Um escritor, duas histórias: Machado de Assis e a crítica de José Veríssimo e Sílvio Romero

Enviado por Edison Bariani


  1. Resumo
  2. Introdução
  3. Três críticos, duas histórias
  4. Sílvio Romero e o mestiço
  5. José Veríssimo e a autonomia do gênio
  6. Crítica e nacionalidade
  7. Referências bibliográficas

Resumo:

As leituras críticas da obra de Machado de Assis presentes na História da literatura brasileira de Sílvio Romero e na de José Veríssimo -as primeiras a apresentarem uma visão da literatura brasileira como totalidade orgânica -indicam não somente duas diferentes formas de exercício da crítica e de avaliação da obra machadiana, mas assinalam, sobretudo, duas distintas formas de percepção da nacionalidade e aspiração a ela na sociedade brasileira do início do século XX.

Palavras-chave: Machado de Assis. Crítica. História. Literatura brasileira. José Veríssimo. Sílvio Romero.

One writer, two histories: Machado de Assis and criticism of José Veríssimo and Sílvio Romero.

Abstract:

he critical readings on Machado de Assis"s works present in History of Brazilian literature by Sívio Romero and History of Brazilian literature by José Veríssimo – first presented a view of Brazilian literature as organic totality – point not only two different forms of critical exercise and judgment of machadian works, they also distinguish two forms of perception and aspiration to nationality in Brazilian society at the beginning of 20th century.

Key words: Machado de Assis. Criticism. History. Brazilian literature. José Veríssimo. Sílvio Romero.

1. Introdução

A obra de Machado de Assis é, na literatura brasileira, intensamente estudada, talvez, a mais estudada pelos críticos brasileiros (e estrangeiros). Em vida, o escritor já era reconhecido e saudado pela crítica literária, que nascia naquele final de século XIX como atividade autônoma, ofício. O próprio Machado foi um dos precursores da crítica, já na década de 1870 escrevia sobre a produção literária no Brasil[1]De fato, a crítica como ofício e a maturidade do romance literário (coroada na obra de Machado) são contemporâneos no Brasil; enquanto o escritor produzia sua obra, a crítica literária construía seus sujeitos e instrumentos. No bojo do amadurecimento e consolidação da literatura brasileira como produção autônoma, advinha a crítica -como pretensa consciência e autocrítica desse processo.

No final do século XIX, a formação social brasileira esboçava o estabelecimento de uma sociedade civil (por meio da abolição da escravidão) e buscava sua identidade, dando seqüência ao processo social de construção da nação e da cultura brasileiras; nesse processo, produzia também sua problematização. A procura de tal identidade estava predominantemente marcada pela noção de raça, empregada na tentativa de encontrar originalidade, de dar conta da heterogeneidade do povo e, sobretudo, de marcar claramente as diferenças (a hierarquia) entre os grupos sociais que se esboçavam agora como classes. Encontrar essa identidade, o signo da nacionalidade, era tarefa premente da intelectualidade brasileira e, na literatura, tornou-se procedimento necessário, critério de avaliação, parâmetro de gosto, referencial do realismo da obra no cotejamento desta com o entorno social: método.

A obra de Machado de Assis foi objeto (problemático) desse processo, nela, enquanto se reconhecia a originalidade do feito, paradoxalmente, erigia-se o enigmático da realização. Como entender a novidade da obra do autor nos termos dos critérios da nacionalidade? O fruto primoroso da árvore da literatura brasileira, estranhamente, parecia não ter raízes no solo nacional. Prodígio da criação, a obra machadiana também se insinuava como esfinge da nacionalidade.

2. Três críticos, duas histórias

Três foram os principais críticos literários desse período de emergência do ofício e, concomitantemente, da produção do sumo da obra machadiana, do final do século XIX ao início do século XX: Araripe Júnior, Sílvio Romero e José Veríssimo[2]

Os três autores enfrentaram a obra de Machado de Assis com coragem intelectual e instrumentos críticos pouco sofisticados (FERNANDES, 2001), em trabalhos circunstanciais ou sistemáticos. Araripe Jr. teceu suas considerações em trabalhos pontuais, analisando este ou aquele livro de Machado, quando da publicação; inicialmente, procurou nas criações do escritor as evocações do ethos nacional (VENTURA, 1991: 101), mas terminou por enveredar pelo impressionismo crítico e render-se aos desafios das -ainda que tênues, segundo ele -relações entre os personagens, situações e o característico da vida brasileira (GUIMARAES, 2004: 275-8). Todavia, foi com Sílvio Romero e José Veríssimo que a análise crítica da obra de Machado de Assis teve um tratamento amplo e sistemático; também produziram críticas pontuais, de circunstância, mas deram – ademais -um tratamento intensivo ao autor e à obra, mormente em seus trabalhos críticos de maior fôlego: suas histórias da produção literária brasileira, ambas nomeadas História da literatura brasileira, publicadas em 1888 (Sílvio Romero) e em 1916 (José Veríssimo).


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