Música, experiência e memória: algumas considerações sobre o desenvolvimento da partitura a partir das obras de Max Weber e Walter Benjamin



  1. Do século XII à modernidade
  2. Do inicio do desenraizamento à perda da memória
  3. Da narrativa à partitura
  4. Nota sobre Adorno...
  5. Bibliografia

A cultura musical ocidental se diferencia das demais, entre outros fatores, porque o desenvolvimento de nossa música está marcado por um tipo de racionalismo que é específico do Ocidente. Sob o jugo da Igreja, os mais distintos parâmetros sonoros e as mais diversas práticas musicais foram sistematicamente organizados e regulamentados desde o século XII. Este primeiro impulso à racionalização do material sonoro-musical foi seguido por uma etapa de "modernização secular" da vida musical, impulsionada, a partir do Renascimento, pelas atividades especulativas e práticas dos "reformadores" da música[2]. Alguns séculos mais tarde, os intelectuais ilustrados assumiram o ideal renascentista de que a música deveria ser "elevada" ao nível de uma ciência. Estes intelectuais obraram intensamente em direção à racionalização da prática musical, até o ponto que seria possível compor com um dicionário de figuras musicais.

Entre os filhos pródigos deste processo está nossa notação musical, que representa um fenômeno singular dentro da história da música dos mais distintos povos. Essa notação foi verdadeiramente revolucionária, pois, entre outras coisas, possibilitou a consolidação de uma música baseada em progressões de acordes, a formação das grandes orquestras, a duração e repercussão de nosso "patrimônio" musical e o surgimento da figura do compositor moderno. Ao mesmo tempo, essas conquistas também são manifestações de um processo latente de transformações sociais que mostrará todo o seu vigor a partir do século XIX.

O estudo do desenvolvimento da partitura nos servirá de ponto de partida para algumas reflexões sobre nossa "falta de memória". Tais reflexões, que devem ser entendidas como uma tendência e não como uma realidade consumada, estarão limitadas historicamente ao período que antecede a popularização das tecnologias de gravação e reprodução sonora inauguradas com o advento do fonograma.

Do século XII à modernidade

A necessidade de codificar a experiência musical é algo comum a muitos povos em distintas épocas. Seja como um reforço para a memória ou como uma forma de comunicação, a notação musical sempre foi um importante meio de transmissão dos conhecimentos musicais. O surgimento da notação musical escrita pressupõe a existência de uma classe social letrada, que se utiliza de letras do alfabeto, sílabas, palavras, números, signos gráficos, entre outros recursos, para construir um sistema de representação da experiência musical. Desde os babilônios, sumérios e assírios podemos encontrar vestígios tanto de sistemas de notação pictográficos quanto de sistemas de notação fonéticos, destinados especialmente a descrever o processo de afinação dos instrumentos e a indicar aos instrumentistas as formas de acompanhamento do canto.

Até o século XI os instrumentistas europeus não dispunham de uma escrita musical, pois ao contrário do que se observa como "regra geral", a escrita musical ocidental foi desenvolvida primeiramente para o canto. A prática do cantochão foi codificada especialmente através dos neumas, signos gráficos utilizados para representar melodias, que relacionavam canto e texto. Esse tipo de notação visava basicamente lembrar o leitor de características fundamentais de uma melodia que já havia sido aprendida, e não determinar de forma exata a altura dos sons. A necessidade de criar signos específicos para esta função estava muito mais presente em textos teóricos.

As ações que influenciaram profundamente o curso do desenvolvimento de nossa escrita musical foram sistematizadas por Guido D"Arezzo que, em 1030, propôs e implementou uma reforma na notação musical do Ocidente. (SADIE, 2001: 101) "Baseado no uso de uma pauta, seu sistema mudou completamente o relacionamento entre escrita e música em grande parte da Europa em um período extraordinariamente curto, e criou as pré-condições para desenvolvimentos de grande importância na música ocidental", afirmam Hiley e Szendrei. A simplicidade e praticidade desse sistema, e sua capacidade de incorporar elementos de sistemas anteriores, são fatores fundamentais que explicam o rápido sucesso da reforma de D"Arezzo. Ao mesmo tempo, este teórico contou com o apoio do Papa João XIX, que ficou encantado com a possibilidade de que uma melodia desconhecida pudesse ser aprendida somente pela notação. O sistema guidoniano tornou-se a notação musical oficial de Roma justamente num período em que o papel do papado e o relacionamento entre Roma e as igrejas locais se transformavam. A disseminação desse sistema "coincidiu" com a época das cruzadas, e fez parte do "arsenal" (SADIE, 2001: 101) de reformas do Papa Gregório VII destinadas a facilitar a reforma litúrgica e preservar a unidade e a centralização dos costumes.


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