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O tema deste trabalho nasceu do seguinte questionamento: é possível para o professor, mais especificamente o de História, ensinar o aluno a pensar ao mesmo tempo em que o prepara para o vestibular?
Para tentar responder a esse questionamento primeiramente busquei entender o que é o ensino de História: como surgiu no Brasil, como é visto atualmente e quais suas tendências.
Em seguida, procurei refletir acerca do papel da escola na sociedade em que vivemos, uma vez que ela é o local a partir do qual a maioria das pessoas começa a questionar essa sociedade, seja de dentro para fora ou de fora para dentro. Para mudar a sociedade é preciso mudar a escola e vice-versa.
O próximo passo foi trazer o professor para debate, componente fundamental em qualquer mudança que se possa imaginar na educação. Procurei saber o que direciona sua prática de ensino: transformar o aluno em um cidadão crítico ou prepará-lo para o ingresso na universidade?
E o aluno? É um ser passivo nesse processo? Certamente não, pois juntamente com o professor ele deve ter voz no processo educativo. Fui saber o que ele pensa do ensino de História e suas expectativas para após a conclusão do Ensino Médio.
Esses três componentes (a escola, o professor e o aluno), nas condições ideais, seriam capazes de muitas mudanças na sociedade. Infelizmente, o quadro que vemos está longe do ideal (ensinar a pensar) e se agrava mais ainda com a pressão exercida pelo vestibular.
Para realização do trabalho entrevistei um professor de História do Ensino Médio na rede privada e dois alunos também do Ensino Médio (um na rede pública e outro na rede privada), além de consultar sites na Internet e trabalhos produzidos sobre a relação ensino-pesquisa.
A escolha das pessoas a serem entrevistadas se deu pelo critério das relações anteriormente existentes: eu já os conhecia antes do início do projeto e eles sabiam da proposta da monografia. Mesmo assim os alunos apresentaram receio em conceder entrevistas, sugerindo que eu fizesse um questionário para que respondessem. Temiam que eu fizesse perguntas sobre o conteúdo que estavam estudando na disciplina.
As entrevistas foram feitas seguindo um questionário semi-estruturado. De acordo com as respostas dadas pelos entrevistados (a riqueza de detalhes, as respostas monossilábicas ou o direcionamento para outros temas), perguntas eram acrescidas ou subtraídas.
Tentei dar espaço ao entrevistado, conforme Alessandro Portelli:
Não fazer uma entrevista invasiva é uma indicação de respeito em si mesma e pode abrir espaço para que se tenha confiança bastante, para que se possa tocar em coisas que não teriam sido ditas se alguém não tivesse perguntado. Deve-se criar o espaço. Uma técnica – se é que se pode chamar de técnica – é não cortar a entrevista quando se esgotam as perguntas, ou seja, quando parece que já tenha terminado.
Os anexos C, D, e E trazem as transcrições das entrevistas realizadas.
Ao fazer as transcrições preocupei-me em deixar os textos compreensíveis ao leitor. Muitos historiadores defendem a transcrição literal do que foi dito, alegando que cada gesto, cada palavra, tem um significado. Concordo com o significado dos gestos e das palavras, mas discordo que vícios de linguagem e repetições de palavras devam ser transcritos. A minha intenção foi obter informações, tentar saber o que meus entrevistados pensavam acerca do assunto em questão e não me debruçar sobre suas narrativas e capacidade de se expressar. Pretendi realizar as entrevistas de forma amigável e informal, atentando para o fato de não desvirtuar o depoimento dos entrevistados. A supressão de palavras que se repetiam constantemente (né, então, tipo, etc.), assim como a inclusão de outras, tiveram a intenção de dar coesão às respostas sem no entanto alterar seu significado. Para que não houvesse nas transcrições sentidos diferentes das respostas dadas pelos entrevistados, todas elas foram lidas por estes a fim de que suprimissem ou acrescentassem o que desejassem.
Para atingir meu objetivo, segui as indicações de André Castanheira Gattaz:
A textualização deve ser uma narrativa clara, onde foram suprimidas as perguntas do entrevistador; o texto deve ser "limpo", "enxuto" e "coerente" (o que não quer dizer que as idéias apresentadas pelo entrevistado sejam coerentes); sua leitura deve ser fácil, ou compreensível, o que não ocorre com a transcrição literal, apresentada por alguns historiadores como "fiel" ao depoimento, porém difícil de ser analisada como documento histórico.
Tendo-se portanto em mente que o código oral e o escrito têm valores diferentes, procura-se corrigir esta desigualdade através da transcrição. Processa-se então uma intensa atividade sobre o texto e a gravação, na qual palavras, frases e parágrafos serão retirados, alterados ou acrescentados, permitindo que o não literalmente dito seja dito.
Evidentemente, o fato de buscar informações nas entrevistas não significa que as respostas dos entrevistados sejam inquestionáveis. Em cada uma delas há a interpretação dada por eles às perguntas feitas.
A busca de um referencial historiográfico sobre o ensino de História no Ensino Médio e sua relação com o vestibular não foi muito produtiva. A maioria dos autores encontrados fez a opção pelo do Ensino Fundamental, onde ainda não há sobre a escola, sobre o professor e sobre os alunos a pressão exercida pelo vestibular. Entre os autores encontrados que fizeram essa opção está Selva Guimarães Fonseca, em seu "Caminhos da História ensinada" (dissertação de mestrado publicada pela Editora Papirus):
Esta obra pretende analisar os caminhos pelos quais passa a História em nível de ensino fundamental no interior do projeto de educação institucional e nos fazeres autônomos dos professores e alunos, articuladamente com as mudanças ocorridas no âmbito do espaço acadêmico e da indústria cultural brasileira. (grifos nossos)
A mesma autora, em "Ser professor no Brasil: História oral de vida" (dessa vez, uma tese de doutorado), optou pela história oral de alguns professores, em função do grau de frustração sentido por ela diante dos caminhos e possíveis resultados relacionados ao tema inicial, que era "colher depoimentos sobre como estes professores ensinavam e as suas concepções acerca da educação e da história."
Silma do Carmo Nunes também optou pelo ensino fundamental em "Concepções de mundo no ensino da História", sua dissertação de mestrado:
Procura-se, neste trabalho, caracterizar as principais concepções de mundo veiculadas no ensino da História referente ao ensino fundamental, mais especificamente, dessas quatro últimas séries do 1º grau que, nas décadas de 1950 e 1960, faziam parte do chamado curso ginasial. (grifos nossos)
Diante dessa dificuldade, optei pelas entrevistas, pela Internet e pelas obras que pensam o ensino de uma forma geral, mas tentando sempre direcioná-las ao Ensino Médio e ao vestibular.
Inicialmente pretendi entrevistar também um professor do Ensino Médio na rede pública, mas como tive acesso à pesquisa do PIBEG, onde professores egressos da Universidade Federal de Uberlândia foram entrevistados, muitos deles atuando na rede pública, escolhi utilizar esse material (trechos das entrevistas estão no anexo F). A pesquisa do PIBEG teve como propósito ouvir esses professores acerca das dificuldades encontradas por eles após a conclusão da graduação e no efetivo exercício em sala de aula. A partir das respostas foram feitas propostas para a mudança na grade curricular do curso de História, que passará a vigorar no primeiro semestre de 2006.
Ao longo do trabalho faço uso da expressão "ensinar a pensar", cujo significado considero ser o incentivo que se deve dar ao aluno (seja ele do Ensino Fundamental, Médio ou Superior) para que busque o conhecimento. Tal incentivo deve ser dado através do diálogo entre o professor e o aluno, da troca de idéias e opiniões (educação dialógica) e do reconhecimento de que pode haver outras perspectivas além da analisada. Daí que considero como sendo a função do professor de História "ensinar a pensar" e não ensinar pensamentos. Não adianta ficar repetindo o que pensaram os historiadores se o aluno não for capaz de desenvolver sua própria forma de pensar. De acordo com o filósofo americano Matthew Lipman, o problema é transformar o aluno que pensa em um aluno que pensa criticamente e aperfeiçoar esse pensamento através de procedimentos adequados. O artigo 35 da LDB faz uso do termo "autonomia intelectual", que acredito ser o resultado alcançado pelo aluno quando "aprende a pensar".
As citações ao longo do texto seguiram as "Diretrizes para apresentação gráfica das monografias de conclusão do curso de História, modalidade bacharelado", aprovadas pelo Colegiado dos Cursos de História, em reunião realizada em 19 de dezembro de 2002.
***
Não me proponho a oferecer respostas, apenas proporcionar o debate. Se em alguns casos expresso opiniões, eu já as tinha antes de iniciar o trabalho. E são somente opiniões. Afinal, "quando pensamos que sabemos todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas..."
Pensemos a respeito.
CAPÍTULO 1
Nossos adolescentes também detestam a História. Voltam-lhe o ódio entranhado e dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mínimo de conhecimento que o ponto exige ou se valendo lestamente da cola para passar nos exames. Damos ampla absolvição à juventude. A História como lhes é ensinada é realmente odiosa.
Murilo Mendes
1.1 – TRAJETÓRIA E TENDÊNCIAS
O ensino da História como disciplina foi criado no Brasil no século XIX, junto com a criação do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, que em seu primeiro regulamento, de 1838, determinou a inserção dos estudos históricos no currículo, a partir da sexta série.
Conforme Nadai:
Num primeiro momento ensinou-se a História da Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira História da civilização. A história pátria surgia como seu apêndice, sem um corpo autônomo e ocupando um papel extremamente secundário. Relegada aos anos finais do ginásio, com número ínfimo de aulas, sem uma estrutura própria, consistia em um repositório de biografias de homens ilustres, de datas e batalhas.
Esse modelo de História continuou sendo referência nos programas curriculares mesmo após a Proclamação da República. Porém algumas escolas foram sistematicamente incluindo a história nacional em seus programas.
O ensino de História e o ensino em geral só passaram a ter uma lei que fixasse suas diretrizes e bases (LDB) em 1961, com a Lei n° 4024/61 de 20/12/1961, modificada pela Lei 5540/68 de 28/11/1968, que fixou normas de funcionamento e organização do ensino superior e sua articulação com a escola média, e pela Lei nº 5.692/71 de 11/08/1971, que oficializou o ensino de Estudos Sociais, e relegou o ensino de História apenas ao antigo segundo grau.
Durante a criação e mudanças dessas leis, a concepção e os conteúdos de História continuavam atrelados às formas tradicionais.
Somente na década de 1980 se começou a debater a forma como a História era ensinada nas escolas e nas universidades e a "combater a proposta de Estudos Sociais, identificada com os interesses e a ideologia dos representantes da ditadura militar brasileira". De acordo com Schmidt e Cainelli, esses debates trouxeram a
perspectiva de recolocar professores e alunos como sujeitos da história, enfrentando a forma tradicional de ensino trabalhada na maioria das escolas brasileiras, a qual era centrada na figura do professor como transmissor e na do aluno como receptor passivo do conhecimento histórico. (grifo do autor)
Esses debates ocasionaram transformações no ensino de História no Brasil. Schmidt e Cainelli delimitaram essas transformações em três fases características, as quais são sintetizadas no quadro abaixo.
As transformações do ensino da História no Brasil |
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Ensino tradicional |
Ensino de Estudos Sociais |
Tendências atuais |
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Visão da ciência
Visão da ciência |
Preocupação com o estudo dos fatos, neutralidade do historiador e da explicação histórica. Ênfase na história dos fatos políticos e na história como produto da ação de indivíduos, de heróis. História considerada como ciência que estuda exclusivamente o passado. |
Interdisciplinaridade das ciências sociais (História, Geografia, Antropologia e Sociologia). Predomínio do ensino de Estudos Sociais. Estudo das sociedades no transcorrer do tempo como objetivo do ensino. |
História como história de todos os homens, e não somente de heróis. Inclusão de novas contribuições historiográficas: história econômica, cultural e social. Análise do fato histórico substituída por outras possibilidades, como análise do processo histórico e da experiência dos sujeitos da história. Incorporação dos novos temas e objetos da História, como a história das mulheres, a das crianças e a dos movimentos sociais. |
Função do ensino |
Estudo das origens, da genealogia das nações. Objetivo de formar o cidadão para a pátria e construir identidades nacionais. Estudo dos legados, principalmente daqueles da civilização européia. Compreensão da nação brasileira como fruto da integração entre três raças: branca, índia e negra. |
Integração do educando em um meio cada vez mais amplo. Estudo da história do presente, evitando o estudo do passado pelo passado. Formação de cidadãos para a sociedade em desenvolvimento, democrática e industrial. |
Contribuição para a construção da cidadania. Desenvolvimento de raciocínios historicamente corretos. Aquisição de capacidade de análise da relação presente-passado. Apreensão da pluralidade de memórias, e não somente da memória nacional. Preocupação com as finalidades do ensino da História no mundo contemporâneo. |
Relação professor x aluno
Relação professor x aluno |
Professor como transmissor do saber histórico verdadeiro, pronto e acabado. Aluno como receptor passivo do conhecimento histórico transmitido pelo professor. |
Aluno como centro do ensino. Professor como facilitador da aprendizagem. Relação baseada na vigilância do aluno pelo professor. |
Importância do domínio do conteúdo específico pelo professor, que deve ser comprometido com o aluno e mediador entre este e o conhecimento histórico. Professor como responsável pela intermediação entre o aluno e o percurso para produção do conhecimento histórico. Aluno como sujeito de seu próprio conhecimento e do conhecimento histórico. |
Conteúdo |
Organização de forma linear, cronológica, baseada principalmente na periodização política e baseada em fontes escritas. História narrativa e descritiva. Conteúdos selecionados com base em visões "oficiais" da História. Valorização das datas comemorativas. |
Fragilização do conteúdo específico da História. Valorização da aprendizagem baseada no desenvolvimento de atividades. Livros didáticos em que predominam ilustrações. Simplificação do conhecimento histórico. Currículos organizados em "círculos concêntricos": família, escola, bairro, cidade, país e mundo. |
Recuperação da historicidade do conhecimento histórico. Conteúdo histórico como produto do saber-fazer específico. Novas possibilidades de organização curricular para o ensino da História, como a história temática e o ensino por conceitos. Valorização do conteúdo e de visões plurais e críticas da História. Incorporação de novas produções de historiadores. |
Método |
Formal e abstrato, sem relação com a vida do aluno. Conteúdos e métodos sem o objetivo de desenvolver a criticidade. Predomínio do "ponto" (texto sobre determinado conteúdo), questionário, testes de múltipla escolha e exercícios com lacunas a serem completadas. |
Baseado no ensino por atividade. Ênfase na pesquisa e no trabalho em grupos. |
Tem como referência a própria ciência. Recuperação do método da História em sala de aula. Preocupação com a transposição didática: relação entre saber científico, saber a ser ensinado, saber ensinado, saber aprendido e prática social. Valorização do uso de documento histórico em sala de aula. Incorporação de novas linguagens e tecnologias no ensino da História, como análise de filmes e uso da informática. |
Avaliação |
Avaliação centrada no professor. Avaliação de resultados, do produto da aprendizagem, baseada na memorização de informações transmitidas pelo professor. Avaliação classificatória. |
Baseada em objetivos previamente propostos. Avaliação do processo, e não do conteúdo. |
Diagnóstica, processual, formativa. Busca o crescimento do aluno, e não sua classificação e exclusão. |
Quadro 1 – As transformações do ensino de História no Brasil Fonte: SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 15. |
Ao se analisar o quadro, percebe-se que, de acordo com as autoras, as tendências atuais apontam para uma visão da disciplina de História como capaz de formar o cidadão e desenvolver seu raciocínio, entre outras atribuições. Os professores se sentem aptos a transformar seus alunos em cidadãos críticos?
1.2 – POR QUE ESTUDAR HISTÓRIA?
A frase de Murilo Mendes citada na epígrafe deste capítulo é de 1935. Foram quarenta e cinco anos para se começar o debate sobre como a História era ensinada. Desde então já se passaram mais vinte e cinco anos. O que mudou? A História que lhes é ensinada ainda é odiosa? Se for considerada a pergunta que ainda é feita aos professores de História, conclui-se que ainda há muito a ser mudado. A pergunta que insiste em ser repetida à exaustão é: afinal, por que estudar História? Por que se prender no passado quando o que nos importa é o presente e o futuro? Essas perguntas expressam, por parte dos alunos, a falta de sentido naquilo que lhes é ensinado.
Uma das respostas a estes questionamentos é afirmar ser essa disciplina a ciência humana básica na formação dos alunos, pela possibilidade de fazê-los compreender a realidade que os cerca e a partir daí dotá-los de espírito crítico, que os capacitará a interpretá-la e compreendê-la em sua plenitude, visto que não se critica algo do qual não se tem conhecimento. No entanto, por mais que alguns professores se esforcem, são poucos os alunos que compreendem esta resposta.
Diante da falta de compreensão dos alunos, muitos professores acabam optando por se tornarem "tão somente eco do que já foi dito por outros":
Assim, a aula de história é o espaço em que um embate é travado diante do próprio saber: de um lado, a necessidade de o professor ser o produtor do saber, de ser partícipe da produção do conhecimento histórico, de contribuir pessoalmente, para isso; de outro, a opção de se tornar tão somente eco do que já foi dito por outros.
Outro cuidado que o professor deve ter é não se tornar um instrumento da alienação de seus alunos:
A discussão permanente do que vem a ser História e de qual é a sua serventia, algo aparentemente irrelevante, permitirá, por sua vez, uma escolha mais consciente do caminho a ser seguido. Ela deve se fazer presente como forma de trazer à luz o inconsciente ideológico do professor, evitando-se, assim, que este se transforme, sem que o perceba, num instrumento da alienação.
Uma tentativa de fazer os alunos compreenderem o sentido das aulas de História seria proporcionar-lhes os instrumentos necessários para que possam vislumbrar todos os lados de uma mesma questão e assim refletirem a partir de diferentes interpretações, produzindo o seu próprio conhecimento.
Paulo Freire escreveu que
ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se "dispõe" a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente. [...] Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
Produzir conhecimento não é uma tarefa simples, pois nem todos os professores estão preparados ou têm condições para tanto. Em face das dificuldades, muitos professores adotam aulas totalmente expositivas, onde o livro didático reina absoluto, correndo assim o risco de caírem em um tipo de aula positivista, onde a História é apenas a narrativa dos acontecimentos, dos fatos do passado.
Gilberto Cotrim afirma que
O historiador não é um homem neutro e isolado de sua época. Dessa maneira, percebe-se que a História que se escreve (historiografia) está intensamente ligada à História que se vive. O mundo de hoje, com suas angústias e alegrias, lutas e sonhos, contagia de alguma maneira o historiador, refletindo-se na reconstrução que ele elabora do passado. E essa reconstrução do passado depende de uma série de escolhas e "recortes" feitos pelo historiador. Escolhas e recortes que envolvem desde a própria natureza do trabalho a ser realizado (tema, método e projeto de pesquisa) até a seleção das fontes históricas que interessam à pesquisa (documentos públicos, cartas particulares, livros, objetos técnicos, obras de arte – música, peças de teatro, pinturas -, jornais, revistas, etc.).
Os fatos do passado podem ser definitivos, mas as conclusões dos historiadores nunca são definitivas. (grifos do autor)
Considerando-se esta afirmação, torna-se impossível pensar a História como sendo uma ciência do passado. O modo como o historiador vive o presente influencia na reconstrução que ele faz desse passado. Isso fortalece a concepção de história definida por Fernand Braudel: "a História é a ciência do passado e do presente, um e outro inseparáveis".
Para que haja essa união entre o passado e o presente é preciso que tanto o professor quanto o aluno sejam capazes de "pensar" a História. Acredito que seja essa a função desta disciplina: ensinar a pensar. Não só desta, mas de todas as outras, cada uma à sua maneira. Mas da maneira como as coisas estão postas, onde um diploma universitário ainda tem muito significado (ainda que grande parte de seus portadores sejam "analfabetos funcionais"), a maioria das escolas (principalmente as privadas) opta por formar alunos acríticos com maior chance de obter sucesso no funil da universidade do que formar alunos críticos que ficarão à margem desse processo. Valoriza-se o conteúdo, já que o desempenho dessas escolas é medido através do resultado de seus alunos nos exames vestibulares.
Cabe aqui uma citação do colunista Stephen Kanitz, da Revista Veja, que em um artigo intitulado "Aprendendo a pensar", nos diz como em seu tempo (e em muitos casos, ainda hoje) as aulas eram ministradas:
Ensinavam as capitais do mundo, o nome dos ossos, dos elementos químicos, como calcular o ângulo de um triângulo e muitas outras informações que nunca usei na vida. Nossa obrigação era anotar o que o professor dizia e na prova final tínhamos de repetir o que havia sido dito.
Diante desta afirmação, fica a seguinte dúvida: até que ponto a História ensinada, tanto nos níveis fundamental e médio quanto nas universidades, atua da forma mencionada por Kanitz? Será que os alunos não estão apenas anotando o que o professor diz e repetindo na prova final? Será que estão aptos à produção do conhecimento ainda não existente? Como dotá-los de espírito crítico e capacitá-los a interpretar a realidade?
O articulista Marcelo Coelho, da Folha de São Paulo, escreveu o seguinte sobre uma pesquisa do Datafolha que revelava os colégios "campeões" do vestibular na Grande São Paulo:
[...] num ensino tão preocupado com o desempenho em provas objetivas, é natural que vá desaparecendo o espaço dedicado à discussão, ao pensamento independente. E cresce para os alunos a obrigação de regurgitar no papel o que lhes foi enfiado pelos ouvidos na véspera.
Não há espaço para o senso crítico, para o raciocínio.
Na entrevista com o ALUNO 1, perguntei se a disciplina de História lhe proporciona uma reflexão sobre a sociedade. Sua resposta foi que a Geografia gera muito mais reflexão:
Bem mais. Porque a Geografia aborda mais os séculos XVI ao XX . [Na disciplina de História] você volta lá no tempo, aprende aquele negócio de feudalismo. Hoje, na maioria das vezes, isso não serve pra nada.
Indagado a respeito de como seu professor de História ministra as aulas, o mesmo aluno respondeu que "o professor passa o texto no quadro, todos copiam e depois ele explica o texto".
A julgar por essa resposta, ainda há aulas sendo ministradas da maneira citada por Kanitz.
Em seu artigo, Kanitz também afirma:
Num mundo em que se fala de "mudanças constantes", em que "nada será o mesmo", em que o volume de informações "dobra a cada dezoito meses", fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado se torna inútil e até contraproducente. No dia em que os alunos se formarem, mais de dois terços do que aprenderam estarão obsoletos. Sempre teremos problemas novos pela frente. Como iremos enfrentá-los depois de formados? Isso ninguém ensina. [...]
Curiosamente não ensinamos nossos jovens a pensar. Gastamos horas e horas ensinando como os outros pensam ou como os outros solucionaram os problemas de sua época, mas não ensinamos nossos filhos a resolver os próprios problemas.
Caso o professor não tenha a habilidade de desenvolver em seus alunos a capacidade de pensar, de refletir sobre a sua própria história e relacioná-la com a História à sua volta, o ensino continuará da maneira tradicional que tanto criticamos. E essa maneira tradicional de se ensinar História acaba tornando as aulas verticalizadas, do professor para o aluno, de mão única, o que, não raro, causa apatia dos alunos em todos os níveis. Cai-se novamente no esquema onde o professor sabe o conteúdo e o aluno não sabe. Nada mais além do conteúdo.
Conforme Regis de Morais, o lado oposto dessa aula verticalizada seria o "picadeiro de aula", onde para não causar a apatia de seus alunos o professor acaba, muitas vezes, perdendo o controle da sala. Para que isso não ocorra, deve-se buscar o equilíbrio entre a autoridade do professor (sem cair no autoritarismo) e a liberdade do aluno (sem cair na licenciosidade), pois "para nascer a disciplina não é nem nunca foi necessário sufocar o lúdico ou eliminar a alegria."
O professor de História, ou de qualquer outra matéria, deve estar atento a esses detalhes, não deve ter seus olhos voltados apenas para os seus manuais, seus livros de referência e o que acontece no cotidiano da escola. Tudo isto tem sua importância, mas
não basta. É preciso mais. Como diz Rubem Alves, o saber tem que ter sabor. Assim as aulas talvez deixem de ser odiosas e se tornem saborosas.
***
Convém deixar claro que ao fazer as declarações acima não desconsidero, em nenhum momento, as armadilhas pelas quais passa o ensino no Brasil, desde o menosprezo que os donos do poder, e a sociedade em geral, nutrem pelos professores, até a falta de unicidade desta categoria profissional.
O número elevado de alunos, a carga horária cada vez menor para a disciplina (e cada vez maior para o professor) e a desvalorização do profissional são problemas enfrentados pelo professor de História no Ensino Básico (Fundamental e Médio), principalmente na rede pública.
O professor está cada vez mais sobrecarregado de tarefas, o que torna difíceis sua atuação e o domínio de seu papel, menos por incompetência e mais por incapacidade de cumprir um grande número de funções.
No meu entender, qualquer mudança no ensino passa, necessariamente, pelos professores, devendo estes permanecer no centro dos debates. Para que isso seja possível é necessário que haja uma coesão mínima entre a categoria, conforme salientou o professor Eduardo D`Oliveira França:
Não se pode pedir ao professor que seja diferente do que está sendo, se ele é tratado pela sociedade como está sendo tratado. Isso tem que ser repensado com urgência. Mas acontece é que quando os professores entram na política, geralmente eles se esquecem de que são professores e se esquecem de sua gente, esquecem a sua origem. (grifos nossos)
Esta opinião é compartilhada por Neidson Rodrigues quando afirma que
É assustador constatar que mesmo as lideranças políticas, os administradores, os planejadores e líderes dos movimentos de professores e educadores no Brasil exibem uma pobreza crônica em relação ao fenômeno educativo. São freqüentes as falas, os discursos, proposições e idéias que se reduzem a três ou quatro chavões publicamente respeitados e consensuais, com os quais eles manipulam a massa de educadores e se apresentam como detentores de toda a verdade política: "democratizar a escola". "escola pública e gratuita", "melhorar a qualidade de ensino", "acabar com as determinações de cima para baixo", etc. Se tais chavões expressam alguma convicção política, eles, no entanto, têm servido muito mais para a obtenção de aplausos em assembléias do que força propulsora de transformação.
Tais aplausos resultam quase sempre em desilusão. Se os professores, ao entrarem na política, "se esquecem de que são professores e se esquecem de sua gente, esquecem a sua origem", como mudar o quadro atual? Como propulsionar transformações?
Somente um político comprometido com a categoria poderá representá-la adequadamente. E somente no interior de uma categoria unida poderá surgir esse político.
CAPÍTULO 2
Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo.
Cora Coralina
O papel da escola tem sido muito discutido e questionado: um lugar para se doutrinar, se adestrar, se disciplinar para ser o mais eficiente possível ou um lugar para formar indivíduos críticos, com uma visão do homem e do mundo, conscientes da realidade e de como ela foi construída?
Para muitos, a segunda opção é a verdadeira, mas para outros a escola tem sido um espaço de doutrinação, utilizada pelo Estado para impor a sua ideologia e subordinar a todos que por ela passam.
Em relação à ideologia, segundo o Dicionário de Política,
[...] pode-se delinear [...] duas tendências gerais ou dois tipos gerais de significado que Norberto Bobbio se propôs a chamar "significado fraco" e de "significado forte" da Ideologia. No seu significado fraco, Ideologia designa o genus, ou a species diversamente definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos. O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia claramente do primeiro porque se mantém, no próprio centro, diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, a noção de falsidade: a Ideologia é uma crença falsa. No significado fraco, Ideologia é um conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das classes políticas. No significado forte, Ideologia é um conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política.
A ideologia transmitida pela escola seria, de acordo com essa definição, a ideologia forte, que transmitiria uma "falsa consciência de uma crença política" capaz de doutrinar e manter a paz entre as classes opostas de uma sociedade.
Numa interpretação marxista,
A ideologia assume [...] uma conotação pejorativa, na medida em aparece como sendo uma interpretação da realidade feita pela classe dominante. A ideologia tem como função autonomizar as idéias dominantes e jogar um véu sobre a contradição e a luta de classes características da sociedade burguesa, mostrando-a como um todo harmônico, no qual os dados que compõem o real são tidos como supostamente naturais, inevitáveis e, por isso, inquestionáveis. A ideologia naturaliza o dado histórico, legitimando suas "verdades" em nome de elas sempre terem existido.
Um dos que definiram a escola como espaço ideológico, de doutrinação, chamando-a de Aparelho Ideológico do Estado, foi Althusser:
Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais "vulnerável", espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante [...], ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro [...]. Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra "na produção": são os operários ou pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios, pequenos burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair num semidesemprego intelectual, seja para fornecer além dos "intelectuais do trabalhador coletivo", os agentes da exploração (capitalistas, gerentes), os agentes da repressão (militares, policiais, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda espécie, que em sua maioria são "leigos" convictos).
Essa visão da escola como um aparelho totalmente alienante certamente não é compartilhada por todos. J. A. Guilhon Albuquerque, no prefácio crítico do livro de Althusser, escreveu:
Fica claro, com isso, que o funcionamento, tanto coercitivo quanto ideológico, do aparelho de Estado não é neutro ou instrumental – não é unidirecional – mas sim, contraditório. Nesse sentido, o "aparelho" em questão não deveria ser representado como um bastão servindo de alavanca, em que a força empregada de um lado desloca um obstáculo inerte do outro lado, mas como uma corda num cabo-de–guerra, em que a força empregada numa ponta encontra uma resistência proporcional se não igual na outra ponta. (grifos do autor)
Mais adiante ele conclui:
A Universidade e a escola, particularmente, deixam de ser uma conquista da humanidade a ser preservada das querelas pequeno-burguesas, para se tornarem não mais instrumentos de saber, mas máquinas de sujeição ideológica. O que a torna instrumento de subordinação ideológica não são os "valores" da burguesia e os "interesses" de seus representantes, mas seu funcionamento ideológico. A escola continuaria máquina de sujeição, ainda que mudasse de mãos e adotasse "valores" ou "interesses" hipoteticamente opostos. (grifos nossos)
A partir dessa afirmação, pode se dizer que a escola, não importa se na mão da burguesia ou do proletariado, servirá sempre como um aparelho ideológico, mas incapaz de estender sua ideologia a todos os sujeitos envolvidos na relação ensinar/aprender. É um espaço de alienação/conscientização, adestramento para a exploração/liberdade e de lutas entre utopias/ideologias.
Na colocação de Althusser,
a escola desempenha muito bem sua função política, fornecendo aos estudantes as atitudes apropriadas para o trabalho e para a cidadania. O que ela não faz é desafiar a base estrutural do capitalismo, embora haja indivíduos dentro dessas instituições que podem oferecer agudas críticas e formas de ensino de oposição. (grifos nossos)
Ciente da existência desses indivíduos, ele escreve:
Peço desculpas aos professores que, em condições assustadoras, tentam voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam, as poucas armas que podem encontrar na história e no saber que "ensinam". São uma espécie de heróis. Mas eles são raros, e muitos (a maioria) não têm nem um princípio de suspeita do "trabalho" que o sistema (que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou, o que é pior, põem todo o seu empenho e engenhosidade em fazê-lo de acordo com a última orientação (os famosos métodos novos!). Eles questionam tão pouco que contribuem, pelo seu devotamento mesmo, para manter e alimentar esta representação ideológica da escola, que faz da Escola hoje algo tão "natural" e indispensável, e benfazeja a nossos contemporâneos como a Igreja era "natural", indispensável e generosa para nossos ancestrais de alguns séculos atrás.
Comparar a Escola de hoje com a Igreja de nossos ancestrais é um tanto excessivo. Questionar a Igreja era algo punível até com a morte (o que não impediu a Reforma), mas questionar a Escola é algo totalmente aceitável (o que me faz acreditar que mudanças são possíveis).
Acredito que foi isso que Giroux disse quando escreveu:
Em outras palavras, a dominação nunca é tão completa que o poder seja experenciado exclusivamente como força negativa. Ao contrário, o poder é a base de todas as formas de comportamento, por meio das quais as pessoas resistem e lutam por sua concepção de um mundo melhor.
Neidson Rodrigues disse a mesma coisa com outras palavras:
Não se pode simplesmente considerar que, por estarmos inseridos numa sociedade capitalista – onde há um setor dominante da economia que organiza a estrutura de dominação no universo da ciência, da técnica, da cultura, da ideologia – a escola, como instituição social inserida nessa realidade, executa apenas a função de reproduzir os interesses desses setores dominantes.
Por mais que tente reproduzir apenas interesses dos donos do capital – que organizam o Estado e a sociedade –, ela também perpassa os outros setores da sociedade, já que cumpre sua função de ensinar, de socializar a cultura e de instrumentalizar os educandos para compreenderem essa realidade.
De fato, a maioria das escolas está aquém do que se suporia ser uma "escola ideal" (ainda que considero este termo um tanto utópico) e muitas das privadas têm como objetivo maior o interesse financeiro, como afirmado pelo ALUNO 1: "Ela é como se fosse uma máquina; a função é pôr conhecimento na sua cabeça, você tem que aprender de qualquer jeito para poder passar no vestibular e a escola ganhar nome e ter mais lucro".
No entanto, por mais que haja críticas, havendo professores dispostos, este é o lugar onde se aprende a questionar o mundo (ainda que nem todos o façam). Aqueles que tecem críticas não seriam capazes de fazê-lo se nunca tivessem sentado em um banco escolar.
É o caso de Gilberto Dimenstein e Rubem Alves:
Para mim, a escola foi um problema durante toda a minha vida escolar. Não houve um único ano em que a escola tenha sido estimulante e fonte de realização. Então, acabei desenvolvendo algumas defesas para tentar me proteger. Uma delas foi uma dicção péssima: as pessoas não entendiam direito o que eu falava. A outra era a minha letra. Até hoje eu não entendo a minha letra. Precisaria ter um tradutor para a minha letra. Ir à escola, para mim, era um processo doloroso. Não conseguia aprender. (Gilberto Dimenstein)
O Calvin (personagem de história em quadrinhos), provocador das minhas idéias sobre a escola, recebeu, dentro de uma caixa, um presente. Não gostou do presente e o deixou de lado. Mas ficou encantado com a caixa. Tantas coisas se podiam fazer com a caixa! A escola foi, para mim, como o presente do Calvin. Não me entusiasmou. Mas gostei da caixa, o mundo que a cercava. Havia tantas coisas para conhecer, tantas coisas para fazer! (Rubem Alves)
A "caixa do Calvin" é o sabor do saber: a curiosidade para conhecer e para fazer. A escola deve incentivar essa curiosidade, despertar o desejo de aprender, ao invés de vir sempre com o saber pronto e acabado, sem reflexão e sem crítica, fruto ainda da educação escolástica introduzida no Brasil pelos jesuítas, conforme salienta Marília Beatriz Cruz.
A generalização não deve ser feita, pois, como mencionado anteriormente, ainda há escolas e professores, por menor que seja esse número, que estão fora desse esquema massificante, porém,
apesar de uma aparente modernização que aparece mais nas palavras do que na ação, fruto da influência escolanovista, o ensino em geral (e talvez mais especificamente o ensino de História) permanece para muitos como uma ladainha repetida pelos herdeiros da tradição jesuítica.
CAPÍTULO 3
"Venham para a beira", disse ele.
Eles responderam: "Temos medo".
"Venham para a beira", repetiu.
Eles vieram. Ele então os empurrou.
E eles voaram.
Guillaume Apollinaire
Já foi afirmado que qualquer mudança no ensino passa necessariamente pelo professor, conforme afirma Fonseca:
[...] as investigações pedagógicas, que até pouco tempo insistiam em estudar a educação, a escola e o ensino ignorando o professor, hoje tentam colocá-lo no centro dos debates. Isso decorre do reconhecimento de uma questão óbvia: não há educação ou ensino sem o professor, e o professor é uma pessoa. (grifos nossos)
Devemos então considerar que
[...] sendo o professor uma pessoa, a maneira como cada um de nós ensina está diretamente ligada à nossa maneira de ser, aos nossos gostos, vontades, gestos, rotinas, acasos, necessidades, práticas religiosas e políticas.
Se considerarmos também que grande parte dos alunos do Ensino Médio tem por objetivo o ingresso na universidade, então a maneira de ensinar depende, basicamente, da maneira de ser do professor (suas teorias e visões), do que ele espera de seus alunos e do que os alunos, os pais e a escola esperam dele.
No caso do ensino de História, qual será a maneira e o propósito de ensinar desses professores? Somente preparar o aluno para o vestibular?
O dilema do professor passa a ser:
dedicar-se a propósitos formativos e educacionais, que implicam em preparar alunos capazes de refletir criticamente sobre a história e o mundo que os cerca, ou, pelo contrário, dedicar-se à preparação para o Vestibular que, muitas vezes, corresponde às expectativas dos alunos mas também a pressões institucionais e sociais sobre o professor.
Diante desse quadro de incerteza, muitos professores, tanto do ensino público quanto do privado, acabam adotando "um ensino de História linear, factual, memorizador e reprodutivista", que é o método mais próximo daquilo que será pedido nos vestibulares.
Para mudar esta situação, Franco et al. afirmam que
é fundamental mudar a própria concepção de história e de sociedade que dão sustentação àquela orientação educacional. Nesse sentido, a mudança exige uma ruptura com a própria concepção de educação cujas finalidades se restringem a obter notas suficientes para a aprovação, aprender o necessário para ingressar no mercado de trabalho ou, para uns poucos, passar no vestibular.
Mudar a concepção de História não é tarefa fácil, principalmente quando os próprios alunos desejam "um treino específico e não uma educação formativa":
[...] na pesquisa educacional realizada pela equipe do laboratório de História antes referida, responderam que o principal motivo que os leva a estudar História é a busca pela aprovação no Vestibular. Apenas como segunda opção, encontramos a preocupação com a busca de consciência sobre a realidade social.
Esses alunos, cujo propósito é somente a aprovação no vestibular, necessitam somente de um professor reprodutivista e muitas instituições nada mais fazem do que formar profissionais com esse perfil. Quanto a isso, Corsetti nos alerta:
As instituições formadoras dos educadores necessitam aprofundar um trabalho que garanta o desenvolvimento não só da consciência social por parte dos futuros professores, mas também de sensibilidade social. Nesse sentido, é fundamental que os novos educadores possam ser preparados para que tenham a compreensão plena do papel da escolarização num mundo como o que atualmente se estrutura nos marcos de um processo de globalização, com as características que conhecemos.
Fazer desses egressos da graduação (e mesmo do mestrado e possível doutorado), sujeitos com senso crítico, capacidade de aprender a pensar e aptos a perceberem a realidade que os cerca (certamente adversa da realidade de seus educandos), ao invés de fazer deles "Miguelângelos de arquivos ou Stravinskys das notas de rodapé" deve ser a função das instituições de ensino.
Aprender a repetir o que os grandes historiadores pensaram não é suficiente. É preciso saber adequar esses pensamentos ao contexto no qual se está inserido. Conforme Giroux:
Muito freqüentemente, os programas de formação de professores perdem a visão da necessidade de educar os estudantes para se tornarem profissionais críticos, mas desenvolvem cursos que focalizam os problemas imediatos da escola e que substituem, pelo discurso do gerenciamento e da eficiência, a análise crítica das condições subjacentes à estrutura da vida escolar. Ao invés de ajudar o estudante a pensar sobre quem é, sobre o que deve fazer na sala de aula, sobre suas responsabilidades no questionamento dos meios e fins de uma política escolar específica, os alunos são freqüentemente treinados para compartilhar técnicas e para dominar a disciplina da sala de aula, para ensinar um assunto eficientemente e organizar o melhor possível as atividades diárias. A ênfase do currículo de formação do professor está em descobrir o que funciona.
Além disso, há na formação de professores a ausência do conhecimento de suas reais condições de trabalho (mesmo a Prática de Ensino não dá conta de suprir essa ausência), o que impossibilita adequar a relação entre o conhecimento adquirido no curso superior e as ações que devem ser desenvolvidas, para que se efetive o processo educativo nos diferentes níveis de ensino e se crie uma inter-relação entre a formação e a atuação profissional. As idéias não devem ficar descoladas da realidade. Além disso, um contato maior entre a universidade e o Ensino Médio poderia ter como conseqüência uma melhora no nível deste, o que refletiria positivamente mais adiante, quando os alunos fossem concorrer a uma vaga no ensino superior.
Alguns relatos de professores no Ensino Médio egressos da graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia servem para ilustrar essa afirmação:
Na área de licenciatura foi muito difícil. Está sendo muito difícil porque a universidade não prepara o graduando para ser um profissional em sala de aula. O curso é mais direcionado para a pesquisa, para o mestrado, doutorado... Essa é uma dificuldade que sinto, porque as disciplinas não preparam os alunos para a realidade em sala de aula.[...] Isso eu achei muito carente no curso de História, uma carência muito grande.
Eu acho que o problema maior é você perceber que na universidade você já tem dificuldades [...] Faltam recursos dentro da universidade, mas na escola pública a situação é bem pior do que a gente imagina. Acho que os alunos deveriam partir para as escolas para ver como é a situação dela, porque senão ele pensa uma coisa, chega cheio de idéias...[...] Então vai ser difícil trabalhar.
[...] Eu acho que a grande dificuldade é essa: a gente enxerga na graduação uma realidade que não acontece na prática. Eu acho que quando o pessoal vai fazer Prática de Ensino começa a perceber isso.
Deve-se considerar também que a Universidade ensina o ideal, pois devido ao fato de trabalhar com pessoas, o professor lidará com diversas realidades. Creio que o conhecimento prévio da situação que deverá encontrar ao ingressar no seu mundo de trabalho talvez lhe permita identificar e definir em que condições e por quais meios os conhecimentos por ele adquiridos poderão ser transmitidos nos diferentes níveis de escolaridade, ainda que não seja possível conhecer todas as realidades.
É questionável afirmar que as disciplinas pedagógicas (nos atuais currículos: Psicologia da Educação, Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Prática de Ensino, Oficina Pedagógica e Estágio Supervisionado), da maneira como são ministradas, são suficientes para preparar o futuro professor, pois há um desconhecimento recíproco entre o Ensino Fundamental e Médio e os cursos superiores. Um semestre de Estágio Supervisionado (estágio de observação, destaque-se) torna o aluno apto a assumir uma sala de aula?
Apesar de haver esse desconhecimento, há egressos da UFU que confundem separação com imposição, como na resposta dada abaixo quando foi questionado o distanciamento entre a Universidade e o Ensino Médio:
[...] Qual o programa que eles (os responsáveis pelo Ensino Médio nas escolas privadas) seguem quando falam: "Oh! Vai preparar sua aula... você vai dar aula no 1° ano". Você sabe qual é o programa que eles te obrigam a seguir? É o programa do PAIES. Então, não está tão longe não. É o PAIES que dita o que vai ser dado no 1°, é o PAIES que dita o que vai ser dado no 2° e é o PAIES que dita o que vai ser dado no 3°. Então, não existe essa separação ilusória.
Em função do distanciamento que de fato há, muitos professores não têm a menor noção de como lidar com a sala de aula e acabam adotando práticas de seus professores na universidade, repetindo os mesmos mecanismos e demonstrando dificuldade em romper com determinados padrões. A influência do passado escolar é muito forte:
A dificuldade fica, mas é do pânico. Mas para dar aula, na estruturação da aula, foi ótimo. Aí é que eu fui descobrindo que me espelhava nos meus professores daqui. O quanto a minha experiência com meus professores, a forma de lidarem conosco, o respeito e o desrespeito que eles tinham em relação à gente, o quanto isso influencia na nossa postura como professor. Os modelos que a gente tem, os professores que a gente admira, você acaba buscando imitá-los. E é fantástico isso. Às vezes, até aquele professor que você odeia, quando você vê, você fala: "Meu Deus, estou igualzinha a ele! Então eu já sei como vou me vingar desse aluno." É por aí.
Nas palavras do filósofo e educador francês Georges Gusdorf:
A existência intelectual e espiritual da maioria da humanidade organiza-se na maior parte das vezes segundo os princípios de uma economia feudal, em que cada homem encontra o seu lugar num sistema de relações de dependência. Cada um repete as palavras de ordem daqueles que julga colocados em lugares mais altos do que ele na hierarquia da autoridade fundamental. (grifos nossos)
O professor, durante a sua formação, deve aprender a pensar (insisto nesta frase), pois somente a partir daí será possível romper com essa relação de dependência.
O professor Eduardo D`Oliveira França alertou:
Acho que a formação de professores está em crise.[..] Depois que se estabeleceu que o importante é a pesquisa e que o ensino é um apêndice da pesquisa, os professores são menos professores e mais pesquisadores. Isso porque a própria universidade cobra deles a pesquisa e não o ensino. Exige a famosa e detestável avaliação, exige a necessidade de pesquisar e publicar, como um imperativo, uma exigência da universidade. Os professores estão sendo apanhados por essa mudança de distribuição do tempo, pensam mais em si próprios, nas suas pesquisas, nas suas publicações, nas suas participações em congressos, do que nos seus alunos. Isso é uma distorção que precisa ser contida, é preciso reencontrar o equilíbrio entre as duas formas de atividade. A preocupação é com formar o pesquisador, inclusive precocemente.[...] É preciso repensar a formação do professor secundário para conter essa queda de nível, sobretudo, de estado de espírito no ensino secundário.
Mais uma vez, faço uso das palavras de egressos da UFU para reafirmar este alerta:
Quando eu terminei o curso, eu já estava dando aula. O que pude perceber é que havia uma grande diferença entre aquilo que se ministrava, ou melhor, que cobrava e que se exige da gente nas escolas de Ensino Médio e Fundamental com aquilo que estava sendo ministrado na universidade. Saíamos aptos a enfrentar uma pesquisa e não tão preparados para uma sala de aula.
[...] Um dos maiores problemas que eu observo, quando fui aluno observava e ainda persiste, é uma separação clara entre historiografia e o conteúdo a ser ensinado em sala de aula. [...] Então, essa é uma grande dificuldade que o profissional enfrenta: quando ele vai para a sala de aula, não consegue interagir com os alunos porque ele não sabe o que vai ensinar. E aí quem fornece isso para ele é o livro didático.
[...] Todo mundo negligencia (as disciplinas de Prática e Oficina) e sobretudo estão nas mãos de substitutos que estão sobrecarregados, que muitas vezes acabaram de sair do curso de História. São ex-alunos que entram e não têm prática de sala de aula de 2º grau. Então tudo isso dificulta. E isso, na verdade, está ligado a um modelo de conhecimento: ao modelo de que o professor-pesquisador universitário é mais importante do que o professor licenciado, que vai para o Estado. O curso é organizado para formar esse pesquisador, mesmo sabendo que ele não tem mercado de trabalho.
Devo dizer que não considero a formação do professor algo delimitado; não se pode afirmar que a formação está acabada, concluída, após o término do curso, assim como não se inicia somente nos últimos semestres, como ainda acontece. Inicia-se desde o primeiro semestre da graduação e continua além dos muros da universidade. Ela é permanente, através das experiências e práticas de cada professor. Este, em sua contínua formação, sofre influências de fatores exteriores (instituições, pais, programas curriculares), interiores (sua personalidade, suas escolhas, seus projetos pessoais) e dos alunos (que são diferentes em cada sala e entre si), não lhe sendo possível permanecer estático, independente de uma formação acadêmica adequada ou não.
O PROFESSOR 1 afirma:
Tem muito professor que acha que descobriu a "fórmula de ensinar". Ele explica do mesmo jeito, ele conta as mesmas piadas, faz os mesmos comentários e todos os alunos gostam dele. Ele fica no mesmo conteúdo tanto tempo que "bitola". Por mais que eu tenha que cumprir a matéria, que cumprir o conteúdo, se eu não mudar ao menos um pouquinho por ano, fica difícil.
Daí que o professor deve buscar sempre novos conhecimentos, permanecendo um eterno aprendiz, conforme Paulo Freire:
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador.
***
Reafirmo aqui não desconsiderar o descaso pelo magistério existente na sociedade. Tenho também plena ciência de serem poucos os privilegiados que têm todos os recursos materiais necessários para realizar seu trabalho, que têm tempo disponível para serem pesquisadores e que, por fim, têm uma remuneração que lhes permita não acumular cargos e se dedicar mais aos seus educandos.
Os recursos materiais deveriam ser os melhores possíveis. As escolas deveriam ter, no mínimo, bibliotecas, vídeos, computadores e laboratórios de pesquisa, necessários não somente ao estudo dos alunos, mas também às necessidades do professor para compor suas aulas.
Quanto à questão do tempo, deve-se lembrar que o trabalho do professor não se resume a só dar aulas. O professor planeja/estuda o que vai trabalhar com os alunos; o professor seleciona/elabora materiais de estudo; o professor dá aulas. Ele realiza os mais diferentes tipos de atividades com os alunos em sala de aula, da tradicional aula expositiva até os mais dinâmicos, criativos e exaustivos, trabalhos de grupo, além de, muitas vezes, passar o fim de semana às voltas com seus diários de classe.
Em relação ao salário, creio que não serão necessários comentários.
Diante dessa realidade, soa irônico o Art. 67 da LDB:
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
III – piso salarial profissional;
IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;
V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho.
Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino. (grifos nossos)
Aqui também a prática destoa da teoria.
Por que então falar sobre o professor ideal quando a realidade impede que ele o seja? Primeiro, conforme exposto anteriormente, porque acredito que a coesão entre os professores será capaz de mudar muitas coisas. Segundo, porque concordo com Mário Quintana, que no poema "Das Utopias" diz: "Se as coisas são inatingíveis... ora! / não é motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos, se não fora / a mágica presença das estrelas!".
Parafraseando Euclides da Cunha, pode-se dizer que o professor é, antes de tudo, um forte e sendo assim é capaz de lutar por suas utopias.
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