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Nelson Rodrigues e o ano de 1968. De que maneira o cronista retratou a sociedade brasileira nesse pe (página 2)

Edson Junior
Partes: 1, 2, 3

CAPÍTULO I

JORNALISMO

1.1 O JORNALISMO E SUA FUNÇAO NA SOCIEDADE

Segundo Kunczik (2001), na Europa Ocidental os predecessores dos jornalistas de hoje eram os bardos que, em suas viagens, comentavam e reportavam acontecimentos do dia-a-dia das feiras, mercados e cortes aristocráticas. Tratava-se então de atividade corriqueira, desprovida de finalidades comerciais. Donsbach (apud KUNCZIK, 2001) situa a primeira coleção e distribuição profissional de informação em forma de notícia para o público de Veneza do século XVI. Já nesse período os temas "maravilhosos" e "assustadores" atraíam o maior interesse do público.

Embora seja tratado como uma profissão de comunicação, o jornalismo possui definições mais estreitas, uma vez que o termo comunicador é constantemente utilizado para designar toda a organização dos meios de comunicação. Normalmente, e ainda que haja na literatura divergências, considerase o jornalismo como a profissão daqueles que reúnem, detectam, avaliam e difundem as notícias, ou ainda que comentam os fatos do momento (KOSZYK e PRUYS apud KUNCZIK, 2001).

Contudo, "mais de um século de pesquisa sistemática sobre os fenômenos jornalísticos não foi suficiente para permitir uma precisão conceitual sobre essa atividade da comunicação coletiva" (MELO, 1994, p. 7).

Pode-se dizer que o jornalismo é um processo social que se articula a partir da reação (periódica/ oportuna) entre organizações formais (editoras/ emissoras) e coletividades (públicos receptores), por meio de canais de difusão (jornal/ revista/ rádio/ televisão/ cinema) que asseguram a transmissão de informações (atuais) em função de interesses e expectativas (universos culturais ou ideológicos) (MELO, 1994).

O jornalismo pode ser caracterizado como um processo contínuo e determinado pela atualidade. A ligação entre emissor e receptor é o conjunto dos fatos que estão a acontecer, enquanto que o ponto de tensão reside na diferença entre o que "a coletividade gostaria de conhecer e o que a instituição jornalística quer fazer saber" (MELO, 1994, p. 15).

Melo aponta para o fato de que o homem sempre desejou e teve aptidão para saber dos acontecimentos à sua volta; além disso, informar e ser informado constituiu-se requisito básico da sociabilidade. E a crescente complexidade da organização social, o "agigantamento populacional e a redução dos obstáculos geográficos" aguçaram a curiosidade das sociedades (MELO, 1994, p. 17). E mais que isso:

A intensificação e o refinamento das relações de troca, que ocorrem no bojo das transações capitalistas, as possibilidades de influir na vida da sociedade, que se afiguram na eclosão das revoluções burguesas, tornam a informação um bem social, um indicador econômico, um instrumento político (MELO, 1994, p.17).

O jornalismo que hoje se conhece é produto de um campo de produção discursiva surgido no século XIX. Para Giovandro Ferreira (apud VANNUCCI, 2004), o chamado "campo jornalístico" teria nascido da disputa entre os chamados jornais sensacionalistas (ou populares), marcados pelo fait divers, e aqueles sóbrios, carregados de informações políticas ou literárias. Vannucci (2004) afirma que a formação do campo jornalístico foi marcada pelo nascimento de normas e controles.

1.2 CATEGORIAS DO JORNALISMO

Em sua análise, Melo (1994) evidencia a distinção entre jornalismo informativo e jornalismo opinativo, e questiona: até que ponto o primeiro se limita a informar e o segundo circunscreve-se no âmbito da opinião? O autor argumenta que essa distinção corresponde a um artifício profissional e também político:

Profissional no sentido contemporâneo, significando o limite em que o jornalista se move, circulando entre o dever de informar (registrando honestamente o que observa) e o poder de opinar, que constitui uma concessão que lhe é facultada ou não pela instituição em que atua. Político no sentido histórico: ontem, o editor burlando a vigilância do Estado, assumindo riscos calculados nas matérias cuja autoria era revelada (comments); hoje, desviando a vigilância do público leitor em relação às matérias que aparecem como informativas (news), mas na prática possuem vieses ou conotações (MELO, 1994, p. 25).

Melo (1994) considera que o reconhecimento da existência de duas categorias básicas no jornalismo obtém o consenso de profissionais e pesquisadores da área. Para Emery, Ault e Agee (apud MELO, 1994, p. 25), "jornalismo é o relato dos fatos como eles se apresentam no momento do registro, não um estudo definitivo de uma situação", e completam que, historicamente, o jornalista tem sido identificado pela sociedade como aquele a quem cabe duas funções essenciais: relatar as notícias e oferecer interpretação e opinião baseado nas notícias. Para Luiz Beltrão (apud MELO, 1994), os fatos expostos pelo jornalismo devem ser devidamente interpretados, pois informação, orientação e direção são atributos básicos do periodismo. Já José Benítez (apud MELO, 1994) faz uma distinção: para ele, jornalismo não é somente transmissão de informações que dizem respeito à atualidade, mas também a comunicação de idéias, opiniões e juízos críticos.

Fraser Bond (apud MELO, 1994, p. 27) escreve:

O jornalismo hoje tem quatro razões de ser fundamentais: informar, interpretar, orientar, entreter. [...] Hoje o primeiro propósito e responsabilidade do jornalismo é assegurar ao povo informação. Essa responsabilidade requer uma completa objetividade nas notícias. As necessidades de interpretação e explanação das notícias em nossa época é realmente visível. A vida tem se tornado tão complexa e seus interesses tão diversos que mesmo os especialistas ficam confusos em seus próprios campos de conhecimento. [...] Desde os primeiros tempos o jornalismo tem procurado Influenciar o homem. [...] O jornal esforça-se abertamente por influenciar seus leitores através de seus artigos, editoriais, caricaturas e colunas assinadas. [...] Paralelamente ao seu propósito sério de informar, interpretar e moldar opiniões, o jornalismo dedica um esforço crescente à sua função de entreter (BOND apud MELO, 1994, p. 27).

Há nesse fato um precedente histórico: o trocador de antigamente, que levava as notícias de castelo em castelo, era bem recebido não só pelas novidades que informava, mas também pela habilidade de cantar e tocar o alaúde. O jornal e a revista atraem o público que busca distração, comentando os aspectos pitorescos da vida cotidiana em histórias de interesse humano (BOND apud MELO, 1994).

Com base nessa colocação, Melo (1994) localiza, ao lado do jornalismo informativo e do jornalismo opinativo, duas outras categorias: o jornalismo interpretativo e o jornalismo de entretenimento.

Raymond Nixon (apud MELO, 1994), recorrendo ao esquema de Lasswell/ Wright[2]explica que o jornalismo deve preencher algumas funções a fim de satisfazer as necessidades sociais do homem. Essas funções são: observação, aconselhamento, educação e diversão.

Nixon (apud MELO, 1994) argumenta que: a) jornalismo informativo: cumpre o papel de observador atento da realidade, responsável por vigiar e registrar os fatos, informando-os à coletividade; b) jornalismo opinativo: deve reagir diante dos fatos e disseminar opiniões, seu papel é aconselhar e, assim, formar opiniões; c) jornalismo interpretativo: mais que informar e orientar, seu papel é contribuir com o acervo de conhecimento da sociedade, explicando, detalhando e esclarecendo as notícias; c) jornalismo de entretenimento: deve preencher os momentos ociosos de uma comunidade, oferecendo informações não necessariamente úteis, mas divertidas ou leves.

Contudo, essas novas categorias (de entretenimento e interpretativo) ainda não podem ser consideradas autônomas. Melo argumenta que o jornalismo informativo e o jornalismo opinativo podem cumprir essas "novas funções", uma vez que o informativo (fait divers), ao relatar fatos de toda sorte que despertem sensação, pode entreter, enquanto que o opinativo, ao orientar, julgar e valorar acontecimentos e fatos está também explicando e educando (MELO, 1994, p. 29).

1.3 GÊNEROS OPINATIVOS

De acordo com Melo (1994), a opinião no jornalismo contemporâneo não é um fenômeno monolítico. Ainda que a instituição jornalística possua orientações definidas, ideológicas ou políticas, em torno da qual pretende estruturar suas mensagens, sempre haverá diferenciações e divergências opinativas, dadas as condições do jornalismo atual, que exige a participação de equipes numerosas na produção de conteúdo, impossibilitando o controle do que se vai publicar. Esse monolitismo opinativo foi apenas possível no período em que surgiam os primeiros jornais e revistas, produzidos então por um só autor. No Brasil, um exemplo é o Correio Braziliense, primeiro periódico nacional, produzido solitariamente por Hipólito da Costa (MELO, 1994).

Desde o momento em que a imprensa deixou de ser empreendimento individual e se tornou instituição, assumindo o caráter de organização complexa, que conta com equipes de assalariados e colaboradores, a expressão da opinião fragmentou-se seguindo tendências diversas e até mesmo conflitantes. Isso é uma decorrência do processo de produção industrial, pois a realidade captada e relatada condiciona-se á perspectiva de observação dos diferentes núcleos emissores (MELO, 1994, p. 93).

Melo (1994) acredita que a estrutura do jornalismo industrial comporta diferenças de perspectivas na apresentação de opiniões e juízos de valor, mas põe em dúvida a existência de pluralismo, uma vez que toda empresa jornalística possui uma linha editorial[3]No entanto, há uma abertura para que diferentes pontos de vista sejam veiculados, e a amplitude desse espaço varia de acordo com a instituição e depende da conjuntura política do Estado ou país.

Segundo Melo, "essa valoração dos acontecimentos concretiza-se por meio dos gêneros opinativos e emerge de quatro núcleos: a) a empresa, b) o jornalista, c) o colaborador, d) o leitor" (1994, p. 94). Nesta linha, explica-se: a opinião do jornal é expressa oficialmente no editorial, e geralmente trata da posição da instituição diante de um fato importante do momento. A opinião do colaborador (geralmente representantes da sociedade civil, sem vínculo fixo com a empresa jornalística) aparece no artigo. O leitor expressa-se pela da carta. Já a opinião do jornalista, profissional vinculado à empresa, apresenta-se sob a forma de comentário, resenha, coluna, crônica, caricatura e, eventualmente, artigo.

Segundo Melo (1994), cada um desses gêneros de expressão possui sua própria identidade no contexto do jornalismo brasileiro, ainda que quase todos sejam universais e estejam presentes em outros países.

1.4 CRÓNICA

1.4.1 Origem e Definição

A palavra crônica está etimologicamente ligada ao termo Chronos, deus da mitologia grega que representava o Tempo. O termo passou a denotar "registro dos fatos atuais" quando traduzido para o latim: Saturnos – "saturado de anos." Em seu ensaio intitulado Caminhos da Crônica Brasileira, Paulo Konzen observa:

Esta pode ser considerada uma forma ingênua de crônica, porquanto as categorias de tempo e espaço serviram apenas de princípios interpretativos inspiradores. Nessa acepção, a crônica assume o papel de registrar os fatos reais ao longo de sua evolução no tempo. Tal sentido pode ser facilmente identificado nas crônicas medievais portuguesas já que estas visam primordialmente a apresentar determinadas seqüências de fatos organizados na ordem temporal de sua ocorrência original (KONZEN, 2002, p. 1).

Nessa linha, Konzen (2002) cita cronistas clássicos como Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Ruy de Pina, entre outros, que a partir do século XIV desenvolveram atividade de compilação de temas relacionados à expansão ultramarina portuguesa. Nesse contexto, os registros assumiam uma dimensão pedagógica: as crônicas, enquanto registro de fatos reais e de relevância histórica, eram utilizadas como instrumentos para a educação de membros da corte real. Como analisa Konzen (2002), este tipo de crônica pode ser considerado uma forma preliminar da historiografia moderna, especialmente no que se refere à preocupação em produzir registros da realidade social das comunidades.

A crônica, contudo, não resulta exclusivamente de sua utilização medieval. O gênero absorve também características de outras formas de narrativas européias, ligadas ao advento da imprensa como veiculadora de textos literários, principalmente a partir do século XVIII.

De acordo com Konzen (2002), é através do jornal que se notabilizam o ensaio[4]inglês e o folhetim[5]francês. Cogita-se que a crônica brasileira resulte de uma fusão entre esses dois gêneros, emprestando do ensaio a "noção de tentativa", ainda que em tom mais informal, e do folhetim a "dimensão ficcional" dos eventos narrados, muitas vezes de forma literária. No que concerne ao folhetim, a crônica possui afinidades com o gênero devido à "destinação para o consumo imediato; porém dele se distingue, porque não guarda nenhum compromisso com a sucessividade ou com a seqüência cronológica" (Portella apud Konzen, 2002, p. 3).

Disso resulta a crônica como uma esfera heterogênea, na qual podem conviver o pequeno ensaio, o conto ou o poema em prosa:

A caracterização da crônica como espaço heterogêneo pode ser definida então como sendo decorrente da variedade de tipos em que pode ser escrita: crônica poema-em-prosa, que apresenta conteúdo lírico; crônica-comentário, na qual se apreciam os acontecimentos, acumulando assuntos diferentes; crônica metafísica, que promove reflexões de conteúdo filosófico; crônica narrativa, que tem por eixo uma história ou episódio; crônica-informação, que divulga fatos, tecendo sobre eles comentários ligeiros (Konzen, 2002, p. 3).

1.4.2 A crônica no Brasil e no mundo

Melo (1994, p.145) afirma que no jornalismo brasileiro "a crônica é um gênero plenamente definido". De acordo com o autor, a configuração contemporânea do gênero permitiu que alguns estudiosos chegassem a classificá-la como tipicamente brasileira, não havendo equivalente na produção jornalística de outros países (MELO, 1994).

Para Paulo Rónai (apud MELO, 1994), a palavra crônica tem para os brasileiros sentido claro, embora ainda não dicionarizado:

Designa uma composição breve, relacionada com a atualidade, publicada em jornal ou revista. De tal forma esse significado está generalizado que só mesmo os especialistas em historiografia se lembram de outro, bem mais antigo, o de narração histórica por ordem cronológica (RÓNAI apud MELO, 1994, p. 146).

Contudo, tal definição não pode ser aplicada à crônica produzida em outros países. No jornalismo mundial, o termo crônica está mais vinculado à idéia de relato cronológico ou narração histórica. "Trata-se, portanto, de um gênero controvertido, cuja caracterização varia de país para país" (MELO, 1994, p. 146).

Martínez Albertos (apud MELO, 1994, p.147) define a crônica como "narração direta e imediata de uma notícia com certos elementos valorativos que sempre devem ser secundários a respeito da narração do fato em si".

Já para Gargurevich (apud MELO, 1994, p.148), "a crônica é antecessora imediata do jornalismo informativo":

Quando a indústria da informação não havia alcançado ainda o vigor que lograria em meados do século passado, os próprios jornalistas davam às notícias a denominação de crônica, influenciados provavelmente pelo gênero histórico-literário que tem o mesmo nome (GARGUREVICH apud MELO, 1994, p.148).

Melo (1994) avalia que a tese de Gargurevich encontra respaldo na bibliografia do jornalismo de raízes latinas:

Com pequenas variações nacionais, esse gênero jornalístico tem características comuns na Itália, França e Espanha. No jornalismo francês denomina-se crônica a cobertura "especializada" que os jornalistas fazem de determinados setores da sociedade cultural ou social (MELO, 1994, p.148).

Neste contexto, Folliet (apud MELO, 1994) registra algumas modalidades de crônica: religiosa, dos tribunais, literárias, dramática, musical, artística, agrícola, jurídica, etc. Indo ainda de encontro à idéia de Gargurevich, Melo (1994, p. 148) afirma que, no jornalismo italiano, o sentido predominante de crônica é o de "informação observada e conferida pelo repórter". Tal observação é confirmada por Domenico de Gregorio:

A crônica se apresenta como um texto procedente de um jornalista que recolheu os elementos noticiosos longe da redação e se utilizou do meio mais rápido de retransmissão de que dispunha para fazer chegar o mais rapidamente possível ao leitor; esta forma confere ao escrito um caráter de frescura, de autenticidade e de eficácia que derivam do fato de que o redator esteve no luar em que os acontecimentos ocorreram (apud MELO, 1994, p. 148).

No jornalismo espanhol, por outro lado, crônica é o nome que se dá ao tipo de produção jornalística que relata fatos e também os analisa. Melo (1994) conclui que na Itália a crônica se aproxima mais do sentido que, no Brasil, atribui-se à reportagem, enquanto a crônica espanhola combina a notícia e o comentário.

Em Portugal, a caracterização dada à crônica aproxima-se muito da forma brasileira. Para Letria e Goulão, "os fatos são apenas um pretexto para o autor da crônica; este gênero jornalístico é o que mais contato tem com os gêneros literários clássicos", e completam: "a associação de idéias, o jogo de palavras e conceitos, as contraposições misturam o real e o imaginário como forma de fazer realçar o primeiro" (LETRIA e GOULAO, apud MELO, 1994, p. 149).

Melo (1994) conclui que, apesar das variações, há gêneros jornalísticos equivalentes à crônica brasileira. Como exemplos, o tipo inglês de expressão conhecido como action stories, e a forma alemã cunhada de glosa (comentário breve sobre fatos do cotidiano). O autor ainda menciona como equivalentes à crônica brasileira o feature norte-americano e a croniquilla espanhola – também chamada de folhetin.

E é exatamente através do folhetin que a crônica surge no jornalismo brasileiro, produzido semanalmente, por poetas ou ficcionistas, para registro dos acontecimentos ocorridos entre uma edição e outra. De acordo com Afrânio Coutinho, (apud MELO, 1994), o folhetim estreou no Brasil com Francisco Otaviano, em 1852, no Jornal do Commercio, no Rio de janeiro. Tal atividade foi continuada por José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Raul Pompéia, Coelho Neto, entre outros.

Como explicação para tal fenômeno, Melo (1994), com base em pesquisas de historiadores literários, explica que os escritores da época recorriam aos jornais como meio de publicação e forma de sustentação, dada a falta de condições de se viver da literatura. "A imprensa pagava mal, mas pagava em dia. E era também uma oportunidade para que os homens de letras conquistassem um público permanente" (MELO, 1994, p. 151).

O folhetim então produzindo não tinha as características das crônicas de hoje, porque ainda muito dedicados a assuntos variados. Para Vannucci (2004), o folhetim-variedade foi um exercício para grandes escritores. Bender e Laurito (apud VANNUCCI, 2004, p. 46) afirmam que o folhetim "era uma matéria periódica em que a literatura brasileira ia se formando e afirmando e mediante a qual um público fiel adquiria o hábito da leitura".

Pouco a pouco, porém, o gênero foi se modificando e assumindo a forma hoje conhecida e estabelecida como crônica brasileira. Para Afrânio Coutinho (apud MELO, 1994), a crônica adquire personalidade com Machado de Assis, que, ao produzir seus textos, dizia estar escrevendo "brasileiro": "Machado de Assis consagrou-se ao gênero durante longos anos, contribuindo consideravelmente para a sua evolução na literatura brasileira" (COUTIHO, apud MELO, 1994, p. 52).

A partir de então, o folhetinismo se alastrou por toda a imprensa brasileira, afirmando-se como forma peculiar de expressão nos últimos anos do século XIX. Não obstante, Melo (1994, p. 153) afirma que "somente nos anos 30 surgiria aquela modalidade de expressão jornalística que daria à crônica um perfil marcadamente nacional".

Acho que foi no decênio de 1930 que a crônica moderna se definiu e consolidou no Brasil, como gênero bem nosso, cultivado por um número crescente de escritores e jornalistas, com os seus rotineiros e os seus mestres. Nos anos 30 se afirmaram Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, e apareceu aquele que de certo modo seria o cronista, voltado de maneira exclusiva para este gênero: Rubem Braga (CANDIDO apud MELO, 1994, p. 153).

A partir desse marco indicado por Cândido, Melo (1994) aponta dois episódios que transformaram o panorama cultural brasileiro, sendo o primeiro a Semana da Arte Moderna, 1922: movimento que fomentou a brasilidade e levou a literatura brasileira, nos âmbitos da temática e da linguagem, a se aproximar da realidade nacional:

É, sobretudo, no plano da linguagem que esse movimento influencia a imprensa brasileira, fazendo-a abandonar o velho estilo discursivo dos bacharéis para descobrir a simplicidade e a clareza da linguagem coloquial. Se a crônica já havia, no final do século passado (XX), esboçado reação no terreno lingüístico, ela não consegue impregnar o jornalismo como um todo. Depois de 22, não. Observaremos uma mudança nos padrões do estilo jornalístico (MELO, 1994, p. 154).

Outro fator que influenciou decisivamente a transformação cultural de então foi o desenvolvimento da imprensa. Nesse período, os jornais assumem características empresariais e tornam-se mais dinâmicos e ágeis, na esteira da imprensa norte-americana e européia.

Essa revolução da imprensa conduz a uma diversificação do conteúdo e à ampliação das seções permanentes para atender a um público leitor mais exigente (a emergente classe média). Nesse quadro a crônica adquire um lugar especial. E o cronista é um intérprete das mutações que dão nova fisionomia à sociedade brasileira (MELO, 1994, p. 154).

A partir da década de 30, portanto, a crônica brasileira assume novas dimensões, sendo uma continuação natural do gênero sedimentado por Machado de Assis e José de Alencar. Os principais representantes dessa geração são Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade, para quem a crônica era um espaço descompromissado:

O inútil tem sua forma particular de utilidade. É a pausa, o descanso, o refrigério, no desmedido afã de racionalizar todos os atos de nossa vida (e a do próximo) sob o critério exclusivo de eficiência, produtividade, rentabilidade e tal e coisa. Tão compensatória é essa pausa que o inútil acaba por se tornar da maior utilidade, exagero que não hesito em combater, como nocivo ao equilíbrio moral. Nós devemos cultivar o ócio ou a frivolidade como valores utilitários de contrapeso, mas pelo simples e puro deleite de fruí-los também como expressões da vida (DRUMMOND apud MELO, 1994, p.155).

Melo (1994, p. 154) afirma que "[...] a crônica moderna assume então a palpitação e a agilidade de um jornalismo em mutação", e continua: "[...] ela figura no corpo do jornal não como objeto estranho, mas como matéria inteiramente ligada ao espírito da edição noticiosa":

A crônica moderna gira permanentemente em torno da atualidade, captando com argúcia e sensibilidade o dinamismo da notícia que permeia toda a produção jornalística. Ainda que o cronista [...] mantenha uma conversa aparentemente fiada em torno de questões secundárias, não vinculadas ao espectro noticioso, isso constitui um momento de pausa, que reflete a trégua necessária à visa social (MELO, 1994. P. 154).

1.4.3 Entre o jornalismo e a literatura

Affonso Romano de San"Anna, em entrevista à Editora Rocco em 1995, define resumidamente a crônica moderna:

É um gênero intermediário entre o jornalismo e a literatura. Como texto para jornal é aquele no qual é admitido alto grau de subjetividade. Os demais jornalistas têm que ser mais objetivos. O cronista vai ao Oriente pelo Ocidente, ou vice-versa. É também um gênero disseminador. O recorte da crônica ganha um significado especial. O leitor se apodera do texto, guarda-o na carteira, na agenda, o reproduz e o repassa como um talismã criando uma espécie de corrente. Por isto, já pensei que entre o jornal e o livro, talvez fosse necessário servir as crônicas separadamente ao leitor, e num papel mais resistente, numa caixa ou pasta onde ele escolhesse as que quisesse (SANT"ANNA apud VANNUCCI, 2004, p. 46).

Para Melo (1994), a crônica continua a ser um gênero eminentemente jornalístico, dada a sua fidelidade e vinculação temática ao cotidiano e à sua utilização como instrumento de crítica social. Cândido (apud MELO, 1994) atribui ao "ar despreocupado" e de "conversa fiada" o principal diferencial da crônica moderna em relação àquela produzida nos fins do século XIX.

Mas as crônicas não se restringem ao jornal diário, encontrando espaço também em revistas, semanários e revistas, e muitas vezes são reunidas em livros e, ainda que fora do contexto temporal-cronológico, continuam a despertar o interesse dos leitores (MELO, 1994).

A discussão em torno das classificações entre jornalismo e literatura gera controvérsias há muito, mas a questão continua aberta, sem uma caracterização definitiva.

Poder-se-ia dizer que o jornalismo é um conjunto de "estórias","estórias" da vida, "estórias" das estrelas, "estórias" de triunfo e tragédia. Será apenas coincidência que os membros da comunidade jornalística se referiam às notícias, a sua principal preocupação é com "estórias"? Os jornalistas vêem os acontecimentos como "estória" e as notícias são construídas como "estórias", como narrativas, que não estão isoladas de "estórias" e narrativas passadas. [...] Poder-ia-se dizer que os jornalistas são modernos contadores de "estórias" da sociedade contemporânea, parte de uma tradição mais longa que contar "estórias" (TRAQUINA apud TUZINO, 2009, p.13).

Para Tuzino (2009), a crônica configura uma interseção entre o jornalismo e a literatura, podendo mesmo ser compreendida em ambas as classificações:

A crônica é jornalismo e literatura. Sua natureza híbrida impera nesta compreensão. É jornalística quando busca no cotidiano os fatos da vida real que são noticiosos e é literária quando se permite utilizar elementos literários (ex: criação de personagens, linguagem solta e coloquial, etc.) para construí-la (TUZINO, 2009, p. 15).

Importante também destacar o papel da crônica enquanto meio para a crítica social e a crítica de costumes. O tom de superficialidade exigido pelo gênero e a variedade de temas sobre os quais o cronista é obrigado a tratar faz com que a crônica use o fato como "matéria prima para captar e tematizar as entrelinhas da vida cotidiana" (SCHNEIDER, 2008, p. 4):

É neste ponto que a relação da crônica com a história do cotidiano parece ser oportuna ao investigador [...]. O cotidiano é o momento da ação histórica, portanto, é o espaço de disputas e de conflitos em determinada estrutura que pode revelar ou desnudar as hierarquias e as opções ideológicas. O cotidiano é o tempo da mudança, é o tempo da transformação, mesmo que lenta, mesmo que imperceptível aos olhos comuns. Por isso é que se pensa o cotidiano como uma instância temporal no qual a permanência e a mudança – a estrutura e a ação – são partes constituintes de uma mesma realidade (SCHNEIDER, 2008, p. 5).

Portanto, o cotidiano – do latim quot dies, um dia e todos os dias – engloba, ao mesmo tempo, o fugaz e o duradouro; nesse cotidiano convivem diferentes aspectos da realidade. O cronista e a crônica são considerados, nesse sentido, intérprete crítico de momentos históricos nos quais o dia-a-dia é fonte de produção de conhecimento e opinião (SCHNEIDER, 2008).

Para Pereira, a crônica determina novas relações com os gêneros jornalísticos, "não se limitando a informar ou opinar; mas construindo novos significados na própria articulação entre várias linguagens que o cronista exercita para explicar as representações de seu mundo ao leitor" (apud ROSSETI e VARGAS, 2006, p. 6).

CAPÍTULO II

NELSON RODRIGUES

2.1 TRAJETÓRIA

O pernambucano Nelson Rodrigues nasceu em 23 de junho de 1912 e, ainda menino, em 1916, mudou-se com os pais para o Rio de Janeiro. Filho do jornalista Mário Rodrigues – prestigiado dono de jornais como "A Manhã" e "Crítica" -, Nelson adaptou-se muito cedo à profissão que exerceria a vida inteira. A princípio Nelson atuou no caderno de polícia, e mais tarde na editoria de esportes do jornal "Crítica", na qual se destacou notavelmente, uma vez que seu irmão, Mário Filho, era o responsável à época pela modernização do jornalismo esportivo (CASTRO, 1992).

Mario Rodrigues teve com Maria Ester, sua esposa, 14 filhos. Nelson era o quinto, e conta que não era do desejo de seu pai que ele seguisse a carreira jornalística:

Meu pai dizia: "vai embora, vai embora, ouviu?" Meu pai não queria que nenhum filho dele seguisse a carreira de jornalista. [...] Então me enxotava. Eu saía do jornal e ia para outro e, como era filho do meu pai, me deixavam entrar, conversavam comigo, achavam a minha bossa curiosa. Eu ficava ouvindo. Queria ouvir, não queria falar (RODRIGUES apud VANNUCCI, 2004, p. 65).

Insistente, e em nome de sua paixão pelo jornalismo, Nelson largou os estudos em 1927, quando cursava ainda a terceira série ginasial (o equivalente hoje à sétima série do ensino fundamental). Um ano antes já havia lançado "Alma Infantil", seu primeiro tablóide. Em 1928, escrevendo para o jornal do pai, A Manhã, foi promovido e passou a assinar textos em páginas nas quais escreviam autores como Monteiro Lobato, Agripino Griecco e o próprio Mário Rodrigues. Pouco tempo depois Mário Rodrigues vendeu A Manhã e lançou Crítica, no qual Nelson passa a escrever (VANNUCCI, 2004).

A vida de Nelson Rodrigues foi marcada por tragédias que alteraram os rumos de sua carreira. Em 1929, Crítica publicou uma reportagem sobre o divórcio de Sylvia Seraphim[6]A matéria dava indícios de traição, e era ilustrada por um desenho "insinuante" assinado por um dos irmãos mais velhos de Nelson, Roberto Rodrigues. Sylvia, indignada, foi até a redação à procura do proprietário do jornal e, não o encontrando, pediu para falar com um de seus filhos. O autor da ilustração, Roberto, foi quem a atendeu: Sylvia o matou com um tiro[7]Dois meses depois, o pai de Nelson, Mário Rodrigues, sofreu uma trombose cerebral e faleceu. Crítica passou então a ser propriedade de Milton e Mário Filho (VANNUCCI, 2004).

Nesse mesmo período, o presidente Washington Luiz foi deposto pela revolução contra o velho regime, e seu sucessor, Carlos Prestes, foi impedido de tomar posse. À época, muitas redações foram invadidas e destruídas, inclusive o jornal dos Rodrigues. Milton, Mário Filho e Nelson partiram então em busca de emprego em algum jornal, e, em 1931, entraram para O Globo.

Em 1934 Nelson descobriu que estava tuberculoso, mas como ele e sua família precisavam do dinheiro, não parou de trabalhar. Em 1937 assumiu cansaço da editoria de esporte[8]Passou a escrever para O Globo Juvenil, tablóide de história em quadrinhos. Durante alguns anos escreveu críticas, resenhas e artigos (VANNUCCI, 2004).

Casou-se em 1940 e, um ano depois, escreveu seu primeiro texto teatral: A Mulher Sem Pecado.

Nascia aí não só o dramaturgo polêmico e inovador, que atingiria o sucesso e o fracasso em curto intervalo de tempo, mas começava também uma curiosa etapa das relações entre Nelson com a imprensa. Sua primeira providência, assim que colocou o ponto final na peça, foi enviá-la para críticos alguns jornais e outros nomes de peso, como Carlos Drummond de Andrade (VANNUCCI, 2004, p. 69).

O próprio Nelson chegou a escrever: "Eu me lembro de minha primeira peça [...]. Minha intenção inicial, e estritamente mercenária, era fazer uma chanchada e, repito, uma cínica e corajosa chanchada caça-níqueis" (RODRIGUES apud FACINA, 2004, p.34). Agora como dramaturgo, Nelson precisava dividir seu tempo para que pudesse realizar todas as atividades. Para cada peça que escrevia, precisava escrever outros textos e artigos em defesa de seu trabalho – que ainda não havia alcançado o reconhecimento desejado. Ele ia de redação em redação, em todos os jornais que conhecia, pedir que algo fosse publicado sobre sua mais recente dramaturgia. O primeiro grande sucesso nesse cenário foi com a peça Vestido de Noiva, de 1943. Vannucci (2004, p. 69) afirma que, no período, "Nelson iniciou um intenso trabalho junto a amigos e jornais para colocar a peça em discussão". O poeta Manuel Bandeira foi um dos que elogiaram o recente trabalho do agora jornalista-dramaturgo. Vestido de noiva fez grande sucesso logo em sua primeira exibição. Mas Nelson nunca largou o jornalismo, e seguiu escrevendo para O Globo e, eventualmente, era convidado a colaborar com outros jornais. Sua ascensão jornalística começou quando passou a escrever para O Cruzeiro, revista do grupo Globo em que trabalhavam David Nasser, Millôr Fernandes, Franklin de Oliveira e Hélio Fernandes. Chegou a produzir alguns folhetins que fizeram muito sucesso, como Meu Destino é Pecar, no qual assinava com o pseudônimo Suzana Flag[9](VANNUCCI, 2004).

Em 1946, sua terceira peça, intitulada "Álbum de Família", foi censurada por ser considerada um ataque à família brasileira.

Em 1950, passa a trabalhar no A Última Hora, jornal de Samuel Wainer, no qual inicia a publicação de crônicas com "A vida como ela é...", um de seus maiores sucessos jornalísticos. Em 1960, o jornal de Wainer passa por certas mudanças. Inovações técnicas e editoriais foram implantadas, como a norma da "objetividade", que não agradou Nelson: "Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam. Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade" (RODRIGUES apud VANNUCCI, 2004).

Até a sua morte, em 1980, Nelson publicou suas "memórias", nome que dava à sua série de crônicas que, à época, foram responsáveis por toda espécie de polêmica.

2.2 NELSON RODRIGUES INTELECTUAL

Em 1960 Nelson Rodrigues era já um dramaturgo consagrado, além de jornalista muito conhecido, especialmente devido à sua coluna "A Vida como ela é...". É nesse período que o cronista-dramaturgo passa a ser identificado como "reacionário e porta-voz de um ideário conservador". Esta imagem foi intensificada e consolidada com a ditadura militar, após o golpe de 1964. Entre 1960 e 1970, Nelson produziu cinco de suas 17 peças, contudo a sua presença em jornais diários aumentou significativamente; não raro, era visto também em programas televisivos. A partir desses veículos de comunicação, o jornalista atacava segmentos diversos da sociedade brasileira identificados com a resistência ao regime militar (FACINA, 2004).

Em sua análise, Facina (2004) observa que, paradoxalmente, enquanto abordava em suas crônicas as relações entre política e arte, marxismo, religião, comportamento, entre outros temas, Nelson afirmava-se o antiintelectual.

Pode-se dizer, no entanto, que foi justamente nesses combates de idéias que Nelson assumiu, de modo mais intenso do que havia feito até então na sua trajetória, a função de intelectual, seja como formulador de ideologias, seja como elaborador de uma reflexão crítica acerca de seu próprio papel na sociedade. Mas que tipo de intelectual era Nelson Rodrigues e de que maneira se deu a sai inserção nos principais debates do campo intelectual da época em questão? (FACINA, 2004, p. 209).

Mas o que é um intelectual? O surgimento do termo está ligado à criação do substantivo intelligentsia – século XIX, na Rússia –, que no ocidente passou a designar a categoria social das pessoas cultas. Ao final desse mesmo século, com a publicação na França do Manifeste des Intellectuels em janeiro de 1898, surgiu o termo intellectuels. O manifeste era assinado por autores como Zola e Proust, e defendia a revisão do caso Dreyfus[10]. A partir desse ponto, a palavra intelectual ganhou sentido duplo: "À referência ao cultivo e à instrução une-se o engajamento nos debates públicos como elemento que define essa categoria social" (BOBBIO, MATTEUCCI E PASQUINO apud FACINA, 2004, p. 209).

De acordo com Vannucci (2004), Antonio Gramsci é o autor de uma das mais clássicas definições acerca dos intelectuais e sua função no mundo. O autor distingue os intelectuais entre orgânicos e tradicionais. "Os primeiros corresponderiam ás camadas de intelectuais que cada grupo social cria para si e que dão homogeneidade e consciência da própria função", e continua: "devem ser constituídos pela educação técnica e têm de participar da vida prática como construtores, organizadores e persuasores permanentes" (VANNUCCI, 2004, p. 56). Já os tradicionais constituem uma categoria intelectual preexistente, "que aparece como representante de uma continuidade histórica a qual não foi interrompida nem pelas mais complexas e radicais transformações sociais e políticas" (VANNUCCI, 2004, p. 56). De acordo com Gramsci (apud VANNUCCI, 2004), os intelectuais tradicionais caracterizam-se por se considerarem autônomos e independentes do grupo social existente.

Vannucci (2004) menciona ainda as definições de outro teórico:

Norberto Bobbio identifica neste grupo duas espécies de intelectuais: os ideólogos e os expertos. Enquanto os ideólogos fornecem princípios-guia (valores, ideais, concepções do mundo), os expertos apresentam conhecimentos-meio (conhecimentos técnicos, específicos, fornecidos por pessoas competentes nos diversos campos singulares do saber) (VANNUCCI, 2004, p. 57).

Tais gêneros de intelectuais obedecem a éticas diversas. A missão dos ideólogos é serem fiéis a certos princípios, seguindo a ética da convicção; os expertos precisam propor meios adequados ao fim, portanto precisam levar em consideração as conseqüências que deles podem derivar, obedecendo à ética da responsabilidade. Para Bobbio (apud VANNUCCI, 2004), a tarefa dos intelectuais é também agitar idéias e levantar problemas. Para ele,

[...] a conduta do intelectual deveria ser caracterizada por uma forte vontade de participar das lutas políticas e sociais do seu tempo que não o deixe alienar-se tanto a ponto de não sentir mais aquilo que Hegel chamava de "o elevado rumor da história do mundo", mas, ao mesmo tempo, por aquela distância crítica que o impeça de se identificar completamente com uma parte até ficar ligado a uma palavra de ordem (apud VANNUCI, 2004, p. 58).

A partir desse raciocínio, Vannucci (2004) conclui que se pode definir os intelectuais como homens que realizam trabalhos que dependem da inteligência, mas saem de seu domínio específico para criticar a sociedade e os poderes estabelecidos. Na visão de Said (apud VANNUCCI, 2004), pode-se ainda perceber o intelectual como um sujeito dotado da faculdade de representar, encarnar e articular uma mensagem, uma visão, uma atitude, filosofia ou opinião para e em favor do público, como um intérprete.

Vannucci (2004, p. 60) observa que "esse perfil encaixa-se perfeitamente à figura do cronista, que através da palavra escrita, veicula opiniões, atitudes, mudanças de olhares e novos modos de entender". O cronista não se furta em manifestar suas perplexidades e opiniões perante o público, até mesmo ao ponto de provocar inclusive o leitor. "Com o auxílio de elementos como a ficção, a ironia, a sátira ou a poesia, os cronistas exercitam sua consciência crítica e costumam pensar e repensar o seu fazer" (PORTELLA apud VANNUCCI, 2004, p. 60).

De acordo com Facina (2004), Nelson Rodrigues pode ser considerado um legítimo representante do chamado "intelectual-jornalista". "Figura polêmica, não abria mão da discussão política e do exercício da crítica em seus textos jornalísticos, alinhando-se sempre ao lado que realizava melhor os princípios nos quais acreditava" (p. 60). A autora acrescenta, no entanto, que Nelson produzia suas críticas mantendo a distância necessária "para que um homem não se ligue por inteiro a uma palavra de ordem" (idem).

2.3 O REACIONÁRIO: CONFLITOS IDEOLÓGICOS

A imagem pública de reacionário de Nelson Rodrigues ganhou força a partir de uma polêmica entre ele e Oduvaldo Vianna Filho. Vianinha, como era conhecido, era parte de uma geração de dramaturgos de esquerda e afiliado ao Partido Comunista Brasileiro, autor de uma peça sobre Cuba intitulada Patria o Muerte, escrita em parceria com outros escritores. Nelson Rodrigues logo partiu para o ataque, publicando, em março de 1961, o texto "A cambaxirra da revolução", no qual criticava a peça e ridicularizava a "ingenuidade" de Vianinha, que o havia levado a apoiar Cuba quando deveria pensar no Brasil. Em seu texto, Nelson escreveu que a revolução tinha de tudo, de sujeitos bestiais que saiam "decapitando marias antonietas" a colibris e cambaxirras[11]e dizia que Vianinha era a cambaxirra da revolução.

À época, logo em seguida ao texto de Nelson Rodrigues, o presidente do Centro Popular de Cultura, Carlos Estevam Martins, publicou um ensaio no jornal da União Nacional dos Estudantes em que defendia o teatro popular e chamava Nelson Rodrigues de reacionário. No mês seguinte, em abril, Nelson publica no jornal Brasil em Marcha uma réplica em que se assumiu, pela primeira vez, um reacionário:

O Brasil atravessa um instante muito divertido de sua história. Hoje em dia, chamar um brasileiro de reacionário é pior do que xingar a mãe. Não há mais direita nem centro: — só há esquerda neste país. Perguntem ao professor Gudin:— "Você é reacionário?". Sua resposta será um tiro. Insisto: — o brasileiro só é direitista entre quatro paredes e de luz apagada. Cá fora, porém, está sempre disposto a beber o sangue da burguesia. Pois bem. Ao contrário de setenta milhões de patrícios, eu me sinto capaz de trepar numa mesa e anunciar gloriosamente: — "Sou o único reacionário do Brasil!". E, com efeito, agrada-me ser xingado de reacionário. É o que eu sou, amigos, é o que sou. Por toda parte, olham-me, apalpam-me, farejam-me como uma exceção vergonhosa. Meus colegas são todos, e ferozmente, revolucionários sanguinolentos. Ao passo que eu ganho, eu recebo da Redação (NELSON apud CASTRO, 1992, p. 321).

Nesse mesmo artigo, Nelson tratou por "revolucionários burros" aqueles que defendiam o teatro popular e chamou o ensaísta Estevam Martins de "centauro de Marx de galinheiro com Brecht também de galinheiro". Dias depois, Vianinha publicou o artigo intitulado "Aves, Galinhas e conselhos (carta a um avicultor)" – brincadeira pelo fato de ter sido chamado de cambaxirra –, em que reconhece a qualidade artística de Nelson, mas destaca o seu reacionarismo. No artigo, Oduvaldo Vianna argumentava que Nelson Rodrigues estava ficando ultrapassado e o acusava de buscar autopromoção por meio de polêmicas com os novos grupos teatrais que então despontavam. Em sua réplica, Nelson escreveu que estranhou a agressividade de Vianinha, já que na verdade ele lhe tinha dedicado um elogio. O que estava em jogo eram concepções distintas sobre a relação da arte com a política (FACINA, 2004).

Facina observa que "a polêmica com as esquerdas mudou de tom depois do golpe militar[12](2004, p. 81). De acordo com a autora, Nelson Rodrigues utilizou o espaço da imprensa para expressar as suas opiniões favoráveis ao golpe militar, especialmente a partir de 1967, em sua coluna diária em O Globo, intitulada Confissões. Os seguidos ataques a intelectuais e artistas de esquerda adquiriu aos poucos uma característica antiitelectualista. Para Nelson, a cultura esquerdista do período formava um tipo de stablishment que ele desejava combater. No período entre 1960 e 1970, o autor produziu grande parte de suas crônicas com vistas a confrontar a intelectualidade marxista que estabelecia então novos padrões no campo artístico-cultural. Nesse período, Nelson afirmava com crescente veemência o seu antiintelectualismo, que, de acordo com Facina (2004, p. 82), "podia ser traduzido como antiesquerdismo, consolidando a imagem pública do reacionário". Nelson Rodrigues buscava, principalmente, estabelecer seu lugar no campo artístico e intelectual da época. Duramente atacado pelos novos artistas, transformou suas crônicas em uma espécie de front nesse combate (FACINA, 2004). Para Roberto Schwarz (apud FACINA, 2004), o contexto pós-golpe militar até 1969 é marcado por relativa hegemonia cultural esquerdista. Para ele, não obstante a ditadura de direita, nas livrarias, nos teatros, nos movimentos estudantis, na igreja e nos nichos burgueses era a esquerda sempre a dar o "tom".

Um caso interessante de adesão artística à ditadura é o de Nelson Rodrigues, um dramaturgo de grande reputação. Desde meados de 68 este escritor escreve diariamente uma crônica em dois grandes jornais de São Paulo e Rio, em que ataca o clero avançado, o movimento estudantil e a intelectualidade de esquerda. Vale a pena mencioná-lo, pois tendo recursos literários e uma certa audácia moral, paga integral e explicitamente – em abjeção – o preço que hoje o capital cobra de seus lacaios literários. Quando começou a série, é fato que produzia suspense na cidade: qual a canalhice que Nelson Rodrigues teria inventado para esta tarde? Seu recurso principal é a estilização da calúnia. Por exemplo, vai à meia-noite a um terreno baldio, ao encontro de uma cabra e de um padre de esquerda, o qual nesta oportunidade lhe revela as razões verdadeiras e inconfessáveis de sua participação política; e conta-lhe também que D. Helder suporta mal o inalcançável prestígio de Cristo. Noutra crônica, afirma de um conhecido adversário católico da ditadura, que não pode tirar o sapato. Por quê? Porque apareceria o seu pé de cabra. Ect. A finalidade cafajeste da fabulação não é escondida, pelo contrário, é nela que está a comicidade do recurso. Entretanto, se é transformada em método e voltada sempre contra os mesmos adversários – contra os quais a polícia também investe – a imaginação abertamente mentirosa e mal-intencionada deixa de ser uma blague, e opera a liquidação, o suicídio da literatura: como ninguém acredita nas razões da direita, mesmo estando com ela, é desnecessário argumentar e convencer. Há uma certa adequação formal, há verdade sociológica nesta malversação de recursos literários: ela registra, com vivacidade, o vale-tudo em que entrou a ordem burguesa no Brasil (SCHWARZ apud FACINA, 2004, p. 83).

Facina (2004) observa que, por meio dessa crítica de Schwars, é possível se ter uma idéia do incômodo que as crônicas de Nelson despertavam. Nada disso quer dizer, contudo, que Nelson era um autor oficial da ditadura militar. Suas peças mais polêmicas, como Toda Nudez Será Castigada, continuavam a ser censuradas, bem como filmes inspirados em suas obras. Em conseqüência dessa boa relação com o regime militar, Nelson se legitimou como porta-voz daqueles que, como ele, não concordavam com a suposta hegemonia cultural esquerdista. O reacionarismo de Nelson, contudo, não se manifestava somente em termos políticos:

[...] ele também surpreendeu com sua militância anti-revolução sexual e em defesa de uma moral sexual e amorosa puritana [...]. Parece paradoxal que o dramaturgo que causou escândalo na crítica e no público ao fazer da sexualidade um elemento sempre presente em sua obra, tendo sido várias vezes acusado de tarado, pudesse defender esse tipo de ideal amoroso (FACINA, 2004, p. 84).

De 1960 a 1970, o inimigo retratado nas crônicas rodrigueanas era diverso. Nos seus combates de idéias, em um período conturbado da história do Brasil, Nelson Rodrigues elegeu alvos privilegiados: os intelectuais e artistas de esquerda, a Igreja progressista e o poder então crescente dos jovens e das mulheres. O ano de 1968 foi o momento-chave em que tais debates aconteceram, envolvendo temáticas de ordem nacional e internacional (FACINA, 2004).

Devido à imagem de "autor maldito", muitos se espantaram com posição de defesa dos militares que Nelson Rodrigues assumia, especialmente no período mais duro da ditadura, conhecido como anos de chumbo (1968-1974) (FACINA, 2004).

Como explicitado, o debate de Nelson com a esquerda artística tem início com a polêmica entre ele e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. Para que se entenda a importância desses conflitos, é preciso pensar no papel da cultura e da política no mundo naquele momento.

Havia uma grande efervescência cultural no país, representada pelo surgimento, desde os anos 1950, de um movimento mais geral de buscar retratar a realidade nacional. Manifestações artísticas as mais diversas se emprenharam em denunciar as mazelas sociais do país, assim como em valorizar o que era considerado representação de uma cultura popular "autêntica" (FACINA, 2004, p.215).

CAPÍTILO III

1968

3.1 CONTEXTO

O ano de 1968 foi o ponto de convergência de movimentos que pululavam à época em todo o mundo: o ideal hippie, o "amor livre", o rock e os Beatles, o comunismo, o feminismo, o misticismo oriental, guerras como a do Vietnã, greves, manifestações estudantis em Paris e no mundo, regimes ditatoriais, as esquerdas e as direitas políticas, para citar o mínimo (MEDEIROS, 1999).

No Brasil, quatro anos antes, em 1964, instalou-se o regime militar. A justificativa essencial para o golpe era garantir o capital e livrar o país do risco de uma onda socialista. A gestão populista de Goulart, apesar da mobilização de esquerda que a procedera, temia a luta de classes e recuou diante de uma possível guerra civil. Em decorrência disso, "a direita e seus generais confirmaram a sua vitória" (SCHAWRS, 1978).

O povo, em tais circunstâncias, ainda que na tentativa de mobilização, não possuía organização suficiente para se revoltar contra a imposição militar:

A derrota no Brasil pesara fortemente sobre a conjuntura mundial. No início da década de sessenta, amplos setores populares e médios haviam aderido às propostas de difusas reformas de base que, prometia-se, resgatariam os marginais das cidades e dos campos e relançariam o industrialismo que modernizara relativamente, nas três décadas anteriores, a anacrônica estrutura rural da nação. Em 1964,o projeto nacional-reformista fora abortado violentamente. Em nome das classes proprietárias do país, os militares impuseram a ditadura, reprimindo duramente o movimento popular. A derrota fora ainda mais frustrante porque ocorrera sem qualquer resistência, precisamente quando muitos se julgavam a um passo da vitória (MAESTRI, 2008)[13] .

Em seguida, o povo sofreu conseqüências: intervenção em sindicatos, terror na zona rural, rebaixamento de salários, expurgo nos escalões baixos das Forças Armadas, inquérito militar em universidades, invasão de igrejas, dissolução das organizações estudantis, censura, suspensão de habeas corpus, entre outras ações de repressão (SCHAWRS, 1978).

De acordo com Maestri (2008), grandes líderes populistas do período, como Jango, Brizola e Arraes, abandonaram o país sem qualquer resistência. Brizola propusera, de última hora, oposição à ditadura, mas a idéia foi logo rejeitada pelo presidente João Goulart.

No início do regime militar, cresciam o desemprego e a inflação. A classe média, depois de ter marchado em favor da intervenção militar que salvaria o país da "ditadura sindicalista", viu-se desiludida. Em 1966, quando compreenderam que os militares pretendiam eternizar-se no poder, políticos antipopulares que haviam apoiado o golpe, como Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, uniram-se a João Goulart na chamada "frente ampla" (MAESTRI, 2008). Segundo Zuenir Ventura,

A frente ampla fora organizada [...] ao constatar que, além da área parlamentar, não havia uma oposição organizada capaz de se contrapor ao governo militar. Sua formação foi cheia de obstáculos, pois exigia conciliar o que parecia inconciliável. Lacerda teve que ir a Lisboa fazer as pazes com Juscelino Kubitschek, um inimigo de quinze anos, e depois a Montevidéu fazer o mesmo com João Goulart, desafeto de vinte anos (VENTURA, 2008, p. 118).

Nesse período, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fragilizado pela derrota, subdividiu-se em vários grupos radicalizados. Parte considerável dos jovens vinha da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Juventude Operária Católica (JOC) para se juntar à "luta antiimperialista e anticapitalista". Esses grupos eram formados por algumas centenas de militantes entre 17 e 25 anos.

A juventude, universitária e secundarista, aderia à luta política, cultural e ideológica. Saía às ruas escrevendo nos muros frases como Mais verbas e menos canhões, Um, dois, mil Vietnãs, O povo unido derruba a ditadura, Viva a aliança operário-estudantil (MAESTRI, 2008).

3.2 CULTURA E COSTUMES: TRANSFORMAÇÕES

De acordo com o que escreve Maestri (2008), os jovens de então, conscientes de que não havia prática sem teoria, eram ávidos leitores, sobretudo de história, economia e sociologia. Passavam por Trotsky, Guevara, Caio Prado Júnior, Mao, etc. Para Zuenir Ventura (2008), a geração de 68 talvez tenha sido a "última geração literária do Brasil" (p. 54), no sentido em que o seu aprendizado intelectual e a sua percepção estética foram formados pela leitura (VENTURA, 2008).

Ainda segundo Ventura (2008), rapazes e moças do período começavam a preferir o cinema e o rock, mas as suas cabeças tinham sido formadas pelos livros. Para o filósofo José Américo Pessanha (apud VENTURA, 2008, p. 52), essa foi "a última geração loquaz" em que "uma formação altamente literatizada lhe deu o gosto da palavra argumentativa". Ventura acrescenta: "Da palavra argumentativa e do palavrão, que foi na época a expressão mais escandalosa da, digamos, "revolução verbal"" (2008, p. 52). O palavrão, evidentemente, não surgiu em 68, mas foi nesse ano que ele deixou de ser "nome feio" e passou a ser dito e ouvido em todos os lugares. "Nelson Rodrigues lamentava não conhecer "o padre Ávila, ou outro sociólogo, ou quem sabe um psicanalista", para perguntar: "Há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil do palavrão?"" (VENTURA, 2008, p. 51).

Essa juventude extremamente ligada à literatura já apontava para mudanças na área cultural. Segundo Schawrs (1978), para a surpresa de todos, a presença cultural da esquerda não foi liquidada com o início da ditadura; pelo contrário, ela se fortaleceu e ganhou fundamento. Schawrs (1978) registra que a produção cultural de então, para além da notável qualidade, era dominante em alguns pontos. Observa que apesar da ditadura de direita, havia relativa hegemonia cultural da esquerda no país, que podia ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio de Janeiro, cheias de marxismo, no teatro, na movimentação estudantil e na Igreja católica. Este é um dos traços mais visíveis do panorama cultural do período (SCHAWRS,1978).

A esquerda era dominante em grupos ligados à produção ideológica, tais como artistas, estudantes, jornalistas, sociólogos e economistas. A esse grupo Schwars acrescenta alguns segmentos da igreja, o que ele chamou de parte raciocinante do clero (SCHAWRS,1978).

Em 1968, a editora Civilização Brasileira publicou pela primeira vez no Brasil O Capital, de Karl Marx. Jovens militantes "devoravam" os grossos volumes, página por página, sem muito compreender o assunto. Estudava-se e debatia-se a revolução russa, chinesa, cubana, e era pequeno o interesse pela história do Brasil (MAESTRI, 2008).

3.3 PASSEATAS E PROTESTOS

É provável que os estudantes das escolas e faculdades de 66 a 68 tenham passado mais tempo na rua do que em salas de aula. Grande parte do tempo era gasto em assembléias e passeatas. A direita criticava: "os estudantes de hoje só querem fazer política. Por que eles não se preocupam com os estudos?" (VENTURA, 2008, p. 79).

De acordo com Ventura (2008), os que viveram aqueles tempos têm a impressão de que não faziam outra coisa: mais do que ler, mais do que trabalhar ou fazer amor, fazia-se política.

Ou melhor, fazia-se tudo achando que se estava fazendo política. A moda era politizar, do sexo às orações, passando pela própria moda, que, durante pelo menos uma estação de 68, foi "militar": as roupas mimetizaram a cor e o corte das fardas e das túnicas dos guerrilheiros. Fazia-se políticas nos campi, nas salas de aula, nos teatros, mas de preferência nas ruas – nas passeatas. "Há, em qualquer brasileiro, uma alma de cachorro de batalhão", dizia Nelson Rodrigues. "Passa o batalhão e o cachorro vai atrás. Do mesmo modo, o brasileiro adere a qualquer passeata. Aí está um traço do caráter nacional" (VENTURA, 2008, p. 79).

Tornaram-se freqüentes no período os choques entre estudantes e manifestantes com a polícia. O cheiro de gás lacrimogêneo e o coro de "abaixo a ditadura" faziam parte da paisagem urbana.

De acordo com Ventura (2008), em meados de junho o governo estava preocupado com a possibilidade de se repetir no Brasil o maio francês[14]embora por lá o movimento já estivesse em descenso.

Em 26 de junho aconteceu o que ainda hoje é considerado "o maior espetáculo daquele ano" (VENTURA, 2008, p. 81): a Passeata dos Cem Mil. Vladimir Palmeira, talvez o mais importante líder estudantil do período e então presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME), liderou essa manifestação que, a princípio, seria para protestar contra o caso do estudante Edson Luis, morto pela Polícia Militar três meses antes. Segundo Ventura (2008), a massa que naquela tarde ocupava todos os espaços da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, ansiava pelas palavras do líder Vladimir. "E ele falou como nunca naquele dia, umas três vezes, umas duas horas ao todo [...]. Vladimir começou seu primeiro discurso, de meia hora, assim" (VENTURA, 2008, p.141):

Pessoal: a gente é a favor da violência quando ela é aplicada para fins maiores. No momento, ninguém deve usar a força contra a polícia, pois a violência é própria das autoridades, que tentam, por todos os meios, calar o povo. Somos a favor da violência quando através de um processo longo, chegar a hora de pegar em armas. Aí, nem a polícia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura poderá deter o avanço do povo (PALMEIRA apud VENTURA, 2008, p. 141).

3.4 A "REVOLUÇAO SEXUAL"

De acordo com Ventura, que viveu o período, um passeio pelas livrarias do país naquele ano reforçava a impressão de que a "revolução sexual" não começou na cama, mas nas prateleiras. Para cada três livros publicados à época, pelo menos um tratava de questões sexuais. O mesmo acontecia no cinema (VENTURA, 2008, p. 36).

Outro assunto também muito discutido era a educação sexual nas escolas. Um projeto chegou a ser apresentado ao Congresso prevendo a obrigatoriedade do ensino. Para fazer com que o projeto fosse aprovado na Comissão de Justiça, a autora usou como recurso o argumento de que a existência de hippies homossexuais se devia à ausência de educação sexual.

Além disso, questões como o uso da pílula anticoncepcional, a emancipação feminina e o uso de roupas mais ousadas, como biquínis, eram temas de debates populares e pautas para a imprensa, que publicava todo tipo de reportagens e artigos sobre tais assuntos (VENTURA, 2008, p. 36).

Ventura observa que "nada mais discutível hoje do que essa "Revolução Sexual". Vista à distância, ela lembra mais uma explosão de vontades e intenções do que de realizações" (2008, p. 37).

3.5 A IGREJA PROGRESSISTA

Também neste período eram muito comuns expressões como "padre comunista", "bispo vermelho", "católico de esquerda" e "católico comunista", usadas para caracterizar membros do clero e cristão leigos favoráveis a programas e iniciativas do Partido Comunista Brasileiro e outros grupos de esquerda. Muitos, convencidos de que esse era o meio possível para a conquista de avanços sociais, econômicos e políticos, chegaram a participar desses movimentos como militantes, pegando em armas e apoiando grupos guerrilheiros (ANDRADE, 2006).

Esse engajamento político da igreja, contudo, era às vezes visto como uma aberração por alguns setores da sociedade.

Como poderia uma pessoa religiosa conviver com o materialismo, o ateísmo, a filosofia marxista ou mesmo adotá-los como princípios de prática política? No campo católico, a doutrina oficial, papal, ainda era aquela ditada por Pio XII, para quem o comunismo seria intrinsecamente mau. A aversão da hierarquia eclesiástica para com o socialismo e a incompatibilidade entre eles, que vinham desde o século XIX, ainda não haviam sido quebradas (ANDRADE, 2006, p. 10).

A primeira abertura da igreja em direção ao socialismo, embora tímida, só aconteceu em 1961 quando o papa João XXIII escreveu em sua carta encíclica Mater et Magistra:

A socialização é também fruto e expressão da tendência natural, dificilmente controlável, pela qual homens se reúnem espontaneamente em sociedade ao tratar-se da obtenção dos bens que desejam e que superam a capacidade dos indivíduos em particular (apud ANDRADE, 2006, p. 10).

Os "padres comunistas" inspiravam-se na história e na pregação de Jesus Cristo para contestar o que consideravam "erro e desvio" e recuperar uma proposta do tempo dos apóstolos, ou seja, ir contra os defensores de uma igreja imperial, distanciada das massas populares (ANDRADE, 2006).

O fortalecimento desses movimentos deu-se muito em conseqüência da realização do Concílio Vaticano II (1962-1965), que representou algum avanço no relacionamento da Igreja Romana com o mundo ao discutir, com liberdade, temas polêmicos e mundanos.

O clero esteve também presente na Passeata dos Cem Mil: "Eram uns trinta padres, que chegaram em grupos de cinco, mantiveram-se unidos durante toda a manifestação e se dispersaram também em grupos" (VENTURA, 2008, p. 145).

De acordo com Andrade (2006), nomes como Alípio de Freitas, dom Helder Câmara, dom Antônio Fragoso, padre Henrique Pereira e Frei Betto faziam parte da lista de religiosos que representava a chamada igreja progressista (ANDRADE, 2006).

Para Ventura (2008, p. 72), "Era difícil ser indiferente naqueles tempos apaixonados. Havia muito o que discutir". Medeiros (1999, p. 70) conclui que "O ano de 1968 estava grávido de todas as emoções, desejos, histórias, expectativas, sofrimentos e temores".

CAPÍTULO IV

METODOLOGIA

4.1 TIPO DE PESQUISA

Este trabalho objetiva explicitar, por meio da análise de crônicas selecionadas de Nelson Rodrigues, publicadas em 1968, de que forma o jornalista e intelectual via e traduzia, de forma peculiar e particular, utilizando-se do espaço e dos recursos opinativos da crônica jornalística, um ano que mudou os rumos da história do Brasil e do mundo.

De acordo com Gil (1996) o critério de classificação de uma pesquisa se dá de acordo com os seus objetivos gerais. Esta é, portanto, uma pesquisa exploratória, pela sua finalidade de proporcionar maior familiaridade com o objeto estudado e torná-lo mais explícito:

Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado (GIL, 1996, p. 45)

Gil (1996) acrescenta ainda que a pesquisa exploratória envolve geralmente levantamento bibliográfico e análise de exemplos que estimulem a compreensão. O procedimento técnico para a análise desses textos teve como base o conceito de Bardin (apud DAMASCENO, 2008) para a análise de conteúdo (AC):

[...] a análise de conteúdo abrange as iniciativas de explicitação, sistematização e expressão do conteúdo das mensagens, com a finalidade de se efetuarem deduções lógicas e justificadas a respeito da origem dessas mensagens (quem as emitiu, em que contexto e/ou quais efeitos se pretende causar por meio delas) (BARDIN apud DAMASCENO, 2008, p. 34). Segundo Bardin, a análise de conteúdo pode ser definida como: Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (apud DAMASCENO, 2008, p. 34).

4.2 AMOSTRA

Reúnem o maior número de crônicas do autor publicadas em 1968 os livros O Óbvio Ululante e A Cabra Vadia, tendo sido o segundo escolhido por cobrir um período superior (janeiro a outubro), em relação ao primeiro (janeiro a julho) ainda que o número de crônicas de O Óbvio seja superior.

O critério para a seleção da amostragem (crônicas), considerando-se o objetivo de expor como o cronista pensava os fatos e ideologias referentes, especificamente, ao ano de 1968, foi a escolha da primeira crônica de cada mês, de janeiro a outubro, da edição de 1995 de A Cabra Vadia, pela editora Companhia das Letras – em que as crônicas são organizadas cronologicamente, ao contrário da edição original publicada ainda em 1968, em que as crônicas apareciam em ordem aleatória.

Essas dez crônicas são, portanto, o objeto de análise (AC) deste trabalho: "O Ex-covarde" (14/01/1968); "A doença infantil do palavrão" (01/02/1968) "Terreno baldio" (14/03/1968); "Os dráculas" (05/04/1968); "O "velho"" (03/05/1968); "A bofetada" (03/06/1968); "O negro azul" (01/07/1968); "O furioso Nelsinho Mota" (01/08/1968); "É triste ser Neruda" (13/09/1968) e "A ira de Vandré" (01/10/1968).

4.3 ANÁLISE DE CONTEÚDO

Neste tópico, as crônicas são analisadas com o objetivo de se descrever o seu conteúdo e a sua mensagem, apontando indicadores que permitam a dedução ou inferência acerca do que trata cada crônica, considerando-se os seus núcleos de sentido, direta ou indiretamente.

4.3.1 "O Ex-covarde" (14/01/1968)

Ao analisar esta crônica, publicada em janeiro de 1968 em O Globo, percebe-se que Nelson procurava, assumidamente, utilizar o espaço no jornal diário para travar o seu embate com os campos intelectual, político e artístico da época. Logo nas primeiras linhas do texto, um interlocutor pergunta a Nelson: "Você, que não escrevia sobre política, por que é que agora só escreve sobre política?" A essa pergunta Nelson responde dizendo que é um "ex-covarde". Ele escreve que, à época, era muito difícil não ser canalha: "Por toda a parte, só vemos pulhas." (RODRIGUES, 1995, p. 14), escreve, referindo-se aos simpatizantes da esquerda e aos jovens manifestantes que se opunham ao regime militar. E continua, em ataque aos opositores ideológicos, argumentando que não são esses pulhas anônimos e obscuros:

Não. Reitores, professores, sociólogos, intelectuais de todos os tipos, jovens e velhos, mocinhas e senhoras. E também os jornais e as revistas, o rádio e a TV. Quase tudo e quase todos exalam abjeção (RODRIGUES, 1994, p. 14).

Para o autor, o que há por trás dessa atitude é o medo:

Por medo, os reitores, os professores, os intelectuais são montados, fisicamente montados, pelos jovens. Diria Marcelo que estou fazendo uma caricatura até grosseira. Nem tanto, nem tanto. Mas o medo começa nos lares, e dos lares passa para a igreja, e da igreja passa para as universidades, e destas para as redações, e daí para o romance, para o teatro, para o cinema. Fomos nós que fabricamos a "Razão da Idade". Somos autores de impostura e, por medo adquirido, aceitamos a impostura como a verdade total. Sim, os pais têm medo dos filhos, os mestres dos alunos (RODRIGUES, 1994, p. 15).

Para além do cunho político da prosa em criticar a suscetibilidade dos vários campos da sociedade, como a família e a igreja, aos novos movimentos, vê-se também que Nelson aponta para uma alteração comportamental muito comum naquele ano: a inversão de valores por meio da qual o jovem era tido como formador de opinião e, muitas vezes, líder.

Nelson explica que é um "ex-covarde" porque, ao contrário de reitores, sociólogos, professores e tantos outros intelectuais, perdeu o medo das esquerdas: "Tive medo, ou vários medos, e já não os tenho" (RODRIGUES, 1994, p. 16). O trecho que encerra esta crônica reúne alguns dos temas sobre os quais Nelson escreveria outros textos durante 1968, com suas críticas às esquerdas e suas menções, com certo tom de desprezo, a personalidades icônicas:

[...] O meu medo deixou de ter sentido. Posso subir numa mesa e anunciar de fronte alta: — "Sou um ex-covarde". É maravilhoso dizer tudo. Para mim, é de um ridículo abjeto ter medo das Esquerdas, ou do Poder Jovem, ou do Poder Velho ou de Mao Tsé-tung, ou de Guevara. Não trapaceio comigo, nem com os outros. Para ter coragem, precisei sofrer muito. Mas a tenho. E se há rapazes que, nas passeatas, carregam cartazes com a palavra "Muerte", já traindo a própria língua; e se outros seguem as instruções de Cuba; e se outros mais querem odiar, matar ou morrer em espanhol — posso chamá-los, sem nenhum medo, de "jovens canalhas" (RODRIGUES, 1994, p. 17).

4.3.2 "A doença infantil do palavrão" (01/02/68)

Aqui, Nelson trata do novo hábito, comum do período, de incluir em cada frase um palavrão, como dito no capítulo anterior. É o que ele chamava de "doença infantil do palavrão". Contudo, o palavrão não estava apenas na boca dos jovens e da sociedade comum. Estava também no teatro. Para o autor, se os palavrões fossem retirados da peça O Rei da Vela[15]o espetáculo não duraria cinco minutos. A crônica contém as impressões de Nelson sobre uma apresentação da peça, no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro: "As falas de Oswald de Andrade não chegam ao público ou, na melhor das hipóteses, são de uma eficácia mínima. Quem reinou, através dos três atos, foi o palavrão" (RODRIGUES, 1994, p. 35). Segundo ele, a platéia que aquela noite assistia à encenação era antipolítica, antiideológica e surda à mensagem da peça. "A única coisa que [...] fascinava no espetáculo era a pornografia" (RODRIGUES, 1994, p. 36). O cronista dá vários sinais de seu conservadorismo e da oposição que assumia diante do novo costume:

O público só irá, daqui por diante, ao espetáculo pornográfico. A platéia exige as duas coisas: — o palavrão e o gesto que lhe corresponde. É como se a obscenidade de palco justificasse e absolvesse a obscenidade do espectador. Se eu conhecesse o padre Ávila, ou outro sociólogo, ou quem sabe um psicanalista, ou ainda um pediatra, havia de perguntar-lhe: — há ou não, por todo o Brasil, a doença infantil do palavrão? (RODRIGUES, 1995, p. 37).

4.3.3 "Terreno baldio" (14/03/68)

A primeira idéia contida na crônica, ainda que secundária, configura uma crítica rasa e sarcástica ao jornalismo: "Ah, como é falsa a entrevista verdadeira!" (RODRIGUES, 1994, p. 54). Antes de adentrar no cerne no texto, Nelson argumenta:

[...] trabalho em jornal desde os treze anos e tenho 55 anos. Façamas contas. São 42 anos. Depois de 42 anos de redação, o sujeito acumulou uma experiência em nada inferior às obras completas de William Shakespeare. Posso ir à boca de cena, alçar a fronte e anunciar para a platéia: — "Eu vi tudo e sei tudo". Não vejam imodéstia nas minhas palavras. Qualquer repórter de polícia, em fim de carreira, terá a mesmíssima vidência shakespeariana. O mérito não é nosso, mas estritamente profissional. E, depois de 42 anos de vida jornalística, posso repetir: — nada mais cínico, nada mais apócrifo do que a entrevista verdadeira.

Não me esquecerei nunca do meu primeiro entrevistado. Se não me engano, era o diretor da Casa da Moeda (ou seria da Imprensa Nacional?). Mas não importam os títulos do homem, nem suas funções. O entrevistado é sempre o mesmo, variando apenas de terno e de feitio de nariz. No mais, há uma semelhança espantosa. Nem importa o assunto. Seja batalha de confete, ou Hiroshima, um cano furado ou os Direitos do Homem. O que vale é o cinismo gigantesco. O sujeito não diz uma palavra do que pensa, ou sente (RODRIGUES, 1994, p. 54).

O autor afirma que, após anos realizando entrevistas, chegou à certeza de que "ninguém devia ser entrevistado, nem os santos" (RODRIGUES, 1994, p. 55). É então que tem que a idéia de realizar "entrevistas imaginárias": "a única maneira de arrancar do entrevistado as verdades que ele não diria ao padre, ao psicanalista, nem ao médium, depois de morto" (idem). Nelson se diz fascinado pela entrevista imaginária, e observa que é preciso arranjar uma paisagem: "Não podia ser um gabinete, nem uma sala. Lembrei-me, então, do terreno baldio. Eu e o entrevistado e, no máximo, uma cabra vadia" (idem). Nelson conta que realizou entrevistas imaginárias com várias personalidades, de jogadores de futebol a literatos, mas sentia que faltava alguém: D. Hélder Câmara, representante da chamada Igreja progressista. "De todos os vivos ou mortos do Brasil, era ele o mais urgente, o mais premente. E, de mais a mais, uma batina é sempre paisagística" (RODRIGUES, 1994, p. 55).

Como observa Facina (2004), Nelson acusava D. Hélder de desvirtuar o papel da igreja, rebaixando, por meio da política, as tarefas mais elevadas da religião. Um trecho da crônica:

Faço a pergunta: — "Que notícias o senhor me dá da vida eterna?". Riu: — "Rapaz! Não sou leitor do Tico-Tico nem do Gibi. Está-me achando com cara de vida eterna?". No meu espanto, indago: — "E o senhor acredita em Deus? Pelo menos em Deus?". O arcebispo abre os braços, num escândalo profundo: — "Nem o Alceu acredita em Deus. Traz o Alceu para o terreno baldio e pergunta".

Ele continuava: — "O Alceu acha graça na vida eterna. A vida eterna nunca encheu a barriga de ninguém". D. Hélder falava e eu ia taquigrafando tudo. Aquele que estava diante de mim nada tinha a ver com o suave, o melífluo, o pastoral d. Hélder da vida real. E disse mais: — "Vocês falam de santos, de anjos, de profetas, e outros bichos. Mas vem cá. E a fome do Nordeste? Vamos ao concreto. E a fome do Nordeste?" (RODRIGUES, 1994, p. 56).

É clara a desqualificação que Nelson faz da personalidade católica. Na entrevista imaginária, D. Hélder fuma e usa linguajar grosseiro, além de afirmar que sua aproximação com as esquerdas se deve a certa malandragem e a um desejo de autopromoção:

Partes: 1, 2, 3


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