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A boa administração pública (página 2)

Fabricio Ferreira de Araujo Tavares
Partes: 1, 2, 3

Assim, face à tendência apontada, bom será chamar-se a atenção para dois pontos. Primeiro:- e isso é fato – é que o texto ora produzido relaciona um acentuado volume de questões éticas. Isso, todavia, não deve ser visto como proposta final, embora, de plano, o autor se confesse ideologicamente vinculado a um jusnaturalismo atual, por influência da fé católica que abarca. Depois, em segundo lugar, com o escrito, o que se busca é compreender o significado do princípio, traduzido na exigibilidade do dever de bem administrar, que a linguagem normativa da Constituição afirma estar na base do sistema político-administrativo. Em outros termos, por não ser final, também não deixa de ser uma proposição, segundo a qual o poder político deve ser considerado como um serviço, direcionado a todos nós, administrados, que esperamos que o mesmo atingisse seu fim específico que é tão sonhada paz social.

Administração Pública

I. 1. - Conceito

Administração latu sensu é toda a atividade destinada a organizar o desenvolvimento das atividades humanas, entendendo-se como Administração Pública as atividades do Estado objetivando a realização de seus fins.

A palavra administração (do latim, administratione) induz o entendimento de ato de exercício de gerência ou governo.

A administração Pública é a atividade do estado exercida pelos seus órgãos encarregados do desempenho das funções públicas, dentro de uma relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente, no dizer de Ruy Cirne Lima[1]

Administrar é, assim, o ato de gerir, de governar, inferindo-se como administrador a pessoa que dirige, gerencia ou governa e administrado a pessoa subordinada a um administrador.

Alguns autores, como Diogo de Figueiredo[2]distinguem duas sínteses fundamentais de Administração Pública, lembrando que a palavra Administração (grafada com maiúscula), significa não a atividade, mas a pessoa (órgão) que exerce. Neste sentido subjetivo, pode ser entendida como sinônimo de Governo; ao passo que administração (grafada com minúscula) é o conjunto de atividades preponderantes executórias de pessoas jurídicas de Direito Público ou delas delegatárias, gerindo interesses coletivos, na persecução dos fins desejados pelo estado. Essa é também a orientação de Hely Lopes Meirelles[3]para quem os vocábulos grafados com minúsculas referem-se à atividade administrativa em si mesma.

I. 2. - O que é Função Pública

A administração pública, segundo o autor Alexandre de Moraes, pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para assegurar os interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a Lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.

Sob o aspecto operacional, administração pública é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico dos serviços próprios do Estado, em benefício da coletividade. A administração pública pode ser direta, quando composta pelas suas entidades estatais (União, Estados, Municípios e DF), que não possuem personalidade jurídica própria, ou indireta quando composta por entidades autárquicas, fundacionais e paraestatais.

Administração Pública tem como principal objetivo o interesse público, seguindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A administração pública é conceituada com base nos seguintes aspectos: orgânico, formal e material.

Segundo ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro o conceito de administração pública divide-se em dois sentidos:

"Em sentido objetivo, material ou funcional, a administração pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos. Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir Administração Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado"[4].

Em sentido objetivo é a atividade administrativa executada pelo Estado, por seus órgãos e agente, com base em sua função administrativa. É a gestão dos interesses públicos, por meio de prestação de serviços públicos. É a administração da coisa pública (res publica).

Já no sentido subjetivo é o conjunto de agentes, órgãos e entidades designados para executar atividades administrativas.

Assim, administração pública em sentido material é administrar os interesses da coletividade e em sentido formal é o conjunto de entidade, órgãos e agentes que executam a função administrativa do Estado.

As atividades estritamente administrativas devem ser exercidas pelo próprio Estado ou por seus agentes.

Organização da Administração

A Administração Pública, em presença do princípio vinculado da legalidade, se incorporada ao próprio conceito de Direito esposado por Jhering: o Direito das condições existenciais da sociedade asseguradas pelo poder público. Deste conceito, Diogo Figueiredo conclui que o Direito é o complexo das condições existenciais de uma organização política, conceito que incorpora as relações de subordinação e de coordenação existentes na Administração Pública.

Desdobra-se a Administração Pública através de agentes públicos, definindo-se agente público com todo aquele que exerce, com ou sem remuneração, ainda que transitoriamente, por eleição, nomeação designação, contratação, ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta ou indireta, da União, dos Estados-menbros, Distrito Federal e Municípios.

A atividade administrativa, em qualquer dos poderes, como impõe a norma fundamental do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, obedece aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dado que a forma de prestação dos serviços Públicos não se inscreve como princípio constitucional, mas como um dever do Estado.

Desta maneira, podemos afirmar:

- Os atos da Administração são Públicos;

- A conduta da Administração deve estar amparada em expressa disposição legal;

- O procedimento administrativo deve caracterizar-se pela probidade, objetivando o bem comum;

- A Administração deve tratar a todos igualmente, sem conferir distinção ou tratamento diferenciado, pautando-se no equilíbrio e no bom senso.

Sendo o Brasil um Estado Federal (Federação), formado, nos termos da Constituição, pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, é assegurada a autonomia político administrativa aos Estados e Municípios, daí, como alvitra Hely Lopes Meirelles[5]a partilha das atribuições entre a União, os Estados-Membros e os Municípios, numa descentralização territorial em três níveis de governo – Federal Estadual e Municipal – cabendo, em cada um deles, o comando da administração ao respectivo chefe do executivo – Presidente da República, Governador e Prefeito.

Assim, graças à soberania da União e a autonomia dos Estados, seguida da dos Municípios, existem três ordens jurídicas superpostas, teoricamente inconflitáveis.

Os poderes da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios são conferidos pela Constituição Federal. Cumpre ainda distinguir, na análise da atividade administrativa, Governo e Administração.

O Governo é o conjunto dos Poderes do estado, objetos de estudo do Direito Constitucional, enquanto a Administração constitui-se do conjunto de órgão e funções de atuação do Governo.

Assim, Administração é o instrumento-meio do Governo, compreendendo as pessoas jurídicas, órgão e agentes englobando as atividades por ele exercidas.

Natureza e fins da Administração

A Administração Pública possui a natureza de um múnus público para quem a exerce, ou seja, a de uma obrigação, de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. È, pois, um dever exercitado por quem de direito, em prol de toda a sociedade. Diante de tal natureza, o administrador público possui a obrigação de cumprir, plenamente, os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação.

Todo agente do poder, ao ser investido da função ou cargo público, assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não é o desejo do povo, na condição de legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo Estado.

È possível estabelecer um paralelo entre a administração particular e a administração pública. Enquanto na administração particular o administrador recebe do proprietário as ordens e instruções de como administrar as coisas que lhe são confiadas, na administração pública essas ordens e instruções estão concretizadas nas leis, regulamentos e atos especiais, dentro da moral da instituição. Daí o dever indeclinável de o administrador público agir segundo os preceitos do Direito e da Moral administrativa, porque tais preceitos é que, efetivamente, expressam a vontade do titular dos interesses administrativos – o povo – e condicionam os atos a serem praticados no desempenho do múnus público que lhe é confiado.

No tocante aos fins da administração pública, é de se salientar que os mesmos se resumem em um único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou se desvia, trai o mandato que lhe foi outorgado, eis porque a comunidade não institui a Administração senão como meio de atingir o bem estar social. Ilícito e moral será todo o ato administrativo que não for praticado no interesse da coletividade.

O agente do Poder Público, no desempenho dos encargos administrativos que lhe são confiados, não tem a liberdade de procurar outro objetivo, ou de dar fim diverso do prescrito em lei para a atividade. Desta forma, não pode deixar de cumprir os deveres que a lei lhe impõe, nem renunciar a qualquer parcela dos poderes e prerrogativas que lhe são conferidos. Isso em razão de que os deveres, poderes e prerrogativas não lhe são outorgados em consideração pessoal, mas sim para serem utilizados em benefício da comunidade administrativa. O fato de descumpri-los ou renunciá-los equivalente a desconsiderar a incumbência que aceitou ao empossar-se no cargo ou na função pública por outro lado, deixar de exercer e defender os poderes necessários à consecução dos fins sociais, que constituem a única razão de ser da autoridade pública de que é investido, importará renunciar os meios indispensáveis para dirigir os objetivos da Administração.

Finalmente, chegamos à conclusão de que os fins da Administração importam na defesa do interesse público, assim entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada, ou por uma parte expressiva de seus membros. O ato ou contrato administrativo realizado em interesse público configura desvio de finalidade.

Um exemplo que podemos citar de desvio de finalidade e, está em evidência, onde foi elaborada e editada uma lei determinada pelo Órgão Máximo de Poder Federativo, temos Etimologicamente, nepotismo deriva do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto, sobrinho. Nepos também indica os descendentes, a posteridade, podendo ser igualmente utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e devasso.

A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou a ser associado à conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais concessões aos seus familiares.

O nepotismo, em alguns casos, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o "benemérito" e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de resguardar os interesses daquele. Essa vertente pode ser visualizada na conduta de Napoleão, que nomeou seu irmão, Napoleão III, para governar a Áustria, que abrangia a França, a Espanha e a Itália. Com isto, em muito diminuíam as chances de uma possível traição, permitindo a subsistência do império napoleônico. Em outras situações, o "benemérito" tão-somente beneficia determinadas pessoas a quem é grato, o que, longe de garantir a primazia de seus interesses, busca recompensá-las por condutas pretéritas ou mesmo agradá-las. Como ilustração, pode ser mencionada a conduta de Luiz XI, que presenteou sua amante Ana Passeleu com terras e até com um marido (João de Brosse), o que permitiu fosse elevada à nobreza.

Nepotismo, em essência, significa favorecimento. Somente os agentes que ostentem grande equilíbrio e retidão de caráter conseguem manter incólume a dicotomia entre o público e o privado, impedindo que sentimentos de ordem pessoal contaminem e desvirtuem a atividade pública que se propuseram a desempenhar.

Por derradeiro, o nepotismo poderá ser associado ao desvio de finalidade, o que demandará a análise do contexto probatório, diga-se de passagem, nem sempre fácil de ser construído. O provimento de determinado cargo, ainda que sujeito à subjetividade daquele que escolherá o seu ocupante, sempre se destinará à consecução de uma atividade de interesse público.

Assim, é necessário que haja um perfeito encadeamento entre a natureza do cargo, o agente que o ocupará e a atividade a ser desenvolvida. Rompido esse elo, ter-se-á o desvio de finalidade e, normalmente, a paralela violação ao princípio da moralidade. Os exemplos[6]aliás, são múltiplos: um cargo que exija o uso das mãos não pode ser ocupado por quem não as possua; uma pessoa que sequer é alfabetizada não pode ocupar um cargo que exija conhecimentos técnico-científicos; um adolescente, filho ou sobrinho de Desembargador, que sequer concluiu o ciclo básico de estudos, não deve ser nomeado Assessor deste, máxime quando estuda em outro Estado da Federação; etc. Em situações como estas, restará claro que ao nomear um parente para a ocupação do cargo buscou o agente unicamente beneficiá-lo, já que suas limitadas aptidões inviabilizavam o exercício das funções inerentes ao cargo para o qual fora nomeado.

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prática do nepotismo na remoção por permuta realizada entre pai e filha, respectivamente titular de Ofício de Cartório de Imóveis da Capital, em vias de se aposentar, e Escrivã Distrital, já que, ante a inexperiência desta, não se verificava a satisfação de qualquer interesse da Justiça em tal permuta, sendo flagrante que o ato visava à mera satisfação do interesse pessoal dos envolvidos.

Identificada a aparente ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos olhos da população, devem ser apuradas as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público. A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade.

Princípios básicos da administração

Pode-se afirmar que os princípios básicos da Administração Pública estão baseados em quatro regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: Legalidade, Moralidade, Impessoalidade e Publicidade. Por tais regras é que se devem pautar todos os atos administrativos. Constituem os fundamentos da ação administrativa ou, ainda, os sustentáculos da atividade pública. Renegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para boa guarda e zelo dos interesses sociais. A Constituição de 1998 não se referiu expressamente ao princípio da finalidade, mas admiti sob a denominação de princípio de impessoalidade, nos termos do artigo 37.

No que diz respeito à legalidade, o referido princípio que diz que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem, e deles não se pode afastar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Conclui-se, portanto, que a eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento dos preceitos legais.

Na administração, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto que na Administração Particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública é apenas permitido fazer o que está previsto na lei. A lei para o particular significa "pode fazer sim", para o administrador público, por outro lado, significa "deve fazer assim".

Além de atender a legalidade, o ato do administrador público deve conformar-se com a moralidade e as finalidades administrativas para dar plena legitimidade à atuação. Administração legítima é aquela que se reveste de legalidade probidade administrativas, no sentido de que tanto atende às exigências da lei como se conforma com os preceitos da instituição pública.

É preciso salientar que o cumprimento simples da lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atender aos preceitos na sua letra e no seu espírito. A administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e conveniente aos interesses sociais. Desses princípios é que o Direito Público extraiu e sistematizou a teoria da moralidade administrativa.

De acordo com amoralidade administrativa, que constitui um pressuposto de validade de todo o ato administrativo, o administrador deve se basear na moral jurídica, no entendimento de Hauriou, o sistematizador de tal conceito, e não na moral comum. Deve ser entendida, no dizer do referido doutrinador, como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração.

Não só no Brasil, mas em todo o mundo, com o fortalecimento da estrutura do estado de cunho democrático e o fim dos regimes de força, as administrações públicas se vêem cobradas pelo povo ao qual serve. Do administrador exigem-se qualidades morais para o trato da res publica. A boa administração é, cada vez mais, além de administração eficiente, administração honesta.

A visão legalista, onde na mera legalidade formal se continha a legitimidade do sistema jurídico, vem se amainando, ou, como bem coloca Diogo de Figueiredo Moreira Neto[7]

"... as dimensões éticas do Estado contemporâneo se viram imensamente ampliadas no correr deste século, não só com a definitiva sedimentação da legalidade, essencial à realização do Estado de Direito, mas com o viçoso ressurgimento autônomo da legitimidade, essencial à realização do Estado Democrático e, ainda, como conquista in fieri, a introdução da licitude, também como valor autônomo, capaz de levar à realização do Estado de Justiça no próximo milênio." (Grifos do original)

Por certo, a ingerência da democracia fez emigrar a legitimidade do direito e, conseguintemente das ações do Estado, da mera força coativa para a capacidade de aceitação social do direito posto.

Se for certo, consoante afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior.[8] et seq, que a questão da legitimidade é um jogo sem fim, sendo este jogo, no campo do direito, não só sem fim, mas igualmente sem início, pois estamos nele inseridos desde o nascimento tendo nossas condutas atreladas ao princípio:

"o que não é proibido é permitido", cingindo-se, desse modo, a questão, somente em "saber se é possível avaliar o jogo jurídico, dizer se ele está sendo corretamente jogado (se é justo ou injusto), ou seja, se é possível dizer de dentro do direito quando cessa haver direito" também o é que a legitimidade se constitui o lugar comum (topoi) de discussão sobre a relação direito e valores.

Simplesmente vincular tal conceito (legitimidade) ao de legalidade formal é negar, de forma a priori, a realidade axiológica do direito, fechando-se o campo de debate.

Da mesma forma, sem dúvidas, a legitimidade do agir do estado não pode ater-se somente à regularidade da investidura do agente estatal, bem como sua conformidade meramente formal à lei.

Impossível deixar de constatar que o direito positivado, como produto cultural que é, nada obstante conduza carga valorativa presente no corpo social, conforme disserta Luis Recasens Siches [9]

"alberga uma série de elementos históricos, circunstanciais, com finalidades concretas, singulares, condicionadas a situações particulares e pode encarnar somente de forma "Imperfeita os valores que colima realizar". Posto isso, a mais das vezes, nos deparamos com leis que abrigam interesses de determinados indivíduos ou grupos.

Não é por outras dificuldades que a validade do direito na maioria dos casos e para manter interesses particulares dos detentores do poder, tem assumido conotação meramente formal, devendo a norma ter subjacente, unicamente, autoridade competente e procedimento previsto em lei.

Contudo, essa visão monolítica que somente considera a fonte e a forma, extraindo da própria legalidade formal a legitimidade não se sustenta. Irrepreensível a colocação de Eros Roberto Grau[10]de que não é o direito posto (positivado em determinado momento histórico) que dá legitimidade aos interesses e aspirações sociais, mas o contrário.

Nessa toada, cada vez mais se instala no setor jurídico a consciência de uma validade legal material, do que é exemplo a idéia de devido processo legal substancial que exige, no próprio processo legislativo, não só o atendimento ao aspecto procedimental, mas aos valores e princípios constitucionais como o princípio da proporcionalidade, e, no direito administrativo, particularmente, o princípio da moralidade com a exigência de probidade no trato da coisa pública.

Deveras, a aplicação do direito não se esgota na subsunção do fato ao contexto semântico obtido na fria literalidade da lei, mas, o movimento hermenêutico e de aplicação do direito, de forma inegável, vem tomando o rumo ditado pelo conjunto dos valores sociais imperantes. É na tábua desses valores que deve beber tanto o legislador quanto o aplicador do direito em suas respectivas atividades.

O agente estatal, vinculado que está à lei, quando age, também aplica o direito, devendo, igualmente, nessa atividade, ser informado por esses elementos, para que possa fazê-lo legitimamente, é dizer: o seu agir não basta ser legal, mas deve também ser legítimo em face dos valores que ditarão sua aceitação ou não.

É tal entendimento, portanto, que surgiu como a condição de possibilidade do que, já em 1951, Antonio José Brandão[11]

"chamou de movimento de moralização do direito caracterizado pela submissão da atividade jurídica a preocupações de natureza moral, sendo nesse contexto que se inicia a formulação dos conceitos de moralidade administrativa e improbidade administrativa.

Logo, o estudo da moralidade administrativa e o seu consectário, a probidade administrativa, situam-se exatamente nas facetas do exercício do poder, ou seja, em definir a forma como seus elementos foram apreendidos firmando seus lindes conceituais e axiológios mesmo que eles não se prestem a uma definição precisa.

O ser humano dotado da capacidade de atuar, deve necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto e o desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e da Moral, o ato administrativo não terá que obedecer à somente à lei jurídica, mas também á lei da própria instituição, porque nem tudo o que é legal é honesto, conforme já prelecionavam os romanos.

A moral comum, como arremata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta extrema, a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação é o bem comum.

Welter insiste em dizer que a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, ela é composta por regras a boa administração, ou seja, pelo conjunto das regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela função administrativa.

A moralidade administrativa juntamente com a legalidade e a finalidade do ato administrativo constitui pressupostos de validade sem os quais toda a atividade será ilegítima.

A Constituição Federal de 1988 impõe ao administrador público agir de modo a cumprir o fim público e legal a ser atingido com o seu ato. E o fim unicamente legal, que estabelece a norma do Direito expressa ou virtualmente como objetivo do ato, impessoal.

A impessoalidade impede que as autoridades ou servidores públicos atuem de modo a exercer sua promoção pessoal sobre suas realizações administrativas.

A finalidade possui como objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo o interesse público. O ato que se apartar desse objetivo estará sujeito a sua invalidação por desvio de finalidade, que foi conceituada pela lei de ação popular como "fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência" do agente.

E por último, a publicidade dos atos administrativos que se destina exclusivamente a realização de divulgação dos atos administrativos para o conhecimento público e início de seus efeitos externos. Podendo, caso o particular queira, solicitar diretamente a administração, o que lhe sendo negado, poderá pleiteá-lo, via poder judiciário, ficando a administração e seus representantes sujeitos às penas da lei, em caso de ilegalidade.

A concepção da moralidade administrativa por seu sistematizador

O pioneiro na tomada da consciência da necessidade da moralidade administrativa foi Maurice Hauriou, que observou ultrapassada a perspectiva da legalidade quando se emprega o recurso do desvio de poder. A necessidade de se apreciar a moralidade como requisito do controle incidente sobre os atos administrativos foi historicamente, imposta pelo reconhecimento do desvio de poder, tão proclamado e enquanto categoria jurídica de conteúdo científico e normativo.

Conforme afirma Antonio José Brandão[12]

"... foi Hauriou, esse fecundo e operoso agitador de idéias, quem pela primeira vez falou em moralidade administrativa. Em uma das suas magistrais anotações aos acórdãos do Conselho de Estado (caso Gommel, Sirey, 1917, II, 25) desenvolveu, com maior brilhantismo do que transparência, a seguinte tese audaciosa: a legalidade dos atos jurídicos administrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei, mas a conformidade desses atos aos princípios basilares da boa administração, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio do poder, cuja zona de policiamento é a zona da moralidade administrativa".

De acordo com o que preleciona Hauriou, o conceito de moralidade administrativa, surgiu a 10º edição da obra "Précis de droit administratif" [13]Ocasião sendo apresentado como um "conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração". E não há dúvida que de fórmula assim tão resumida se afigura impossível extrair, caso seja ela vista apenas de relance, aos dados indispensáveis à elaboração de um conceito mais nítido a respeito da matéria. Em última instância, diante da exposição de Hauriou, admitindo ser o direito positivo, enquanto regulação de condutas, disciplina também da administração, ter-se-á, da moralidade administrativa, ser ela um conjunto de regras de conduta tirado de um conjunto de regras de conduta. E isso não dix muito, ou diz nada.

Outro ponto a ser analisado para entender realmente a idéia contida no conceito de Hauriou, é preciso entender que existem

"duas idéias mestras, que toda sua obra informa; a da natureza institucional da Administração e a da natureza funcional da atividade administrativa".

Assim, por anos, como se realizasse um apostolado, ele se dedicou à tarefa de pregar uma doutrina, cujo ponto básico reside na consideração daquilo por ele chamado "Le phénomène de I`institution". Na redação de seu "Précis", como seria de esperar, a tarefa não foi abandonada.

O direito administrativo, tal consideração parte do suposto de um regime, cujos elementos são um princípio de ação, "Le pouvoir administratif", como dizia Hauriou, um objetivo a alcançar ou, em seu idioma, "l`accomplissement de la fonction administrative", e pó rúltimo, um método para chegar a esse alvo, que Hauriou chama "l`entreprise de geston administrative".

No direcionamento dessas idéias, colhem-se os resultados obtidos pela analise de Maurice Hauriou sobre o empreendimento administrativo. O primeiro deles é a sua imagem, tratando-se da organização, da qual participam o pessoal dirigente e a população dos administrados. O segundo sendo a submissão desse pessoal dirigente a uma idéia motriz. Submissão sendo a grande parte voluntária do fenômeno da institucionalização.

Através deste fenômeno, a organização adquire autonomia e unidade, determinando o regimento jurídico da situação dos membros da organização, dentro dos interesses primordiais, em conformidade da idéia principal que embala o empreendimento.

Em contra partida, denota um caráter funcional, na medida em que é desempenhada com vista à concretização da idéia principal – primária. Em lógica exata, a atividade administrativa seria a função da instituição, servindo para concretizar a idéia que impulsiona o empreendimento lavado ao acabo por um organismo social, no interior do qual se opera a institucionalização.

Em detrimento a estas idéias, Hauriou formulou o conceito de moralidade administrativa. Neste sentido adotando a linha de raciocínio explicitada por José Antônio Brandão[14]

"Mas, se a Administração recebe do Poder Legislativo a ossadura legal, o elenco das atribuições e a competência dos serventuários, segrega ela própria, como empresa cuja idéia madre é alimentada pela vida e o espírito dos seus órgãos, um conjunto de regras da atividade profissional, ditadas pelo próprio fim a atingir, - a criação do bem-comum. Por outras palavras: no seio da empresa manifesta-se a vocação institucional, que requer a especifica adaptação dos meios utilizáveis a consecução do objetivo previsto. Desta sorte, os agentes administrativos, se têm de inspirar os seus atos nas leis jurídicas vigentes, expressão normativa da ordem jurídica a que a Administração está submetida, movem-se também na órbita da ordem interna desta, gerada pela comunhão espiritual em que a idéia diretiz se tornou objetiva. Semelhante ordem interna encontra a sua expressão normativa num "direito natural da instituição" – o qual, no caso da pública Administração, é a moralidade administrativa".

Quando do assentamento das bases da doutrina, qualquer referencia a direito natural e a moralidade, por simples que fosse, bastaria para colocar sob suspeita cientifica uma obra de conteúdo jurídico, ousada o bastante para pronunciá-la. A obra de Hauriou, por certo, não excepcionou a regra. Daí as criticas que se lhe opuseram, ditadas pelo ideário do positivismo jurídico, ferrenhamente processado, no tempo.

A noção ética de moralidade (atendimento a valores), já afirmamos, impregna-se em todos os campos do agir humano e em suas formas de organização.

A moralidade além de princípio ético geral do agir humano, ganha conotação jurídica quando transposta em noções, nunca precisas e acabadas, para o ordenamento positivo, no que podemos dizer que o direito é atingido por ela de "fora" e de forma intestina.

Vários institutos de direito refletem noções essencialmente morais, como o abuso de direito, vedação ao enriquecimento ilícito, a boa fé, honestidade e quejandos.

De seu lado, constata-se que qualquer noção de administração pública envolve a idéia de gestão da res publica, que pressupõe a idéia de gestão cujo escopo é o empreendimento de fins também publicamente considerados.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto [15]a definição do interesse que deve mover tal atividade passa necessariamente pela axiologia informadora da legitimidade e da legalidade, consideradas em suas interferências, no que são imprescindíveis as palavras do autor:

"A captação política dos interessados da sociedade é imediata e define a legitimidade, enquanto a cristalização jurídica desses interesses é mediata e define a legalidade. Historicamente, a legitimidade precedeu a legalidade e, por vezes, a legitimidade foi ilegal e a legalidade foi ilegítima, numa evolução secular, ora paralela, ora divergente e ora convergente, conforme as épocas e as sociedades, até que se fez sentir uma novíssima necessidade social; a de conciliá-las, pela submissão de todos os processos políticos ao Direito. Com a consciência desse fundamental interesse foi possível estruturar-se uma organização política submetida simultaneamente à lei – o Estado de Direito – e ao interesse social prevalecente – o Estado Democrático – fundidos no conceito constitucionalizado de Estado Democrático de Direito."

A submissão da ação política ao Direito trouxe, como imediata conseqüência, a unificação dos interesses sociais politicamente definidos e dos interesses sociais juridicamente definidos de nossa sociedade surgindo o conceito de interesse público com as características que hoje conhecemos: interesses coletivos gerais que a sociedade comete ao Estado para que ele os satisfaça, através de ação jurídica politicamente fundada".

O princípio da moralidade administrativa veio expresso de forma autônoma no artigo 37, que traz ao seu lado o princípio da legalidade, fato que, de logo, impede uma identificação ou absorção de um pelo outro, sob pena de destituir de conteúdo a regra constitucional.

Ademais, a moralidade administrativa não tem única previsão nesse artigo, regendo o inciso LXXIV do artigo 5o que: "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa". No parágrafo nono do artigo 14, a moralidade é protegida com a determinação da estipulação de hipóteses de inelegibilidade visando o seu resguardo: "Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato".

Considerando-se, de forma a priori, sem maiores discussões sobre o tema, a probidade administrativa como uma das faces da moral administrativa, constatou várias outras disposições, o artigo 85 da CF considera como crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra a probidade administrativa; o parágrafo quarto do artigo 37 sanciona os atos de improbidade com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

A par das disposições constitucionais, vária norma infraconstitucional tem sido editadas impulsionadas pela idéia de moralização da atividade da administração como, mais hodiernamente, a Lei da Improbidade Administrativa, Lei n. 8.429/92, a LC 101/2000, que regulamenta os atos de gestão fiscal e a Lei n. 10.028/2000 que define os crimes de responsabilidade fiscal.

Conforme, citado por Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho[16]– em sua obra de 1996 pág. 126:

"O constituinte, portanto, estabeleceu nítida distinção: juridicizou a moralidade, definindo-a como princípio, para viger, paralelamente, com o da legalidade. A distinção é evidente e necessária. A moralidade administrativa integra o direito (constitucional) como elemento de observância indeclinável (irretorquível), mas não está ínsita na legalidade, nem desta constitui corolário. O legislador constituinte, ao instituir o princípio, não cuidou de mero reenvio da norma legal a norma moral, mas atribui à moralidade administrativa relevância jurídica, de eficácia plena e mandamental autônoma – e de vida própria."

Os administradores devem cumprir a lei é reiterar formulação essencial e postada no mais relevante artigo da Constituição Federal que é voltada ao cidadão ais do que àqueles que devem servir, conforme nos ensina Ives Granda Martins[17]

Por outro lado, determinar que o administrador público deve ser impessoal, pois está à disposição da sociedade, não podendo privilegiar amigos, parentes ou interesses em detrimento do bem servir, é afetar faceta da ética administrativa, sendo, pois, a impessoalidade dimensão parcial da moralidade.

Mormente no Brasil, no tempo que corre, há um verdadeiro clamor popular no sentido de coibir os atos que atentem contra os valores públicos, e evitem o uso da administração em proveito pessoal.

Portanto, é tendo em vista esse contexto de idéias que se deve buscar o campo conceitual de moralidade administrativa e a forma como ela deve vincular a atividade administrativa, o que dependerá da eficiência das formas de controle previstas, o não será examinado nesta instância. Valendo, entretanto afirmar que, tratando-se de princípio, é norma primeira, axiológica, que deve informar todo o sistema legal (mormente o administrativo), cujo atendimento é pressuposto de validade dos atos jurídicos levados a efeito.

Existindo vigentes, como constatamos, no envolver da tessitura social, todo um amálgama de valores morais entrelaçados e dominantes, será que o que chamamos de moral administrativa com este se confunde ou há uma moral propriamente administrativa? É o que coimamos responder.

Hauriou resume Sergio de Andréa Ferreira[18]em sua obra, referiu-se à moralidade administrativa

"... mencionando, de início, a conformidade com os princípios basilares da boa administração, ao conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração, da sua disciplina interna; para, depois, sucessivamente, aludir ao ultrapasse do controle da legalidade estrita, a fim de se atingir uma moral jurídica, eis que quem toma decisões tem de escolher, não só o legal em face do ilegal; o justo, frente o injusto; o conveniente, em desfavor do inconveniente, mas também o honesto, diante do desonesto".

Hauriou reconhecia, portanto, que existia no seio da própria administração um conjunto de regras que formavam uma espécie de axiologia institucional que não se confundia com a moral comum.

A partir desse entendimento a doutrina administrativista urdiu o conceito de moralidade administrativa que vem sendo o dominante e que dele não destoa. Para seu melhor entendimento imprescindível o percurso traçado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto[19]

Partindo do conceito de Hauriou, alerta ele que duas premissas devem ser trazidas à bailha, por primeiro a distinção bergsoniana entre moral aberta e moral fechada, aquela própria da dimensão anímica do indivíduo, que está em sua consciência a lhe ditar o bem e o mal, esta, gerada dentro de uma coletividade, dentro de um grupo, manietada aos fins deste grupo; por segundo, a noção dada por Weber de moral de intenção, que seria aquela considerada a partir da vontade do agente, e moral de resultado cuja constatação é feita a partir da objetivação da vontade na ação e seu resultado, ou seja, na consentaneidade entre a ação e o fim que lhe informa na origem. A moral administrativa seria fechada e de resultados.

Nesse contexto, para Hauriou a administração é engendrada com caráter institucional, dirigida a um fim, logo:

"A subordinação do poder público a esta função possui caráter institucional; por sua vez, a atividade daqueles, que servem à administração, denota caráter funcional: o poder público encontra-se ao serviço da idéia madre, dela retirando o programa da ação a desenvolver; as atividades dos administradores se utilizam meios jurídicos e técnicos, destinam-se, por sua vez a lograr, como resultado, a prestação de um serviço de interesse geral e, por isso, realizam uma função enquanto concretizam a idéia diretriz.[20]

Posto isso, conclui Diogo de Figueiredo[21]a moral administrativa: trata-se de um sistema de moral fechada, próprio da Administração Pública, que exige de seus agentes absoluta fidelidade à produção de resultados que sejam adequados à satisfação dos interesses públicos, assim por lei caracterizados e a ela cometidos.

Conseguintemente, a moral administrativa seria aquela própria de uma coletividade institucionalizada, e, assim sendo, organizada em função de determinado fim, daí a funcionalidade de seus agentes; por outro lado, a moral administrativa se situa não animicamente na intenção do agente, mas, sendo uma moral de resultados, na sua conduta objetivamente considerada em face dos fins propostos.

Não cremos, contudo, que o alcance do princípio da moral administrativa deva se resumir na sua formação no seio da instituição que é administração, em face de seus fins funcionais.

Cada vez mais, o que se exige em face da moralidade administrativa são justiça e probidade que não têm medida somente no espaço interno da administração. Decerto, passe o truísmo, não se pode falar de um justo administrativo ou de um honesto administrativo diferente de um justo ou um honesto no corpo social.

A administração pública é sim dirigida por fins próprios, entretanto, fins cujo conceito deve ser preenchido por elementos apreendidos no tecido axiológico social, sob pena de se constituir em puro regime de força.

A Constituição Federal do Brasil reconhece que o povo é a fonte da qual emana o poder político, logo, o rei é por ele posto, e, nesse passo, deve ser deposto se não assume o verdadeiro papel de delegatário do poder, espancando de sua frente interesses outros que não os do delegante.

O mero critério teleológico, entretanto, não é suficiente para se dizer que o ato administrativo está ou não de acordo com a moral administrativa, o ato não pode ser somente finalisticamente moral, mas o deve ser ontologicamente.

Vale, nesse ponto, a transcrição de dois momentos da doutrina de Carmen Lúcia Antunes Rocha[22]

"a razão ética que fundamenta o sistema jurídico não é uma "razão de Estado". Na perspectiva democrática, o direito de que se cuida é o direito legitimamente elaborado pelo próprio povo, diretamente ou por meio de seus representantes. A idéia da qual se extraem os valores a serem absorvidos pelo sistema jurídico na elaboração do princípio da moralidade administrativa é aquela afirmada pela própria sociedade segundo suas razões de crença e confiança em determinado ideal de Justiça, que ela busca realizar por meio do Estado."

"o Estado não é a fonte de uma Moral segundo suas próprias razões, com se fosse um fim e a sociedade um meio. O Estado é a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins numa convivência política harmônica. Quando e onde o Estado arvora-se em fonte de uma moral e transforma-se em um fim, não há, ali, qualquer moral prevalecendo, pois o que em seu nome se pratica não pode ser assim considerado pela circunstância de que ali estará a aplicar regras antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do poder, sem preocupação com o ideário jurídico da sociedade".

Ora, não há um fim da administração fora do fim do corpo social que se possa considerar legítimo.

É preciso construir-se o que podemos chamar de conceito democrático de moralidade administrativa, o que somente pode ser feito de fora para dentro da administração, pelo povo e seus valores.

Enfim, a moralidade que deve revestir o ato administrativo não é distinta da que deve revestir qualquer delegatário de poder político, sendo antes que uma moral própria e interna da administração, uma moral informada pelos valores, entre eles a justiça e honestidade, reinantes no meio social.

É óbvio que hão de se formar valores internos à administração, os quais, todavia, se distintos, soçobrarão em conflito aos valores sociais.

Por certo, a finalidade é ponto essencial à mensuração da adequação moral dos atos administrativos, por óbvio, não lhe sendo subjacente finalidade pública será ele ilegal por desvio de finalidade. Mas, consoante podemos inferir, o critério não mostra suficiência quando tratamos de legitimidade que aqui também se quer considerada como pressuposto de validade do ato administrativo.

Possível crítica fundada na falta de segurança jurídica, valor ao qual ainda hoje o sistema legal elege como prioritário, na seara de aplicação do Direito, principalmente quando da submissão do ato à apreciação judicial, no particular, não se sustenta.

Decerto, não há critérios objetivos a traçar, mesmo porque isso não é possível na dimensão tratada, a axiológica, mas, por outro lado, como fugir a ela?

Ademais, não é característica própria dos princípios uma fluidez conceitual, um grau de abstração elevado, os quais

"por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras", sendo eles "standars juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz)" [23]

Portanto, esses elementos são próprios do exame que se faz, e o contra-argumento, em prolepse referido, é falso, porquanto a moralidade como norma principiológica não ganha concretização em si mesma, cabendo aos delegatários do poder político mediar a sua aplicação.

Enfim, cumprida a singela função suscitadora da questão, podemos, no epílogo, concluir que a moralidade, sendo princípio constitucional, envolve juízo tanto de legalidade formal quanto de legitimidade formulado com base na tábua de valores socialmente vigentes, ao que deve estar atento o agente administrativo no exercício de sua atividade.

Em tal prumo, o atendimento à moralidade administrativa é condição de validade do ato administrativo, suscetível de controle pelo Poder Judiciário.

O surgimento da idéia na frança

Muitas críticas e pontos negativos existiram, mas também vieram os pontos positivos. Tímidos, inicialmente, converteram-se eles em uma "rica herança que aos discípulos tem servido de incitamento a remediar a temática do mestre e aprofundar o caminho aberto por ele". Um desses herdeiros foi Henri Welter, autor da obra "Le Contrôle Juridictionel de La Moralité Administrative", publicada em 1929[24]por ele mesmo considerada um estudo de doutrina e jurisprudência. Afinal, diz ainda, teorizar sobre o controle jurisdicional da moralidade administrativa seria expor a evolução da jurisprudência do Conselho de Estado, notadamente no respeitante ao controla do "execès de pouvoir".

Recusando a imprimir um sentido gramatical à expressão "moralidade administrativa", Welter nela vê algo diverso da moralidade comum, enxergando como "o conjunto de regras finais e disciplinares estruturadas não só pela distinção entre o bem e o mal, mas, de uma forma especialíssima, pelo objetivo geral da administração e pela idéia de função administrativa". E acresce que ela vem constituída pelas regras da boa administração. Nesse sentido, a moralidade administrativa vem justificada nos seguintes termos:

"Existe uma ordem que regula o exercício da atividade administrativa e à qual os atos dos administradores não se subtraem, sob qualquer pretexto. Essa ordem se estabelece para assegurar o bem comum, cuja garantia está ao encargo da administração; e consiste em vigorosa salvaguarda do bom funcionamento dos serviços públicos. Violar essa ordem é uma ação que surgirá como moralmente reprovável, tendo-se em consideração o fato de que ela se apresenta, em última análise, como uma estrutura orgânica orientada, ao mesmo tempo, para o bem e para a verdade e a que se vinculam todas as atividades humanas..., posto, em última razão, a instituição administrativa, que faz parte dessa ordem, não ser mais do que um reflexo particularizado da ordem geral integrada pelo equilíbrio de todas as atividades sociais, tendo em vista a persecução do bem comum".

Lacharrièrre, escrito francês, em sua obra que fez publicar em 1938, "Le Contrôle Hiérarquique de La Maralité Administrative[25]se encarregou de explicitar o conceito de "boa administração", até então hermético, dado sua complexidade. Consoante ponto de vista pessoal do autor citado, para se qualificar como "boa", a administração leva em conta determinados preceitos da moral comum, bem como certas prescrições de natureza técnica. Sob influência da filosofia de Bregson[26]especialmente a obra "Les Deux Sources de La Morale Et de La Réligion", o fezele corresponder à moralidade administrativa a um "sistema fechado" de moral, ou a uma "moral fechada". Na sua perspectiva, embora constituída também por regras de natureza técnica, a moralidade administrativa deriva do esforço desenvolvido pela administração, quando pretende se ajustar ao seu fim, razão pela qual se fala de um "ingrediente psicológico... (social)... segregado pela própria... (administração)..., que dele usa para se proteger dos germes nocivos e se manter saudável".

A necessidade experimentada pela Administração, a mesmo sentida pelos mais variados corpos sociais, de promover uma articulação entre essa forma sistemática de moral fechada e a moral comum da sociedade a que pertence. Articuladas essas formas, ao administrador se coloca a idéia de honestidade profissional, dele reclamado "não só uma atividade moralmente admissível, mas também respeitadora da organização institucional".

A idéia de honestidade profissional dos administradores consagra, assim, o dever de administrar segundo princípios éticos e técnicos. A eticidade exigida para sua conduta, na proposta de Hauriou[27]ampliada pelos seguidores, não é diferente daquela extraída:-

"dos princípios de direito natural já lapidamente formulados pelos jurisconsultos romanos",

Quais sejam viver honestamente, não enganar a ninguém e dar a cada um, o que é seu.

Como o tema foi tratado no Brasil

No Brasil, até o início dos anos noventa, o interesse pelo assunto foi restrito. O tema se mostrou pouco versado, com raras produções científicas a abraçá-lo, pelo menos sob a forma de objeto específico. Mas em face da experiência nacional, qualquer que seja a quadra histórica, com especialidade a mais recente, nos foros jurídicos, político e administrativo, desconhecê-lo ou desvalorizá-lo contraria o razoável.

Comprovadamente os parcos interesses pela matéria, na biografia pátria, disponível através do complexo PRODASEN, um único título arquivado: "O controle da moralidade administrativa", obra publicada pela Saraiva, em 1974, resultante do talento e do esforço de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. No acervo de periódicos, esse número era pouco, quase nada. No elenco se destaca o artigo de Antônio José Brandão, advogado em Portugal, sob o título "Moralidade Administrativa" [28]publicado originalmente no Boletim do Ministério da Justiça, (Lisboa, Vol. I pág. 50), e reproduzido pela Revista de Direito Administrativo, Fundação Getúlio Vargas, jul/set, 1951.

O mesmo fenômeno ocorreu no tangente à fluência jurisdicional. Veja-se, a propósito, que no banco de dados do PRODASEN, indexados sob rubrica "Moralidade Administrativa" achavam-se cadastrados poucos acórdãos proferidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e também, não tão poucos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Recuso.

Não vale apenas indagar sobre as prováveis causas de tamanhas indigências. Sem maior profundidade na análise, antes como agora, elas revelam padrões culturais, estando presas ao modo esdrúxulo com que no Brasil, se exercitava o federalismo, a maneira caudilesca de legitimação das lideranças políticas, ou aquela outra típica da figura carismática e soteriana também hoje posta em prática, servindo de paradigma de governantes e representantes, em toda a extensão territorial que vai do Oiapoque ao Chuí, à fragilidade dos partidos políticos, ao autoritarismo, herdado do sistema colonial, e que, na centúria, se fez historicamente cíclico, à reduzida participação popular no processo decisório, aos resquícios de liberalismo clássico, impressos na postura dos órgãos do Poder Judiciário, à própria ideologia legalista e conservadora que tem informado a atuação dos operadores jurídicos.

Esta ideologia vem sendo rompida episodicamente. Quando em 1948, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte inaugurou a série de grandes julgados que prestigiaram a doutrina da nulidade dos atos administrativos por desvio de poder. Ou, em 1982, quando do Tribunal Federal de Recursos novamente consagra o princípio da moralidade no exercício da atividade, ao afirmar que, "em respeito à moralidade administrativa, impõe-se a concessão de vista das provas em qualquer concurso público". Fez o uso da expressão novamente porque, em 1963, o Supremo Tribunal Federal já havia revelado que "o ato administrativo de que resulte vantagem para o particular só pode ser desfeito quando manifestamente ilegal ou em obséquio aos princípios da moralidade administrativa". Esse entendimento foi seguido, mais tarde, em 1966, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na ementa do acórdão proferido em Apelação Cível nº 151.580, sendo o relator o Desembargador Cardoso Rolim[29]com dizeres:

"O controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo, mas, por legalidade ou legitimidade, se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo"

No legislativo, sobre a questão, a paisagem se revelava incompreensivelmente desértica. Verdade que as Leis da Ação Popular Constitucional, da Ação Civil Pública e do Mandado de Segurança aparecem como remédios disponíveis para o trato da ação administrativa ilegal, imoral ou abusiva.

Como se observa na legislação brasileira, era, porém insuficiente a teor de incontáveis gestos administrativos, produzidos na estrada do desvirtuamento ético. A gesta humorística o afirmava e a imprensa o confirmava. Na data de hoje, após episódios culminantes com o impedimento de Um Presidente da república, o quadro se mostra diferente.

Fato é, no entanto, que após incontáveis idas e vindas, abertas e fechadas tantas cavernas, exercitada sempre, com maestria, a arte de Ali, O Babá (figuras públicas conhecidas como anões do orçamento), finalmente sendo aprovada a Lei 8.429 de 02 de junho de 1992, dispondo sanções aplicáveis aios agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandado, cargo, emprego ou função na administração pública direta e indireta ou funcional. Trata-se de um avanço, é fora de discussão, até porque a administração se vincula estreitamente ao princípio da legalidade. Foi Franco Sobrinho[30]chamou a atenção para o tema, convidando os operadores jurídicos a refletirem sobre ele.

"esta acerto que o princípio da legalidade é algo de muito substancial para a ordem jurídica. No entanto, o princípio da moralidade não é menos importante para o estabelecimento da igualdade no tratamento entre as partes conflitantes".

Outras propostas

De rigor, a admoestação supra indicada se endereça aos responsáveis pela efetivação do controle jurisdicional dos atos administrativos, porque a eles cabe, mediante a equanimidade, pacificar as partes conflitantes. Mas ela pode igualmente se dirigir aos responsáveis pela ação administrativa, da mesma sorte intérpretes da lei, pois

"na tarefa de interpretação da lei não há sequer resquícios de discricionariedade, mas vinculação ao dever de boa administração, ou então, relevância da conduta do agente administrativo orientada na intenção moral dessa conduta, e, por conseguinte, nos limites da moralidade" [31]

Dirigir-se, ainda, tal advertência aos militantes da ciência do direito e aos demais operadores jurídicos (MP e advogados). Pondo lado a lado os feitores da jurisprudência e da doutrina, quando em sua obra, Franco Sobrinho[32]questiona e propõe:

"Bastará à legalidade para justificar toda a ação do poder administrativo? Não haverá além da legalidade outras regras capazes de impor limitações à administração? Ambas as indagações são válidas de pronto no terreno da jurisprudência e no plano impressiona os julgados. Não obstante a doutrina se mostra imprecisa, a preocupação pela moral acompanha a norma jurídica. Não há na evolução do direito um só momento em que se antagonizem esses princípios de conduta".

Em que consiste o problema

Vale indagar porque apenas em 1914, com a discussão de "Affaire Gommel", falou-se pela voz de Hauriou, em moralidade administrativa, se não há na evolução do direito um só momento em que ele se antagoniza com a moral? Respondendo, lembra a referencia já produzida ao credo juspositivista, ainda vigoroso na primeira quadra deste século. Crença resultante do formalismo jurídico, o juspositivismo se reencarnava em posições tecnicistas, defendidas por uma quase unânime opinião e contra a qual Hauriou [33]se batia.

Uma das posições extremas e sempre recorrentes entre as que oscilam o pêndulo do conhecimento jurídico-ciêntífico, levou a que se validasse a norma como um único modo da experiência jurídica, motivo pelo qual o normativismo passou a ser a única teoria possível do direito. Sendo assim, o método adequado à elaboração de uma teoria da norma jurídica deveria ser constituído pelos momentos da interpretação e da reconstrução conceitual de um sistema de normas, cuja adoção implicaria em considerar parcamente, ou não considerar demasiadamente, a valorização dos interesses e dos fins sociais. Assim, no momento da aplicação do direito, quem o empregasse estaria rendendo homenagem às idéias de ordem, de certeza, de estabilidade, de paz social, mais que justiça substancial.

Dentre as críticas feitas à proposição de Hauriou está a de que, por tomista e, conseqüentemente, jusnaturalista, sua pretensão seria reduzir o direito à moral, importando em sufragar inaceitável anti-cientificismo. O que seus críticos não afirmavam era inaceitável também é o cientificismo reducionista que parece sustentá-los e a sua crítica. Redutor da moral ao direito, beirando às raias de uma concepção legalista da justiça, ele se prende a circunstâncias históricas e contingentes motivações políticas. Isso conduz, agora para justificar a posição de Hauriou, a que, a ser verdadeiro o reducionismo apontado, o que não se tem com efetivamente ocorrente, há de se admitir terem algumas circunstâncias históricas o conduzido a tanto.

Recusado sofrer influência positivista, além do ponto de vista científico, e isso mesmo com certas preservações, não se perdeu a consciência de existir, entre a moral e direito, apenas, uma relação de ajustamento. E desperto se está para os condicionamentos históricos experimentáveis por quem deseje solucionar o problema daí resultante, cuja essência mora em não absolutizar realidades as ontológicas ou expressões formais, sem cair no excesso do relativismo. É por isso que não se deixa de atentar para o fato possível conteúdo variável da moral e dos direito objetivos.

O perigo tecnocrático

Por força dessa variação de conteúdo ético, passam despercebidos alguns vetores sócio-culturais que, justamente, em virtude da reflexão, chegam a se constituir herança social. Hoje, a grande força histórica necessitando de ser confrontada, em nível político-administrativo, para que se estabeleça, no paralelogramo das forças sociais, uma resultante ética apreciável, é a tecnocracia. A tentação tecnocrática, como a chamada pelo desembargador Napoleão Nunes Maia Filho[34]consiste em levar a sociedade a um falso dilema,

"o dilema da eficácia administrativa sem controle e da legalidade ineficaz". Em face da alternativa posta, "a sociedade se fascina pela perspectiva do crescimento econômico, pela experiência de fruição de um mínimo de segurança material, e não se adverte de que isso está custando a sua liberdade".

Não se pode esquecer, que a emersão dos estamentos tecnocráticos, impregnantes do "decision making" governamental, põe sob constante ameaça as instituições democráticas. O plano econômico, elevado à dignidade de demiurgo técnico, substitui, no nível ideológico, a definição legalista, ensejando igualmente um novo e nefasto positivismo.

Contra esse positivismo, desafio que a democracia enfrenta, há de se erguerem, sobre os estamentos tecnocráticos, pautas de controle e de responsabilidade. E a via jurídica, considerada a função ordenadora que o direito exerce na sociedade, é o instrumento mais adequado para tanto.

O cerne da questão

Napoleão Nunes Maia Filho[35]quem adverte:-

"... pela expressão Direito devemos entender não a norma legislativa em si, mas o conteúdo ético que El tem de portar e a sua intrínseca preocupação com a realização da justiça".

O cerne da questão, pois, é esse conteúdo ético, e descobri-lo é mister, ainda que se reconhecendo soberbas dificuldades. Advirta-se, porém, serem elas mais aparentes e menos reais, dando que alguns críticos do jusnaturalismo propedêutico, como Norberto Bobbio, acolhem a hipótese de suas formulações científicas e filosóficas não contrariem a existência de valores morais, superiores ás leis positivistas, nem a essas últimas negarem conteúdo ético.

Poder dizer que há uma larga distância entre admitir a existência e descobrir um conteúdo ético no direito positivo tantas são as interferências, no mundo ético, da moral e do direito, principalmente no tocante à atividade administrativa. Cria-se, então, uma zona cinzenta, a se tornar mais ampla,quando se sabe que aquela atividade moralmente admissível do administrador, o legislador positivo não consagra expressamente. Daí parece razoável a fixação do conceito de bom administrador, semelhante à noção do bom pai de família. Isto é, de se considerar bom administrador quem faça "representante da moral comum, na medida em que ela pode ser entendida e observada pelo chamado homem médio".

Com propósito bem definido, o termo semelhantemente, jamais se admitiu existisse um padrão físico de medida ética, chamado homem médio. O que se aceitou, e se aceita, é a possibilidade de certas condutas gozarem do apreço esse manifestado no reconhecimento em no aplauso ás condutas realizadas em face de "justos fins sociais" (objetividade), e na imitação de condutas realizadas em face da "reta intenção" (subjetividade), traduzida na consciência da possibilidade de se reconhecerem a alcançarem tais fins.

Algo sobre ética

Toda ética deriva da experiência de um fato, tido como básico, o conhecimento humano sobre o bem e o mal, a chamada consciência moral. Graças a ela pode o homem conhecer o imperativo moral "fazer o bem e evitar o mal". Esse bem de que se cuida é o mesmo definido por Santo Tomás de Aquino[36]o bem moral, apresentável como um modo de ser ou uma qualidade perceptível e, pois, evidente.

Quando ao modo de ser moral, ele respeita, necessariamente, à humanidade. Eis porque se referencia, com o emprego do conceito, o modo de ser humano. E o modo de ser humano é o seu modo de agir, de pensar, de sentir, com vistas ao auto-aperfeiçoamento, de acordo com a exigência da sua própria natureza (secundum modum suae naturce). Trata-se, então, de um modo de agir em liberdade, porque racional-volitivo.

Intervindo a razão na conduta humana, se faz livre. Nisso está o fundamento da moralidade, cuja essência foi, um dia, sintetizada no conteúdo da reta razão, nela englobado o reto conhecer, o reto querer e o reto agir. Contudo, para se determinar a reta razão, importa em adotar um critério de moralidade, um princípio moral que permita fixar os comportamentos reprováveis, e reconhecer os motivos de sua reprovabilidade. Dele se espera que forneça a possibilidade de uma avaliação sobre a natureza moral de cada comportamento, em concreto e, diante de conflitos éticos, que permita uma decisão sobre o reto agir. No entanto, para cumprir a sua função, esse critério de moralidade há de guardar estreito vínculo com a objetividade e a concretude, aquela sinonimizando a não subjetividade e essa reproduzindo a noção de realismo singular.

Menção feita à objetividade e à concretude desse critério de moralidade pode ver, em linha reta de escala, a existência de uma enumeração axiológica, permissiva de uma operação seletiva. Essa seleção de valores tem sua feitura em correspondência com a teleologia ministrada pela natureza do ser, que é tirada dos fins existenciais desse mesmo ser, segundo eles se apresentem à razão.

Do ponto de vista da moralidade administrativa, tais fins existenciais dizem respeito, tanto aos entes humanos, quanto ao ente estatal. São fins ditados pela própria natureza dos homens e do Estado, como jê se viu. Sendo assim, retorne a Welter[37]conceituado moralidade administrativa:

"O conjunto de regras finais e disciplinares estruturadas não só pela distinção entre o bem e o mal, mas de uma forma especialíssima, pelo objetivo geral da administração e pela idéia de função administrativa"

Tendo que o objetivo geral da administração, seu fim existencial genérico, é o estabelecimento do bem comum, última razão, distinguir entre o bem e o mal importa, sempre, em realizar o bem comum.

O bem comum, objetiva e concretamente apreciado, não é uma abstração. É o conjunto de circunstâncias que favorecem a realização, a perfeição, a planificação, a integridade do ser social. Circunstâncias de toda ordem: temporais, espaciais, modais, instrumentais, finais. Quanto à planificação do ser social, ela se realiza em áreas as mais diversas, que vão do preenchimento das necessidades biológicas de seus elementos constitutivos, até o alcance da satisfação das necessidades de cunho psico-social.

A moralidade administrativa em sede juridico-positiva

Em sede jurídico-positiva brasileira, tem agora o emprego da moralidade, no seu agir cotidiano, é um dever do administrador. Com efeito, à luz do art. 37, caput, da Constituição Brasileira de 1988, o sistema jurídico pátrio consagrou o princípio da moralidade administrativa. No dizer de Hely Lopes Meirelles[38]a moralidade passou, então a ser considerada "pressuposto da validade de todo ato da administração". Isso importa na consideração de que o Ato Administrativo, para ser conforme a lei jurídica carece de se mostrar irrepreensível, sob a perspectiva da moral.

É ainda essa lição que s e extrai do pensamento de Antonio José Brandão[39]

"Segundo Hauriou, qualquer ser capaz de atuar é forçosamente levado a distinguir o Bem do Mal. Ser atuante, a Administração Pública não foge a esta regra. Para atuar, tem de tomar decisões, mas, para decidir, tem de escolher, e não somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto. O seu comportamento deve, sem dúvida, conforma-se a lei jurídica. Mas não basta. O ato conforme a lei jurídica nem sempre é um ato irrepreensível do ponto de vista moral".

Em face disso, não é mais admissível, vigorante o novo sistema jurídico constitucional, se insista em enxergar a moralidade como um módulo apenas desejável de comportamento administrativo, na maneira uma vez preconizada por Celso Antonio Bandeira de Mello[40]Perceba que bem administrar é dever de todo administrador. Trata de um dever jurídico, porque a moralidade deixou de ser um "mero" princípio filosófico, transmudado que foi em precipitação normativa.

O dever de bem administrar na Itália

O bem administrar referido ao tem moralidade administrativa, na verdade se espraia em outras direções, como aquela para onde caminha o sistema jurídico Italiano. Na Itália, a questão se liga ao princípio constitucional do "bom andamento e imparcialidade da administração", alvo das investigações de Guido Falzone[41]na sua obra "Il dovere di buona ammnistrazione".

Este princípio, entretanto como aplicado na Península Itálica, não aplaude uma simples administração de resultados, com acento no dado técnico. O que o princípio afirma ou reafirma, em relação ao Estado Italiano, é que os órgão e serviços públicos devem atender à conveniência e a justiça. Entretanto, a especificidade do tema, na sua real significação jurídica.

A Constituição da Itália pontua um dever de boa administração, que incumbe ao ente público realizar. Algo mais, no entanto, merece análise, bastando se ter presente a lição de Guido Falzone[42]

"Pode-se dizer que a boa administração, isto é, o dever de bem exercer a função, é considerável, seja como dever incumbente ao órgão e, pois, ao próprio ente público a que o órgão pertence, seja como dever gravante do titular do órgão. Em realidade, órgão público é vista uma dúplice estrutura relacional: a primeira, disso fazendo legado ao ente público é vista, apresenta uma natureza interna, porquanto sempre de direito público, vinculando o titular do órgão a pessoa jurídica de direito público; tem ela como objetivo a realização de uma atividade destinada á realização dos fins próprios de ente público; e, como conteúdo, um rol de direitos e deveres mutuamente (entre o titular do órgão e a pessoa jurídica de direito público) respeitantes. A segunda, de seu turno, não se refere ao titular do órgão, como a primeira, mas apenas ao próprio órgão, apresentando uma natureza externa, dado que a ele sobrevem; logo, por isso mesmo, relaciona o ser impessoal do órgão e terceiros estranhos à administração. Uma pode ser vista como vínculo de subordinação, ao passo que a outra, diversamente, pode ser apreciada como relação jurídica regulada pelo direito administrativo, dado que o órgão move o ente e este se movimenta em sua roupagem pública. O titular do órgão, enquanto investido de autoridade em face dos particulares que se relacionam com administração, deve também, ao mesmo tempo, cumprir o dever cujo objeto é o bom exercício do poder. O cumprimento do dever de boa administração, portanto, é uma exigência jurídica a que o titular do órgão deve atender, tanto em face da pessoa jurídica de que, como órgão, faz parte e dela depende; tanto em face dos demais sujeitos".

Parece assim, induvidoso que a escola Italiana faz corresponder ao dever de eficiência aquilo que Falzone[43]chama "Il dovere di buona amministrazione". Entretanto, ainda em 1984, a União dos Juristas Católicos Italianos (UGCI), no "Convegno di Studio" realizado nos dia 4 e 5 de maio de 1984, voltou sua atenção para o fato de que "não se pode negar se encontrarem a funcionalidade e a eficiência organizada do sistema em um nível não tão elevado assim, o que faz pensar em um desserviço organizado da administração pública". E acresce: "Urge encontrar saídas". Ao buscar saídas, a UGCI estudou, no "Convegno" em apreço, o tema da responsabilidade dos administradores públicos. Desde a apresentação, feita por Benito Perrone, de imediato seqüenciada pelas reflexões do Cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão, a linha dos estudos veio centrada na proposta de Romano Guardini, teólogo católico de nomeada, celebrando o conceito de "exercício responsável do poder".

Aponta o cardeal Martini, elaborando a vista da compreensão do fenômeno estatal, em sentido amplo, logra ser aplicável ao fenômeno da administração pública em sentido estrito. Sendo assim, a perquirição sobre a exigibilidade do dever de bem administrar encontra duas linhas de questionamento. Uma dessas linhas está voltada para a integração do honesto na gestão administrativa. A outra se dirige para a logicidade do sistema jurídico. Aquela diz respeito à exigência da probidade administrativa. Essa refere à atributividade normativa.

O dever de bem administrar no Brasil

Partes: 1, 2, 3


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