito de Família, disciplinados no texto do código.

Segundo o doutrinado FACHIN (1999. p.79) eram os três pilares fundamentais da sociedade Brasileira em 1916, cujos vértices se assenta a estrutura do sistema privado clássico, encontram-se na alça dessa mira: o contrato, como expressão mais acabada da suposta autonomia da vontade; a família, como organização social essencial à base do sistema, e os modos de apropriação, nomeadamente a posse e a propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas sobre as coisas.

Com PAULO LOBO se confirma que:

No Código Civil de 1916, dos 290 artigos da parte destinada ao direito de família, 151 tratavam de relações patrimoniais e 139 de relações pessoais. (LOBO. 2011. p.24)

É possível perceber que o casamento tinha como finalidades a procriação, a mútua assistência (inclusive econômica), o dever de educar e manter a prole e o estabelecimento de vínculos patrimoniais, sendo a família considerada como uma unidade de produção com objeto impulsionador de riquezas.

A legislação Civil de 1916, ainda que extremamente patrimonialista inconcebível e distante do modelo atual, não deixou de amparar a subsistência alimentar dos filhos.

Art. 327. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles para com os pais;

Parágrafo único. Se todos os filhos couberem a um só conjugue, fixará o juiz a contribuição com que, para o sustento deles, haja de concorrer o outro. (grifo nosso) (BRASIL. Código Civil de 1916).

Art. 405. O casamento, embora nulo, e a filiação espúria, provada quer por sentença irrecorrível, não provocada pelo filho, quer por confissão, ou declaração escrita do pai, fazem certa a paternidade, somente para o efeito da prestação de alimentos. (BRASIL. Código Civil de 1916).

A importância dada ao tema dos alimentos no Código Civil de 1916 é acolhedora e antecede e muito a Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos), que regulamenta garantia alimentícia aos filhos. Porque, ainda prover recursos à prole seja um ato de lealdade, zelo e justiça com os seus. Todavia, foi necessário elencar desde as bases do Direito Civil Brasileiro a tal previsão legal para tanto, porque ainda dispusesse referências aos alimentos, os filhos nascidos na constância do casamento e os fora eram tratados com distinção.

2.1.2 Evolução dos Alimentos no Direito de Família

É sabido que a sociedade, bem como todos os seus elementos a todo o momento sofre mutações. Os valores ideologias mudam de acordo com as transformações sociais de curso natural do tempo e com os anseios e necessidades de cada momento histórico. Dessa forma não é concebível e nem sensato crer que todas as relações particulares sejam disciplinadas, perpetuamente, por um texto legal que expressa valores e ideais de uma determinada classe em um determinado momento histórico.

O tema relativo aos Alimentos apresenta-se cercado de muitos conceitos, e que detém inúmeras interpretações, entretanto, todas levam a concepção do senso comum jurídico, de que os alimentos são de extrema relevância e devem ser tratados com o máximo de respeito e justiça no meio jurídico.

Conforme os dicionários da língua portuguesa, o verbete "alimento", traduz o conceito de que "toda substância que, introduzida no organismo, serve para nutrição dos tecidos e para produção de calor; sm pl Dir Todas as despesas ordinárias a que o alimentário tem direito" (Dicionário Michaelis). Entretanto, na concepção jurídica, o termo "alimentos" tem significado bem mais amplo do quê a "mera matéria ingerida".

Para tanto, coube a Constituição Federal em seu artigo primeiro tratar de garantias constitucionais, de cunho essencial à manutenção da vida humana. Ao abordar o conceito da dignidade da pessoa humana, a Carta Magna deu ensejo a tutelar que tudo aquilo que seja essencial à vida, não podendo ser removido ou modificado sem que haja prejuízo ao ser humano.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL. Constituição Federal de 1988).

O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é o principal e mais amplo princípio constitucional de proteção e tutela existente em nosso ordenamento jurídico, devendo existir em todas as relações jurídicas, porque diz respeito à garantia plena de desenvolvimento das pessoas.

A dignidade da pessoa humana, diferentemente de outros direitos, não é fruto de um mero aspecto referente às relações de existência ou não do ser humano, e sim, é uma característica inerente do ser humano que o difere dos demais seres. (TAVARES, 2010, p.105).

E em se tratando de direito de família, tal princípio prevê que a cada membro parte do seio familiar, lhe sejam garantidos direitos como interesses afetivos, assim como assistência educacional aos filhos, assistência alimentar e social, com o objetivo de manter a família.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL. Estatuto da Criança e do adolescente).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. ((BRASIL. Constituição Federal de 1988).

Abrange, assim, não só o indispensável ao sustento do indivíduo, como também o necessário à manutenção de sua condição social e moral, visto que inclui vestuário, assistência médica, educação, moradia, lazer, nos termos do Código Civil Brasileiro de 2002, em seus artigos 1.694 e 1.920.

Alimentos, em direito de família, tem o significado de valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em virtude de relações de parentesco (direito parental), quando ela própria não pode prover, com seu trabalho ou rendimentos, a própria mantença. Também são considerados alimentos os que decorrem dos deveres de assistência, em razão de ruptura de relações matrimoniais ou de união estável, ou dos deveres de amparo para os idosos (direito assistencial) (LOBO, Paulo. 2011.372)

A obrigação de prestar alimentos no âmbito do Direito de Família, ao reverso da obrigação decorrente da vontade das partes (contrato, testamento- art. 1.920 do cc) ou da pratica de ato ilícito (Arts. 186 927e 948, II, do cc), funda-se no poder familiar, no vinculo de parentesco ou no dever de mutua assistência (casamento, união estável). (Luz. Valdemar. 2009. 294).

A respeito dos requisitos ou pressupostos materiais para concessão e obtenção da prestação alimentar, o Código Civil é claro em disciplina que é necessário haver: necessidade, possibilidade, proporcionalidade e reciprocidade.

O doutrinador Paulo Lobo ensina que:

A pretensão aos alimentos assenta-se tradicionalmente no binômio necessidade/possibilidade. Ou seja, exige-se a comprovação da necessidade de quem o reclama; não basta ser titular do direito. Em contrapartida, a necessidade de alimentos de um depende da possibilidade do outro de provê-los. O binômio está expressamente previsto no § 1º do art. 1.694 do Código Civil, que estabelece que "os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada". (LOBO. 2011.p.378)

A necessidade pode se configurar pela falta de capacidade que tem o sujeito de prover seu próprio sustento. A possibilidade se refere à aptidão que tem o alimentante em cumprir sua prestação sem, contudo, desfalcar o necessário para sua subsistência. Por proporcionalidade entende-se que os alimentos prestados devem ser condizentes com a realidade social e pessoal do alimentado.

Contudo, além de todos os citados pressupostos, a obrigação alimentar é recíproca, o parente que hoje é alimentante pode se encontrar, no futuro, na condição de alimentado. Com efeito, dispõe o artigo 1.694 do Código Civil:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. (BRASIL, Código Civil. 2002).

Percebendo tais pressupostos, figura-se o dever do alimentante em prestar os alimentos devidos. Quanto a isso, o doutrinador Caio Mario da Silva Pereira preceitua:

Os alimentos constituem em dever para o alimentante. Uma vez apurados os seus requisitos, o parente da classe e no grau indicado legalmente tem de os suprir [...] deles não pode fugir o obrigado, sob fundamento de não cultivar relações de amizades com o reclamante, ou de ter compromisso desta ou de outra ordem. O direito pátrio não mais conserva as escusativas vigorantes em nosso direito pré-codificado, como seja cometimento de ingratidão. (PEREIRA, 2005, p. 499).

Não pode terminar com citação

Dessa forma, entende-se que a finalidade da prestação alimentícia é resguardada pela Constituição Federal, como garantia dos preceitos fundamentais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, sendo primordial para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

2.2 Da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução

Entretanto, em muitos casos, pais ou cônjuges insensíveis, relapsos e irresponsáveis se utilizam da pessoa jurídica que integram como sócios para montar diversos estratagemas, tudo com a inequívoca e deliberada intenção de impedir que o autor da ação de alimentos possa demonstrar, através de dados concretos e escoimados de dúvidas, os reais rendimentos por eles percebidos ou seus respectivos bens particulares.

Agravo de Instrumento. Alimentos Provisórios devidos à menor impúbere. Incidência de descontos sobre pagamento efetuado por empresa à outra. Alimentante que é proprietário da empresa que recebe o pagamento, em virtude de prestação de serviços. Descontos incidentes sobre a contraprestação. Confirmação da decisão. Possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, para fins de se dar efetividade ao cumprimento obrigacional. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 1.0000.00.354133-1/000/ Relator: Desembargador Brandão Teixeira/ Julgado em 10.02.2004).

A responsabilidade patrimonial consiste na destinação do patrimônio do devedor tantos bens quantos bastem como forma de satisfazer o direito do credor. Neste contexto, o devedor da obrigação deve estar sempre relacionado com a prática do fato jurídico que ocasionou a execução. Consoante o disposto no artigo 591 do Código de Processo Civil.

Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. (BRASIL. Código de Processo Civil)

.

E para que haja a execução de alimentos, é necessário que esta seja fundada título judicial ou título extrajudicial. O credor poderá, por exemplo, se valer do acordo de prestação de alimentos estipulado por ambas as partes, como título executivo extrajudicial para que possa ingressa com a demanda executória em desfavor ao devedor, conforme preceituado no artigo 576 do Código de Processo Civil.

Art. 576. A execução, fundada em título extrajudicial, será processada perante o juízo competente, na conformidade do disposto no Livro I, Título IV, Capítulos II e III. (BRASIL. Código de Processo Civil)

A referência feita no artigo citado, é em relação à insolvência requerida pelo credor e a insolvência requerida pelo devedor ou pelo espólio .

Tratando-se da execução por título judicial essa se dá por sentença processada nos autos que julga a procedência dos alimentos, fixando os valores devidos. Conforme tipificado no artigo 592, do Código de Processo Civil.

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:

II - do sócio, nos termos da lei;

III - do devedor, quando em poder de terceiros (BRASIL. Código de Processo Civil).

Em determinadas situações em sede de execução, face necessário a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica inversa, para isso, aborda-se a aplicação de tal instituto.

2.2.1 Desconsideração na fase de conhecimento do processo

Esta corrente defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser executada com cumprimento rigoroso aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a fim de evitar que as relações processuais sejam prejudicadas por notável insegurança jurídica.

Nesse sentido, entende-se que os sócios ou administradores da sociedade que a qual o credor social pretende responsabilizar devem participar da relação jurídica processual de conhecimento, com intuito de assegurar o livre exercício do contraditório e da ampla defesa, não só em relação à existência ou não das circunstâncias autorizadoras da desconsideração da personificação societária, mas também no que se refere à existência e ao conteúdo da dívida objeto da lide.

Ademais, não se pode esquecer que os patrimônios dos sócios ou dos administradores sociais somente poderão ser atingidos para a satisfação do direito de crédito certificado no processo de conhecimento, se estes integrarem o título judicial em que houve esta certificação, conforme dispõe o art. 472, do Código de Processo Civil.

Simples despachos em processos de execução movidos contra a sociedade, determinando a penhora de bens dos sócios importam e flagrante desobediência ao direito constitucional ao devido processo legal. Ao direito constitucional ao devido processo legal, de que é titular o sócio da sociedade limitada, corresponde o dever do credor social de promover a prévia ação de conhecimento, citá-lo, provar o pressuposto de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (fraude ou abuso de direito), obter sentença condenatória transitada em julgado para, somente depois, postular a penhora dos bens do patrimônio dos bens do membro da pessoa jurídica. (COELHO.2003.p.61)

Dessa forma, somente os sujeitos que participaram da relação processual de conhecimento sofrerão os efeitos da sentença nesta proferida, de modo que, embora esta decisão também tenha valor contra terceiros, o seu comando não pode prejudicá-los.

Assim, a inobservância do preceito contido no art. 472 do CPC implica a violação de garantias processuais asseguradas na Constituição Federal, o que compromete a própria legitimidade e justiça do procedimento realizado.

Esse processo de conhecimento que se exige, fique claro, é o processo de conhecimento condenatório, no qual se pretende a formação do título executivo para que, depois, se promova a invasão patrimonial. A via própria assim exigida, portanto, não é necessariamente um processo que tenha por objeto a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de ação própria no sentido de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento condenatório para que, também em relação a ele, se forme o título executivo. Em outras palavras e como já dito, não é possível penhorar bens de uma pessoa – como resultado da desconsideração da personalidade jurídica de outrem – sem que, em regular processo de conhecimento condenatório, de cognição plena e profunda, cercada por todas as garantias do contraditório, sejam examinados os pressupostos autorizadores da desconsideração e se imponha a sanção àqueles cujo patrimônio deverá ser impactado na sucessiva execução indispensável colocar em um processo ou fase de conhecimento, ou ao menos em um incidente idôneo do processo ou fase executiva, os fatos que  o credor afirme serem caracterizadores do abuso da personalidade jurídica; nesse processo ou nesse incidente, o juiz, em decisão preparada por regular contraditório, declarará se realmente houve a fraude e consequentemente os bens do sócio responderão, ou se fraude alguma houve e nenhuma personalidade há a ser desconsiderada (DIDIER. 2004 p. 98)

Não pode terminar com citação

Seguindo a tese desta corrente, COELHO (2009, p. 56) e MAMEDE (2004, p.271), entendem pela necessidade de uma ação própria, tendo em vista o devido processo legal e a ampla defesa. Assim, a ação será dirigida contra a sociedade em litisconsórcio necessário contra os quais se pretenda a extensão das obrigações sociais incluindo a dilação probatória.

2.2.2 Decisão nos próprios autos do Processo de Execução

Esta corrente entende que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser decretada por meio de uma decisão simples nos próprios autos do processo de execução.

Segundo seus defensores, ao ser constatada pelo credor a ausência de bens da sociedade para satisfazer o seu crédito, este poderá, caso tenha conhecimento dos pressupostos ensejadores a concessão da medida, quais sejam abuso do direito à personificação societária perpetrado pelos sócios ou administradores sociais, fazer uma petição simples requerendo ao juízo em que se processa a execução, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada e a consequente responsabilização dos seus sócios pelos débitos sociais.

Caso deferido o pedido de superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os sócios ou administradores da sociedade responsáveis pelo abuso verificado integrarão o pólo passivo da demanda e de logo serão determinadas as suas citações e as penhoras dos seus bens para a satisfação do crédito do exequente.

O argumento utilizado pelos juristas que defendem esta forma de aplicação da desconsideração é de que o processo deve ser célere e eficaz, para atender satisfatoriamente o direito do credor. Asseveram que a morosidade de um processo de conhecimento destinado a reconhecer a existência das circunstâncias legitimadoras da desconsideração pode acarretar a inviabilidade do exercício do direito do credor, ou seja, a falta de efetividade da tutela jurisdicional prestada.

Evidentemente, conquanto, reputemos desnecessária a propositura de ação autônoma com a finalidade de estender a responsabilidade das obrigações da pessoa jurídica ao sócio, por se tratar de exceção ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica – que  traduz a ideia de que a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa de seus membros – a desconsideração da personalidade jurídica apenas deve ser aplicada quando devidamente constatados os pressupôs necessários em um processo já existente, em prol da efetividade do processo. Deveras seria muito dispendioso e moroso fazer com que o credor ajuizasse nova ação tão somente para efetivar a desconsideração da personalidade jurídica. Mencionada constatação, ainda que possa ser aferida como incidente, em processo já em curso, deve observar o princípio do devido processo legal, possibilitando ao sócio oportunidade de defesa. (DIDIER. 2004, p.98)

No entanto, é possível identificar várias irregularidades neste procedimento. A primeira crítica feita a esta corrente é a inobservância dos limites subjetivos da coisa julgada, em evidente afronta ao princípio do devido processo legal. Por conseguinte, haverá evidente cerceamento dos direitos constitucionalmente assegurados ao contraditório e à ampla defesa, pois o sócio não teve e não terá oportunidade de manifestar-se acerca da existência ou não do débito exequendo, nem a respeito do seu conteúdo. Além disso, a responsabilidade do sócio é declarada sem que este possa exercer seu direito de defesa, a fim de impugnar as condutas abusivas ou fraudulentas que lhe foram imputadas e produzir as provas necessárias para comprovar suas afirmações.

A 3ª corrente, na tentativa de resolver os conflitos apresentados pelas atuais formas de aplicação da desconsideração, a doutrina e a jurisprudência vêm desenvolvendo, o que seria um solução intermediária capaz de atender aos princípios da celeridade e da efetividade processuais e respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, garantindo a segurança jurídica nas relações processuais.

A solução consiste na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo por meio da instauração de um incidente processual no curso do processo de execução.

Segundo esta corrente, no caso da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo, o incidente versará sobre a possibilidade de responsabilizar os membros ou administradores da sociedade por dívidas formalmente imputadas a esta, em face de eventual fraude ou abuso de direito praticados por aqueles através da manipulação indevida da pessoa jurídica.

O Entendimento consagrado pelo STJ mostra que :

"[...] tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da PERSONALIDADE JURÍDICA nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma" (STJ. Resp. n. 331.478/RJ, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, j. em 24.10.2006).

Com isto, a instauração do incidente de desconsideração, em atenção ao disposto no art. 50 do CC-2002, dar-se-á por meio de requerimento do credor da sociedade ou do Ministério Público, nas hipóteses em que couber sua intervenção. Este incidente será processado em autos apartados e apensos ao processo de execução e suspenderá o seu prosseguimento até a decisão final do incidente.

No incidente, haverá oportunidade de os sócios que o credor social pretende seja responsabilizado, conhecerem os fatos que lhes são imputados e manifestarem-se sobre esses mesmos fatos. Além disso, haverá espaço para a produção das provas que as partes e o juiz considerarem pertinentes, podendo, assim, o juiz formular seu livre entendimento acerca da existência ou não do abuso da personificação societária legitimador da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Somente depois de decidido o incidente processual de desconsideração, poderá ser efetuado qualquer ato constritivo do patrimônio dos sócios, ressalvada a hipótese de deferimento de medida cautelar.

De acordo com este procedimento, os sócios podem se manifestar, antes que o juiz profira decisão a respeito do pedido de desconsideração formulado pelo exequente, exercendo de forma plena o seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Ademais, a aplicação da desconsideração por incidente processual é célere, efetivando-se dentro da mesma relação jurídica processual, o que o torna compatível com os princípios da celeridade e da economia processuais.

2.3 Da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução de alimentos

Não há ao certo um consenso na doutrina sobre o que são os alimentos, isto porque, são tratados de forma pecuniária. Em linhas gerais, sabe-se que é um provimento usado pelo credor necessitado de meios a sua subsistência, que recorre ao judiciário para exigir a quem de direito tem a obrigação de ajudá-lo, seja por grau de parentesco, fatos ocorridos no trabalho ou motivos diversos.

Por alimentos, entende boa parte da doutrina, que não são apenas as substâncias que possam ser ingeridas as quais dão suprimentos necessários a manutenção física, mas, como também vestuário, habitação, saúde, educação e lazer. A obrigação alimentar vem de uma ideia de família moderna, onde os parentes devem assistir-se mutuamente.

Paulo Lobo define alimentos:

Os alimentos podem ser em dinheiro, também denominados pensão alimentícia, e in natura, ou naturais, como a entrega de imóvel para moradia e de coisas para consumo humano. O adimplemento da obrigação pode ser direto (quantia em dinheiro) ou indireto (pagamento das mensalidades escolares, de clubes, de academia de ginástica etc.) (LOBO. 2011.p. 372).

A finalidade da prestação alimentícia é garantia dos preceitos tão protegidos pela nossa Carta Magna, que são o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Tais princípios são a base de garantia e manutenção da sociedade que são dever do Estado, entretanto, ao negligenciar tal atribuição, cabe as famílias amparar suas proles.

A respeito do tema, explica Maria Berenice Dias:

Depois dos cônjuges e companheiros, são os parentes os primeiros convocados a auxiliar aqueles que não têm condições de subsistir por seus próprios meios. A lei transformou os vínculos afetivos em encargo de garantir a subsistência dos parentes. Trata-se do dever de mútuo auxílio transformado em lei. Aliás, este é um dos motivos que leva a Constituição a emprestar especial proteção à família (CF 226). Parentes, cônjuges e companheiros assumem, por força de lei, a obrigação de prover o sustento uns dos outros, aliviando o Estado e a sociedade de ônus. Tão acentuado é o interesse público para que essa obrigação seja cumprida que é possível até a prisão do devedor de alimentos (CF 5º LXVII). (grifos do autor) (DIAS. Maria Berenice. 2010)

Partes: 1, 2, 3


 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.