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Outra facção, liderada por Cirilo de Alexandria, de que fazia parte o pobre Proclo, afirmava também que Maria era Théotokos, isto é, "Mãe de Deus". Aí Maria já não era um simples instrumento, era também um elemento fundamental na história da salvação, alguém que tinha participado activamente na missão salvífica de Cristo, aceitando, em primeiro lugar, o encargo que deus lhe confiou, e assumindo, depois, uma semidivindade por ser "Mãe de Deus", uma interlocutora privilegiada entre os Homens e Deus, um exemplo de santidade, de entrega, uma figura que teria de ficar acima de qualquer santo, de qualquer mártir, quase uma quarta pessoa da Santíssima Trindade. O sisma estava instaurado. Convenhamos que a posição de Nestor era, canonicamente mais sustentável: nada havia nas escrituras que afirmasse, nem tão pouco sugerisse esse cargo altíssimo de "Mãe de Deus", nada nas epístolas, nada nos padres da Igreja, Maria continuava no seu limbo e, assim, o título de "Mãe de Cristo" era mais do que suficiente.
Nestor pensava centrar assim o culto em Cristo e só nele, não divergindo para figuras quase semidivinas, tão propensas a criar mais sismas, mais confusões, talvez mesmo um culto paralelo, uma divergência, o restaurar de um politeísmo que os cristão tanto se tinham esforçado por aniquilar. Mas se Nestor estava seguro da sua posição, Cirilo estava determinado na sua opinião. Indo contra todas as regras, ele próprio, convoca um Concílio Ecuménico a decorrer em Éfeso. Pressiona o Imperador Teodósio II, a literalmente obrigar o Papa Celestino I a legitimar o seu Concílio e chama Nestor para se debaterem as facções oponentes.
Entretanto Cirilo tinha-se munido de um grupo apreciável de teólogos para fundamentar a sua opinião. Esses teólogos, num esforço desenfreado, "criaram" Maria como hoje a conhecemos. Recorreram a tradições orais, a Evangelhos heréticos, especialmente ao Proto-Evangelho de Tiago, encontraram um texto de São Jerónimo pretensamente endereçado a um tal Helvídio sobre uma questiúncula levantada sobre a virgindade de Maria, por volta do ano 383, em Roma, levam ao máximo a interpretação alegórica das escrituras, afirmando que nos Evangelhos, nos Actos dos Apóstolos, mesmo Paulo afirmara, sem margem para dúvida, que Maria era Théotokos. O discurso de Cirilo proferido em Éfeso, em 30 de Julho de 431, era arrasador. Nunca se tinham ouvido tantos louvores, tanta glória, tanto esplendor endereçados a Maria. Cirilo prova que desde os Génesis, passando pelo rei David, por Isaías, terminando em Paulo, toda a história da salvação ansiava pela Mãe de Deus quase com tanto fervor como esperava o próprio Messias. Cirilo, que ao convocar o concílio à revelia, em território sob o seu domínio, garantira que a esmagadora maioria dos padres conciliares fossem seus partidários, foi aclamado. Maria, depois de 400 anos de penumbra sai do Concílio de Éfeso, que durou apenas 10 dias (de 22 a 31 de Julho de 431) com uma história, uma missão, uma doutrina, um culto, um lugar eminente na corte celeste, Rainha dos Céus, dos Anjos e de todos os Santos, Mãe da Igreja, Mãe de Deus. Em 10 dias descobriu-se que Maria era filha de Ana e de Joaquim, sacerdote do Templo, que Ana, tal como Sara, mulher de Abraão, era infértil, tendo concebido já em avançada idade depois de ter sido visitada por um anjo, muito devido à penitência que Joaquim tinha feito permanecendo 40 dias e 40 noites no deserto sem nada comer ou beber. Ficou-se a saber que Maria tinha sido criada no Templo de Jerusalém, que tinha bordado o véu do templo enquanto adolescente… Ficou-se a saber que aceitou José como seu esposo, nunca pondo em causa, no entanto, a vontade de se manter virgem. Ficou-se a saber da sua relação com José, esposo fidelíssimo, que tudo entendeu, que tudo enfrentou para defender a missão celeste da sua virginal esposa. Ficou-se a saber que Maria, um dia, em Éfeso, ali mesmo, onde decorria o concílio, tinha adormecido, simplesmente, e nesse estado foi elevada ao céu em corpo e alma. Depois de 400 anos de espera, pode dizer-se que foram 10 dias bastante proveitosos. É evidente e é bom não esquecer que todas estas teorias, histórias, lendas e tradições, circulavam pelas comunidades cristãs desde os primeiros dias da Igreja.
Outro facto é que estas tradições estavam bem mais bem enraizadas no Oriente do que no Ocidente. Daí que Cirilo tivesse todo o interesse em ir ao encontro da fé que os seus fiéis sentiam desde há muito. No entanto, nunca até então, se tinha recorrido a esse tipo de "material", algum dele mesmo considerado herético, para fundamentar uma declaração conciliar. O Papa Celestino I aprova as deliberações conciliares em Roma, pois não se atrevera, sequer, a deslocar-se Éfeso e a intrometer-se em tão acesa polémica, sendo uma das únicas vezes, senão a única, que um Papa não preside a um concílio ecuménico. Nestor e os seus apoiantes são excomungados, o Imperador Teodósio II fica entusiasmado por ter satisfeito o seu "carismático patriarca", Cirilo é ovacionado pela população sendo posteriormente canonizado. No entanto e alheado dos processos, das heresias, eis que, finalmente, Maria assume um estatuto preponderante no cristianismo, estatuto que não mais deixará, antes pelo contrário. Dotada do título de "Mãe de Deus", sendo-lhe dedicados todos os epítetos das deusas pagãs, sendo proclamada rainha sobre todas as rainhas, Maria completa a trindade com o elemento feminino que os antigos tanto reclamavam para o cristianismo. Desde esse momento, é institucionalizado o culto mariano. No entanto, longe dos concílios, longe das capitais do Império, longe de questões entre teólogos e patriarcas, Maria, há muito, tinha conquistado tudo aquilo que em Éfeso se deliberou.
Figura 9
O elemento feminino, gerador, fertilizador e fertilizado, tornou-se um arquétipo de base no entendimento humano da divindade.
Por analogia com o mundo que o rodeava, o Ser Humano não podia conceber a "lógica" mítica sem o elemento gerador e criador.
Fernando Pessoa, o genial poeta português, escreve, na sua obra "A Mensagem", que "O Mito é um nada que é tudo". E tem razão. Quando os primeiros Homens começaram a questionar a natureza, os seus fenómenos, os ciclos da vida e da morte, começaram também a questionar as suas razões, as suas causas e os seus efeitos. Desse questionar nasceram os deuses e os mitos, explicações lógicas para tudo o que de "ilógico" existia na natureza. Ao tentar explicar aquilo que não entendia, como as trovoadas, as sementeiras, a morte, o nascimento, o homem procurou essas mesmas explicações numa entidade superior que, conforme as culturas, as regiões, a própria história dos povos, tomaram diversas e diferentes formas.
Na criação dos seus deuses, nessa projecção, o Ser Humano procurou na sua própria circunstância as essências do divino. Desta forma, reflectiu na natureza do divino, que devia explicar e legitimar tudo o que o simples humano não entendia, tudo aquilo que fazia parte do quotidiano do ser humano. É nesse esforço, nessa busca, que encontramos os primeiros deuses, as primeiras religiões, os primeiros mitos. Na observação do mundo, o Homem tinha a percepção de algumas semelhanças bem definidas.
Assim como a Mulher era fecundada e dava à luz, fazendo nascer um novo ser, assim também a terra tinha que ser semeada para que dela nascessem os frutos e os alimentos que sustentavam a vida; assim como a lua aparecia e desaparecia em cada 28 dias, assim também a mulher, no mesmo período, completava o seu ciclo menstrual. O Homem olhava para o céu e as formas que o firmamento tomava pela noite faziam-lhe lembrar o leite com que as mulheres alimentavam as crianças. Assim como a terra permanecia infértil durante longos períodos de tempo até brotar num êxtase de fecundidade, assim a mulher também ficava estéril, enquanto, aos olhos atónitos dos primitivos humanos, a vida germinava dentro dela até ao nascimento de um novo ser.
Figura 10
Vénus de Willendorf
Trata-se de umas primeiras representações do divino.
Note-se que a figura de mulher assume, em hipérbole, todos os seus atributos de feminilidade.
As mais recentes datações indicam que esta imagem foi executada há mais de 22 mil anos.
Uma nova vida, vidas que tinham que ser muitas, pois numa época em que só uma em cada três crianças sobrevivia e a esperança média de vida não ia para além dos 40 anos, a sobrevivência da espécie, dependia da fecundidade da mulher. Para o Homem primitivo não eram necessários mais argumentos na hora da invenção dos deuses: se todos os homens nasciam de uma mulher, então o mundo também teria nascido de uma, grande e suprema, gloriosa e omnipotente. Cria-se assim, na mentalidade dos povos arcaicos, aquilo a que, em Ciências da Religião, se designa de Tellus Mater, isto é, a mãe Terra. As primeiras formas de divindade foram, não há margem para dúvida, femininas, como nos provam as pinturas das cavernas ou as famosas "Vénus" Paleolíticas, como a "Vénus de Willendorf", com as suas formas exageradas, seios enormes, vulva proeminente, apelando a esse carácter de fecundidade do feminino.
Mesmo depois da descoberta da agricultura, mesmo depois da sedentarização das civilizações, em que a importância da conquista e da defesa do território começou a constituir uma preocupação ditando o aparecimento dos deuses guerreiros, por isso masculinos, o feminino nunca abandonou o imaginário mítico e arquétipo do Ser Humano. Em quase todas as mitologias, desde a antiga Mesopotâmia até à Roma Imperial, passando pela Grécia, pelo Egipto, até mesmo pelas mitologias dos Azetecas, Incas e Maias, a Tellus Mater, a deusa original e primordial nunca perdeu a sua importância, o seu estatuto. Na origem de todos os mitos, no início de todas as cosmogonias, estava sempre presente essa fêmea geradora de tudo, aquela que tudo desencadeou, que tudo provocou.
Com o evoluir das civilizações, conforme o Homem conseguia estruturar raciocínios cada vez mais complexos assim também as religiões, os mitos, eram cada vez mais complexos. Teólogos, filósofos, místicos, ao longo dos milénios, criaram complexos sistemas religiosos e míticos. O aparecimento das classes sacerdotais, das religiões instituídas ditou a metamorfose do pensamento mítico. Zaratrusta, no século VII a.C, na Mesopotâmia, promove a teoria do deus único, influenciando o judaísmo. Mesmo no Egipto, vigora, durante algum tempo o monoteísmo. Mas isso era para os pensadores, para os sacerdotes, para os senhores dos abastados templos em que a divindade era não a base do sustento, mas sim a base do estatuto social. Para as populações que viviam da terra, que viam as suas vidas reguladas pelos astros, pela lua, que viam a sua descendência depender da fertilidade das mulheres e das sementeiras, nunca nenhum deus conseguiu demitir esse arquétipo evidente do carácter feminino da divindade. Os politeísmos sempre respeitaram o estatuto feminino no contexto da divindade. Por isso, para as populações, fosse Atenas, Vénus, Proserpina, Flora, Ísis ou Demeter, não importava: existia uma deusa que, do seu ventre divino, fazia surgir o mundo, tal como no ventre da mulher surgiam os novos Homens. Nos monoteísmos, essa figura feminina, proibida e arredada, permanecia latente em pequenos actos, pequenos cultos, simples rituais, como o de derramar sobre a terra o leite, enterrar os primeiros frutos, como são exemplo alguns rituais judaicos e celtas.
Fosse qual fosse a religião, a civilização, o povo, a época, o Homem manteve sempre uma fidelidade inquestionável à "Mãe Terra", fosse ela permitida ou não, tivesse ela templos, ritos, sacerdotisas ou fosse completamente esquecida pela teologia dos sacerdotes. Não existe, em todo o contexto das Ciências da Religião, outro elemento tão constante, tão presente e tão similar como essa figura da Tellus Mater, a deusa-terra, fêmea de onde tudo provém e para onde tudo volta para voltar a nascer. O Homem sempre entendeu que os seus deuses deviam seguir a lógica da sua própria criação. E a lógica da criação é que, sem o elemento feminino, nada existe, nada nasce, nada fecunda, tudo é infértil e árido.
Quando os primeiros discípulos começaram a sair da Judeia para pregar a "Boa Nova" de um novo Deus único, as populações, para além de todas as outras, independentemente dos ditames dos pensadores, dos Apóstolos e dos teólogos, tinham uma questão: quem era a mulher que tinha originado o novo deus?
Na história das religiões não há monoteísmo que tenha sido tão eficaz do ponto de vista pragmático e efectivo como o Judaísmo. Da Tellus Mater no culto judaico, restavam alguns vestígios mas muito esbatidos, muito "diluídos" naquilo que era o culto do deus único. Deste modo, nos primeiros tempos do cristianismo, o paradigma religioso e imagético não sentiu grande necessidade de encontrar o elemento feminino que completasse a divindade. Já referimos algumas das causas que levaram a que Maria, e consequentemente o elemento feminino, fosse esquecido e mesmo evitado, pelas primeiras comunidades cristãs, especialmente as judaicas.
As primeiras representações de Cristo, de facto, remetem-nos para um paradigma imagético muito judaico, fortemente enraizado na pastorícia, com a representação de Jesus como o "Bom Pastor". Disso é prova as imagens de Cristo nas catacumbas. Elíade, assim como outros estudiosos, chamam, no entanto a atenção, para que estas representações, apresentam um Cristo eminentemente andrógino, quase hermafrodita, sem a barba nem o aspecto másculo com que mais tarde seria caracterizado.
Esses estudiosos entendem que essa representação andrógina de Cristo é uma reminiscência do elemento feminino na divindade. Considero, pessoalmente, esta interpretação, um pouco forçada. A grande ascendência de Maria como o elemento feminino da divindade dá-se, sem dúvida alguma, quando o Cristianismo deixa de depender exclusivamente do paradigma judaico e entra em contacto com as comunidades exotéricas especialmente as do Império Romano do Oriente. Estas comunidades, alheadas de quaisquer questiúnculas doutrinais e políticas, alheias a cismas ou a dogmas, quando aderem ao cristianismo, tomam-no como uma religião que, como qualquer outra, tem de se enquadrar no seu contexto, na sua circunstância, na visão e no entendimento que tinham do mundo e da lógica da natureza. Especialmente quando o Cristianismo se tornou a religião oficial de Roma e milhares de pregadores foram até aos confins do Império anunciar o novo deus, as populações encontraram, enfim, a Tellus Mater que há tanto tempo pediam.
Figura 11
Representação de Jesus como Bom-Pastor numa catacumba de Roma (século II d.C.).
Note-se que Jesus não apresenta qualquer traço de masculinidade como a barba que mais tarde será indissociável da sua imagem.
Surge, antes, mais como um deus romano andrógino ou mesmo hermafrodita.
Não se tratava de uma deusa nascida de um cataclismo saturnino como Vénus, ou uma divindade incestuosa como Ísis. Já não tinham que adorar deusas
enredadas em histórias de traições, de lutas pelo poder e pelo domínio, como Juno, Diana ou Demeter. Eis que o Novo deus, Jesus Cristo, tinha nascido de uma mulher, uma simples camponesa, que tinha aceite ser Mãe de Deus, que vira esse mesmo deus crescer, pregar e morrer. Uma mulher que se tinha entregue, que lutara, que também tinha sabido o que era a fome, o exílio, os horrores da guerra e das chacinas dos ditadores, uma mulher que tinha chorado a morte do seu filho, enfim, uma mulher como todas as mulheres simples e humildes que povoavam o imenso império.
Entre Maria e a mulher, dá-se, de imediato, um fenómeno de identificação, de empatia, até mesmo, de cumplicidade. Os homens viram em Maria, a Mãe, aquela a que sempre se recorre, a origem da sua vida, a razão da sua existência.
E Maria era o ventre fértil, a terra arável, a fêmea-deusa que correspondia a esse arquétipo ancestral que dá lógica ao divino. Desta forma, enquanto os Padres da Igreja se digladiavam em questões e teses, enquanto se multiplicavam os Concílios e os cismas em torno de Maria, do seu papel na missão de Jesus, enquanto se debatia a sua virgindade, a sua concepção, a sua assunção e outras coisas que tais, as populações anónimas criaram a sua própria "Maria". Criaram "Maria" com a simplicidade com que levavam as suas vidas, com a ânsia dos pobres e dos miseráveis numa vida melhor, com o pragmatismo daqueles que não tem outra preocupação senão conquistar o dia que se segue. Assim, ainda se debatia em Nicéia o estatuto de Jesus, ainda faltavam alguns séculos para a famosa questão de Éfeso, e já, no século III, um crente anónimo, escrevia "À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas nas nossas necessidades, mas livrai-nos de todos os perigos, oh virgem gloriosa e bendita." Desta forma, séculos antes da questão da Theótokos, já o povo assumia Maria como Mãe de Deus, como Virgem Mãe, como intercessora dos homens junto de Cristo, quase como Co-Redentora. Maria, antes de se tornar "Mãe da Igreja", torna-se "Mãe dos Homens", rainha dos simples, a companheira de todas as mães sofredoras, o exemplo de todas as donzelas, a Mãe divina de todos os desesperados.
Figura 12
As representações de Maria, como a de Sandro Botticelli, exprimem, cada vez mais, o carácter identificativo e reflexo entre a figura de Maria e a das simples mulheres.
Neste caso, Maria surge vestindo um simples traje de camponesa nazarena, embora se possam identificar alguns elementos que indicam a sua "divindade" como a auréola e o manto azul.
O povo dos finais do Império Romano, da Baixa Idade Média, não tinha tempo para esperar que os Patriarcas se decidissem sobre as causas e as lógicas da divindade. Maria era a Mãe há muito esperada, a deusa há muito querida e quando os Éditos pontifícios saíam de Roma proclamando, a medo, os aspectos sempre crescentes do estatuto de Maria, encontravam, por toda a parte, uma figura que há muito tinha conquistado o máximo da glória que só a uma verdadeira deusa se pode conferir.
Figura 13
Embora nas representações artísticas, Maria imperasse sobre todos os Homens e sobre todos os Santos, e lhe fossem conferidos todos os signos de "divindade", a doutrina tardava em conferir-lhe explicitamente, por palavras, aquilo que, por imagens, há muito tempo, fazia divulgar.
10. Dois caminhos: um mesmo destino.
A partir do século III criam-se assim dois percursos distintos para o fenómeno mariano. Um oficial, em que Maria teve de percorrer uma verdadeira via dolorosa pelas escadarias do Vaticano, entre questões e teses dos teólogos e dos filósofos. Desde o Concílio de Éfeso, em 431, com a proclamação do dogma de "Maria como Mãe de Deus", o dogma da Imaculada Conceição proclamado em 8 de Dezembro de 1854 pelo Papa Pio IX, até à proclamação, por Pio XII, do dogma da Assunção de Maria, em 1 de Novembro de 1950, terminando na acesa sessão de 29 de Outubro de 1963 do Concílio Ecuménico Vaticano II, a questão Mariana nunca foi alvo de consenso entre os teólogos e os filósofos da Igreja. Na referida sessão do Concílio, discutia-se se, nas constituições conciliares, deveria haver um texto dedicado exclusivamente a Maria. Dos 2193 padres presentes, 1114 votaram placet (a favor) enquanto 1074 votaram non placet (contra).
Em concílios, tratava-se de um caso único, um sinal dos tempos, em que quase tudo, embora depois de muita discussão, era aprovado por unanimidade. O então teólogo Josef Ratzinger, hoje Papa Bento XVI e, na altura perito conciliar, escreveria, na altura, para um jornal diário alemão "Hoje o Concílio conheceu a sua maior crise".
Foi necessário que, quatro dias mais tarde da polémica votação, o Papa Paulo VI, se apresentasse perante os padres conciliares e, num longo discurso, proclamasse Maria Mater Eclesiae, pondo fim ao que se estava a tornar um sisma em pleno século XX, numa altura em que a Igreja necessitava de consensos e não de divergências. O discurso é aplaudido, a unanimidade é conseguida, embora alguns cardeais gostassem que o Sumo Pontífice fosse um pouco mais longe. Um desses bispos, Karol Wojtyla, futuro João Paulo II, dois meses antes do Concílio, tinha endereçado uma petição ao Papa para que Maria fosse considerada "Mãe, Esposa da Igreja, Mediadora na Salvação de todos os Homens." O papa não foi tão longe. Seria necessário que esse mesmo cardeal polaco se sentasse na cadeira de Pedro para que Maria tivesse todos os títulos que há muito lhe eram atribuídos pelos povos, pelos simples, pelos humildes.
Figura 14
Fotografia de uma sessão plenária do Concílio Ecuménico Vaticano II. Neste Concílio, mais uma vez, a questão Mariana causou as mais acesas discussões, levando à intervenção directa do Papa para que, em pleno século XX, não se gerasse um novo cisma.
Ao terminar o Concílio, Maria tinha a si dedicada um capítulo da constituição dogmática Lumen Gentium (o último capítulo, o VIII). No entanto, sabe-se que esse capítulo foi redigido com todo o cuidado e com todas as precauções, embora reconhecendo, como não poderia deixar de ser, os três dogmas marianos. O dogma de Maria, ser, de facto, mãe de Deus, como proclamou o Concílio de Éfeso: "Maria gerara a Cristo segundo a natureza humana, mas quem dela nasce, ou seja, o sujeito nascido não tem uma natureza humana, mas sim o suposto divino que a sustenta, ou seja, o Verbo. Daí que o Filho de Maria é propriamente o Verbo que subsiste na natureza humana; então Maria é verdadeira Mãe de Deus, posto que o Verbo é Deus. Cristo: Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem".
Confirma-se, de igual modo, o texto da Bula Ineffabilis Deus, de Pio IX, que proclamou o dogma da Imaculada Conceição afirmando: Em honra da santa e indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa, declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto, deve ser sólida e constantemente crida por todos os fiéis.
Os padres conciliares também não têm dificuldade em assumir o recente dogma da Assunção dando como certa e válida (e não poderia ser de outra forma) a Constituição Apostólica "Munificentissimus Deus" onde Pio XII proclama que a Virgem Maria …."a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial". Tudo foi tido como perfeito e justo.
No entanto, alguns padres conciliares, no seu íntimo, achavam que a Igreja já tinha ido "longe de mais" no que respeita a Maria, que já tinha atingido o limite entre a veneração de uma figura e a promulgação de um novo Messias. É por isso que no já referido capítulo VIII da Constituição Dogmática Lumen Gentium se diz que é intenção do Concílio pretender …esclarecer cuidadosamente não só o papel da Virgem Santíssima no mistério do Verbo encarnado e do Corpo místico, mas também os deveres dos homens resgatados para com a Mãe de Deus, Mãe de Cristo e Mãe dos homens, sobretudo dos fiéis, mas, e em contraponto, não tem, contudo, intenção de propor toda a doutrina acerca de Maria, nem de dirimir as questões ainda não totalmente esclarecidas pelos teólogos. Conservam, por isso, os seus direitos as opiniões que nas escolas católicas livremente se propõem acerca daquela que na santa Igreja ocupa depois de Cristo o lugar mais elevado e também o mais próximo de nós.
Os Padres Conciliares tentavam, com esta abertura e com esta recusa em "fechar" a questão Mariana, por um lado satisfazer os Mariologistas com a possibilidade de novos avanços no estatuto de Maria, e, por outro, não alarmar os "Não-Mariologistas" não encerrando a questão que os obrigaria, por certo, a ir mais longe nas suas deliberações, tendo de pronunciar-se sobre questões ainda bastante mais polémicas. Não teriam, por exemplo, de conferir, em pleno, o título de Co-Redentora a Maria, colocando-a, em definitivo, ao mesmo nível de Cristo? Nota-se aqui a mão diplomática do Papa Montini que foi o primeiro a, com a sua presença, dar a bênção às aparições de Fátima, ainda que Pio XII já o tenha feito com as suas rádio-mensagens e com o envio dos seus Cardeais Legados às celebrações comemorativas das aparições.
Mas, elucidemos, de uma vez por todas, o termo "Co-Redentora" que já algumas vezes foi avançado. É dogma da Igreja que a Redenção dos homens, isto é, a remissão dos seus pecados e, consequentemente, a sua salvação, foi executada e consumada na cruz, quando Jesus se sacrificou por toda a humanidade. Só por ele os homens tinham sido redimidos. Ao afirmar-se que Maria era Co-Redentora, Cristo perderia o papel de exclusividade no processo da Redenção. Ao conferir tal título a Maria teria, por lógica, de se admitir que, sem Maria, a Redenção não teria sido possível. Jesus perderia a exclusividade da responsabilidade da Redenção, ficando "dependente" de Maria para a sua concretização. Admitir Maria como Co-Redentora era afirmar, pragmaticamente, o estatuto politeísta do Cristianismo, pois se só os deuses redimem, Maria redimindo, teria que ser deusa ou, pelo menos, pertencer à Santíssima Trindade, facto que não escandalizaria alguns padres e muitos menos a comunidade dos crentes. No entanto, muito padres conciliares insistiam que se deveria conferir esse título a Maria. Queriam eles fundar uma religião politeísta?
Por certo, não. Afirmavam que se o conteúdo dogmático de que Cristo era um Só Deus, o papel co-redentor de Maria só iria reafirmar esse carácter monoteísta. Lê-se então no texto conciliar: Maria, filha de Adão, dando o seu consentimento à palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus e, não retida por qualquer pecado, abraçou de todo o coração o desígnio salvador de Deus, consagrou-se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus omnipotente o mistério da Redenção. Por isso, consideram com razão os santos Padres que Maria não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo, mas que cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens.
Figura 15
Coroação de Maria como Rainha dos Céus, segundo Diogo Velazques (1644).
Note-se a presença das três figuras da santíssima trindade que formam um triângulo invertido (símbolo do elemento feminino)
cujo vértice é a própria Maria, pormenor vincado pelo raio de luz que marca o centro da representação.
Maria torna-se assim o centro da representação, mas também o seu elemento mais simbólico, ficando as outras figuras (Jesus e Deus-Pai) nos vértices laterais da composição e em plano recuado como se pode constatar pela determinação do ponto de fuga na perspectiva pictórica.
O texto é longo e merece toda a atenção. Nunca se usa directamente o termo "Co-Redentora", mas, dando uma volta muito grande, afirma-se esta cooperação de Maria, acentua-se que não teve um papel passivo na Redenção e que …a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia. Ora quem não tem um papel passivo é porque o tem activo. Mas sendo Cristo o único redentor, que lugar fica para outras "participações"? Nada se define, mas o Concílio Vaticano II …recomenda a todas os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima Virgem, sobretudo o cultolitúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério, e que mantenham fielmente tudo aquilo que no passado foi decretado acerca do culto das imagens de Cristo, da Virgem e dos santos. Aos teólogos e pregadores da palavra de Deus, exorta-os instantemente a evitarem com cuidado, tanto um falso exagero como uma demasiada estreiteza na consideração da dignidade singular da Mãe de Deus. E assim rematavam os padres conciliares esta questão. Maria, mesmo depois do Concílio e por mais alguns anos (até João Paulo II ser eleito), permanece com o estatuto de paradoxo. Nada lhe é negado e "Conquista", até, um novo e estranho título: o de Typus que lhe confere o estatuto de exemplo perfeito da obra da redenção. Este título e este estatuto seria retomado, anos mais tarde, pelo Catecismo da Igreja Católica. Os padres conciliares quiseram afirmar que Cristo, ao manter Maria sempre virgem, sempre pura, e esta, submetendo-se à vontade de deus e tendo permanecido sem pecado algum ou mácula qualquer ao longo da sua vida, encarnou, em pleno, os objectivos totais da Redenção em Cristo. Desta forma, e para provar que benefícios terão os que também assim procederem, Maria não conheceu a corrupção da carne, sendo elevada ao céu em corpo e alma. O concílio recupera uma antiquíssima máxima de S. Ireneu de Lyon afirmando que "O laço de desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria" e «obedecendo, ela tornou-se causa de salvação, para si e para todo o género humano». Eis porque não poucos Padres afirmam com ele, nas suas pregações, que «o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou, com a sua incredulidade, desatou-o a virgem Maria com a sua fé»; e, por comparação com Eva, chamam Maria a «mãe dos vivos» e afirmam muitas vezes: «a morte veio por Eva, a vida veio por Maria» Tal retórica quase se assemelha aos textos do já referido e famoso mimetismo das origens da Igreja. No entanto, foi com estas verdades e nesta condição que Maria saiu do concílio.
Figura 16
A famosa Pietá surge enquadrada num processo de identificação crescente de Maria com o contexto e as circunstâncias dos crentes.
Figura não mencionada nos cânones, presta-se a todas as adaptações e a todas as teorizações, especialmente de índule popular .
Outro caminho percorreu Maria no seio das comunidades cristãs de todo o mundo, desde a velha Europa até às Terras de "Além Mar". Maria, como vimos, é um caso único na criação de processos de identificação e de psicologia reflexa no conjunto do estudo do fenómeno mítico. Como quase nada se sabe sobre ela tudo se pode dizer, teorizar, admitir. O pouco que se sabe, enquadra-se perfeitamente no espírito das populações simples e humildes. Jung, o famoso psicólogo, no seu texto "Psicologia e Religião" afirma peremptoriamente que Maria é um caso declarado de identificação, de reflexo, de imagem arquétipa nuclear na psique mítica ocidental. Um exercício que se pode fazer com grandes proveitos, é acompanhar a evolução da imagem de Maria ao longo dos tempos, como ela é representada, como se estrutura, quais os elementos que compõe e surgem na sua expressão icónica.
Por exemplo, nos primeiros séculos, nas catacumbas, Maria é raras vezes representada, e, quando aparece, surge sempre vestida de preto, com figura de matrona romana, em luto pela perda do seu Filho. Com a proclamação de Constantino, Maria surge com os trajes reais, assume o papel de Augusta, com as insígnias de imperatriz. Pelas Igrejas, capelas e catedrais do mundo, Maria toma a forma que melhor se adequa à circunstância daqueles que a veneram. Assim, tanto é a Rainha Gloriosa coroada em apoteose, como a simples mãe que dá de mamar ao seu filho.
Um exemplo curioso é a aparição da representação de Maria como Pietá, ou Nossa Senhora da Piedade. Esta imagem, imortalizada por Miguel Ângelo, surge, pela primeira vez no século XII, quando a Europa estava a ser assolada por uma sucessão de guerras e de pestes (uma delas a famosa Peste Negra que mata 1/3 da população europeia). Esta mulher, segurando nos braços o filho morto, é a imagem com que muitas mães nesse século trágico se identificavam. Maria, toma a forma de glória na esperança, de sofrimento no infortúnio, ela é a Mãe presente em todas as horas e assim é representada em quase, senão em todas, as Igrejas do Mundo. Para dar um último exemplo, no Brasil, surge na forma de uma negra, como Nossa Senhora da Aparecida, identificando-se com a cultura miscigenada do continente sul americano, sendo o alento, a esperança a imagem identificada da esmagadora maioria da população constituída por escravos africanos.
Desta forma, o fenómeno Mariano, segue dois caminhos distintos: um das intensas questões teológicas, outro das simples aspirações humanas. Seria necessário que um homem do povo, feito teólogo, surgisse para unificar os dois caminhos e para dar a Maria um estatuto definido na história da salvação.
Outro elemento a ter em conta no fenómeno mariano é a sua interferência no processo de salvação ou condenação das almas. Como já referi o povo prima pelo pragmatismo em detrimento da teorização dos teólogos. Nos inícios do cristianismo, acreditava-se que o fim dos tempos, o fim do mundo estava próximo. O próprio Jesus afirma que não se passará uma geração depois dele sem que tal aconteça. Nessa época, os homens teriam tão-somente de esperar, e pouco, para que os fenómenos descritos nos vários apocalipses se concretizassem. Nesse momento, Cristo seria o juiz de um processo que envolveria toda a humanidade, em que os justos seriam recompensados e os ímpios castigados.
Muitas comunidades venderam tudo o que tinham, despojaram-se de todos os bens terrenos, esperando a concretização imediata do fim do mundo. Mas as gerações sucediam-se, as gerações passavam e o dia prometido e temido não vinha. Coloca-se então uma questão: o que aconteceria às almas dos que iam morrendo? Santo Agostinho afirma que ficariam numa espécie de "depósito" esperando o dia do Juízo. Mas o tempo não pára e a anunciada Parusia, isto é, a segunda vinda de Cristo, não surge.
No século V, a situação tornava-se insustentável. Já não havia "Depósito", mesmo celeste, que comporta-se tantas almas, numa amálgama de justos e pecadores, de santos e demónios, esperando um dia que tardava a chegar. Então o Papa Gregório I, também chamado de "Magno", levanta, pela primeira vez, o conceito de "Juízo particular", isto é, que cada alma é julgada imediatamente após a morte. Como resultado desse julgamento, a alma pode ser condenada à perdição eterna (o Inferno), condenada à expiação dos pecados por meio de sacrifícios e preces mas com carácter temporário (Purgatório) ou, então, à felicidade eterna e à visão não condicionada de deus, no Paraíso. Desta forma, as almas teriam o seu "destino" determinado de imediato, não tendo de esperar o dia do juízo final. A questão do "Juízo Particular" foi mais uma das questões problemáticas na Igreja Católica.
Figura 17
Maria surge como a intermediária preferencial entre os homens e Deus no dia do Juízo.
Quando se "abandonou" a hipótese imediata do Juízo Final e se começou a acreditar no Juízo Particular,
o culto de Maria teve um incremento considerável devido ao suposto "poder" que teria sobre Jesus, o supremo Juiz.
Tendo sido levantado o tema no século V, somente em 1563, no Concílio de Trento, se definiu claramente como dogma de fé, depois da mesma questão ter sido debatida no Concílio de Lyon (1245) e de Florença (1432). No entanto, esta visão bem mais prática, que excluía os "depósitos" propostos por Agostinho, enquadrava-se muito mais na lógica pragmática dos simples fiéis. No seguimento dessa mesma lógica, se uma alma seria submetida a um julgamento singular logo após a morte terrena, seria recomendável, que dispusesse de alguém que a defendesse, que advogasse a sua causa, que intercedesse junto do Juiz para que a sentença não fosse demasiado severa. Como advogados foram eleitos todos os santos, acrescentando uma nova "função" à que já detinham, de serem exemplos de vida e de fé.
Mas de todos os "advogados" que eram pretendidos pelos fiéis não há nenhum tão solicitado como Maria. De facto, quem terá mais influência sobre Cristo, quem terá mais a sua atenção, quem conseguirá mais benesses e favores do Juiz Celeste senão a sua própria Mãe? Esta influência foi descrita por muitos filósofos e teólogos ao longo dos tempos. Certos pregadores, como Fra Jacogome, punha mesmo em dúvida se uma alma que obtivesse os favores de Maria poderia ser condenada por Cristo. Afirma, este inflamado pregador: "Se Cristo em tudo é perfeito, também como Filho o é. E qual é o filho perfeito que nega um pedido da sua perfeitíssima Mãe?". A própria Maria, numa das suas heriofanias em 1846, que mais tarde abordaremos, em Lurdes, perante a adolescente Bernardete afirma "Se o meu povo não se quiser submeter, serei forçada a deixar o meu filho actuar; ele é tão forte e tão insistente que já não o consigo aguentar". É uma afirmação muito contundente, no mínimo, que coloca Maria quase como uma "pacificadora" de um Cristo tirânico e mal-humorado que está ansioso por abrir os estábulos aos cavaleiros do Apocalipse.
Figura 18
Muitos séculos antes da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, o seu culto já se tinha propagado, sobretudo a partir do século X.
Note-se que na representação, a figura de Maria assume alguns, senão todos, os elementos típicos da Tellus Mater pagã:
o crescente lunar, o azul do manto, etc.
Desta forma, Maria viu-se investida de mais uma "função": de advogada dos Homens na hora da morte. Assim o fenómeno Mariano já não se prendia, tão somente, a um carácter terreno, ao destino das preces de aflição para que a vida terrena fosse mais amena e benéfica, mas estendia a sua influência também à vida depois da morte, podendo constituir a diferença entre a condenação ou a salvação. Maria não era já somente a Rainha dos Homens, tornando-se, também, a Rainha dos Céus.
Figura 19
Poucos pintores, como Salvador Dali, souberam expressar de forma tão completa todas as simbologias desenvolvidas em torno de Maria.
Recorrendo aos artifícios do Surrealismo, Dali faz um verdadeiro "compêndio" do mito e do culto mariano ao longo dos tempos.
No entanto, outro conjunto de fenómenos veio interferir em toda esta problemática. Para além de todas as discussões sobre o papel de Maria na concretização da Salvação, para além de todos os desenvolvimentos que as crenças populares lhe dedicam, Maria, não se mantêm alheada de toda esta problemática. Eis senão quando a própria Mãe de Cristo começa a aparecer aos simples humanos. A heriofanias, isto é, manifestações do divino ao homem, foram sempre uma constante na história das religiões. O famoso Oráculo de Delphos é disso um exemplo claro, ou o culto dos druidas da religião celta. No entanto e em todos estes casos, a divindade manifesta-se ao Homem recorrendo a meios simbólicos, velados, quase enigmáticos. Maria não. Maria surge ela mesma, em figura completa, mostra-se, fala directamente, sem margem para dúvidas ou para segundas interpretações. Assume-se, perante os videntes com os estatutos que a teologia temia em lhe conferir. Em Lurdes, perante a adolescente Berndette Soubirous afirma-se "Imaculada Conceição", um dogma apenas proclamado uns anos antes. Nas aparições de Fátima, pronuncia-se sobre a revolução soviética, dá ordens aos Papas, mostra às três crianças, ao vivo e a cores, o Inferno, e afirma ter um "Imaculado Coração". Fornece a esses camponeses três segredos que revelavam acontecimentos futuros. Maria, assim, intervém directamente na vida dos Homens e na imagem e conceito que se tem dela, regulamentando, inclusive, os rituais que se devem seguir para a sua adoração, como a oração do rosário, a dedicação dos primeiros Sábados, etc.. Maria torna-se activa relativamente aos homens e ao seu próprio culto.
A Igreja Católica mantêm uma posição de prudência relativamente às chamadas "aparições marianas", sendo ponto firme na doutrina da Igreja que estas manifestações do divino podem servir, tão somente, como elementos de auxílio para a verdadeira revelação. Josef Ratzinger, sobre as aparições afirma, somente "A Revelação encerrou-se com Jesus Cristo. Ele próprio é a revelação." Como bom diplomata e grande teólogo que é, o actual Sumo Pontífice, podemos inferir de suas palavras que as aparições nada podem retirar ou acrescentar à revelação original de Cristo, sendo somente fenómenos que podem "auxiliar" no mais perfeito entendimento e conquista dessa revelação original.
Figura 20
João Paulo II em adoração à imagem de Nossa Senhora de Fátima.
Esta imagem encontra-se sobre o local onde estaria a azinheira onde "pousou" quando aparecia aos videntes de Fátima.
A escultura, por sua vez, seguiu, criteriosamente as indicações de Lúcia, uma das videntes.
No entanto, como em todo o fenómeno mariano, não foram os teólogos que ditaram o rumo dos acontecimentos. As aparições, enquadram-se, mais uma vez, numa lógica de identificação psíquica entre o humano e o divino. Maria não se remete ao estatuto de "Deusa ociosa", que governa, ou ajuda a governar o mundo do alto dos Céus. Ela comunica com os Homens, ela, em momentos de tenção e conflito (todas as heriofanias acontecem em momentos de fortes tensões sociais e, especialmente religiosas) vem ter com os seus protegidos e fala-lhes, ensina-lhes, alerta-os, defende-os, orienta-os. E não se mostra a prelados, a teólogos, a filósofos, a Papas nem a Reis. Mostra-se a simples camponeses, gente do povo, simples e sofredores como a esmagadora maioria dos fiéis. Sem querer cometer uma heresia, diria, em forma de brincadeira que o marketing de Maria é extraordinário.
Os lugares dessas aparições são hoje os mais frequentados de toda a cristandade, como Lurdes em França e Fátima em Portugal, rivalizando mesmo com Roma ou Jerusalém. E embora a Igreja, na sua ortodoxia, mantenha uma posição de distanciamento relativamente às heriofanias marianas, Fátima, por exemplo, foi visitada uma vez por Paulo VI e quatro por João Paulo II. Este Papa atribui directa e explicitamente à Senhora de Fátima o milagre da sua salvação no atentado que sofreu na Praça de São Pedro a 13 de Maio de 1981. Foi aos pés da imagem que, pela descrição da vidente Lúcia, retrata fielmente a imagem de Maria, que João Paulo II depositou o seu anel pontifício, foi na sua coroa que fez incrustar a bala que, por milímetros, não lhe tirou a vida. Foi a Lúcia que pediu instruções rigorosas para Sagrar o Mundo, e em especial a Rússia, ao Sagrado Coração de Maria, sendo a primeira vez, na história de toda a cristandade, que o Bispo de Roma, Pontífice Máximo, pede a uma simples religiosa com a 4ª classe instruções para alguma coisa. E são essas mesmas instruções que o Papa segue, perguntando, de seguida, à mesma religiosa, se tudo estava justo e perfeito.
Para uma Igreja que pretende manter um determinado distanciamento relativamente às aparições, as atitudes de João Paulo II são, no mínimo, contraditórias. Mas a postura deste homem nada teve a ver com as aparições em si, mas com um facto histórico que haveria de marcar, para sempre, o papel de Maria no seio da Igreja. Depois de séculos em que, como já vimos, o fenómeno Mariano segue dois caminhos distintos (um popular, outro teológico) eis que surge o elemento que os une e que confere a Maria uma só imagem, um só estatuto, um só caminho.
13. A unificação das tendências Marianas
Há 500 anos que a cadeira de Pedro era ocupada por Italianos. O Pontificado estava quase submetido a um cargo de carreira, antagónico à sua génese que dita que qualquer cristão pode ascender ao título de Vigário de Cristo. Durante meio milénio, um depois de outro, os cardeais da Cúria Romana, fizeram-se suceder como Bispos de Roma. Uns foram homens exemplares, outros, nem por isso, mas a tradição estava institucionalizada e ninguém esperava grandes alterações. Afinal 500 anos são sempre 500 anos.
Entrou-se no século XX e nada mudou, sempre italianos ocuparam a cadeira de Pedro. E pareciam estar à altura das amarguras do século em que tiveram lugar duas guerras Mundiais. Desde o carismático Pio XII, até ao inesperado João XXIII que, assumindo o Pontificado já com idade avançada, decidiu convocar o primeiro concílio ecuménico em 100 anos, passando pelo austero Paulo VI, a igreja parecia seguir o seu rumo. Mesmo quando o sorridente cardeal Albino Luciani morre 33 dias depois de assumir o título de Bispo de Roma sob o nome de João Paulo I, nada fazia prever que, da varanda da imponente Basílica de São Pedro, no dia 16 de Outubro de 1978, uma tradição de meio milénio caísse por terra. Surgiu um homem alto, de feições eslavas, com um nome pouco habitual: Karol Wojtyła.
Quando se dirigiu à multidão atónita (e ele, mais do que ninguém devia estar atónito) só uma frase lhe saiu na emoção do momento "Eu venho de longe. Não tenhais medo". Mas era para ter medo, pelo menos uma enorme expectativa. Depois de tanto tempo um papa não "brota" da confortável e majestosa cúria romana. Quando o anel do Pescador entrou no seu dedo, ainda se deviam notar os calos dos trabalhos nas fábricas e nas minas de Cracóvia, as marcas das durezas do serviço militar, as cicatrizes do frio, da fome, das misérias, das perseguições nazis e, depois, da opressão comunista. Este Papa não vinha dos seminários, das paróquias, dos povoados solarengos da Península Itálica. Este vinha do frio, do povo.
Este homem não tinha simplesmente "escolhido" dedicar a sua vida a uma fé, mas teve antes de lutar para seguir a sua vocação. A sua opção foi verdadeiramente desejada, procurada, conquistada. O simples operário, o soldado raso, o actor namoradeiro dos tempos de faculdade, o homem que tinha conhecido as opções da vida do cidadão comum, tinha sentido o chamamento e tinha-o seguido, deixando tudo por uma fé que o animava.
Como vinha do povo, como não tinha levado a sua vida, desde a infância, entre breviários e sobrepelizes, João Paulo II trouxe para o Vaticano a fé do povo. Não a fé das grandes teologias, dos grandes debates doutrinários, das grandes questões dogmáticas, mas a fé dos simples e dos humildes, daqueles que vêm em Deus o último refúgio, a derradeira esperança para uma vida dura, penosa, sofrida. Para João Paulo II a fé nunca foi algo que se prestasse a dissertações, estudos ou análises. A fé, para este polaco, sempre foi algo que se vive, simples e totalmente e não podia ser de outra forma. Quando a neve gela os campos e a fome aperta, quando o povo é castigado, oprimido, quando a força das armas é a única lei, quando a morte é uma realidade sempre presente e a felicidade uma miragem quase esquecida, não há muito tempo nem espaço para grandes teologias ou dogmáticas. A fé ou se tem ou não se tem e tendo-se, tem de ser por inteiro. Foi essa fé completa, sentida e inabalável que João Paulo II levou para Roma. A fé do Homem no seu Deus, a fé como uma dádiva, a fé como única esperança num mundo melhor.
Levando a fé do povo para o Vaticano, João Paulo II acreditava que se é Deus que indica o caminho ao Homem, é o Homem e só ele que tem de percorrer esse caminho. Quando na sua primeira aparição na varanda da Basílica de São Pedro disse "Eu venho de longe" sabia muito bem o que dizia. Ele sabia de todas as "lonjuras" que o mundo pode conter, ele sabia que são muitos e doídos os passos que o Homem tem que dar para seguir os caminhos que a sua fé abre. As suas distâncias não eram as dos corredores do Palácio Apostólico. As suas distâncias eram aquelas que o levassem onde a sua fé lhe dizia que havia alguém que precisava de conforto, de paz, de esperança. Quando tomou nas mãos o Báculo de Bispo de Roma, João Paulo II sabia que aquele não podia ser mais o bastão autoritário do poder, mas o cajado do caminheiro, a cruz de Cristo sofrido e morto, mas também ressuscitado. O seu Deus indicara-lhe o caminho e ele teria de o percorrer.
Do mesmo modo, João Paulo II trouxe para o Vaticano as suas recordações de infância, das peregrinações, aos ombros do seu pai, ao modesto santuário da Virgem Negra de Czestochowa, onde, um povo humilde e sofrido ia pedir à sua Mãe Celeste um pouco de misericórdia na vida terrena e a intersessão na futura vida eterna.
É neste ponto que se fundem os dois caminhos de Maria. Nos corredores do Vaticano imperava agora um homem que entendia os dois lados dessa sempre paradoxa questão que tinha sido Maria. E tomou "a missão Maria" como o fundamento, a bússola do seu pontificado. Os especialistas em Heráldica ficaram escandalizados quando, contra todos os princípios que regiam a execução de qualquer brasão, este polaco mandou que, nas suas armas pontifícias, se continuasse a marcar um M, ainda que sob uma cruz, que ele já trazia consigo desde que fora sagrado bispo. Era o M de Maria, para que não restassem dúvidas, sobretudo àqueles que ainda não o conheciam, a quem era dirigido o lema do seu pontificado "Totus Tuus".
Maria encontrou neste seu fiel seguidor, o maior e mais fervoroso embaixador da sua causa, aquele que não se preocupava em encontrar razões teológicas para fundamentar a sua fé. Quando afirmou que foi a Virgem de Fátima que lhe salvou a vida no atentado, não procurou razões nas escrituras ou nos Padres da Igreja. Sentiu e isso lhe bastou. Um ano depois estava perante a imagem da Virgem de Fátima, ajoelhado, de terço entre os dedos, agradecendo, pedindo, orando como tantos milhões o fizeram e o farão ao longo dos tempos. Nas suas visitas a Fátima, era o primeiro a tirar o lenço branco do bolso e a acenar em despedida, não à figura paradoxal que tem ocupado os teólogos há dois mil anos, mas a uma Mãe que ele sentia como sua.
Figura 21
João Paulo II foi o primeiro Papa não Italiano em mais de 500 anos.
De origens humildes e "longínquas", trouxe para o Vaticano
uma filosofia que havia de revolucionar completamente o culto mariano.
Em todas as viagens que fez durante o seu pontificado, João Paulo II não fez nenhuma a título particular, mas sempre como Pontífice Romano e foi
nessa qualidade que visitou dezenas de Santuários Marianos, incentivando e aprofundando a devoção mariana e legitimando algumas heriofanias Marianas. Proferiu centenas de discursos dedicados a Maria, dedica-lhe uma das suas 14 encíclicas (Redemptoris Mater), e em todo o corpus das outras encíclicas Maria surge sempre como o exemplo, a referência, como é o caso das encíclicas Ecclesia de Eucharistia , Veritatis Splendor e Redemptoris Missio. Em 1993, faz aprovar um novo catecismo para a Igreja católica em que dedica dois capítulos a Maria e ao seu lugar na redenção afirmando-se, peremptoriamente que "Maria cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos Homens".
Ao colocar um homem do povo na cadeira de Pedro, os cardeais do segundo Conclave de 1978, inverteram a ordem dos factores. Não era a fé que seguia as descobertas da teologia, teria que ser a teologia a ter de explicar as emanações da fé. A fé do povo em Maria, na sua Tellus Mater, encontrava-se, enfim, legitimada pelo anel do pescador. O que importa que os Evangelhos sejam omissos ou os Padres da Igreja não consigam atingir um consenso? A fé é isso mesmo: fé. Não se questiona, não se estuda, não se investiga. Ou se tem ou não se tem. E a fé de milhares em Maria foi, é e será imensa.
Figura 22
Armas Pontifícias de João Paulo II, onde se inscreve, contra todas as regras da Heráldica, uma letra no escudo de armas: o M de Maria.
14. Os novos rumos do culto Mariano
João Paulo II morreu em 2 de Abril de 2005. Apenas dois dias depois de iniciado o Conclave, assumia a cadeira de Pedro o já famoso decano do colégio cardinalício e Perfeito para a Congregação da Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger, com o nome de Bento XVI. Na altura da sua eleição levantou-se uma enorme polémica. Ratzinger nunca foi uma figura querida pelos fiéis. Autoritário, carismático, mesmo austero, tomou algumas posições de força enquanto "Inquisidor-Mor". Muitos, quando o viram surgir na varanda de São Pedro, acusaram o colégio cardinalício de estar sujeito a influências, de tudo estar previamente preparado, de tudo ser uma maquinação, de o próprio Ratzinger, durante as exéquias de João Paulo II, se ter assumido, à priori, como o futuro Papa, especialmente na homilia da missa Pro Eligendo Romano Pontifice, em que o cardeal alemão, traçou o perfil do que devia ser o novo Papa, perfil, aliás, muito coincidente (coincidente de mais até, dizem alguns) com o seu próprio.
Mas o que muitos se esqueceram é que Ratzinger é, antes de mais e primeiro que tudo, e isto simpatias ou tendências à parte, um dos mais brilhantes teólogos de que a Igreja dispõe actualmente. A sua obra é extensa e unanimemente reconhecida tanto por católicos como mesmo por não católicos. A sua abordagem à ciência de deus, enquadra-se perfeitamente no que hoje definimos como "método científico", primando pela objectividade, pelo rigor e pela imparcialidade. Não me posso referir a Joseph Ratzinger como pessoa pois não o conheço, refiro-me a ele como cientista e só tenho uma coisa a afirmar: é brilhante.
Neste contexto, entendo a escolha dos cardeais no conclave de 2005. Os cardeais chamaram Ratzinger assim como Constantino chamou os filósofos no século III: era preciso legitimar teologicamente a fé sentida e vivida pela comunidade dos crentes. Depois do pontificado de 27 de anos de João Paulo II em que a fé em Maria imperou, é necessário alguém que legitime esses mesmos actos de fé. O culto Mariano, a fé em Maria, o estatuto que atingiu, a força que alcançou ultrapassam, em muito, aquilo que a teologia actual pode dizer, explicar, afirmar.
Figura 23
Fotografia de João Paulo II onde se pode ver, à sua direita, o cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI.
Depois de um pontificado baseado na Fé "instintiva" de João Paulo II, cabe a Bento XVI legitimar essa mesma fé,
especialmente no que respeita ao culto Mariano.
É necessário um período de reflexão, de pesquisa, de meditação para que a fé e as razões dessa mesma fé se encontrem e comunguem de uma mesma orientação, de um mesmo propósito nem que para isso sejam necessários mais mimetismos ou malabarismos retóricos . Penso ser este o rumo que o culto Mariano terá nos próximos tempos, penso ser esta missão que Bento XVI terá que desempenhar para que, em pleno século XXI, não surjam, de novo, sismas, cisões. É necessário que, mais uma vez, se resolva um paradoxo à volta de Maria, mas como esse mesmo paradoxo dura há dois mil anos, nada se estranha e tudo se espera.
Figura 24
Fotografia da designada "Procissão do Adeus", no Santuário de Fátima, em 13 de Maio de 2006.
Muito ficou por dizer sobre Maria. Também não era intenção fazer uma dissertação sobre Maria, mas somente sobre um dos aspectos de que se reveste a sua figura. Maria será sempre alvo das mais acesas questões entre filósofos e teólogos. A questão da Aeiparthenos, isto é, da virgindade perpétua de Maria, assim como a natureza singular da concepção ainda provocam acesas discussões.
Com o surgimento de novas ciências como a Antropologia das Religiões, História das Religiões ou Simbologia Religiosa, outras questões serão levantadas, mais dúvidas surgirão. Esperemos que, sendo Maria, sem dúvida alguma, uma das figuras mais marcantes e unânimes na constituição dos arquétipos míticos da maior religião do mundo e mesmo do que entendemos por ocidentalidade, esse diálogo inter-disciplinar seja feito com moderação, sem extremismos, sem cisões. A Fé e a Ciência não são inimigas e é obrigação tanto de uma como da outra trabalharem em conjunto. Se à fé compete dar ao Homem as forças e as esperanças que necessita para viver, à ciência compete explicar esses mecanismos, as razões, as causas e os efeitos. A Fé tenta dignificar o Homem, a ciência tenta entendê-lo.
Não me parece que sejam duas missões antagónicas, antes pelo contrário. Desta forma, esperamos novos rumos e novos avanços no estudo do fenómeno Mariano. No entanto não podemos esquecer uma coisa simples mas de uma importância fundamental: independentemente do dito dos teólogos, independentemente das investigações dos antropólogos, deve sempre imperar o respeito pelo ser Humano, pelos seus sentimentos, pela sua fé, por mais absurdas e simplistas que nos possam parecer. Pois digam o que disserem, afirmem o que afirmarem, para além de todas, de todas as teorias, para além de todas as descobertas, para além de todas as teses, Maria vive e prospera no mais fundo da alma de milhões de pessoas, e não há ciência, não há raciocínio, não há lógicas que façam calar a voz que 400 mil pessoas, que, de lenço branco e lágrimas nos olhos, cantam, pelo menos, no dia 13 de cada mês de Maio a Outubro, Ó Fátima, Adeus, Virgem Mãe, Adeus.
Vigo,
Na solenidade de Santo António,
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Rui Alberto Silva
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