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Valorizar a especificidade da Guerra Civil em Angola tomando como padrão as concepções da ciência social relativamente a guerra.
3.1.1. Aprofundar sobre o estado da ciência respeitante ao problema da guerra.
3.1.2. Contribuir para uma determinação da natureza e classificação da guerra em Angola.
3.1.3. Revelar aspectos contributivos para a história de Angola relativos às causas, interesses socioeconómicos e políticos da guerra em Angola
3.1.4. Valorizar algumas das consequências ou efeitos mais importantes da guerra em Angola.
3.1.5 Inserção do tema da Guerra Civil nos programas de ensino de Historia de Angola com vista a consciencialização de novas gerações para se evitar repetições.
Fontes escritas acerca da Guerra em Angola.
A recorrência a fontes escritas relativas a artigos jornalísticos, publicações de Internet, livros, magazines, e outras, seria um importante contributo para uma classificação, avaliação e valorização correcta da questão da guerra em Angola.
Métodos empíricos:
Revisão bibliográfica, consistente na consulta de fontes escritas para tirar as informações existentes sobre o tema.
Observação, para aquilatar efeitos e consequências oculares da guerra
Entrevista, para avaliar opiniões, sentimentos e conceitos relativamente à guerra.
Métodos teóricos:
Indução - dedução, para fazer inferências a partir dos dados recolhidos e dos métodos aplicados.
Comparação de pontos de vista científicos de diversos autores e procedências. Graficação e apreciação das mudanças no tempo.
Segundo o tipo qualitativo de investigação social, a amostra de pequeno tamanho. A opinião de alunos do PUNIV foi requerida pelo facto de ser o nível mais representativo e importante por ser antessala do ensino superior. De uma população alvo de 2500 alunos de Lobito e Benguela, foram seleccionados mediante uma amostragem aleatória, 50ita selecção teve em conta o principio de ficar inclusos na amostra alunos de todas as classes do PUNIV, bem como de rendimentos baixo, médio e alto, assim como procedência social diversa. Professores e personalidades de reconhecido prestígio também foram entrevistados.
Conforme a hipótese apresentada se definem como:
Variável independente: Utilização de fontes escritas sobre a guerra.
Variáveis dependentes: Classificação, avaliação e valorização correcta da questão da guerra em Angola.
Monografia sobre a natureza, causas e classificação da Guerra Civil em Angola.
Os aspirantes têm estruturado a tese em três capítulos. O primeiro dedicado a "O PROBLEMA DA GUERRA. OBSERVAÇÕES TEÓRICAS", faz uma incursão nos conceitos da guerra como ponderações científicas acerca deste fenómeno que servem de base para compreender o processo bélico em Angola. O capítulo II. "O PROBLEMA DA GUERRA EM ANGOLA" descreve a tipologia da guerra angolana, as causas os interesses socioeconómicos e políticos, a questão dos direitos humanos e a questão da paz em Angola. No capítulo III A GUERRA COMO MATÉRIA DE ENSINO refere-se a importância dos conhecimentos relativos à guerra como matéria de ensino na cadeira de História.
1.1. Análise Conceptual da Guerra.
O fenómeno social denominado Guerra, é um acontecimento extremamente antigo na história da humanidade. Se tomarmos em conta que durante todas as épocas históricas humanas vividas, quer Idade Antiga, quer Idade Média, Moderna, aparecem conflitos; se acrescentarmos que inclusive na Época Contemporânea resulta comum ouvir falar de choques armados, então pareceria que os factos relativos a discrepâncias, a falta de harmonia e a beligerância forem inerentes ou consubstánciais ao género humano. Assim tem sido valorizado não poucas vezes e por não poucos autores e pensadores.
Segundo O livro de Urantia, "A guerra é um estado natural e uma herança do homem em evolução; a paz é o padrão social que mede o avanço da civilização. Antes da socialização parcial das raças em avanço, o homem era excessivamente individualista, extremamente desconfiado, e inacreditavelmente briguento. A violência é a lei da natureza, a hostilidade, a reacção automática dos filhos da natureza, enquanto a guerra não é senão essas mesmas actividades praticadas colectivamente. E, no momento em que o tecido da civilização receber a pressão das complicações do avanço da sociedade, e onde isso acontecer, haverá sempre um retrocesso imediato, nocivo àqueles métodos iniciais de ajuste violento das irritações provenientes das inter associações humanas. A guerra é uma reacção animalesca aos desentendimentos e às irritações; a paz acompanha a solução civilizada de todos esses problemas e dificuldades. As raças sangiques, junto com as adamitas, posteriormente deterioradas, e as noditas eram todas beligerantes. Aos andonitas muito cedo foi ensinada a regra de ouro e, ainda hoje, os seus descendentes esquimós vivem em boa medida segundo esse código; o costume é forte entre eles, e estão razoavelmente livres de antagonismos violentos (UF, 2003).
Mas um fenómeno tal como a guerra não poderia existir antes que a sociedade houvesse evoluído o suficiente a ponto de experimentar, de fato, os períodos de paz e sancionar as práticas belicosas. O próprio conceito de guerra implica algum grau de organização.
Com a emergência dos agrupamentos sociais, as irritações individuais começaram a ficar submersas nos sentimentos grupais, e isso promoveu a tranquilidade inter-tribal, às custas, contudo, da paz inter-tribal. A paz, assim, inicialmente, foi desfrutada dentro do grupo, ou da tribo, que sempre detestava, odiava mesmo, os de fora do grupo ou estrangeiros. O homem primitivo considerava uma virtude derramar o sangue estrangeiro.
Todavia, mesmo isso não funcionou a princípio. Quando os primeiros chefes tentaram resolver os desentendimentos, frequentemente julgavam necessário, ao menos uma vez por ano, permitir as lutas de pedradas dentro da tribo. O clã dividia-se em dois grupos e tinha início uma batalha que durava todo um dia. E isso, por nenhuma outra razão, a não ser pelo divertimento proporcionado; eles realmente gostavam de lutar.
A guerra perdura, porque o homem evoluiu do animal, tornando-se humano, e todos os animais são belicosos. Entre as causas primitivas da guerra estão:
1. A fome, que leva a surtidas em busca de alimento. A escassez de terras tem sempre trazido a guerra e, durante essas lutas, as primeiras tribos pacíficas praticamente foram exterminadas.
2. A escassez de mulheres – uma tentativa de aliviar a falta de ajuda doméstica. O rapto de mulheres tem sempre sido uma causa de guerra.
3. A vaidade – o desejo de exibir a bravura tribal. Grupos superiores lutavam para impor o seu modo de vida aos povos inferiores.
4. Os escravos – a necessidade de recrutas para as fileiras de trabalho.
5. A vingança era motivo de guerra quando uma tribo acreditava que outra tribo vizinha houvesse causado a morte de um companheiro de tribo. O luto continuava até que uma cabeça era trazida para a tribo. A guerra pela vingança foi considerada justificada, até uma época relativamente moderna.
6. A recreação – a guerra era encarada como uma recreação pelos jovens dessas épocas primitivas. Se não havia nenhum pretexto bom e suficiente para que a guerra surgisse, quando a paz se tornava opressiva, tribos vizinhas costumavam entrar em combates semi- amistosos, em escaramuças, como folguedos, para desfrutarem de um simulacro de batalha.
7. A religião – o desejo de fazer conversões para o próprio culto. As religiões primitivas, todas, aprovavam a guerra. Apenas em tempos recentes a religião começou a reprovar a guerra. Infelizmente, os sacerdócios primitivos, em geral, eram aliados do poder militar. Com o passar do tempo, um grande passo na direcção da paz foi o esforço para se separar a Igreja do Estado.
Mas como ‘o senso comum é o pior inimigo da ciência’ seria preciso uma incursão profunda nas reflexões científicas para pôr em claro qualquer questão, sempre com o princípio da objectividade na pesquisa. Ainda bem, a análise científica de aspectos chave como: a causa, a natureza, a tipologia ou a classificação das guerras, oferecem critérios importantes para uma correcta avaliação do fenómeno em tratamento. Saber que "a guerra é a continuação da política por meios violentos", ou que as contradições são fonte do desenvolvimento, segundo o ponto de vista marxista, não adianta demais, embora que incita à meditação: é mesmo evitável a guerra na nossa época? É proveniente sempre de interesses subjectivos? Será a guerra uma condição necessária para o avanço social?
A maior parte dos historiadores admite facilmente que houve, durante quase todas as fases dos últimos quatrocentos anos, uma relação muito estreita entre formas de guerra bem determinadas e a mudança social.
Recorria-se então frequentemente à guerra para resolver querelas tanto de ordem interna como externa, e o destino das lutas intestinas decidia-se frequentemente no campo de batalha de uma guerra conduzida contra um inimigo de fora. Contudo, esta imbricação da guerra e da discórdia civil era de natureza absolutamente fortuita e momentânea; nem os mercenários, que travavam os combates extremamente mortíferos desta época, nem os protagonistas dos partidos em luta se preocupavam com isso (Korsch, 1941).
1.1.1. Conceitos Subordinados da Guerra
Alguns conceitos subordinados á guerra precisam ser definidos, enquanto fornecem elementos para compreender o conceito em questão. "Escaramuça", no dicionário da Língua Portuguesa, quer dizer peleja, desordem. Parece ser o conceito mais simples relativo à guerra e chama-se assim a uma confrontação de pouca monta ou importância, de pouco ou nenhum significado estratégico. O conceito combate refere-se à confrontação militar formal, a uma acção entre exércitos que se distingue pela transcendência mesmo que pelo número de efectivos que nele intervêm. O conceito batalha tem um carácter mais estratégico, mais geral do que o combate; de tal modo que sendo uma sucessão provável de combates, a batalha subordina a este conceito. A batalha por Roma, por Stalingrado, etc., oferece a ideia de vários combates para atingir o objectivo implícito. Analogamente, o conceito "guerra" sucede ao de batalha e caracteriza-se, desde o ponto de vista militar, por batalhas diversas que expressam interesses de partidos, nações ou colectividades de grande tamanho. A guerra, portanto, tem assim um sentido político determinante.
1.1.2. Conceitos Subordinantes da Guerra (Beligerância, Conflito, Luta de Classes, Revolução)
Outros conceitos envolvem ao conceito guerra e não se subordinam a este. São, por exemplo "beligerância", sinónimo de hostilidade, de conflagração. O conflito, que designa o choque ou a contradição, antagonismo. A luta de classes, que tem a ver com conflitos entre grupos sociais numerosos ou entre classes, é outro conceito que abrange o conceito guerra. Desta forma, toda guerra é um conflito, também é geralmente uma luta de classes — se julgamos pelos interesses que se dirimem nela—, mas não qualquer conflito ou luta de classes é guerra. Como veremos mais adiante, o conceito guerra está relacionado inicialmente com o uso de armas, provém originalmente da esfera militar.
Outros conceitos são afins à guerra, embora que não tenham igual relacionamento. Trata-se de aqueles que são usados durante este tipo de conflito. Assim, os conceitos de trégua, com significado para as circunstancias de intervalo, alto ou parada momentânea da confrontação; o que se chama ‘cessar o fogo’ momentâneo, a trégua é usada para: pactuar, recolha dos feridos, ou outra situação convinda entre os beligerantes. Quando a trégua for definitiva sobrevem então um estado contrário à guerra conceptualmente denominado paz. Paz e guerra são conceitos correlativos no entanto que um deles pressupõe ao outro: guerra é paz, paz é guerra, podia-se dizer do ponto de vista filosófico. A guerra é uma reacção animalesca aos desentendimentos e às irritações; a paz acompanha a solução civilizada de todos esses problemas e dificuldades.
Como no meio da Guerra e da Paz aparece um conceito muito controvertido quanto escutado: Amnistia. Tem a ver com, desaforos, crimes, excessos, que acontecem durante as confrontações bélicas do que aparece a consequente necessidade de proceder com tais actos. A Amnistia, que literalmente quer dizer, perdão, desculpa, refere-se assim, a indultos, absolvições e mercês que comummente são concedidas a partir da intervenção de mediadores ou circunstâncias concorrentes quaisquer.
Mas o conceito relacionado com a Guerra, também mais discutido nos planos políticos e científico é a Revolução, ao menos do ponto de vista do que tem a ver com a guerra. Guerra e Revolução têm sido identificadas, por vezes, com toda intenção. Importam por isto algumas alusões ao particular.
Do ponto de vista marxista, revolução é uma mudança profunda no desenvolvimento social que faz avançar a história. Revolução, segundo esta posição, é uma transformação política, económica, social, cultural, quer dizer, absoluta, da sociedade graças à qual um sistema histórico ou uma época muda para outra mais avançada. Como até hoje toda mudança social ampla entendida como revolução tem tido lugar sempre mediante a violência, — geralmente armada por demais—, resulta evidente o vínculo guerra – revolução.
A relação entre a guerra e a revolução tornou-se um dos problemas centrais do nosso tempo. E, por outro lado, um dos mais desconcertantes duma época na qual temos visto anti-intervencionistas a reclamar insistentemente a intervenção, pacifistas a pedir a guerra e nacional-socialistas a paz, enquanto os apóstolos comunistas da classe revolucionária renunciam humildemente a todo o recurso à violência como instrumento da política nacional e internacional.
Uma vez esclarecidos estes conceitos vale a pena entrarmos no fenómeno da guerra como facto social.
Uma pesquisa sobre civilização do México aponta que a guerra surgiu assim que as sociedades humanas se tornaram mais complexas e segmentadas, divididas em clãs. Em apoio a essa teoria, arqueólogos americanos acharam agora no México várias provas de como se desenvolveram esses conflitos antigos. A teoria foi criada pelo antropólogo Raymond Kelly, autor de um livro sobre a origem da guerra. Estudando sociedades nativas em todo o mundo, ele notou que as que não tinham guerras eram muito pequenas para serem divididas em segmentos. O que eles mostram no artigo é que se pode ver como a guerra fica mais complexa à medida em que a sociedade que a pratica se torna mais complexa.
Os arqueólogos fizeram testes em templos e casas queimados, além de paliçadas que cercavam posições defensivas em locais elevados. Foi datado o carvão encontrado em buracos dos postes da paliçada defensiva em San José Mogote. A paliçada foi queimada em um ataque inimigo.
Entre as imagens mais antigas do continente estão desenhos em baixo relevo em pedra que mostram prisioneiros mutilados e com vísceras expostas.
Quando Monte Albán se tornou dominante em Oaxaca, além de criado o primeiro Estado com uma burocracia para administrar o território conquistado, surgiu um exército profissional, com oficiais nobres permanentes e soldados recrutados quando preciso.
O desenvolvimento da economia, em especial o da agricultura, permitiu que uma classe de pessoas não precisasse trabalhar na lavoura e fosse sustentada por camponeses, dedicando-se unicamente ao governo ou às actividades guerreiras.
Esse Estado primitivo, assim como seus equivalentes modernos, dominava técnicas de intimidação para manter a população subjugada.
O caso de Oaxaca é especialmente importante porque é um exemplo de formação de um Estado primário, de primeira geração, na qual a organização política da sociedade evoluiu a partir de algo que não era um Estado, para algo que passou a sê-lo (Bonalume, 2003).
Uma passagem bíblica reza:
No símbolo do Éden.
Entre luzes e flores,
O ódio veio a Caim
Sob a capa da inveja.
Caim matou Abel,
e espalharam-se os males. . .
Doenças, penas, dores
Resultaram do evento.
Pediu a evolução
O concurso da morte.
A guerra vem dos homens
Nunca da Paz de Deus.
Emmanuel -
Psic: Francisco Cândido Xavier. (Génese 4:5-8)
Quer dizer que é lógica a concepção de que a guerra, como afirmam muitos autores, resulta um estado inerente ao género humano, inseparável, portanto da sua evolução no entanto aparece desde os primeiros momentos da história.
Mas a inferência é muito simples. O facto de que a sociedade humana proceda do reino animal, e de que neste estádio de desenvolvimento da escala zoológica seja própria a luta pela existência explica a reminiscência da beligerância entre os humanos.
As primeiras reflexões científicas em torno da guerra se remontam a Platão e Aristóteles, mas têm em Marco Túlio Cícero (101-43 a.C.), no De Officiis, uma sistematização mais pormenorizada. Distingue entre duas formas de peleja, a por palavras ou argumentos e a por força do corpo, considerando não só que a primeira é própria aos homens e a segunda aos animais, como também que essa última deveria ser escusada quando não a requeresse a necessidade.
As guerras primitivas eram feitas entre as tribos como um todo, mas, em épocas posteriores, quando dois indivíduos de tribos diferentes tinham uma disputa, em vez de ambas as tribos lutarem, os dois disputantes entravam em um duelo. Tornou-se hábito também que dois exércitos decidissem tudo pelo resultado de uma disputa entre um representante escolhido de cada lado, como no exemplo de David e Golias (1ª de Samuel 17: 32-58).
O primeiro refinamento da guerra foi a captura de prisioneiros. Em seguida, as mulheres passaram a ser eximidas das hostilidades, e depois veio o reconhecimento dos não-combatentes. As castas militares e os exércitos permanentes logo se desenvolveram, para marcharem de acordo com a crescente complexidade do combate. Esses guerreiros eram proibidos de entrar em contacto com mulheres, e estas, havia muito, tinham já deixado de combater, embora houvessem sempre alimentado e cuidado dos soldados e exortassem-nos à batalha.
A prática de declarar guerra representou um grande progresso. Essas declarações de intenção de luta indicavam a consciência do senso de equidade, e a isso se seguiu o desenvolvimento gradual das regras do guerrear "civilizado". Muito cedo se tornou costume não lutar perto de locais religiosos e, um pouco mais tarde, não combater em certos dias santos. Em seguida, veio o reconhecimento geral do direito de asilo; os fugitivos políticos receberam protecção.
Assim, a guerra evoluiu gradualmente, da caçada primitiva ao homem, até o sistema, de um certo modo mais ordeiro, das nações "civilizadas" posteriores. Contudo, apenas lentamente a atitude social da amizade substituiu a inimizade.
Cícero adianta, ainda, que as guerras nunca deviam ser começadas senão com a intenção de se alcançar a paz. Essas reflexões moralizantes, que nos parecem hoje tão sugestivas, fizeram fortuna na Idade Média e receberam diversas actualizações. "Quem deseja a paz prepara, pois, a guerra".
Um argumento em favor da guerra era o de que cabia a uma das ordens medievais, a dos ''defensores'', cumprir o desígnio que tinham recebido de Deus, de defender os reinos pela justiça e pelas armas, do mesmo modo que aos ''oradores'' tinha sido destinado rezar e aos '' mantidores '', trabalhar.
A razão de ser dos guerreiros era, pois, a defesa, actividade que pressupunha a guerra e que acabou por se tornar a condição de existência de um grupo significativo de homens. E isso não só do ponto de vista de sua actuação social, como também de sua manutenção particular, dado que durante a Idade Média a guerra funcionou como uma das principais vias de enriquecimento pessoal e colectivo e como uma forma privilegiada de circulação das poucas riquezas disponíveis.
Mas, ainda que os tratados medievais dedicassem páginas e páginas às estratégias de guerra, suas consequências não eram assim tão certeiras, pois a possibilidade de intervenção de uma força superior - como se acreditava - podia vir a ser mais decisiva que o treinamento dos guerreiros e a superioridade dos seus aparatos. Considerando-se a relativa impressibilidade dessa força oculta, era melhor só dar início à guerra quando a necessidade o impusesse. A Europa medieval estava fortemente vinculada à guerra, desde as lutas endémicas dos senhores feudais até a guerra Santa
Maquiavel debruçou-se sobre as dissenções políticas e os conflitos bélicos do seu tempo, como Platão e Aristóteles haviam feito, sobre a experiência igualmente restrita do tempo deles nesta matéria. Ele estava convencido que uma experiência revolucionária a partir de baixo, ou, em caso de falhanço, uma intervenção revolucionária de cima, do "príncipe", unificaria à força a nação italiana, no quadro de um regime republicano ou monárquico, mas em todo o caso burguês. Este nobre sonho perdeu todo o fundamento e foi varrido - como o foi no nosso tempo o projecto revolucionário ainda mais grandioso, concebido por outro génio político - por falta de condições exteriores propícias e devido ao curso absolutamente imprevisto tomado pelos acontecimentos. Com efeito, o teatro da grande acção histórica passou do mundo mediterrânico de Maquiavel e das suas cidades-estado, para as grandes monarquias ribeirinhas do Atlântico, da mesma maneira que hoje passa da Europa dividida em nações do século XIX para o gigantesco campo de batalha de uma guerra de dimensões mundiais. Apesar de tudo, o raciocínio de Maquiavel permanece válido, face aos factos históricos em que se baseava. Um pensador mais realista, que não admitisse que as relações caóticas e fragmentárias da guerra e da guerra civil, na Itália do século XV, tivessem apresentado uma base suficiente para justificar as vastas especulações políticas de Maquiavel, poderia apesar de tudo detectar nelas, num estado ainda embrionário, esta unidade da guerra e da revolução que, sob formas mais acabadas, devia caracterizar as fases subsequentes da sociedade burguesa moderna (Korsch, 1941).
Nas idades passadas, uma guerra feroz instituiria mudanças sociais e facilitaria a adopção de ideias novas que, naturalmente, não teriam ocorrido em dez mil anos. O preço terrível, pago por algumas dessas vantagens vindas com as guerras era que a sociedade retrocedesse temporariamente à selvajaria; tinha-se de abdicar da razão civilizada. A guerra é um remédio poderoso, de custo muito alto e muito perigoso; ainda que frequentemente cure algumas desordens sociais, muitas vezes mata o paciente e destrói a sociedade.
A necessidade constante da defesa nacional cria muitos ajustamentos sociais novos e avançados. A sociedade, hoje, desfruta do benefício de uma longa lista de inovações úteis que, a princípio, eram exclusivamente militares; e a sociedade deve à guerra, até mesmo a dança, uma das formas primitivas de exercício militar.
A Guerra tem tido um valor social para as civilizações passadas, porque ela:
a. Impunha a disciplina e forçava a cooperação.
b. Premiava a firmeza e a coragem.
c. Fomentava e solidificava o nacionalismo.
d. Destruía os povos fracos e inaptos.
e. Dissolvia a ilusão da igualdade primitiva e estratificava selectivamente a sociedade.
A guerra teve um certo valor evolucionário e selectivo; contudo, como a escravidão, deverá, em algum momento, ser abandonada, à medida que a civilização avança lentamente. As guerras de antigamente promoviam as viagens e o intercâmbio cultural; essas metas estão agora mais bem cumpridas pelos métodos modernos de transporte e de comunicação. As guerras de outrora fortaleciam as nações, mas as lutas modernas alquebram a cultura civilizada. As guerras antigas resultavam na dizimação dos povos inferiores; o resultado líquido do conflito moderno é a destruição selectiva das melhores cepas humanas. As guerras primitivas promoviam a organização e a eficiência, mas agora esta se tornou mais uma das metas da indústria moderna. Durante as idades passadas, a guerra era um fermento social, que impulsionava a civilização para a frente; esse resultado agora é mais bem alcançado pela ambição e pela invenção. A arte da guerra antiga sustentava o conceito de um Deus das batalhas, no entanto, para o homem moderno, foi dito que Deus é amor. A guerra serviu a muitos propósitos valiosos no passado, tem sido um andaime indispensável na construção da civilização, mas está tornando-se, rapidamente, a bancarrota cultural – incapaz de produzir dividendos, de algum ganho social, comensurável, sob qualquer ponto de vista, em comparação com as perdas terríveis que vêm junto (UF, 2003).
1. 2. A Guerra e os Direitos Humanos.
Resulta evidente a relação da guerra com a questão dos direitos humanos. Crimes, derramamento de sangue, abusos, torturas, e toda classe de atrocidades e excessos são cometidos durante um clima de guerra, factos estes que constituem violações flagrantes dos direitos humanos.
A Carta das Nações Unidas determina que: "Todos os Estados membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais" (art. 2,3); e "Todos os Estados membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra acção incompatível com os Propósitos das Nações Unidas" (art. 2,4). Mesmo na hipótese de eventual invocação do artigo 51, é impossível haver qualquer guarida à guerra no direito internacional. O referido artigo trata da possibilidade de legítima defesa em caso de ataque armado e diz que: "Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um Estado membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Estados membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a acção que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais" (Carbonari, 2003).
Os governos que são manifestamente contra a guerra devem imediatamente envidar esforços para que o debate sobre o assunto seja pautado no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas. Isto encontra guarida na Resolução nº 377 (União Pro Paz) da Assembleia Geral da ONU que diz: "o facto de que o Conselho de Segurança não cumpra as responsabilidades que lhe são incumbidas em nome de todos os Estados membros (...) não exime os Estados membros da obrigação que lhes impõe a Carta, nem as Nações Unidas, da responsabilidade que têm em virtude da mesma, de manter a paz e a segurança internacionais". Em nome do respeito ao direito que regra as relações internacionais e ao direito internacional dos direitos humanos, mais do que por formalidade e invocando o respeito à dignidade humana, é urgente uma atitude certeira de todos os países que se opõe ao conflito e que desejam uma humanidade pautada pela liberdade verdadeira centrada na solidariedade e na multilateralidade (Ibíd.).
Especial ênfase leva nesta aresta o sofrimento da população civil durante a guerra, tanto é assim que nos últimos tempos têm sido denunciados actos deste tipo com muita força. Visto que a guerra ainda hoje parece ser uma vergonha inevitável dos humanos, em confrontações e ataques perpetrados nas últimas décadas o problema das vítimas de civis em quantidades assombrosas aparece como uma moda.
1. 3. Classificação das Guerras. A Guerra Civil.
Na concepção moderna, a ciência social reconhece vários tipos de guerra, um dos quais é a nomeada "guerra do povo". Em Junho de 2004, o comandante-geral do Exército venezuelano, general Raúl Baduel, discursando no 51º aniversário da Escola de Infantaría, anunciou oficialmente a nova doutrina militar de seu país, baseada no conceito de "guerra do povo" criado pelo comandante vietnamita Vo Nguyen Giap. A ideia é simples, genial e de uma bestialidade a toda prova. Consiste em envolver toda a população na actividade guerreira, de modo a privar o adversário do centro de gravidade do seu ataque - a destruição física do exército convencional - e forçá-lo à escolha impossível entre o genocídio assumido e a auto-contenção debilitante.
Sua adopção pelo Vietname do Norte foi uma das primeiras aplicações do princípio geral que depois viria a chamar-se "guerra assimétrica", na qual um dos lados se arroga o direito a todos os crimes, a todas as covardias, ao mesmo tempo que amarra o adversário numa complexa rede de cobranças morais perante a opinião pública, levando-o à hesitação e à paralisia. O exército de Giap era, nesse sentido, a exalta inversão de um exército normal, que arrisca a vida no campo de batalha para proteger o povo. Seus soldados espalhavam-se e diluíam-se no meio da população, usando-a metodicamente como escudo humano. As mortes de civis deliberadamente provocadas pelo seu próprio governo eram em seguida aproveitadas como material de propaganda contra os EUA (Carvalho, 2004).
Com o ambiente guerreiro desatado a partir do 11 de Setembro de 2001 aparece um novo conceito de guerra, a "guerra preventiva". O discurso norte-americano da "guerra ao terrorismo" começou a intensificar-se nos últimos anos, aparecendo associado ao conceito "fundamentalismo islâmico", e focalizou-se na vizinhança do Golfo. Algumas acções terroristas contra a presença dos EUA e outras acções de retaliação por parte dos EUA surgiram como binómio de uma mesma realidade e conjuntamente prepararam o terreno para o lançamento do novo conceito de "guerra preventiva" (Namorado, 2003).
Respeitante a este tipo de guerra, um grupo de militares espanhóis assinou um documento em protesto e declarou: "O conceito de ‘Guerra preventiva’ parece-nos uma perversão que nos faz regredir aos interessados pretextos, tanto territoriais como económicos, raciais, ideológicos ou religiosos que se utilizaram para desencadear todos os terríveis conflitos que assolaram a Humanidade no passado, e que a Carta das Nações Unidas pretendeu erradicar" (Piris et. all, 2003).
O conceito de "Guerra Popular" vem do exército chinês ELP. Postulava uma Guerra total travada, primariamente, por forças terrestres em conjunto com uma abrangente mobilização populacional contra um inimigo invasor cujo propósito seja destruir e ocupar a República Popular Chinesa (McCabe, 2003). De uma variante deste tipo de Guerra temos conhecimento da doutrina cubana, "Guerra de todo o povo", caracterizada igualmente por uma preparação e participação da população em geral contra o invasor. As bases desta doutrina da guerra provém da guerra em Vietname contra os EEUU.
Sob o conceito de "Guerra Santa", "Jihad", compreende-se um tipo religioso de guerra próprio do Islão. Consiste numa confraria ou coligação dos países da religião muçulmana para combater pela defesa da fé. Nunca se deve atacar primeiro, é um dos seus princípios fundamentais. Se morrerem combatendo por Alah espera-lhes a sua misericórdia o que é melhor que qualquer riqueza. A Guerra santa e proclama contra a idolatría.
Outros conceitos relativos à Guerra têm a ver com "Guerra-fria", carimbado após a Segunda "Guerra Mundial" quando ficaram a União Soviética e os Estados Unidos como representantes dos dois blocos militares, a OTAN e o Pacto de Varsóvia. Se a guerra no campo de batalha habitualmente era com canhões, com fogo, nesta altura aparece uma forma nova de agressão e de conflitos: as confrontações ideológicas, a difamação, a propaganda mal tencionada. Deste modo lutavam o Capitalismo e o Socialismo rr-fria, nem só porque não era "quente", mas também pela carga de cinismo, desinformação e ocultação da verdade que lhe caracterizava. Pode-se dizer que a guerra-fria foi uma espécie de política que acabou só com a queda do muro de Berlim e o derrube do socialismo soviético.
Guerra Mundial, Guerra local ou regional, Guerra de desgaste, Guerra justa ou Guerra injusta, são tipos mais conhecidos de guerra e quase esclarecidos por si a partir dos nomes. É por isso que estes autores não acharam necessária uma abordagem específica relativamente a tais classificações.
Mas o conceito chave na nossa Investigação tem a ver com o tipo de confrontação chamado Guerra Civil. Habitualmente as Guerras têm a participação de exércitos, quer dizer de militares especializados e treinados para o desempenho militar. Por oposição ao que seria "Guerra militar" se denomina "Guerra Civil" a aqueles conflitos massivos nos quais uma parte da sociedade é beligerante com outra. Este tipo de guerra envolve, portanto a sectores inteiros da população, classes e partidários delas, ou a toda a população dum país em geral.
Numa convocatória de Lenine como táctica de luta de classes dizia: «A negativa a prestar serviço militar, a greve contra a Guerra, etc., são uma simples tontearia, uma ilusão pobre e medrosa de lutar sem armas contra a burguesia armada e suspirar por destruir o capitalismo sem uma encarniçada Guerra Civil ou sem uma série de guerras. A propaganda da luta de classe entre as tropas é um dever de todo socialista; o labor dirigido a transformar a guerra entre os povos em guerra civil, é o único labor socialista na época do choque armado imperialista da burguesia de todas as nações. ¡Abaixo a sentimental e estúpida lamentação clerical "suspirando pela paz a toda costa"! ¡Em alto a bandeira da Guerra Civil!» (Cfr. GPM, 2003).
Os resultados das Guerras Civis foram, assim, sempre desastrosos e comocionantes. Lembre-se a Guerra Civil Espanhola, a Inglesa e a Norte-americana.
Como um contributo desde a nossa humilde posição intelectual focaremos esta questão da guerra civil em Angola nas linhas a seguir.
No passado, os médicos acreditaram na sangria como uma cura para muitas doenças; entretanto, depois, descobriram remédios melhores para a maioria daquelas desordens. Desse modo, deve a sangria internacional da guerra certamente dar lugar à descoberta de métodos melhores para curar os males das nações.
Não se deve cometer o erro de glorificar a guerra; deve-se, antes, discernir o que ela fez à sociedade, de modo tal que possa-se visualizar, com mais precisão, o que os seus substitutos devem prover, ao fim de continuar o avanço da civilização. Se esses substitutos adequados não forem providos, então pode-se estar certo de que a guerra irá continuar ainda por muito tempo.
O homem nunca aceitará a paz como um modo normal de vida, antes que tenha sido convencido, profunda e repetidamente, de que a paz é melhor para o seu bem-estar material e até que a sociedade tenha provido, com sabedoria, os substitutos pacíficos, para a gratificação daquela tendência inerente de periodicamente soltar o impulso colectivo destinado a liberar as emoções e as energias que sempre se acumulam, próprias das reacções de auto preservação da espécie humana.
Mesmo tendo fim, a guerra deveria, contudo, ser honrada como a escola da experiência que levou uma raça de individualistas arrogantes a submeter-se a uma autoridade altamente concentrada – o dirigente executivo. A guerra à antiga seleccionava, para a liderança, os homens inatamente grandes, mas a guerra moderna não faz mais isso. Para descobrir líderes, a sociedade deve agora se voltar para as conquistas da paz: a indústria, a ciência e a realização social. (UF, 2003)no
O problema da guerra é tão ancestral na História da Humanidade, que é frequente o ponto de vista de que resulta consubstancial ou inerente ao género humano. A existência de documentos e indícios arqueológicos corroboram suficientemente este ponto de vista, comprovado em estudos de civilizações antigas como no México e outros lugares. Em realidade, e segundo pontos de vista mais actuais, a guerra revela um estado de desenvolvimento humano em que as possibilidades de solução dos problemas socias mesmo que o modo de solução a partir da cultura e da evolução da consciência do homem, ainda não atingiram o patamar moralmente desejado para a humanidade. A guerra, portanto, pode ser evitada como solução às divergências políticas, mesmo que afastada da necessidade histórica do futuro humano. A aparição da Comunidade de Nações com organismos internacionais para dirimir os conflitos em lugar dos modos violentos próprios das Guerras Mundiais, indica uma possibilidade efectiva de ultrapassar alguma vez o recurso da guerra. Também a grande luta que tem lugar hoje em favor dos direitos humanos vem a ser um acicate decisivo no propósito de conjurar a guerra
A guerra civil constitui o caso e o tipo mais preocupante das guerras, no entanto envolve a populações inteiras afectando à população civil sem distinção de sectores, idades e géneros.
2.1. Natureza da Guerra em Angola.
A princípios de 1961 iniciou a Guerra em Angola, depois de mais de cinco séculos de opressão colonial brutal sob os portugueses, séculos durante os quais a resistência violenta, para além da não violenta contra os abusos do poder eram coisa diária. O antigo regime fascista de Lisboa havia desperdiçado primeiro todos os recursos naturais de seu próprio país, Portugal, e logo se volveu ao que denominou suas "províncias de ultramar" para pilhar os recursos de Angola etc., uma das "províncias". A todo preço queria reter sob seu poderio colonial o que hoje chamamos Angola. Existiam três movimentos de libertação violentos que haviam aprendido a lógica militar dos anos de então. Não obstante, alguns sectores da população angolana resistiram às ordens do governo alheio seja pela objecção de consciência seja pela desobediência civil.
Desgraçadamente estas forças pacíficas nunca foram tomadas em consideração pelos historiadores, e as análises que se fizeram até hoje em dia sobre a descolonização cala o importante papel da resistência não violenta na consecução da libertação em 1975. Não se conhecem, por exemplo, entre os resistentes não violentos os discípulos de um Sr. Toko, antigo baptista, nem que também existiam fortes tendências não violentas na Igreja Católico Romana.
Depois da Independência, havendo pretendido estes três bandos tomar as armas para libertar a seu povo da escravidão, quase sem esperar um minuto, os libertadores se entregaram a uma luta fratricida pelo poder, todos contra todos. Esta luta, irrespeitosa da vontade da população que pretendiam defender, havia começado embora antes que o último soldado português houvesse deixado o território angolano. Os 14 anos de luta contra o sistema colonial estavam apoiados pela OTAN e pelo mundo civilizado, mas logo começou a luta entre os exércitos libertadores por um lado Jonas Savimbi da UNITA e, por outro lado, José Eduardo dos Santos do MPLA, mais o exército relativamente pequeno de FLEC. A luta contra a população civil foi tão cruel que se podia descrever a Angola como uma Casa de Mortos Viventes.
2.2. A Tipologia da Guerra Angolana
Caracterizar a guerra angolana implica ter em conta a classificação das guerras referida no capítulo I e analisar sua inscrição nalgum dos tipos já aceites. Mas tendo em conta que a Guerra de Angola é reconhecida e divulgada internacionalmente como Guerra Civil, procederemos então a uma análise justificativa desta verdade admitida. Por que denominar civil ao tipo angolano de Guerra?
Se a característica essencial da Guerra Civil é o conflito parcial ou geral que envolve á população civil de forma directa e activa, a guerra angolana, com efeito apresenta esta modalidade. Pode-se dizer que a população de Angola ficou dividida em bandos que substantivaram a conflagração e que armados convenientemente eram inseridos blocos inteiros de pessoas, por vezes com pouca ou nenhuma preparação para a guerra. O clima belicista arrasta habitualmente a muitos sectores populares neste tipo de conflito, ainda contrário à vontade ou desejos de muitos. ‘Quem não está com Savimbi está contra Savimbi’, era uma máxima esgrimida em não poucas partes como procedimento de força quer para alistar a muitas pessoas como efectivos militares quer para requerer apoio moral, logístico, táctico ou estratégico. É assim que em Angola também aparece, infelizmente, a Guerra Civil, como um capítulo doloroso da sua história.
Daquela altura datam informes noticiosos que dão fé do carácter desta guerra: "Mais de 180.000 angolanas e angolanos conseguiram refugiar-se na Zâmbia. Muitas delas chegam mutiladas das minas, algumas inclusive cegos. Entre elas muitas mulheres e anciãos que já não estão em condições de atender-se a si mesmas. As tropas da UNITA rasteiam as zonas contíguas à fronteira em busca de refugiados jovens na idade de pelejar" (Marque, 2001).
Do envolvimento de amplas massas no conflito, inclusive crianças existem despachos de imprensa que denunciam os procedimentos:
"Entre 1980 e 1988, em Angola uma de cada três crianças tem participado em operações militares e muitos têm disparado uma arma contra outro ser humano." Durante o conflito angolano, os menores têm sido recrutados e utilizados como soldados. Trazem os acordos de paz de Lusaka em 1994 uma clausula que produziu a desmobilização oficial de soldados tanto do Governo quanto das forças da UNITA. Se registraram um total de 8.500 meninos soldados (as crianças componham 12 por cento das tropas da UNITA estacionadas na 15ª zona de aquartelamento); não obstante, esta cifra não dá uma ideia da escala do problema, já que muitos soldados foram recrutados como crianças, que tinham cumprido 18 anos no momento do registo. Nos finais de Março de 1997, somente se tinham desmobilizado 2.336 crianças e mais do 50 por cento do total tinha desertado nas zonas de aquartelamento. "Não queria enrolar-me no exército, me obrigaram", afirma Francisco, um soldado de 17 anos das forças armadas de Angola, ao explicar como uns soldados assaltaram sua casa uma noite há três anos no interior da província do Bié e o levaram. Segundo o Governo não se recruta a ninguém de menos de 18 anos, entretanto as ONGs e organizações internacionais que trabalham em Angola afirmam o contrário. Por exemplo, se tenha informado que seguiu-se praticando o recrutamento forçado de jovens ("Rusgas") incluso depois da reintrodução do registo em 1993. Este tipo de recrutamento já não se produzia em Luanda, mas sim em alguns dos subúrbios e no resto do país, sobretudo em zonas rurais. Se tenha denunciado que os chefes militares têm pago a oficiais da polícia para buscar novos recrutas. Segundo uma fonte confidencial, se calculavam que existiam mais de 3.000 crianças soldados nas forças armadas de Angola (FAA), não obstante que a UNICEF assegurou que em 1997 havia 520 crianças nas FAA.
Com a legislação existente, as mulheres de entre 20 e 45 anos também podiam ser chamadas as fileiras, mais na realidade não se as alistava. Uma fonte, que tem pedido não ser nomeada, assegurava que incursões de adolescentes continuavam a ser feitas para seu alistamento" (J. A., 2003).
Na entrega do Prémio Sakharov 2001, Don Zacarias KAMUENHO Arcebispo do Lubango, Presidente da CEAST e do COIEPA expressou:
«É impossível não falar perante o quadro dramático da situação angolana. O nosso viver lado a lado com um povo simples e sofredor credencianos para falar em seu nome, quer no reconhecimento dos esforços empreendidos pelo Governo, quer na busca de melhorias que o mesmo povo reclama. Disse eu há dias que nos catorze anos de guerra anticolonial houve um, 1973, que registou um índice de crescimento financeiro nunca atingido, enquanto que nos vinte e cinco anos da Guerra Civil apenas registamos um decréscimo que se acentua de dia para dia, sobretudo a partir de 1998. A fome, a nudez e as doenças criaram imagens que, se fossem captadas e projectadas nos écrans dos senhores da Guerra, talvez estes perdessem também o sono nessa noite e começassem a pensar Angola. A subnutrição em certas províncias assume a cifra de 47%, como é provado pelo apelo da ajuda humanitária lançado recentemente pelas Nações Unidas» (E. P., 2001).
2. 3. Causas da Guerra em Angola
Lembremo-nos que segundo o ponto de vista marxista a guerra é a continuidade da política por meios violentos. Aceitar este pressuposto implica reconhecer que certos interesses, sejam de carácter político, económico ou de outro género estarão sempre nas bases de todo conflito a maneira de causas objectivas determinantes do conflito (Tiago 4:1).
Resulta delicado entrarmos numa questão desta natureza no entanto é inevitável ferir sensibilidades e pôr sobre a mesa aspectos que provavelmente não quiseram ser ouvidos por alguém. Não obstante, a ciência recorre a factos e o seu dever é actuar com a objectividade, veracidade e a seriedade garante da sua autenticidade e distinção como sistema de conhecimentos.
2.3.1- Divergências entre os Movimentos de Libertação em Angola
Os três movimentos O MPLA, FNLA e a UNITA nunca se entenderam nem souberam coordenar as suas acções na luta pela independência do País. Aparentemente com idêntico objectivo obrigar Portugal reconhecer o direito da Independência revelam-se sempre incapazes de unir seus esforços numa frente comum, e pelo contrario, manifestam uma permanente vocação para a ruptura, a dissidência interna e mesmo para o confronto armado entre eles. Estas rupturas e cisões beneficiavam, como é lógico, Portugal, na medida em que enfraqueciam o movimento nacionalista. Por isso as alimentava e explorava os seus resultados. Mas as causas das divergências não resultavam apenas de incompatibilidades entre os dirigentes que mesmo com os acordos que iam assinando conseguiam unificar as suas intenções para o bem de Angola e radicavam também em razoes objectivas derivadas do complexo mosaico dos povos angolanos, dos objectivos programados dos movimentos e dos apoios externos com que contavam e os catalisavam. O MPLA apresentava-se com uma orientação política mais elaborada e mais definida, ideologicamente, próximo do bloco do Leste. Era apoiado pela União Soviética e seus aliados e, nos Países limítrofes de Angola, pela República Popular do Congo. A Zâmbia acolhia-o, mas numa posição marcada por certa ambiguidade. Depois de algumas hesitações iniciais contava com apoio da OUA e mantinha relações privilegiadas com os movimentos de Libertação das outras colónias Portuguesas, tais como: FRELIMO, PAIGC e MLSTP. A FNLA apresentava-se com um programa ideologicamente definido. Era apoiada pelos EUA, no desencadeamento das acções de Março de 1961, e continuou a contar com este apoio ao qual se juntou o da República Popular da China. Fora ainda apoiada aberta e em exclusividade pela República do Zaire, onde estavam refugiados milhares de angolanos do Norte. Inicialmente a FNLA era o único movimento apoiado pela OUA, apoio que depois compartilhou com o MPLA. A UNITA com uma base programada avançada, mas com uma vocação mais populista, timidamente apoiada pela República Popular da China, carecendo de apoios significativos em África, se bem que beneficia-se da tolerância algo ambíguo da Zâmbia. Foi sempre hostilizada pela OUA, que só viria reconhece-la como movimento de Libertação na véspera da Cimeira do Alvor. Se bem que o MPLA tivesse especial penetração na etnia Kimbundo, que se estendia da faixa de Luanda até Malange, contava também com apoios de etnias mais diversificadas e, principalmente, era o único que tinha implantação dos centros urbanos de Cabinda ao Cunene. Os camponeses o privilegiavam, o que beneficiava ainda de apoio exclusivo das camadas intelectuais e entre grupos significativos de mestiços e brancos. A FNLA estava implantada quase exclusivamente na etnia Bacongo do saliente Noroeste de Angola. A UNITA, por seu lado tinha a sua implantação confinada ao grupo Ovimbundo, no planalto central, grupo étnico mais numeroso de Angola e com alguns apoios entre os Chokwe ao Leste e Sul. A rivalidade entre os movimentos e as disputas de algumas zonas de influências depressa resvalaram para os confrontos armados.
2.3.2- Interesses de Algumas Figuras Nacionais e Estrangeiras
Saiu, em Paris, um livro sobre as negociatas de armas e petróleo durante a Guerra Civil em Angola, envolvendo figuras nacionais e estrangeiras. Obra da ONG britânica "Global Witness (GW)" e da editora AGONE, o livro tem por título "Les affaires sous la Guerre - Armes, petrole & argent sale en Angola (Os negócios da guerra - Armas, petróleo & dinheiro sujo em Angola)". A publicação coincide com um novo surto do escândalo ANGOLAGATE, devido à revelação da nomeação do empresário francês Pierre Falcone para a missão de Angola junto da UNESCO. Suspeito num caso de tráfico de armas para Angola e um dos protagonistas de Angolagate, Falcone figura em destaque no livro. Aliás, o teor do mesmo é fruto de uma investigação sobre os negócios do petróleo em Angola, iniciada em 1999 e prosseguida na sequência do relatório da ONG intitulado "Os Homens do Presidente (All the President’s Men)". Portanto, trata se da conclusão do trabalho inicial e o relato de uma viagem ao mundo dos negócios angolanos e das suas ramificações europeias e americanas (J. A., 2003)
Um artigo jornalístico titulado "Un negocio brillante" (Um negócio brilhante) acrescenta: "este país (Angola) assolado pela sua própria guerra civil participa também nos conflitos bélicos do seu vizinho do norte, a República Democrática do Congo. E --que casualidade resulta que também aí se luta pelo poder sobre a exploração dos abundantes recursos minerais (Kreysler, 2001).
Quando o Conselho de Segurança da ONU decidiu mais uma vez pôr ordem na confusão angolana, culpou a UNITA e impôs um embargo sobre o comércio de diamantes procedentes deste grupo de resistência. Se calcula que a UNITA tenha ingressado, somente nos últimos quatro anos, uns 3.700 milhões de dólares em suas arcas bélicas a partir do comércio de diamantes. O Governo Angolano opõe a isto todos seus ingressos procedentes do petróleo. Num informe da ONU se expõe claramente que numerosos comerciantes internacionais de armas e diamantes se encontram implicados neste negócio, assim como empresas multinacionais de matérias-primas. (…) Por isso não se surpreende ninguém de que Angola fosse na altura a maior importadora de armas de África (Ibíd.).
Outra nota afirma que o "Governo" angolano gastava cada dia um milhão de dólares norte-americanos para a Guerra; do que gastava a UNITA não se conhecem cifras mas se pode supor que é mais ou menos o mesmo. Enquanto que o "Governo" se financiava com petróleo, a UNITA se financiava com diamantes provenientes da região norte do país. Tudo isso passava à vista e paciência da Comunidade Internacional que não manifestava vontade política de "secar" o charco chamado "Guerra" impedindo o ingresso de armas, mas nem o Embargo de Armas pronunciado em 1993 contra a UNITA se implementava porque não existia controles efectivos do tráfico. Nesta altura a UNITA recebia abundantes fornecimentos de armas provenientes da África do Sul, a República Democrática do Congo, Zâmbia, Togo e Burkina Faso (Moellers, 2001).
O comércio com gemas angolanas, diz outro colunista, se tem convertido num tema crucial para a resolução do conflito desde Setembro de 1997. De facto o dia 23 de Setembro de 1997, um funcionário da ONU disse ao periódico sul-africano The Star que se as conversações privadas entre UNITA e o Governo sobre o troféu dos diamantes chegavam a bom porto, a "normalização do país se produziria imediatamente. A "UNITA foi submetida a distintas sanções e, ademais, se criaram mecanismos para cortar a principal fonte de ingressos da organização e obriga-la assim a cumprir o Protocolo de Lusaka. Independentemente dos esforços realizados, os angolanos agora padecem uma situação muito pior que antes (Marque, 2001).
Para além destas causas que temos denominado causas materiais, e que tem sido avaliadas a partir do ponto de vista da imprensa internacional daquela altura, pode-se falar do que seriam causas subjectivas, quer dizer, aquelas que são imputáveis a atitudes e modos de proceder entre os homens. Segundo a opinião do arcebispo Zacarias Kamwenho, uma das causas da guerra em Angola era a intolerância. Não foi por acaso que a ONU declarou o ano de 1995 como o Ano das Nações Unidas para a tolerância. Ainda ressoam nos nossos ouvidos e consciência as palavras da mensagem do Papa João Paulo II no dia Mundial da Paz desse mesmo ano, e as do Doutor Frederico Mayor Zaragoza, então presidente da UNESCO, quando dizia: "A Humanidade deve poder consagrar-se à paz, salvaguardá-la, restabelecê-la e reedificá-la mediante a criação do espaço de diálogo, de concertação e de reconciliação. A violência, nunca mais!"
Falar de tolerância em Angola tem sido muito difícil porque as raízes da intolerância são profundas por se ancorarem na bipolarização política entre os dois partidos mais votados: MPLA e UNITA. Nesse clima, o discurso sobre a tolerância é visto ou como traição a estes partidos mais votados - e por ironia beligerantes -, ou como reacção retrógrada se vem de pessoa independente. Neste clima, falar de mudança significaria alternância de poder com o rival; mas, para nós, igreja e sociedade civil, a mudança para já seria aceitar a tolerância como questão de sobrevivência que, portanto, se impõe desde as bases às cúpulas, desde os partidos políticos ao Governo, desde a sociedade civil e as próprias igrejas ao projecto nacional. No caso angolano a tolerância concretizar-se-ia no aspecto peculiar da reconciliação nacional, cujos fundamentos só podem ser encontrados no diálogo permanente e abrangente, capaz de quebrar este ciclo permanente de guerras. A tolerância supõe solidariedade e fraternidade, e a lição que aprendemos desta Europa é a lição que emerge desta magna Assembleia, aqui e agora reunida. A fraternidade humana, infiltrando todas as nossas facetas de relacionamento, chama também a atenção para o lado económico e seus equívocos. Neste "Sul" em que estamos inseridos, as riquezas tanto são geradoras de guerras como de sinais de solidariedade. Falando concretamente da exploração extractiva, diria que já é tempo de se incrementar aquela transparência que dificultaria o financiamento de conflitos, mas também fomentaria a concretização de investimentos sociais... (E. P., 2001)
2.4. Interesses Sócio Económicos e Políticos Relativos ao Conflito Angolano.
De outro ponto de vista podemos analisar o que se chamam causas externas do conflito angolano. Quer dizer que, olhando do ângulo internacional, aparecem circunstâncias, forças ou factos necessários de ser tidos em conta na hora de analisar a natureza do conflito angolano.
2.4.1. O Papel Político da Comunidade Internacional.
Desgraçadamente, a guerra continuou a ser uma arma empregada contra o povo angolano. Ao tempo, quem exercesse o poder saqueava as riquezas do país, em associação com aventureiros vindos de fora e com outros países. O petróleo, os diamantes, e os ingressos que reportavam, eram as principais fontes de cobiça de governantes, oposição armada e multinacionais do petróleo, concretamente. Todo baixo a mirada complacente de países como Estados Unidos, França, Inglaterra, Brasil, Rússia, Portugal e África do Sul (Brokem R., 2001).
Dos Santos não teria declarado a guerra à UNITA em Dezembro de 1998 se não tivesse contado com o apoio tácito das Nações Unidas e dos poderes internacionais mais importantes, disse um jornalista internacional (Marque, 2001). O que quer dizer que no mundo havia interesses marcados no clima de guerra de Angola.
2.5. A Questão dos Direitos Humanos
2.5.1. Supervisão dos Direitos Humanos na Guerra Angolana
O Protocolo de Lusaka consiste em 10 documentos (chamados anexos), cada um deles referido a uma área específica. Alguns dos anexos contêm disposições de direitos humanos que ampliam as dos Acordos de Bicesse. O Protocolo de Lusaka estabeleceu inicialmente um programa de dois anos para o processo de paz, que culminou com uma segunda ronda de eleições presidenciais. As partes signatárias acordaram um cessar, o envio de uma terceira missão de preservação da paz da ONU a Angola e o despregue de mais de 6.500 soldados de mantimento da paz.
Se criou uma Comissão Conjunta (CC) para vigiar o cumprimento do acordo de paz. A Comissão Conjunta estava formada por representantes do governo angolano, da UNITA, da ONU, observadores de Portugal, da Federação Russa e dos Estados Unidos da América. O Protocolo de Lusaka outorgava um papel mais importante à ONU, em contraste com os Acordos de Bicesse, no que o papel de observador da ONU se limitava a verificar o cumprimento do cesse ao fogo. Em virtude do Protocolo de Lusaka, a ONU tomaria parte nos assuntos militares e policiais, na reconciliação nacional e na segunda volta das eleições presidenciais. As tropas do governo e da UNITA se retirariam e limitariam sua presença a determinadas áreas de reunião (aquarteladas), abandonariam as armas e se desmobilizariam. Este processo seria supervisionado pela ONU, que supervisionaria também a operação de recolha e armazenamento das armas da UNITA e as que estivessem em mãos de civis. As tropas da UNITA se integrariam nas Forças Armadas Angolanas (FAA) e na Policia Nacional, que receberiam treino e deveriam acatar as normas de direitos humanos reconhecidas internacionalmente. Todo soldado não incorporado às FAA seria desmobilizado. Para que pudessem celebrar eleições devia completar-se a formação de um exército conjunto, previsto no anterior acordo de paz e que não se tinha levado a cabo quando a guerra estalou de novo a finais de 1992. Todos os prisioneiros em mãos dos dois bandos seriam postos em liberdade. O aquartelamento, desmobilização e incorporação das tropas da UNITA às FAA foi o aspecto mais complicado do acordo de paz.
Tem causado desacordos entre os dois bandos e graves atrasos na aplicação do acordo. O aquartelamento das tropas da UNITA devia ter-se completado antes de Junho de 1995, mas não empeçou até o 20 de Novembro de 1995, primeiro aniversário do Protocolo de Lusaka. Não obstante, se interrompeu pronto quando as forças do governo atacaram posições em mãos da UNITA e não se reiniciaram até finais de Janeiro de 1996.
Em virtude das disposições para a reconciliação nacional, a UNITA lhe seriam outorgados vários postos, incluindo alguns ministérios e vice ministérios e algumas embaixadas. Participaria no governo angolano nos âmbitos provincial e local. O presidente dos Santos ofereceu a Jonas Savimbi o cargo de vice-presidente em Maio de 1995, durante uma reunião em Lusaka, e em Julho se modificou a Constituição de forma que permitira a criação de duas vice-presidências. As eleições presidenciais estavam previstas em princípio para o mes de Fevereiro de 1997, e estipulava que se celebrariam caso a ONU considerasse as condições oportunas. Devido aos atrasos na aplicação do acordo de paz, as eleições se alargaram indefinidamente em Julho de 1995.
O Protocolo de Lusaka reforça e amplia as disposições de direitos humanos contidas nos Acordos de Bicesse de 1991. Não obstante, embora ficam lagoas significativas e o Protocolo não previa medidas para acabar com o clima de impunidade. O Anexo 6, sobre reconciliação nacional, permitia que os autores de abusos cometidos no passado evitssem render contas e ser castigados. Também, previa uma amnistia para todos os delitos cometidos no contexto do conflito antes da firma do Protocolo. Por outra parte, as disposições de direitos humanos podiam, ao parecer, ser eliminadas pela Comissão Conjunta e parece que esta tinha também o poder de anular as decisões do poder judicial. Quase todos os anexos que integravam o Protocolo de Lusaka continham disposições que exigiam respeito aos direitos humanos.
2.5.2. Forças Internacionais de Mantimento de Paz
Segundo o Protocolo de Lusaka, ao conceber e pôr em prática acordos de paz, a ONU e seus Estados membros deviam prestar desde o primeiro momento uma atenção constante à protecção dos direitos humanos, e prever um seguimento na fase posterior à de mantimento da paz.
A comunidade internacional tem de estar disposta a condenar publicamente as violações de direitos humanos durante e depois do processo do acordo, e assegurar que se apliquem, plenamente e sem dilação, as recomendações relativas a reforma institucional.
Há que manter sob observação as medidas de protecção dos direitos humanos, reforça-las quando seja necessário e avalia-las de forma apropriada ao termo da operação.
Convêm que todo o pessoal internacional sobre o terreno, incluindo o que participa em operações militares, civis e humanitárias, de parte, por vias bem definidas e concebidas, de todas as violações de direitos humanos que presencie, assim como das denuncias graves que receba. A ONU deve tomar as medidas oportunas, inclusas de carácter preventivo, para fazer frente aos factos denunciados (A. I.).
Todas as operações de mantimento da paz devem incluir um componente de carácter civil e internacional, especializado na supervisão dos direitos humanos. Tais componentes devem dotar-se de recursos suficientes e de pessoal com profundos conhecimentos na matéria. Seus mandatos devem compreender a verificação do respeito aos direitos humanos, a criação de instituições, a reforma legislativa, a educação e a formação.
Terá que capacitar formalmente aos observadores que operaram de acordo a umas directrizes congruentes e conformes conforme as normas internacionais. Os componentes de direitos humanos devem ser explícitas e organicamente independentes dos aspectos políticos da operação e das negociações em curso sobre o acordo, e seus mecanismos decisórios devem conceber-se de forma que não permitam que as partes do conflito obstruam as investigações. Nos acordos de paz mais limitados também devem incluir-se mecanismos efectivos de direitos humanos, como assessores ou juristas independentes, que desempenhem uma função supervisora em assuntos tais como a posta em liberdade de presos e a garantia do direito à liberdade de expressão e de reunião. Os especialistas de direitos humanos terão por mandato a realização de investigações e a verificação do cumprimento das obrigações contraídas em matéria de direitos humanos, assim como a adopção de medidas correctoras em caso de violação de tais direitos. Deverão gozar de livre acesso a todos os sectores da sociedade e às instituições pertinentes, e deverá garantir-se a plena protecção de quem entrasse em contacto com eles. As medidas destinadas à consolidação da paz, tais como as reformas institucionais e legislativas, e a educação e a formação, têm de complementar, mas nunca substituir, este papel de verificação (Ibid.).
Relativamente aos crimes de guerra e atentados, os espírito do Protocolo de Lusaka reza que a investigação das violações do direito humanitário e das normas de direitos humanos, assim como a investigação dos atentados contra o pessoal internacional de mantimento da paz, e o julgamento dos responsáveis, devem estar a cargo das autoridades nacionais competentes ou ser de jurisdição internacional. Todo mecanismo internacional a este respeito tem de ser conforme com as normas internacionais de imparcialidade processual. Deve fomentar-se igualmente a criação de uma instituição permanente para o julgamento por crimes internacionais.
Uma vigilância e assistência internacional efectivas em matéria de direitos humanos devem continuar enquanto sejam necessárias, e até que resulte patente que o governo em questão está aplicando correctamente as garantias internacionais de direitos humanos. Os órgãos de direitos humanos da ONU devem desempenhar um papel mais efectivo e completo na fase posterior ao acordo.
Quando foi dito no Protocolo de Lusaka, a comunidade internacional estaria responsabilizada com os roteiros políticos de Angola incluindo o momento da assinatura dos acordos de paz.
2.5.3. A Dimensão Feminina no Conflito Armado
Quatro décadas de um conflito violento infligiram danos pesados à população angolana e especialmente às mulheres. O diferente impacto do conflito e da pobreza em Angola sobre os dois sexos são evidentes nos indicadores inferiores de desenvolvimento humano das mulheres em comparação aos homens. Com a falta de segurança humana ainda uma realidade quotidiana, as mulheres e crianças constituíam os grupos mais vulneráveis e, normalmente, a par dos idosos de ambos os sexos, constituíam cerca de 80 por cento da população internamente deslocada. Após a guerra, as mulheres angolanas enfrentam novos desafios e lutam para vencer estes obstáculos e participam plenamente na sua sociedade. Contudo, parece que o governo não conseguiu até o momento responder às mudanças no papel da mulher angolana e às transformações de relações entre os sexos.
A história recente das mulheres angolanas permanece amplamente desconhecida do discurso popular sobre a guerra. Os caminhos percorridos por mulheres no papel de soldados, líderes, activistas, sobreviventes e vítimas de uma da~
uerras mais trágicas do Continente Africano ainda têm de ser discutidos e suas implicações percebidas.
A Organização da Mulher Angolana (OMA), criada em 1962 como ala feminina do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), teve uma influência crucial no apoio às forças guerrilheiras dentro e fora de Angola. Os relatórios sobre as actividades da OMA mostram que seus membros contribuíam para a produção de alimentos para o exército guerrilheiro, organizavam campanhas de alfabetização e de cuidados básicos de saúde e transportavam armamento e alimentos a grandes distâncias. Não há estimativas do número de mulheres que participavam do exército guerrilheiro do MPLA, mas os testemunhos orais indicam uma quantidade substancial.
A OMA encarava o envolvimento e participação da mulher na guerra da independência como sendo "um campo de prova em que todos os participantes eram exigidos a dar o máximo do seu esforço e desenvolver seus talentos e habilidades". Como em outras organizações femininas, a liderança da OMA incluía principalmente mulheres educadas com laços familiares fortes ou maritais com a liderança política do partido. Não obstante, a maioria dos membros eram mulheres comuns de todos antecedentes sociais e étnicos, que se envolveram no activismo político e no trabalho comunitário. Consequentemente, com a independência, a OMA ganhou apoio popular suficiente para contar com delegados em todas as províncias e estima-se um total de 1,8 milhão de membros registrados em 1983.
Por sua vez, a Liga da Mulher Angolana (LIMA), a ala feminina da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) foi fundada em 1973 e também desempenhou um papel importante na luta pela libertação. A versão corrente é que as mulheres que testemunharam o trabalho das alas femininas de outros movimentos africanos de libertação nacional instigaram a criação da LIMA. Em contraste com a OMA, as mulheres que ocupavam posições de liderança na LIMA não tinham laços de parentesco com a liderança da UNITA, devido ao temor de represálias sobre os maridos se as mulheres fracassassem nos seus esforços, segundo Henda Ducados (Ducados), 2004.
A actividade das mulheres na UNITA durante a luta pela libertação envolvia o transporte de material, alimentos e armamento para os homens na linha de combate. As cargas eram transportadas na cabeça e as distâncias eram longas. Suas actividades políticas consistiam principalmente na mobilização de pessoas e especialmente na adesão dos jovens à luta armada. As mulheres também eram treinadas como activistas políticos. Durante a Guerra Civil após a Independência, as mulheres continuaram em actividade em todas as frentes e a liderança da LIMA era notada em comícios políticos dentro e fora do país.
Segundo Henda Ducados membro fundadora da Rede Mulher em Angola, "as mulheres sofreram as consequências directas da guerra de maneiras diversas. Além do grande número de mulheres que morreram em consequência de combates, também se reconhece que muitas foram violadas por combatentes de ambos os lados. Embora os soldados devessem proteger a população, muitos aproveitaram-se de sua posição para subjugar as mulheres. O seu comportamento e o impacto sobre as relações de poder entre os dois sexos talvez tenham solapado de forma durável a confiança da população feminina nesses soldados. Além disso, as mulheres sofreram em maior proporção com acidentes causados por minas, devido às suas responsabilidades pela colecta de alimentos. Muitas perderam seus maridos e filhos com a guerra, aumentado assim o número de mulheres encabeçando lares" (Ibid.).
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