Quando Gaetano Mosca publicou o seu Elementi di Scienza Politica, em 1896, lançou com ele um programa de pesquisa novo e promissor. O sociólogo italiano determinou que as "minorias politicamente ativas" deveriam ser, para os cientistas políticos, o objeto de análise mais importante. Dado o caráter oligárquico de todos os governos, um estudo científico da política teria de estar atento não ao número de governantes (conforme a classificação aristotélica tradicional: um, poucos, muitos), mas aos mecanismos sociais e políticos responsáveis pela formação, pelo recrutamento, pela socialização e pela conduta dessas minorias.
A Ciência Política, principalmente anglo-saxã, levou a sério esse decreto. Talvez não seja exagerado afirmar que as "elites políticas" foram um dos assuntos mais estudados ao longo do século XX. Em especial depois das traduções para o inglês das obras de Vilfredo Pareto (Mind and Society, editado em 1935) e de Mosca (The Ruling Class, em 1939), uma série de trabalhos empíricos sobre as minorias dominantes nas sociedades democráticas veio à luz. Após a II Guerra, vários cientistas sociais, de orientações diversas, dedicaram-se ao estudo das elites políticas e acrescentaram às contribuições clássicas um significativo avanço metodológico. Nomes como Harold Lasswell, James Burham, David Riesman, Floyd Hunter, Charles Wright Mills, Robert Dahl, William Kornhauser, Seymour Lipset, Maurice Duverger, Raymond Aron, Giovanni Sartori, Peter Bachrach, Morton Baratz, Tom Bottomore, Ralph Miliband produziram, cada um à sua maneira, estudos ligados ao problema fundamental que consiste em saber como se formam e são recrutadas as minorias organizadas que dominam uma dada comunidade.
A partir de meados da década de 1960 e início da década de 1970 houve, contudo, uma diminuição no interesse dos cientistas sociais pelo tema. A Ciência Política e a Sociologia Política redes-cobriram as instituições políticas; ao mesmo tempo em que voltaram os estudos sobre regimes, partidos e eleições, o Estado capitalista e suas relações com a economia capitalista acabou polarizando as atenções de boa parte dos estudiosos.
Essa constatação, entretanto, deve ser qualificada, tendo em vista as particularidades do campo científico dos diversos países. Se houve uma queda significativa nos estudos sobre as elites políticas nos países centrais (Estados Unidos e Europa), não chegou a ocorrer um desaparecimento completo das pesquisas dedicadas às minorias politicamente ativas1. O declínio no interesse pelo assunto, porém, foi bem mais radical no Brasil, onde, a partir de meados da década de 1980, os estudos sobre as elites políticas, que nunca foram abundantes2, praticamente desapareceram.
Uma das razões que esteve na origem desse desinteresse pelo tema reside no surgimento de novas perspectivas teóricas e novos programas empíricos de pesquisa, cujas indagações não mais conferiam às elites políticas e sociais um lugar central. Para sermos mais específicos, o arrefecimento da preocupação dos cientistas sociais pelo tema das elites deve-se, em essência, às críticas formuladas a partir de três perspectivas bem distintas: o estruturalismo marxista, o institucionalismo de escolha racional e a Sociologia Relacional de Pierre Bourdieu. As críticas são contundentes e, não raro, convincentes. Não acreditamos, porém, que as aceitar implique necessariamente o abandono das elites políticas como objeto de estudo importante para a Ciência Política e a Sociologia Política.
Nicos Poulantzas (1982; 1986) atacou o despropósito teórico e político que consistia em trazer, para o interior do marxismo, a "problemática" das elites políticas. Os termos dessa recusa eram, resumidamente, os seguintes: (i) o funcionamento do Estado capitalista e o seu caráter de classe devem ser explicados a partir dos vínculos objetivos existentes entre essa estrutura específica e a sociedade capitalista; (ii) desse ponto de vista, os indivíduos que controlam os principais postos do aparelho estatal (a burocracia), independentemente de sua origem social, crenças coletivas e motivações subjetivas, estão destinados a reproduzir a "função objetiva" do Estado, que consiste em manter a coesão de uma formação social baseada na dominação de classe; (iii) conclui-se, então, que as questões centrais para o pesquisador de orientação marxista devem ser "que relações sociais o Estado reproduz?" e "com que fins?" e não "quem governa?", "quem decide?", "quem influencia?" etc., já que o que importa, na realidade, são os efeitos objetivos das decisões políticas e não as intenções subjetivas dos decisores. Por essa razão, Göran Therborn afirmava que uma teoria marxista da dominação deveria aplicar ao mundo da política a mesma problemática que Marx aplicara à estrutura econômica, isto é, a "problemática da reprodução". O Estado, enfim, é definido e explicado por aquilo que ele reproduz e não pela natureza de seus ocupantes (THERBORN, 1989, p. 155-157).
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